sexta-feira, 31 de maio de 2019

Depois da multidão

E mais uma vez depois que cessa o barulho da multidão que me cercava, e que abafava os gemidos do meu coração, sou lançado num oceano de silêncio e de profundo desgosto. Me sinto a pior pessoa daqui, o menos talentoso, o mais incômodo, o mais dispensável e trivial... 

Trivial

Sinto como se não fosse bom o suficiente para liderar, nem sequer bom o suficiente para seguir ordens simples. Me sinto como se fosse um animal bruto, incapaz de compreender comandos por mais simples que eles sejam. Me sinto indigno de olhar os outros nos olhos e ainda que racionalmente eu saiba que nenhuma dessas coisas é verdade eu ainda me sinto frágil, ainda me sinto como se não merecesse sequer ser chamado de homem. Me sinto invisível aos olhos de todos.

Frágil

E mais uma vez depois de todo aquele barulho dos que me rodeavam cantando, sorrindo e brincando, eu sou lançado em trevas profundas. E aqui, no escuro, enquanto tento abafar os gritos do meu coração com as notas da orquestra, eu choro em pensar que, se morresse hoje, não faria mais do que um favor ao mundo por deixar de insistir em uma existência tão patética, tão fraca e incapaz.

Incapaz.

Por conta dessa paranoia nojenta eu me vejo rastejando de novo, implorando por migalhas de atenção e carinho, obcecando em receber do outro alguma porção miserável do amor que falta em mim. Escuridão, mesmo enquanto olho para a luz ainda sinto que dentro de mim há apenas essa escuridão, fria e solitária. Uma solidão que, do fundo do abismo, grita que para sempre ficarei só, e que nunca serei importante para ninguém, nunca serei realmente bom em nada, que nunca serei de fato alguém. 

Lágrimas? 

Descontente demais para isso. A profundidade dessa angústia é tamanha que ela encontra apenas uma aridez descomunal. A mesma sensação de uma grande sala vazia e quente, absurdamente quente e tão seca que toda minha pele protesta em agonia pela falta da umidade, a mesma umidade que traz o frescor de um dia tranquilo... Só há o desconforto de um dia caótico, de uma mente distorcida, de uma mente prestes a desistir. 

Desistir... 

Palavra usada por homens fracos, fracos demais, para cumprir seus objetivos, para alcançar seus sonhos e aspirações. Estrou prestes a desistir e apenas não o faço porque não sei o que faria quando abandonasse tudo que tenho aqui. O que faria depois? A perspectiva de um futuro incerto demais me assusta. Mas não é exatamente isso que tenho agora? E quando penso em abandonar tudo me pergunto: tudo o que? O que eu tenho de tão importante, de tão especial, que não possa jogar no lixo na primeira esquina que me surgir? 

Assim

É um fim de tarde vazio. E eu nem sei, do motivo pra esse desânimo todo. Vontade de dormir, mas sem querer dormir. Vontade de conversar mas sem ter sobre o que conversar. Vontade de ir para algum lugar, mas sem saber onde... Vontade de fazer alguma coisa, mas sem saber o quê... 

Sei lá, hoje o dia tá meio sem graça, meio coisado. Falta alguma coisa, me falta alguma. Falta um pouco de cor, um pouco de emoção... Algo que me tire desse cinza desbotado... Mas o céu está tão bonito, cheio de nuvens em tons de cinza, de um bege escuro, de um azul claro, mas eu não vejo graça nesse céu. Ele não me encanta mais... A música que eu escuto não me encanta mais, não faz meus olhos brilharem. Tá tudo assim, sem graça, sei lá... E eu nem sei, dessa falta de graça toda... 

Estou aqui, sob a varanda, olhando o céu, ouvindo música, e ainda que meu coração seja preenchido pela beleza dessas coisas eu ainda sinto um vazio... Não é aquele vazio angustiante de antes, que me sufocava, que me fazia ficar desesperado para encontrar algo que o preenchesse, que me preenchesse. É um vazio que é simplesmente vazio. 

Sem graça, 

assim, 

sei lá... 

É um fim de tarde vazio. 

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Coração aberto

Sinto meu coração aberto, quentinho. Fecho meus olhos numa carinha de felicidade, um sorriso puro nos lábios. Se olho ao redor vejo um mundo cor de rosa, e é bem bonito... Minha visão colorida se mistura então aquela visão triste, cinza e fechada de outros. E sigo assim, num dia com o coração cheio de amor, esperando alguém com quem possa partilhar e outro dia absolutamente decidido em fugir de toda e qualquer interação com o outro. 

Dicotomia de um coração repleto de amor, um coração renascido das cinzas, um coração que agora tem medo de amar, e que prefere o amor próprio ao do próximo, um coração que apesar das dores ainda deseja amar e ser amado. 

Seguindo então assim, buscando a constância na minha constante inconstância. Seguindo em busca de um amor capaz de vencer meu medo do amor. Buscando um amor que não seja apenas amor, mas que me faça entender aquela coisa a mais que há nos amores que vejo por aí... 

E vendo-os por aí eu sonho com o dia em que serei visto por aí também. E vendo-os eu me pergunto se haverá alguém por aí capaz de quebrar as barreiras que ergui contra todos que tentam invadir meu jardim. Vendo-os me pergunto se existe mesmo algo chamado amor ou se apenas são pessoas que convencionaram juntar-se e chamarem isso de amor. Enfim, vendo-os me encho de amor, e sinto meu coração aberto, quentinho.

Penso então naqueles sorrisos bobos, que me desconcertam com facilidade, que me fazem esquecer quem sou e onde estou, que me fazem sorrir como uma criança olhando a tela do celular ou escutando aquela música que cantávamos juntos. Isso faz eu sentir meu coração aberto, quentinho e, no entanto, ainda é um coração com medo do próprio amor. 

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Da solidão como condição

Nesta tarde quente e seca, em que meu nariz protesta contra o roubo da pouca umidade do ar que há na cidade onde moro, fui abatido por uma potente e desanimadora sensação. 

Ontem descrevi, ainda que breve e superficialmente, o estado de coisas em que se encontra a consciência moral das pessoas que me cercam, e consequentemente da minha também. Infelizmente minhas condições avaliativas estão constantemente sendo podadas pelo meu estado físico que, graças ao meu trabalho como professor secundário e aos numerosos compromissos na igreja, pouco ou nada tem me deixado para usar em investigações filosóficas sobre o que quer que seja. No entanto, se é que o conseguirei fazê-lo com algum requinte, gostaria de retomar o tema por um prisma semelhante. 

Fui acometido por uma profunda sensação de desânimo em relação a todas as pessoas. Acho que minha desesperança no mundo que me cerca se tornou tamanha que já não vejo mais motivos para continuar lutando, para continuar ajudando as pessoas, para continuar vivendo em meio a elas como um igual. Por um momento desejei ser como um eremita, vivendo distante de todos, mas de certo modo um eremita espiritual, alguém que mesmo vivendo entre os outros se encontra muito distante de todos. 

Não vejo outra saída senão a de aceitar a solidão que já me é imposta. Não consigo tentar fazer os outros compreenderem os valores e cada dia mais me distanciar desses mesmos valores. Já não aguento mais olhar para essas pessoas e desejar que sejam melhores, isso porque já não aguento mais olhar no espelho e ver que a cada dia me torno pior, não contaminado por elas, mas contaminado pela mesma perversão que as contaminou. 

Me encontro então vivendo num mundo que não existe, seguindo e obedecendo valores que ninguém mais segue ou obedece. Buscando uma responsabilidade, um respeito, um carinho, que não mais existem em parte alguma. As pessoas decaíram tanto que são hoje incapazes de seguir uma regra simples, de aceitar uma convenção social qualquer, pelo simples apego ao caos, e elas vivem então nesse mesmo caos, na completa desordem. 

Não quero viver assim. Ainda que eu reconheça a desordem que nos rodeia, algo de certo deve haver, ou do contrário seríamos lançados na destruição completa em poucos dias. Algo de certo norteia sociedade, algo nos guia desde o acordar até o sol se pôr, mantendo em ordem aquilo que essencialmente precisa estar em ordem. Mas parece que as pessoas preferem o caos, a desordem, parece que elas prezam por aquilo que não pode ser de maneira alguma controlado, e buscam justo aquilo que eu mais abomino.

Por isso meu completo desânimo, minha vontade de não mais conversar além do absolutamente necessário. Por isso meu desejo de não mais ir atrás, de não mais entender, de não mais buscar compreender o outro, sua dor, pois quanto mais me esforçava nessas empreitadas, mais me sentia feito de idiota. 

Acredito que, até o momento em que encontre alguém com quem compartilhe os mesmos ideais, que busque e que rejeite as mesmas coisas, deverei andar sozinho. É uma solidão, isso é fato, mas já não a vejo como uma punição injusta e sim como uma condição. É melhor sentir-me sozinho e preservado de toda a imundície caótica que me cerca, do que viver rodeado de pessoas e ficar a cada dia mais e mais debilitado intelectualmente e mais contaminado, com a destruição que habita o coração de cada homem. 

Minha atitude será a de um olhar distante, frio, seguro da peste que nos mata e concentrado em compreender o problema do vazio do homem, vazio do âmago que aterroriza o ser desde o primeiro pensamento. 

terça-feira, 28 de maio de 2019

Da decadência

Não tenho gostado de olhar muito ao meu redor ultimamente. Não tenho gostado das coisas que vejo. Tudo o que vejo é degradação, de todo tipo. Em todo canto há corrupção, e não só aquela corrupção que vemos a todo momento nos veículos de comunicação, me refiro a uma corrupção muito mais profunda, muito mais imunda. Eu me refiro a corrupção moral, a corrupção da alma humana. 

Vejo pessoas tão preocupadas consigo mesmas que se tornam incapazes de perceber a destruição que causam umas as outras. Vejo pessoas em estado de pânico absoluto, alimentando relacionamentos abusivos em níveis extremos por medo de ficarem sozinhas de algum modo. Vejo pessoas matando os próprios sonhos, abafando os próprios gritos mais profundos apenas para se manterem em empregos que não suportam na tentativa de se manterem estáveis numa vida que não aguentam mais viver. 

Não gosto disso, de nada disso. De pessoas que não conseguem manter a constância de uma amizade carinhosa, que apenas seguem seus puros interesses mais pervertidos em usar o outro. Daquelas que vivem tão fechadas no próprio mundo que nunca lhes passou pela cabeça que outras pessoas também existem ao seu redor. Pessoas detentoras de uma frialdade assustadora. Como pode um coração humano, por onde corre seu sangue, ser assim tão frio?

E isso eu observo em toda parte. Seja no meu emprego, onde estou rodeado de pessoas da mais baixa estatura social e que acreditam piamente trabalhar em prol da educação quando na verdade se esforçam incansavelmente para a completa destruição do intelecto humano, seja na Igreja, onde a decadência moral atingiu desde o coroinha até o cardeal. Todas as esferas humanas se encontram em avançado estado de decomposição. O homem se encontra em constante e vertiginosa decadência. 

Já não é mais capaz de sorrir com uma criança que brinca inocentemente, já não enxerga a beleza de uma rosa ou o perfume de uma flor, já não entende o significado da música e da poesia e até mesmo o belo perdeu lugar na labuta diária por poder, status e dinheiro...

Onde foi parar o calor humano? Onde foi parar aquele sorriso real, sem milhares de máscaras? Onde foram parar, aliás, as pessoas de verdades, desprovidas de toda sorte de adereços que usam para esconder seu verdadeiro eu? Nós estamos a todo momento olhando outras pessoas mas somos absolutamente incapazes de ver quem são de verdade. E, ao menos para mim, isso é desesperador! 

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Do ser

Eu sei, como você se sente sufocado por todos a sua volta, sei como se sente deixando-se de lado para ajudar alguém que ama e sentindo-se vazio quando percebe que deu tudo de si e nada recebeu em troca. Sente como se algo te sufocasse, como tentáculos prendendo as pernas, os braços e a esmagar o seu pulmão. É horrível, como se não pudesse correr, como se não pudesse sequer abaixar para abraçar a si mesmo. 

Esse peso, esse sentimento sufocante, essa névoa que não te deixa enxergar nada é o vazio que ficou quando esvaziou-se de si mesmo. É o buraco deixado por esquecer do seu amor e por se angustiar no vazio que ficou ao deixá-lo partir.

É horrível não é? Olhar-se no espelho e não reconhecer a imagem nele refletida. Ouvir as próprias palavras e não reconhecer quem as diz. É horrível não saber mais quem somos e nem o que queremos. 

Isso porque não podemos nos abandonar no encontro com o outro. O outro deseja um encontro com nosso ser, e por isso não podemos abandonar esse ser. Precisamos ser para encontrar o outro. Não podemos pegar do outro para nós, isso nos fere, isso pesa, isso sobra de nós. Tudo o que podemos fazer é nos afinar uns nos outros, aparar as arestas e retirar os excessos, tudo isso do confronto, do contato, com o outro, e é nesse processo que vamos descobrindo quem somos, sem nos abandonarmos. Não podemos existir aos poucos, ou somos quem somos ou não somos nada. 

Quantas coisas existem em nós que não sabemos de onde vieram. A começar pela nossa carga genética, há cobras e lagartos ali e não sabemos de onde veio tudo isso. Nossos gostos, nossas manias, nossas ideias, nossos valores. Quantas coisas pegamos dos outros, acrescentamos a nós sem nos perguntarmos se aquilo pode, ou não, nos acrescentar de verdade. Simplesmente tomamos para nós. Terminamos por funcionar pela simples aglutinação de problemas. Quando percebemos já estamos carregando mais do que podemos suportar, e isso nos faz cair. Precisamos nos libertar!

Claro que isso é doloroso. O inferno são os outros, disse Sartre. Esse contato sempre nos faz sentir que o outro nos oprime, que ele nos suga e que nos escraviza, e as vezes faz tudo isso mesmo, mas é preciso continuar lutando, continuar retirando de nós tudo aquilo que não é nosso. É preciso definir o limite entre o eu e o outro. Por andar raro o bom senso, acabamos sendo obrigados a dizer não a solicitações que nem deveriam ter sido feitas, mas são essas ações que acabam por nos ajudar a definir quem somos, em contraste com todos os outros que nos rodeiam...

Assim conquistamos o direito de dizer "Eu sou". Assim definimos quem somos, assim passamos a ser nós mesmos, sem tomar como nossos elementos que não o são. Assim nos tornamos livres para ser, para viver.

sábado, 25 de maio de 2019

Em si mesmo

Supra consciente de meu ser. A solidão, bem vinda neste caso, me fez ficar diante de elementos que, embora em mim, eu ignorava completamente. Pude contemplar uma paisagem até então pouco explorada. 

Ficar sozinho sem, no entanto, sentir-se sozinho é uma oportunidade e tanto de aprendizado. Eu percebi a minha inquietude, que ainda precisa ser acalmada pois ao invés de aproveitar o silêncio, a calma, ficava em busca de algo externo, algo que pudesse me alegrar sendo que a causa da minha alegria naquele momento estava justamente em poder aproveitar meu tempo sozinho. 

Percebi o quanto eu tenho medo do silêncio, do quanto me escondia da fera que habita aquele lugar. A fera se libertou, e a ninguém ela machucou. Embora tenha saído revolta de suas correntes ela logo se acalmou. A fera não é minha inimiga, a fera sou eu, que me obrigava a ficar preso nos recessos de minha consciência. A fera é formada pelos desejos reprimidos, pela luxúria ensandecida que covardemente busquei limitar, fazendo com que aumentasse nela os desejos mais torpes, mais primitivos e animalescos da alma humana fétida de pecado. A fera se acalmou tão logo viu-se livre, tão logo percebeu não ser um monstro, mas apenas barulhar como monstro. 

Me vi em boa companhia, sozinho, vendo séries e comendo besteiras industrializadas. Eu gostei da companhia. Não tive medo do escuro, não tive medo do que poderia surgir dele. Não tive medo de lembranças, nem de pessoas. Apenas fiquei ali, sorrindo, cantando, sendo eu mesmo para mim. Meu único desejo real era o da verdade, o de conhecer, e por isso mesmo sozinho eu me dediquei a ouvir, as aulas e a meu próprio coração. 

Um merecido descanso, para um corpo que há dias pedia pela diminuição da fadiga que é cansar-se continuamente sem intervalo, física e mentalmente. Um merecido sono, que veio naturalmente, na calmaria de uma alma em paz, perfeitamente confortável na tranquilidade de um ser que tomou consciência de si mesmo, e que sabendo disso, compreende a maravilhosa dádiva de estar vivo. 

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Buscador

Dominado por um delicado sentimento de afeto. Uma tarde fresca em tons de verde e amarelo, uma sensação de tranquilidade. Um sorriso meigo me faz rir e sorrir. Fecho os olhos e me alegro com a imagem gravada em minha memória. 

Mesmo a distância a beleza sublime de uma rosa branca me faz pensar em como poderíamos ficar felizes juntos. É uma coisa que me deixa feliz sabe, imaginar que um dia você possa voltar e que eu possa ver de novo aquele seu sorriso tão bonito e sentir seu abraço tão apertado, ouvir seu coração batendo, minha cabeça em seu peito. 

Sei que estava longe. Meu devaneio quase chega a ser um delírio, mas é bom delirar, ainda mais quando tenho em mente uma imagem tão fofa quanto a sua. Você sabe bem, que sempre o defini assim, e continua sendo essa a visão que tenho de você. Ao contrário de tantos outros, que despertam em mim sentimentos tão bestiais, tão feios, você desperta o melhor de mim, meu lado carinhoso, o lado que quer apenas ficar deitado na grama olhando o céu estrelado longe do barulho da cidade. 

Seria bom, ficar longe de todos, num lugar onde apenas possamos ser nós mesmos, sem as preocupações constantes que temos de viver num mundo que não nos agrada em nada. Quem sabe ali a gente não consiga descobrir o que afinal tanto procuramos não é mesmo? Você é um buscador como eu, e como eu você não sabe o que busca, mas apenas continua seguindo, na esperança de algum dia encontre aquilo que falta em seu peito. Quem sabe não seria esta um busca que poderíamos fazer juntos?

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Eclipse

Não temos proximidade. Não raramente me incomodo com a falta de intimidade para com pessoas que, de alguma maneira, exercem algum tipo de fascínio sobre mim. Acho que é a carência que habita em mim falando mais alto, queixando-se de algo que ela gostaria de ter. 

Tristemente isso me faz refletir, sobre distâncias que não podem ser transpostas de maneira alguma. Tristemente isso me faz concluir, que alguns astros nunca irão se encontrar. Ainda que um eclipse coloque sol e lua frente um ao outro, a distância entre ambos sempre será grande demais para que possam se tocar.

É uma constatação fria, é uma daquelas que faço com um gosto amargo na boca, com a certeza de que nada no céu ou na terra podem mudar essa verdade. E ainda dizem que não há verdades absolutas... Cegos demais para perceberem que algumas barreiras são a verdade absoluta dessa existência repleta de limites e nada mais. Somos seres limitados por excelência, seres que foram criados para almejar fazer e conhecer justo aquilo que nunca poderão sequer começar a compreender.

É assim que me sinto perto de algumas pessoas, ainda que fisicamente próximo, distante como o sol está da lua. O que nos separa é apenas um véu que, no entanto, é mais forte do que uma muralha de ferro. 

Como posso ousar quebrar essa verdade? Há coisas que não podem ser mudadas, há coisas que não podem ser vencidas. Há forças que não podem ser dominados, e eu, tão fraco, tão ignorante, jamais poderia me atrever a romper qualquer barreira que exista entre meu eu e algum outro alguém. Na tristeza me desfaço em ver que, eu, nada posso fazer. 

domingo, 19 de maio de 2019

De um sonho e uma marca

Uma noite escura, fria e silenciosa. Não imaginava que, dentre todas as coisas possíveis e impossíveis que poderiam me surgir, você fosse aparecer em meu sonho. 

Sonhei com você, pouco antes de acordar, profundamente impressionado, marcado pela sua presença. Você me fez sentir raiva, por mais uma vez me substituir por qualquer pessoa, e fez com que eu sentisse vontade de correr e me esconder para que não me visse. 

Mas agora, depois do sonho, me sinto marcado novamente, como se algo de você estivesse em mim. Seu cheiro, seu toque em minhas costas, seus lábios macios e desejosos sobre os meus... Tudo isso agora está marcado como se tivesse acontecido de verdade. Meus músculos doem como se fato tivessem se esforçado. Em meu corpo está a memória de algo que nunca aconteceu. 

Não imaginei que voltaria a sonhar contigo. Esperava que fôssemos apenas uma memória triste e distante, não mais do que uma sombra fraca. Não imaginei nem que um sonho podia me marcar tanto. Não imaginei que ainda houvesse tanto de você em mim. 

Como esquecer então? Como conseguir não pensar no seu toque, no seu perfume, nos seus lábios? Como então tirar daqui essa parte sua que ainda habita em mim?  

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Da visão de mundo

Será que sou tão errado assim? Por querer ver o mundo dessa maneira? Será que estou tão errado em querer um mundo de amor, de carinho, de atenção, em que as pessoas olhem umas para as outras com olhar terno, sem ódio, sem rancor, sem medo de serem apunhalados pelas costas? 

Eu vejo que ao meu redor estão todos ocupados com suas pirraças, com suas preocupações... O corre corre da cidade grande, tanta gente passa e todos estão sós! Todos fechados, estressados, todos prontos a atacarem, a lutarem, a menor possibilidade de pensamento diferente... Todos carregam um escudo e uma lança, todos afastam, atacam...

Me sinto como a criança de olhos cor de rosa que, ao crescer, se deparam com o sangue vermelho daqueles que morrem diante dela. Teme o mundo que se apresenta a sua frente e deseja, com violência, o cor de rosa... Aquele mundo pintado de rosa e branco, ainda calmo, claro, puro... 

Mas não, não é mais possível... O mundo é noir, é fechado, úmido e apertado, cheira a sangue, fede a medo e morte... O mundo é cada um por si, a frieza de alma e coração é a regra. O mundo é cruel a humanidade é inviável. 

Mas há ainda em mim esse ímpeto de um mundo diferente. Esse ímpeto de um mundo que seja de fato belo, que o amor esteja no coração de todos, que o carinho seja a regra e não a exceção, um mundo humano...!

Será que sou tão errado assim? Por querer ver o mundo dessa maneira? Será que estou tão errado em querer um mundo de amor, de carinho, de atenção, em que as pessoas olhem umas para as outras com olhar terno, sem ódio, sem rancor, sem medo de serem apunhalados pelas costas? 

Procura-se

Procuro alguém aberto o suficiente para falar sobre qualquer coisa ou sobre coisa alguma em particular. Só quero alguém com quem possa ir, desde as maiores banalidades até as mais altas questões metafísicas. Alguém que não se desinteresse pelo meu interesse em nomes como Avicena e Avicebron, que não se incomode quando perceber que escrevi um capítulo inteiro sobre uma folha que caiu da árvore na minha frente. Alguém que entenda das dores de um coração humano, que não seja um mero príncipe, em meios as afabilidades e questões menores...

Oh, não sou do pensamento político, não me interesso por verbas e nem por comissões, eu sou do pensamento humano, do pensamento que sente dor quando se corta, do pensamento que se alegra quando uma flor se abre ou quando uma música começa a tocar e logo me ponho a dançar. 

Procuro alguém que queira investigar comigo as questões mais profundas da alma, e não alguém que busque para sanar dúvidas da superficialidade mundana. Busco visão real, de alguém que sabe onde está, que sabe qual seu lugar e não que apenas investiga sem conseguir nunca se encontrar. 

Não consigo mais conversar com quem não tem visão, com quem não consegue tomar distância e ver a coisa como um todo. Procuro alguém que se deixe afetar pelo amor, pelo carinho, pelo afeto, e não as pessoas embebidas em frialdade inorgânica que agora me rodeiam. Procuro almas de verdade, que floresçam, que sorriam, que chorem, que se encantem, que sejam de verdade e não apenas uma capa vazia. 

Onde estão as pessoas de verdade, com coração de carne? Onde estão as pessoas capazes de sentir? Onde estão as pessoas, se perderam em meio aos acordos e as manchetes? Onde estão as pessoas que, em meu peito florido, para eles só guardava? 

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Do conhecer-se

"Quem luta com monstros deve velar, para que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E, se tu olhares, durante muito tempo para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti." 

(Nietzsche)

O conhecer-se é fascinante. Alguns dias atrás eu me queixava da incapacidade das pessoas de ficarem em silêncio contemplativo por qualquer instante que seja, e que isso de grande perda para todos, afinal tendemos a nos encher de máscaras e máscaras e, quando percebemos, já não somos mais nada além de um amontoado de coisas que não nos pertencem e que apenas nos pesam. 

Refletia, naquela ocasião, que o medo do silêncio é sinal do medo daquilo que se deseja verdadeiramente, é medo daquilo que há no profundo de nossas almas e que clama por ser preenchido. 

Esse âmago é o que há de mais íntimo na alma humana, e se esconde até mesmo do seu eu, caso queria fugir de seus gritos obsequiosos no barulho do mundo. Por isso os signatários da religião de nossos dias são tão adeptos da gritaria, das músicas altas e do fogo. Na igreja, onde nosso coração se abre, ele se põe a gritar, mas muitos se recusam a ouvir o próprio coração, preferindo gritar mais alto do que ele, para não ouvir aquilo que, de alguma forma, sabe-se querer mas finge não saber. 

Os homens fogem de si mesmos. Tentam tornar-se outra coisa. Escondem-se por detrás das fotos das redes sociais, das risadas, dos gritos, das bebidas. Escondem atrás do raciocínio psicótico de que, se todos acreditarem que estão bem, vão se convencer de que estão mesmo, quando na verdade não estão, quando na verdade ignoram as ânsias mais latentes de sua alma reprimida. Fecham-se então nessa auto impregnação paranoica que, não raras vezes, conduz à loucura. 

O homem precisa contemplar o seu abismo interior, entender o que se esconde naquela escuridão. Precisa entender o que há ali que causa tanto medo. Talvez as suas feras interiores não sejam realmente ferozes, apenas estão agitadas por estarem presas. Talvez suas feras só queiram libertarem-se da prisão horrenda que seu ser tornou-se, jogando nelas tudo quanto havia no exterior e ignorando que precisam ser alimentadas. O abismo que há no interior do homem, que o assusta desde o primeiro pensamento, é a vontade que precisa ser realizada, é a completude que precisa ser alcançada e não mascarada com palavras e fogos artificiais. 

O conhecer-se é fascinante. Também demorado, doloroso, confuso, mas sempre fascinante. O conhecer-se liberta as feras, faz contemplar e entender o abismo e, principalmente, faz entender que a voz que suspira no silêncio é a voz do próprio coração, desejoso de ser compreendido.

De um novo olhar

O que seus olhos conseguem ver agora? Contempla paisagens que antes se fechavam a ti? Espero que veja um mundo novo, iluminado pelo seu rosto, aquecido pelo seu coração. 

Agora que consegue ver o mundo como ele é para todos nós eu te peço uma coisa: não abaixe mais a cabeça, não olhe mais para o chão... Que tenha um novo olhar. Que descubra as coisas se escondiam a ti. Olhe para os olhos daqueles que o rodeiam, olhe para a profundidade dos universos que se apresentam a ti. E deixe também, que outros mergulhem no seu universo, pois decerto há muitas paisagens para ver ali também. 

Pois bem, o que seus olhos conseguem ver agora? Será que além de todas as belezas naturais, de todas as pessoas, de todas as folhas que brincam no ar ou das gotas que beijam o chão, será que além de tudo isso você consegue me ver também? 

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Correndo riscos

Não sei muito da sua vida
Não sei muito sobre seu mundo, mas
Não quero ficar sozinha esta noite
Neste planeta que chamam de Terra

Você não sabe sobre meu passado
E eu não tenho o futuro planejado
E talvez isso esteja indo rápido demais
E talvez não seja feito para durar

Mas, o que você diz sobre correr riscos?
O que você diz sobre pular de cabeça
E nunca saber se existe um chão firme lá embaixo?
Ou uma mão para segurar?
Ou um inferno para pagar?

O que você diz?
O que você diz?

Eu só quero começar de novo
Talvez você pudesse me mostrar como tentar
Talvez você pudesse me acolher
Em algum lugar embaixo da sua pele

O que você diz sobre correr riscos?
O que você diz sobre pular de cabeça
E nunca saber se existe um chão firme lá embaixo?
Ou uma mão para segurar?
Ou um inferno para pagar?

O que você diz?
O que você diz?

E eu meu coração foi subjugado
Mas eu sempre volto para mais, yeah
Nada como o amor para te levantar
Quando você está lá jogado no chão
Então fale comigo, fale comigo como amantes fazem
Yeah, ande comigo, ande comigo como amantes fazem
Como amantes fazem

O que você diz sobre correr riscos?
O que você diz sobre pular de cabeça
E nunca saber se existe um chão firme lá embaixo?
Ou uma mão para segurar?
Ou um inferno para pagar?

O que você diz?
O que você diz?

Não sei muito da sua vida
Não sei muito sobre seu mundo

(Tradução de Taking Chances - Céline Dion)

terça-feira, 14 de maio de 2019

Colosso

Vontade de te conhecer, de tirar esse véu que recobre o que posso ver do seu ser. Tenho a impressão de que vejo apenas uma casca vazia de ti. Sinto que não fui convidado a ver a profundidade do seu coração. Sinto como se houvesse uma imensidão dentro de ti, um universo inteiro de cores e lugares fantásticos, mas quando olho para você só vejo a mesma estátua de mármore, frio, duro e imóvel diante de meus braços frágeis. 

Você se ergue ante minha presença como um colosso, com a imponência daquele que se erguia em Rodes na antiguidade, e provoca em mim a mesma euforia extasiante que provocava nos viajantes que por ali passavam. 

Isso me deixa frustrado. É como se todos sentissem o calor que emana de seu sol, mas eu apenas sinto a frialdade marmórea do seus braços grandes e do seu peito rasgado. Você atrai todos a ti, mas eu apenas sinto medo e frio. Não quero me aproximar. Não quero ser mais uma vez lançado para longe de ti, com a ojeriza que se sente por um animal peçonhento. 

E não há fim. Não encontrei uma solução. Apenas uma queixa sobre como me sinto frágil diante de uma pessoa tão forte, de como me sinto mais uma vez um incapaz, por não conseguir adentrar seu coração. Não há final feliz. Não há uma boa conclusão. 

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Impressões negativas

Impressões profundamente negativas, algumas delas tão ácidas que sequer posso colocar aqui, sob risco de forte repreensão. Tenho olhado as pessoas ao meu redor e pensado "será que é mesmo possível que sejam tão obtusos?" me pergunto se eles não estão vendo algo que eu não estou, que talvez seja eu o errado em ver tantas coisas erradas na realidade que me cerca...

Subserviência. Cinismo. Orgulho. Ignorância.

Palavras fortes demais. Pesadas demais. Olho ao meu redor e vejo pessoas submetidas a um servilismo imbecil, melosas com aqueles que estão, sob aspectos deturpados, num mesmo patamar que elas. Aos outros resta o cinismo, a ignorância, como se as castas tivessem retornado. Como se aqueles das castas inferiores fossem realmente inferiores aos outros. Puro orgulho que os infesta de uma ignorância absurda e descomedida. Me pergunto se estou errado em perceber tais coisas, pois pareço ser o único a me incomodar com elas. 

Essas pessoas se tornam tão feias, vestidas com essa arrogância, que procuro me afastar delas. São tóxicas demais para mim. Já estou doente demais para isso. 

Me incomoda também a constante necessidade do barulho. Animação. Tudo precisa de animação. De onde vem esse medo do silêncio, medo da quietude? Será medo daquilo que se revela na contemplação do próprio ser? Abafam então os gritos desesperados do seu próprio coração com o barulho do exterior, mas sem perceber que na verdade apenas entram num desespero, patético de se ver.

Como alguém que sempre escuta música, que busca preencher o silêncio com barulho, poderia dizer o mesmo de mim, não fosse minha recente descoberta do valor do silêncio e de como pode ser belo a descoberta do próprio universo interior. 

Mas estão todos ocupados demais, com barulho demais. "Gente demais, com tempo demais, falando demais, alto demais" já disse o poeta. 

domingo, 12 de maio de 2019

Talvez dessa vez

Talvez dessa vez eu tenha sorte
Talvez dessa vez ele fique
Talvez dessa vez
Pela primeira vez
O amor não irá embora tão rápido

Ele me segurará rápido
Eu estarei em casa finalmente
Não serei mais uma fracassada
Como da última vez e
Da vez antes dessa

Todo mundo ama um vencedor
Então ninguém me amou
Senhorita pacífica
Senhorita feliz
É isso que eu desejo ser

Todas as probabilidades estão
Elas estão a meu favor
Algo está para começar
Tem que acontecer
Acontecer alguma hora
Talvez desta vez eu ganhe

Porque todo mundo
Ama um vencedor
Então ninguém me amou
Senhorita pacifica
Senhorita feliz
É isso que eu desejo ser

Todas as probabilidades estão
Elas estão a meu favor
Algo está para começar
Tem que acontecer

Acontecer alguma hora
Talvez dessa vez
Talvez dessa vez
Eu ganhe!

(Tradução de Maybe This Time - Liza Minnelli)

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Nesse momento

Só queria ficar aqui, tranquilamente deitado, para sempre nesse momento. A brisa fresca no meu corpo, a luz prateada da lua entrando pela janela e se marcando na minha pele. O céu com as nuvens e as estrelas... 

Nesse momento em que o cansaço tem pesado sobre meu corpo como uma pena de aço, nesse momento em que penso em desistir de todas as coisas para ficar apenas aqui, deitado, sozinho, ouvindo apenas os ruídos dos vizinhos. 

Nesse momento em que desaparecer me parece a alternativa mais plausível, a mais saudável antes da loucura total. 

Nesse momento, que parasse para sempre, e que pudesse descansar, até todo cansaço desaparecer, até todos os compromissos passarem, até todos se esquecerem de mim. 

Nesse momento, em que no conforto de minha cama pudesse se esquecido pelo mundo e apenas me concentrar em mim mesmo. 

Contato

Quero um pouco de humanidade, de sensibilidade. 

Quero contato, contágio, sufrágio, naufrágio. 

Quero mergulhar nas profundezas de um espírito, de uma alma, de um coração impetuoso. 

Quero rodopiar na tempestade, dançar na chuva, caminhar sob a garoa, marcar meus pés na areia da praia, gravar meu nome em seu coração. 

Não quero afabilidades, não quero abraços falsos. 

Quero abraço de quebrar os ossos, quero me perder eu seu peito largo, quero ouvir seu coração. 

Você tem um coração? 

Me deixe senti-lo sob a minha pele.

Não tenho mais medos. 

Não tenha mais medo. 

Entregue-se, ainda  que aos poucos. 

Me dê a mão, escute minha voz dizendo "vem comigo" 

Dê um passo de cada vez.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Desconstrução


Quando se viu pela primeira vez
Na tela escura de seu celular
Saiu de cena pra poder entrar
E aliviar a sua timidez
Vestiu um ego que não satisfez
Dramatizou o vil da rotina
Como fosse dádiva divina
Queria só um pouco de atenção
Mas encontrou a própria solidão
Ela era só uma menina

As mídias podem ser tóxicas e altamente perigosas. Quantas vezes nos vestimos com uma máscara de interesse que não existe, quantas vezes não dramatizamos nossa vida para parecer mais interessante aos olhos dos outros? Quantas vezes não inventamos situações absolutamente fictícias apenas para atrair olhares, na esperança de que esses olhares amenizassem o horror que sentimos no escuro? 

No escuro se esconde um monstro, no escuro se esconde a solidão. No escuro ouvimos o grito desesperado do coração. É mais fácil então sair sob a luz sob a imagem que melhor aparece iluminada pelo sol. 

Do lado de cá da tela me sinto seguro para dizer coisas que não digo nem aos meus amigos mais chegados. Do lado de cá eu digo o que meu coração quer dizer ao se rasgar, e com as gotas de meu próprio sangue eu traço as palavras que brotam dessa violência. Do lado de cá não sinto os olhares e nem os toques das pessoas, mas o número de curtidas e visualizações me fazem ter a ilusão de ser visto e abraçado. 

Mas, e qual não foi a minha surpresa, descobri que aqui há apenas uma maneira diferente de ser solitário. Se no mundo real aqueles que me tocam não me deixam tocar seu coração, no mundo virtual eu tenho a aparência de tocar e ser tocado, quando na verdade só estamos trocando palavras, nem sempre vazias é verdade, mas sempre só palavras.

Abrir os olhos não lhe satisfez
Entrou no escuro de seu celular
Correu pro espelho pra se maquiar
Pintou de dor a sua palidez 
E confiou sua primeira vez
No rastro de um pai que não via
Nem a própria mãe compreendia
No passatempo de prazeres vãos
Viu toda a graça escapar das mãos
E voltou pra casa tão vazia

E logo vemos que não basta postar. Não basta ter visualização. O contato faz falta, a carne faz falta. O corpo grita em necessidade. Começamos então a nos mudar para o mundo, atrás da carne que complete o buraco que há em nosso peito. Mas por quê falo no plural? Represento por acaso alguma coletividade? Falo por mim e pelos meus próprios anseios. 

Começo então a mudar para o mundo, correndo atrás da carne que preencha o buraco de meu peito. A solidão do passado então vem ao presente com a força de um titã enfurecido, arrancando de meus braços o bom senso e me lançando nos braços de qualquer desconhecido, na esperança de que sendo penetrado por eles consiga esquecer o medo que sinto do escuro quando me deito sozinho. 

Quando retorno, no entanto, continuo sozinho, e o escuro continua sendo assustador. As notificações continuam chegando, e a dor continua gritando, cada vez mais alto, clamando por uma necessidade que não pode ser atendida em vida.

Amanheceu tão logo se desfez
Se abriu nos olhos de um celular
Aliviou a tela ao entrar
Tirou de cena toda a timidez      
Alimentou as redes de nudez
Fantasiou o brio da rotina
Fez de sua pele sua sina
Se estilhaçou em cacos virtuais
Nas aparências todos tão iguais
Singularidades em ruína

A destruição já estava estabelecida. Não há mais timidez, nem pudor sobrou em meu corpo. A bestial criatura repleta de desejos busca nos desejos do outro a sua completude... Até que essa vida de ser fera também perdeu o sentido. Fotos e palavras nojentas, as demonstrações do despertar dos desejos mais primitivos da carne, desejos que fariam os animais se assustarem com tal demonstração.

Não sobrou mais vontade de encenar, de encarnar, de ser outra coisa. Só sobrou a opção de ser eu mesmo, e isso já era ruim e difícil o bastante. Ser eu. Ser essa criatura pequena, frágil, animalesca. 

O que os outros passaram a ver é apenas o retrato da destruição. Não há mais como disfarçar. Lágrimas, cortes, sangrias, o mundo vê a exteriorização de um interior que já foi devastado pela solidão.

Olho ao redor e vejo então que é uma epidemia: milhares sofrem com a mesma doença! Todos conseguem postar suas alegrias, suas conquistas, suas festas, mas na verdade sofrem, e como sofrem... Sofrem e andam como zumbis nas ruas, escondendo em meio aos flashes e stories as suas crises de choro, seus medos e os seus desejos bestiais. 

Entrou no escuro de sua palidez
Estilhaçou seu corpo celular
Saiu de cena pra se aliviar
Vestiu o drama uma última vez
Se liquidou em sua liquidez
Viralizou no cio da ruína 
Ela era só uma menina
Ninguém notou a sua depressão
Seguiu o bando a deslizar a mão
Para assegurar uma curtida

O desespero dessa situação acaba por me dominar. Não há mais como evitar mostrar ao mundo a garatuja que me tornei. Não há mais como evitar espalhar por aí os milhares de cacos em que me parti. 

É então chegada a hora de me retirar. De me esconder desse mundo, de compreender o que te fato deseja e precisa meu coração. De aceitar que não é a quantidade alexandrínica de informações das redes sociais que vai me preencher. Que não são as declarações de desejos podres e nem demonstrações de pura excitação carnal que irão me fazer compreender o que quero. 

Aceito então a dor que me oprime. Agarro-me a ela pois é a única coisa capaz de dizer que estou vivo. Quando meus sentidos adormecem e então paro de senti-la, eu busco a dor dos cortes finos, que fazem escorrer o sangue brilhante e gritam declarando minha existência. 

Mesmo que ninguém seja capaz de ver o que acontece de verdade comigo, mesmo que só vejam a máscara que diariamente mostro ao mundo, ainda que caindo aos pedaços, ela está aqui, como uma sombra constante, da qual tento fugir com a ilusão de que aqueles ao meu redor, que também enfrentam seus fantasmas e demônios, se preocupam comigo. Mas a verdade é que não há outros, apenas eu, e minha solidão, e que no máximo posso escolher mostrar aos outros essa dor e sofrer com outro tipo de solidão. 

~

Observação: Texto livremente, e evidentemente, inspirado na música Desconstrução, do cantor Tiago Iorc.

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Vastidão

Continuo no meu canto, sorrindo sozinho, no meu pequeno recanto de música e poesia. 

Os outros não entendem, me acham um esquisitão, chato demais pra se aproximarem. Mas sabe, essa solidão também é confortável. Embora sozinho e quase sempre em busca de alguém pra me abraçar nas noites ainda é melhor estar só do que com alguém que não consegue compreender a profundidade do que se passa aqui. 

No meu canto eu me conecto com séculos de história, com problemas que as mentes rasas sequer podem sonhar. Contemplo paisagens fantásticas, e encontro personagens que nem em meus sonhos mais lisérgicos poderia encontrar. Vou do mais profundo e ácido abismo infernal até o mais idílico céu, ouvindo o lamento dos condenados e o canto de júbilo dos anjos que contemplam o trono do Cordeiro. 

Quem me vê de fora apenas vê a estranheza. Aqui dentro há um desejo, pelo conhecer, pelo contemplar a estupenda beleza de tudo que existe mas que se encontra sob o véu da ignorância humana. 

Ignoro então, os homens vazios, incapazes de fazer comigo uma conexão. Sigo sozinho, contemplando essa imensa vastidão.  

terça-feira, 7 de maio de 2019

Desejo de um dia

Finalmente deitado, como desejei o dia inteiro. Meu corpo tem clamado pelo descanso incessantemente nos últimos tempos. Tenho dado mais de mim do que tenho de fato, e isso me exauriu. 

Mesmo dormindo o que seria mais do que suficiente ainda me sinto cansado. Consigo boas oito ou nove horas de sono, além de uma ou duas horas à tarde, mas ainda assim a tensão constante não me deixa relaxar... É como se estivesse sempre em estado de alerta, pronto pra me levantar e lutar. É impossível descansar assim. 

Enfim, quero dormir e descansar, nem que tenha que apelar para os benzodiazepínicos mais vez. Preciso de meu corpo recuperado pra conseguir fazer tudo o que tenho de fazer. Ensaios da banda, missas e missas, diários e provas para preencher e elaborar, amigos para ajudar e amores para entender. Preciso estar inteiro para conseguir dar conta de tudo isso.

Por essa razão eu me deito, de novo, no escuro, na companhia de uma música boa (o álbum da noite é o primeiro volume da série Glee - The Music) e das doces palavras de um poema:

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

(Mario Quintana)

Andarilhos

Parece que nós nos decidimos
Sem mais palavras para dizer
As memórias de tudo foram deixadas para trás
Lembra-se de quando cuidamos um do outro, enquanto os julgamentos caíam?
Então, por favor, acredite que há
Outro momento de
Traços da alegria perdida há muito, muito tempo, ainda nossas
Mas as cortinas caem
E seguindo em frente nós vamos
Luzes brilhando acima, flutuando
Para longe
Poderíamos encontrar sempre a razão por que?
Como poderíamos ter nos dado tão errado por tanto tempo?

Andarilhos...

(Tradução de Wanderers, de Lisa Gomamoto e Yutaka Yamada)

Da aglutinação

Continuo cansado, mesmo depois de ter dormido horas nessa tarde. Não consegui fazer o que deveria ter feito, minhas obrigações estão se acumulando... Não vou conseguir dar conta de tudo... Eu não consigo dar conta de tudo.

Embaixo de meus olhos sinto um peso se acumular, lágrimas e lágrimas que querem cair. Essa vida, tantas obrigações, tem me feito chorar sob o peso de tudo o que preciso fazer. E por ter tanta coisa para fazer eu me frustro, e me fecho e fico triste. E por ficar triste não consigo fazer nada das coisas que preciso fazer, e fico triste por não conseguir fazer mais nada. Termino sempre no meu quarto, olhando o vazio do escuro, ouvindo o som do ventilador e da música baixinha no player, que deixo sempre ligado com medo de ouvir o que meu coração tem a dizer no silêncio. 

Ontem eu cheguei numa espécie de rompante. Não sabia o que fazer, apenas queria me deitar sem ter hora para acordar. Mas isso não seria possível, tenho de acordar pontualmente no dia seguinte, e no dia depois dele, e depois no outro, e no outro... Isso tem sugado, mas não há mais o que sugar, se já sinto meu ser se esvair no ar como fumaça, se já não sou mais do que uma sombra vagante e sorridente que profere em alta voz conhecimentos que não tem...

Acredito que teria feito algo de muito sério se tivesse ficado sozinho com os pensamentos que estava ontem. Me surpreendi quando, ao sair da missa, recebi uma ligação dizendo que tinha visitas esperando por mim em casa. Corri o mais rápido que pude, na esperança de encontrar algo que não me deixasse sozinho. E assim foi... Não sei se perceberam, mas aquelas duas pessoas que estavam aqui me salvaram ontem. 

Mas ainda me sinto cansado. De tudo!

Nas redes sociais há tanta informação que não consigo absorver, não consigo acompanhar. Não tenho lido, nem estudado, não tenho feito meu trabalho direito, não tenho conseguido me concentrar em nada... Me sinto inseguro, me sinto odiado mesmo quando me dizem o contrário. As paranoias se reproduzem numa velocidade assustadora, se proliferam e pululam em minha cabeça em número maior do que eu consigo contar. Minha cabeça e costas doem, meus braços e pernas estão sem forças. Preciso levantar, tomar um banho, e colocar aquela máscara que mostro ao mundo, de que tudo está bem. Mas de onde vou tirar forças pra isso? Como as pessoas fazem isso? Como elas lidam com tanta coisa, tudo ao mesmo tempo, sem enlouquecer? Como é possível viver sem enlouquecer?

Sob o peso

Estava tudo indo bem, até de certe forma desmoronar. Não, isto está errado. Nada ia bem, eu é que preferia fingir que sim, preferia fingir que não me importava, preferia seguir sem me deter em nada, mas agora tenho sido acometido pelo desespero. 

Uma onda de medo me invade o ser, me faz estremecer as pernas e mãos. É como se estivesse de pé em meio a tempestade, sendo lançado de um lado a outro por um vento terrível, com pedras de gelo me atingindo por todos os lados. 

Meus músculos congelaram, e meus lábios sangram com a força com que os mordi. As minhas lágrimas se misturam a chuva gelada, meu sangue tinge lentamente o aguaceiro de um vermelho delicado. 

Eu sabia que essa hora iria chegar, a hora em que precisaria fazer uma escolha. Eu sabia e fingia não saber. Agora o cansaço me destrói, o medo me consome, e sou dominado por uma dor insuperável. 

São mais compromissos do que sou capaz de cumprir. É mais do que sou capaz de fazer. E o vislumbre de tal incapacidade é a morte. Vejo no horizonte cada dia novos afazeres, novas obrigações. O desespero me circunda. 

Não consigo agir, estou paralisado. Incapacitado pelo meu próprio medo, pela minha própria dor em não ser capaz de fazer o que preciso fazer. É horrível ser assim, tão fraco, impotente, incapaz. Tão errado. 

São impressões como essas que me fazem querer desaparecer, fugir para tão longe que nem mesmo eu me reconheça quando chegar lá. 

Como é que as pessoas fazem isso? Como é que elas estudam, trabalham, saem com seus amigos e ainda se mantém saudáveis? Como é possível sobreviver quando a própria vida se lança sobre você como uma onda que destrói por onde quer que passe? 

Eu não consigo respirar, estou sendo sufocado pelo peso da minha própria existência, e é um peso grande demais para eu conseguir carregar. 

sábado, 4 de maio de 2019

Da voz na madrugada

Cheguei há alguns poucos minutos em casa, e ela está em silêncio. Só escuto a música baixinha no player a minha frente, dizendo que nós não ligamos para o que eles dizem, e os cães que latem em algum lugar na vizinhança. Tudo é silêncio, e a cada dia eu me sinto mais confortável nesse silêncio. É uma bela noite. Há equilíbrio entre as nuvens e as estrelas, o frio e o vento e até a paleta de cores é agradável... Apenas uma constatação é capaz de colocar um tom triste a tudo isso...

O passeio de hoje não seguiu uma linha predefinida, como a maioria, e fomos de lugar em lugar sem um rumo. Me sinto um jovem adolescente (pleonasmo?) sem rumo nada vida, literalmente. Fomos de um bar ao McDonald's, com direito a lanche no estacionamento e batida de carro. E tudo isso após um ensaio para a missa de amanhã a noite, ou melhor, para a missa de hoje a noite. A única coisa certa nessa aleatoriedade toda foi o sentimento que me perseguiu como um fantasma a noite inteira...

Desde as notas desencontradas dos arranjos improvisados no ensaio até o ar frio que me cortava o rosto e zunia em meu ouvido na carona de volta pra casa eu fui perseguido por um fantasma que a todo momento sussurrava coisas cruéis em meu ouvido. Mesmo em meio a tantos sorrisos e brincadeiras eu não conseguia deixar de me sentir a parte de tudo isso. Seja porque me sinto incapaz de me concentrar em qualquer coisa ao meu redor por três segundos que seja sem me distrair com uma algum devaneio filosófico ou fantástico, ou seja porque de fato não sou como os outros que se contentam com a aleatoriedade ensimesmada da juventude, mas que busca a solidez da sabedora, o fato é que me sinto deslocado. E essa voz me dizia, que todos estávamos no mesmo livro, mas eu estava numa página completamente diferente. 

Todas as vezes que eles falam, ou contam alguma piada ou simplesmente começam a cantar uma música do nada eu sorrio para não soar estranho, mas já há muito tempo perdi a capacidade de entender o que dizem, ou do que é que eles sorriem. O mundo que eles enxergam é diferente do meu. Meu mundo repleto de problemas metafísicos e teológicos, o mundo deles é diferente, não sabendo precisar em que ponto exatamente. Estamos no mesmo mundo? Eu sou uma aberração por não conseguir ver o mesmo que todos vêm. 

Racionalmente haveriam dezenas de motivos para contradizer essa blasfêmia proferida pela voz da minha cabeça, mas eu já tinha perdido a racionalidade há muito tempo, e infelizmente deixei-me abraçar pelos tentáculos dessa verdade cruel: minha solidão é um estado permanente. Ainda que em determinados momentos eu consiga um paliativo para essa sensação tão aterradora, na maior parte do tempo só o que me é ofertado é a absoluta solidão. 

Uma constatação um tanto quanto dura para uma madrugada tão silenciosa e bela, mas que infelizmente deve ser feita, afinal é essa solidão que grita por cada poro de meu corpo: ficarei sozinho para sempre! 

sexta-feira, 3 de maio de 2019

A TL salvou a RCC (e vice-versa)

Por: Prof. Carlos Ramalhete

Eu me lembro bem de quando começou essa coisa de RCC. Há um texto meu rolando pela rede chamado "Igreja, Sinal Sacramental da Salvação", que preparei para uma palestra que fui dar numa paróquia onde, como era mais a regra que a exceção, a RCC se havia instalado e estava tentando virar uma seita dentro do prédio da igreja. Eles se recusavam a ir à procissão do padroeiro, dizendo que era "idolatria", não queriam se confessar... Coisa muito feia. Naquela mesma época (coisa de 20 anos atrás, um pouco mais), o chefe da RCC do Vicariato Oeste da Arquidiocese do Rio, depois de ter gritado besteiras com um dedo na cara do padre durante a homilia, saiu da Igreja com todo o seu grupo e fundou uma seita dessas com caixa de som na porta. 

De lá pra cá melhorou **muito**.

Há outro texto meu, em inglês, tbm rolando por aí em que eu explico pq levo mais fé na catolicização da RCC brasileira que na da americana. Além do evidente fato de que aqui somos culturalmente católicos e lá não, aponto nele que a CNBB tentou segurar o crescimento da RCC obrigando-a a adotar práticas devocionais católicas (especialmente o terço), na ilusão de que isso a faria secar. Ao contrário: os RCCistas, que até então xingavam Nossa Senhora com a mesma desenvoltura dos seus professores nas seitas, passaram a desenvolver uma espiritualidade mariana própria. Claro que o orgulho e o igualitarismo protestante tbm deformou bastante essas devoções, em que falavam da Santíssima Virgem referindo-se a ela como "Maria" apenas, assim como fazem ou faziam com Nosso Senhor, Cujo Nome já vi até sendo usado pra testar microfone. Terço virando enfeite de bolso de calça pra combinar com a camiseta com imagem de santo e, alguns anos mais tarde, com a cruz episcopal com medalha de São Bento no meio tbm apareceu bastante. Mas o fato é que a CNBB TL, achando que estava demolindo a RCC ao usar contra ela o que Roma usava contra a CNBB, fê-la ao contrário crescer em fé e em piedade verdadeira. A TL salvou a RCC (e vice-versa).

Quanto à idéia completamente absurda de que a RCC teria salvado o Brasil da TL, aponto que o que aconteceu foi exatamente o contrário. A RCC impediu que a TL desaparecesse, e é diretamente responsável pela sua onipresença na formação sacerdotal. A TL, por falta absoluta, total e completa de resposta ao anseio por Deus do povo, estava esvaziando as igrejas e os seminários. As pessoas iam à Igreja em busca de Deus e encontravam um assistente social de alba & estola falando besteiras esquerdóides. Qdo a RCC apareceu, o trato mais comum dos padres TL com os RCCistas foi dar-lhes o direito de enfiar seus cultos protestantes na liturgia, desde que trabalhassem nas "pastorais" TL. 

Com isso, a devastação da liturgia efetuada pela TL se tornou ainda pior. O que se dizia que viria, antes da RCC aparecer, seria - falo de boatos, mas que mostram o espírito do tempo - algo que se chamaria "missa simplex", uma Missa que duraria dez minutos no máximo, reduzida a uma bênção com perdão dos pecados, uma leitura, consagração, per ipsum e bênção final. Era nesse sentido que parecia caminhar a reforma litúrgica, e a TL tbm trabalhava neste sentido. Na verdade, nas congregações religiosas TL as poucas vocações que entravam não queriam ser ordenadas, pq a Missa era considerada pura perda de tempo.

Mas com a RCC, enfiou-se um quadro de cantorias e coreografias absolutamente idiotizante ao redor daquele esqueleto de Missa, fazendo com que a liturgia TL-RCCista se afastasse ainda mais do ideal eclesial. Passou-se a "falar de jesus" (no minúsculo, mesmo, que não era de Nosso Senhor que falavam, mas dessas besteiras emocionalistas protestantes, em que cada um cria um "personal jesus" para uso próprio), e isso estancou uma pequeníssima parte da debandada de fiéis, mas com o altíssimo custo de atraí-los para outra coisa que não a Verdade que a Igreja tem por múnus ensinar. O resultado foi que isso deu à TL uma tremenda sobrevida, pq os discursos TL passaram a vir enquadrados em um culto protestante, que lhes dava uma aparência maior de legitimidade. A RCC, neste sentido, salvou a TL, ao ensinar-lhe o caminho das pedras de misturar um bestialógico de auto-ajuda com a pregação marxista pura a dura. Hoje é comuníssimo ainda ouvir homilias em que metade é auto-ajuda e metade é pregação esquerdista, e tudo adoçado (ou adocicado) com muita cantoria, dar-se-as-mãos, olha-no-olho e demais truques baratos de auditório típicos da RCC, que não deveriam jamais ter lugar na liturgia. 

Botar um carnaval de cantorias e coreografias em cima de uma base TL tem mais ou menos o efeito de dar um litro de água a quem está com muita fome: a pessoa bebe aquilo e fica com a barriga cheia por alguns minutos. A Igreja passou a ter uma alta rotatividade de pseudo-conversos, exatamente como ocorre com as seitas. O sujeito se confessa na Quaresma, faz a Páscoa, vai numa Missa, noutra, noutra, e antes mesmo de acabar o tempo pascal já cansou de bater palmas e sacudir o folheto - coisa que as crianças excepcionais do Instituto Pestalozzi devem adorar fazer semanalmente, mas que na Missa é de chorar - e deixa de cumprir o preceito da Missa dominical. Se der sorte aparece de novo na Quaresma seguinte. Se der azar, fica só indo tomar passe no centro espírita, onde dão passe igual na RCC sem danificar a audição com tanto barulho. É trágico.

E pior foi o que aconteceu ao penetrar nos seminários. Aí, então, a coisa ficou mais feia ainda, e pelas mesmas razões. Os padres formados a partir desse tempo não aprenderam a Sã Doutrina. Ao contrário: a Fé simples mas vivida que eles tivessem ao entrar inocentes no seminário é cuidadosamente desmontada pelos mestres TL que a RCC salvou, e o truque sujo e barato de fazer da Igreja e de sua liturgia uma espécie de centro de auto-ajuda garantiu que não perdessem muita "freguesia". Criou-se um sucedâneo de formação, um sucedâneo de espiritualidade, que impediu a derrocada final da TL e dificulta tremendamente o reinício - que a Santa Sé briga pra fazer - da formação clássica de base escolástica.

Se não fosse a RCC, a TL teria acabado de acabar ainda nos anos 80, no máximo nos anos 90. Devido à sobrevida dada pela RCC, contudo, são raríssimos os seminários brasileiros em que não ocorra o que descrevi acima na formação dos seminaristas. Aliás, outro dia escrevi algo rapidamente sobre isso aqui e vários ex-seminaristas me escreveram em PVT dizendo que saíram do seminário para não perder a Fé, ou mesmo que a perderam no seminário - devido à "desconstrução" e "desmitificação" sistemática operada pela TL que a RCC manteve viva - e só foram recuperá-la anos depois. É uma tragédia pela qual cada um de nós vai ter que prestar contas a Deus. O mínimo que podemos fazer é rezar muito. E ai das almas dos Bispos!

Futuro vazio

De repente me surgiu uma vontade estranha de chorar. Eu preciso chorar. Preciso botar para fora aquilo que há muito quer se transbordar em meu peito. Meu coração, cicatrizado das muitas batalhas, sente algumas de suas feridas se abrirem, o sangue cristalizado aos poucos começa a cair novamente. 

As gotas de sangue caem em meus pés, sujo da terra por onde andei. As minhas mãos cerradas em punho, minhas pernas tremem como se tivesse doze anos. As lágrimas escorrem lentamente em meu rosto. O mundo passa rápido ao meu redor, a música baixa no player assobia na mesma rapidez com que as luzes passam pela minha janela. Um gosto amargo na boca me aperta o estômago. 

Lembranças de um amor que eu não vivi. Esperanças que me enforcaram, paixões que me apunhalaram. Futuros que nunca chegarão...

Meu corpo não tem forças pra ficar de pé. Se estou de pé é apenas porque devo estar, mas não há em mim vontade para mais nada. Para onde foi o brilho de meu olhar? Se me olho no espelho e vejo apenas uma carcaça vazia, movida não sei bem por qual força. Onde está minha força? Parece que em mim tudo se foi, deixando-me apenas as lágrimas que vez ou outra insistem em cair contra minha vontade...