quarta-feira, 29 de maio de 2019

Da solidão como condição

Nesta tarde quente e seca, em que meu nariz protesta contra o roubo da pouca umidade do ar que há na cidade onde moro, fui abatido por uma potente e desanimadora sensação. 

Ontem descrevi, ainda que breve e superficialmente, o estado de coisas em que se encontra a consciência moral das pessoas que me cercam, e consequentemente da minha também. Infelizmente minhas condições avaliativas estão constantemente sendo podadas pelo meu estado físico que, graças ao meu trabalho como professor secundário e aos numerosos compromissos na igreja, pouco ou nada tem me deixado para usar em investigações filosóficas sobre o que quer que seja. No entanto, se é que o conseguirei fazê-lo com algum requinte, gostaria de retomar o tema por um prisma semelhante. 

Fui acometido por uma profunda sensação de desânimo em relação a todas as pessoas. Acho que minha desesperança no mundo que me cerca se tornou tamanha que já não vejo mais motivos para continuar lutando, para continuar ajudando as pessoas, para continuar vivendo em meio a elas como um igual. Por um momento desejei ser como um eremita, vivendo distante de todos, mas de certo modo um eremita espiritual, alguém que mesmo vivendo entre os outros se encontra muito distante de todos. 

Não vejo outra saída senão a de aceitar a solidão que já me é imposta. Não consigo tentar fazer os outros compreenderem os valores e cada dia mais me distanciar desses mesmos valores. Já não aguento mais olhar para essas pessoas e desejar que sejam melhores, isso porque já não aguento mais olhar no espelho e ver que a cada dia me torno pior, não contaminado por elas, mas contaminado pela mesma perversão que as contaminou. 

Me encontro então vivendo num mundo que não existe, seguindo e obedecendo valores que ninguém mais segue ou obedece. Buscando uma responsabilidade, um respeito, um carinho, que não mais existem em parte alguma. As pessoas decaíram tanto que são hoje incapazes de seguir uma regra simples, de aceitar uma convenção social qualquer, pelo simples apego ao caos, e elas vivem então nesse mesmo caos, na completa desordem. 

Não quero viver assim. Ainda que eu reconheça a desordem que nos rodeia, algo de certo deve haver, ou do contrário seríamos lançados na destruição completa em poucos dias. Algo de certo norteia sociedade, algo nos guia desde o acordar até o sol se pôr, mantendo em ordem aquilo que essencialmente precisa estar em ordem. Mas parece que as pessoas preferem o caos, a desordem, parece que elas prezam por aquilo que não pode ser de maneira alguma controlado, e buscam justo aquilo que eu mais abomino.

Por isso meu completo desânimo, minha vontade de não mais conversar além do absolutamente necessário. Por isso meu desejo de não mais ir atrás, de não mais entender, de não mais buscar compreender o outro, sua dor, pois quanto mais me esforçava nessas empreitadas, mais me sentia feito de idiota. 

Acredito que, até o momento em que encontre alguém com quem compartilhe os mesmos ideais, que busque e que rejeite as mesmas coisas, deverei andar sozinho. É uma solidão, isso é fato, mas já não a vejo como uma punição injusta e sim como uma condição. É melhor sentir-me sozinho e preservado de toda a imundície caótica que me cerca, do que viver rodeado de pessoas e ficar a cada dia mais e mais debilitado intelectualmente e mais contaminado, com a destruição que habita o coração de cada homem. 

Minha atitude será a de um olhar distante, frio, seguro da peste que nos mata e concentrado em compreender o problema do vazio do homem, vazio do âmago que aterroriza o ser desde o primeiro pensamento. 

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