sábado, 4 de maio de 2019

Da voz na madrugada

Cheguei há alguns poucos minutos em casa, e ela está em silêncio. Só escuto a música baixinha no player a minha frente, dizendo que nós não ligamos para o que eles dizem, e os cães que latem em algum lugar na vizinhança. Tudo é silêncio, e a cada dia eu me sinto mais confortável nesse silêncio. É uma bela noite. Há equilíbrio entre as nuvens e as estrelas, o frio e o vento e até a paleta de cores é agradável... Apenas uma constatação é capaz de colocar um tom triste a tudo isso...

O passeio de hoje não seguiu uma linha predefinida, como a maioria, e fomos de lugar em lugar sem um rumo. Me sinto um jovem adolescente (pleonasmo?) sem rumo nada vida, literalmente. Fomos de um bar ao McDonald's, com direito a lanche no estacionamento e batida de carro. E tudo isso após um ensaio para a missa de amanhã a noite, ou melhor, para a missa de hoje a noite. A única coisa certa nessa aleatoriedade toda foi o sentimento que me perseguiu como um fantasma a noite inteira...

Desde as notas desencontradas dos arranjos improvisados no ensaio até o ar frio que me cortava o rosto e zunia em meu ouvido na carona de volta pra casa eu fui perseguido por um fantasma que a todo momento sussurrava coisas cruéis em meu ouvido. Mesmo em meio a tantos sorrisos e brincadeiras eu não conseguia deixar de me sentir a parte de tudo isso. Seja porque me sinto incapaz de me concentrar em qualquer coisa ao meu redor por três segundos que seja sem me distrair com uma algum devaneio filosófico ou fantástico, ou seja porque de fato não sou como os outros que se contentam com a aleatoriedade ensimesmada da juventude, mas que busca a solidez da sabedora, o fato é que me sinto deslocado. E essa voz me dizia, que todos estávamos no mesmo livro, mas eu estava numa página completamente diferente. 

Todas as vezes que eles falam, ou contam alguma piada ou simplesmente começam a cantar uma música do nada eu sorrio para não soar estranho, mas já há muito tempo perdi a capacidade de entender o que dizem, ou do que é que eles sorriem. O mundo que eles enxergam é diferente do meu. Meu mundo repleto de problemas metafísicos e teológicos, o mundo deles é diferente, não sabendo precisar em que ponto exatamente. Estamos no mesmo mundo? Eu sou uma aberração por não conseguir ver o mesmo que todos vêm. 

Racionalmente haveriam dezenas de motivos para contradizer essa blasfêmia proferida pela voz da minha cabeça, mas eu já tinha perdido a racionalidade há muito tempo, e infelizmente deixei-me abraçar pelos tentáculos dessa verdade cruel: minha solidão é um estado permanente. Ainda que em determinados momentos eu consiga um paliativo para essa sensação tão aterradora, na maior parte do tempo só o que me é ofertado é a absoluta solidão. 

Uma constatação um tanto quanto dura para uma madrugada tão silenciosa e bela, mas que infelizmente deve ser feita, afinal é essa solidão que grita por cada poro de meu corpo: ficarei sozinho para sempre! 

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