quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Sobre viajar


Tomado por uma vontade lancinante de partir, pegar o primeiro avião ou trem com destino a lugar nenhum. Não avisar ninguém, simplesmente cair no mundo sem dar explicações. Uma vontade de largar tudo, família, amigos, trabalho e ir em busca de novas experiências. 

Sinto que cheguei no limite do meu estado atual. Não há mais nada que eu possa fazer aqui. Estou saturado de minha vida, preciso me reinventar, me redescobrir em outro lugar. Eu preciso voar por sobre outros céus, navegar por outros mares. Este lugar me sufoca, essa vida me apreende num cativeiro apertado demais. Tudo o que faço é suspirar pelos céus longínquos que apenas ouso imaginar. 

Estou cansado dessa terra vermelha, desse ar seco, dessas pessoas vazias e barulhentas. Farto de todas as obrigações que não me deixam sair do lugar, é como se sempre caminhasse para trás. 

Me chamem de covarde, por querer fugir dos problemas que continuar aqui me trazem, mas eu não ligo. Já fui deveras insultado pelas pessoas que mais amava para me importar com isso. Já me cuspiram a face e me apunhalaram as costas. 

Não sinto mais nada. 

É só um vazio imenso.

Talvez em algum outro lugar eu encontre essa coisa que eu tanto procuro, mesmo sem saber o que é. 

Talvez eu simplesmente me encontre. 

Mas quando foi que eu me perdi de mim? 

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Sobre ser feliz e sozinho

Onde está aquela antiga alegria singela? Onde está aquele meu riso sincero que abria toda vez que ouvia uma música do Super Junior? Houve um tempo, tão distante que hoje não é mais a sombra de uma lembrança eu que eu era feliz. Feliz de algum modo. 

Sei que não era feliz o tempo todo. Eu sofria. Mas não havia isso que me acontece agora, não haviam vozes na minha cabeça e não havia essa sombra escura pairando sobre a minha cabeça. Me lembro de sorrir ouvindo musica, e de repetir a mesma faixa várias e várias vezes, e de cantar cada faixa num coreano enrolado que não significava nada. 

Mas quando isso se passou? Quando foi que me esqueci o que era ser feliz e passei a só reclamar da vida, me queixar das desgraças que recaem sobre mim? O que foi que me roubou de mim? O que me roubou minha alegria?

Eu tô cansado de procurar alguma coisa que eu não sei o que é. Isso tá me deixando maluco. É como se faltasse alguma coisa dentro de mim e eu nem sei o que é!

E eu vejo as pessoas sorrirem, cada uma a sua maneira, parece que todo mundo sabe o que fazer da vida, parece que todo mundo tem um objetivo e eu não tenho nada disso. Isso faz eu me sentir um completo inútil, não sei quem sou e nem pra que eu sirvo e vejo que as pessoas nem sequer precisam de mim.

Meu celular está cheio de mensagens de gente me pedindo coisa, me dando compromissos e obrigações e eu tenho que fazer tudo, senão sou ruim, sou preguiçoso, não quero ajudar. Mas na hora de sair, de sorrir numa roda de amigos, ninguém se lembra de mim. Eu só sirvo pra estender a mão, só pra isso, pra jogarem coisas que ninguém mais quer fazer nas minhas costas.

Eu não sirvo como companhia. Vejo o desprezo no olhar as pessoas, elas me toleram, não gostam de mim, a maioria tem nojo de mim! Meus amigos são os primeiros a se esquecerem de mim, mas quando precisam de algo são os primeiros a me ligar de madrugada pedindo ajuda. É só pra isso que eu sirvo? Não tenho nenhum valor real? Como posso viver uma vida sem sentido pra todo sofrimento que acontece?

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Da amizade irreal


Fui abandonado. 

Mais uma vez se deram conta de que minha presença é desnecessária e me excluíram do convívio dos outros. Tão logo percebam minha ausência dirão que eu mesmo resolvi me afastar. Mentira! Eu vi, no profundo olhar de desprezo de cada um ali que minha companhia não era desejada. Simplesmente esqueceram-se de mim. Mesmo depois de dias me ligando diariamente para que resolvesse problemas e mais problemas. Eis a minha serventia: trabalhar. Divertir-se? Apenas com quem é divertido. 

Os olhares de desprezo que recebi foram um sinal: não queremos você por perto. Sua simples existência é um incômodo a todos nós. E então eu me silenciei. Que posso mais fazer, se minha existência é um estorvo não há mais o que fazer senão me afastar.

Me afastar para o jardim cercado, onde há aquela fonte lacrada, onde meu amor repousa sob as açucenas olvidado. 

Não há mais espaço para mim aqui. Não há razão para existir. Quando se é excluído não há mais o que fazer senão seguir em frente, ainda que sem rumo, para algum outro lugar onde as coisas possas ser um pouco melhores, um pouco menos solitárias. 

Parafraseando o poeta, ninguém esteve presente no enterro de minha última quimera. Nos meus últimos dias de crise nem sequer uma mensagem de apoio recebi. Estava somente ali, por mim, sozinho. A ingratidão, pantera prestes a me devorar me rodeava com apetite voraz. 

Percebi que aqueles que me beijavam, me apedrejavam pelas costas, mas não os culpo. Quem não se irritaria com uma mente tão desprezivelmente desequilibrada assim? Mea culpa, mea maxima culpa.

Minhas crises são difíceis de aturar, eu sei. Mas o discurso de "estamos todos ao seu lado" só valia para quando eu, mesmo em crise, ainda tinha alguma serventia. Quando passo pela primeira grande crise, fora de mim, já não sirvo mais para nada. Fui deixado sozinho, ouvindo distante os seus sorrisos. Sorriam de mim, pude perceber. Dormi chorando baixinho naquela noite, somente eu senti minha dor.

"Amizade é querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas." 
(S. Tomás de Aquino)

Percebo então, com máxima dor marcada no meu peito, que meus amigos mais chegados odeiam aquilo que amo, e amam aquilo que odeio. Nada de bom pode vir dessa combinação. E é isto, não há exílio nesta terra para mim. Condenado a vagar sozinho, com meus livros, na esperança de algum dia encontrar um lugar ao qual eu pertença. Minha jornada de cem anos de solidão. 

Da nova Evangelização

Tanto esforço. Tantas discussões intermináveis, debates efusivos, coléricos. Mas será que isso é feito com o olhar fixo no objetivo que se quer alcançar? Ou será que, confusos quanto ao seu objetivo apenas balbuciam palavras ao vento sem nenhum sentido último, senão que suas falas são apenas expressões imediatas de suas impressões subjetivas e emocionais, sem nenhum contentamento real da razão que deveria mover essas ações? 

Me vejo em meio a um terremoto. Reuniões, conselhos, ações, eventos, reflexões. Tudo e prol de ações que possam favorecer uma evangelização. O objetivo inicial parece claro a todos: conquistar o coração dos jovens para o seio da Santa Igreja onde poderá receber as graças dos méritos de nosso piedoso Jesus Cristo e de sua clementíssima Mãe como nossa intercessora. Trazer os homens para Cristo: eis o nosso ideal!

Mas será que nossas ações de fato refletem os objetivos que traçamos? 

Como podemos conquistar as pessoas para Cristo? Sendo outro Cristo na vida delas, como bem nos ensina São Francisco. De que forma fazemos isso? Mostrando aqueles como Jesus viveu, como pregava, o que dizia, a quem ajudava, que missões nos deu. Mostrar Jesus, tal qual se apresentou aos apóstolos. 

Mas existem várias facetas de um mesmo Cristo. Tem o Cristo obediente a sua Santíssima Mãe nas Bodas de Caná. O Cristo irritado expulsando os vendilhões no templo. O jovem Cristo explicando as escrituras aos homens da Lei. E todos são um mesmo e único Cristo que, não podemos esquecer, é um só com o Pai e o Espírito. 

O Cristo que mostramos aos outros é um Cristo que mais se assemelha a alguém recém saído de Woodstock, Um Cristo que tudo aceita, tudo ama. Um Cristo que não se importa de ser louvado com músicas feitas por pessoas que notoriamente abandonaram sua fé e imprimem hoje apenas um arremedo de cristianismo seletivo, donde pegam apenas aquilo que os convém. Existe um abismo entre um Te Deum ou um Panis Angelicus e uma repetição histérica da mesma frase, em acordes ascendentes que visam puramente fazer as pessoas chorarem. Patético substituir a mensagem profundamente evangélica pela linguagem evidentemente protestante dessas bandas atuais.

Amizade é querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas, disse Sto. Tomás. Como amar aqueles que tentam destruir a Igreja de dentro, transformando-a numa seita protestante? 

Pois bem, realidade vivida: faz-se um encontro de três dias, cantam-se as músicas mais carismáticas, não importa se são protestantes ou espíritas, move-se mais de cem pessoas para executar o tal evento para, no final das contas, não haver nem sequer três linhas do Catecismo nele. Adento: o Catecismo é o livro do ensinamento cristão por excelência. Ele lança luz sobre as Escrituras e é por elas alimentado. Como pretendemos ensinar a Cristo, se a mensagem de Cristo como nos foi deixadas pelos padres da Igreja foi substituída por uma mensagem cheia de jargões protestantizados como "Deus ama você o tempo todo" ou "Deus jamais condenaria ninguém". A Igreja que Cristo Jesus deixou é porto seguro para a salvação das almas, mas também podem encontrar a salvação em outra religiões, ou em nenhuma, valendo-se apenas da retidão do coração de cada um. Tempo perdido. Os jovens poderiam sair desse fim de semana profundamento arraigados na fé, conhecendo doutrinas que os ajudarão a superar cada dificuldade da vida ao confiar seu sofrimento ao Sagrado Coração de Jesus, que prometeu estar conosco até os fins dos dias. 

Falta algo mais palpável. Um ensinamento real, algo de fato oferecesse ao jovem uma segurança de que o caminho da Igreja é o caminho da Verdade e da Vida, mas parece que essa é a última das preocupações. Fora da Igreja não há salvação? Dogma fundamentalista, ninguém mais acredita nisso. Todas as religiões são boas e salvam. Mas se assim o fosse, Cristo teria fundado tantas outras, de acordo com as diferentes concepções de religião da época. Não o fez, desejou a unidade, simbolo da unidade dele com seu Pai e o Espirito.

Alguns defendem que essa doutrina, faltante no primeiro encontro, seria complementada depois. Mentira. O depois é apenas mais do mesmo. Palavras repetidas, chavões gastos que, embora sejam belos adágios, não são mais do palavras que já perderam seu valor. São vazias como poeira ao vento. Primeiramente, o coração verdadeiramente reto encontraria a verdade onde ela foi deixada: no seio da Santa Igreja. E, por fim, ninguém encontra Jesus de verdade. Encontra um simulacro de religião que, em ultima análise, não imprime nenhuma ação concreta para a conversão.

Com essas afirmações jogamos no lixo séculos de tradições e ensinamentos seguros sobre a salvação das almas. Durante séculos a preocupação de todo foi "Convertei-vos e crede no Evangelho." mas agora parece-me que a máxima é "Crede em algo e será salvo." É perceptível a diferença?

A Igreja sempre pregou o caminho da salvação: o amor em Cristo Jesus. Hoje a igreja aceita o amor, seja ele qual for, como salvação. São Paulo disse "Tudo me é válido, mas nem tudo me convém. O discurso agora é outro: Se tudo me é válido, tudo me convém. 

Como pretendemos trazer o jovem para Cristo se o Cristo que apresentamos a eles é um Cristo sem regras, um Cristo sem Igreja? O encontro é católico, mas poderia muito bem servir numa igreja protestante com algumas pouquíssimas adaptações. 

Nós esquecemos o essencial. Esquecemos que somos, de certo modo, participantes do múnus sacerdotal de Cristo e temos o dever profético de corrigir os erros feitos em noma do Senhor. O essencial é, como diz a música do Pe. Zezinho: "Amar como Jesus amou, sonhar como Jesus, pensar como Jesus pensou, viver o que Jesus viveu." É tornar-nos espelhos de Cristo, e não reduzir todos os seus feitos numa meia dúzia de jargões emotivos que, na hora despertam uma poderosa carga emocional, mas que logo se apaga como uma pequena brasa em meio a tempestade do mundo.

Mas falar de Jesus não é importante, falar sobre meu eu é importante, apenas coloco o nome de Jesus porque o dele tem mais impacto. No fim das contas tudo isso é um grandioso e elaborado culto ao próprio homem. Fala-se do homem como se ele fosse o centro. O nome Cristo que é mencionado é apenas um apelido para o próprio homem. O que Cristo disse, o que ele fez e ensinou, a Igreja que deixou, nada disso é importante.

As pessoas vêm o Cristo real como um impositor de regras, e sua Igreja como uma supervisora. Não enxergam Cristo como Pai e nem a Igreja como a distribuidora das graças que ela é. Não conhecem Cristo de verdade, nem a Igreja, e não pretendem conhecer. Conhecer pra quê? Já tenho minhas convicções, não preciso aprender com a Mãe e Mestra da verdade. No fim só eu e o que acho importa, uso Cristo como argumento de autoridade pra validar o que sinto. 

Precisamos construir nossa casa sobre a rocha. É preciso que eu suma e Cristo apareça. Falar das verdade da Fé: O céu existe, e o inferno também. O pecado nos afasta de Deus, e o pecado ainda é pecado mesmo quanto todos pensam que não mais o é. A condenação exite, mas a graça que superabunda o pecado também. Não devemos desanimar, devemos nos munir das armas da tradição para então pregar com aquele mesmo vigor apostólico dos nossos pais na fé. Com testemunho de vida e palavras que refletem a vontade do Espírito. Com docilidade ao ensinamento do Magistério, respeito solene a Tradição. 

Voltemos ao passado. Aprendamos com nosso pais na fé a como seguir a Cristo, a como cantar os louvores ao Senhor. Esqueçamos essa mania de extravasamento vocal, de entrave afetivo, que anuvia a visão da verdade revelada no Sagrado Magistério. Caminhemos por uma restauração da verdade, da Tradição, da modéstia. Do conhecer a Igreja a qual servimos pois, a exemplo de Santo Agostinho: "Não creria no Evangelho se a isso não me levasse a autoridade da Igreja de Roma."

Me apego a promessa de Nosso Senhor de que, no fim, eles estará conosco até o fim dos dias. 

domingo, 27 de outubro de 2019

Sobre ser desprezado

A perspectiva de dias cheios me paralisam. Meu corpo grita em protesto e cada fibra de cada músculo parece se desfazer, é como se meu aos poucos eu me desintegrasse, como se fosse subindo, sendo engolido pelas ondas tortuosas de um tsunami que não dá pra evitar. 

Fico de pé, encarando essa onda que se aproxima de mim, sem ter como lutar. Apenas observo a destruição que cairá sobre a minha vida. 

Detesto esses dias em que sou obrigado a consumir o pouco que me resta de energia para apenas manter os compromissos vazios que essa vida me obrigou a fazer. Meu desejo é de correr, para um lugar distante, fugir desse mundo de compromissos, de obrigações, de cansaços vazios e sem propósito. 

Eu almejo algo maior, do que as afabilidades do cotidiano. Não consigo me contentar em levar uma vida tão cheia de barulho. As vozes que escuto não me deixam dormir e me roubam o paraíso contemplativo.


Odeio ficar ao lado de quem sei que despreza minha companhia. Odeio me abrir com quem sei não querer ver meu íntimo. Detesto o silêncio que nos separa e as palavras que me cortam.

Detesto ver os olhares frios que direcionam a mim, detesto me sentir menor do que os outros, ou sentir que a minha presença os incomoda... Parece que muitos se incomodam de sentar-se ao meu lado, como se fossem pegar algum tipo de doença, como se fossem ficar como eu. Se incomodam de respirar o mesmo ar que eu...

E quando me sinto assim eu penso em fugir, em me esconder. Penso em entrar em algum buraco tão fundo que ninguém nunca mais tenha ciência de minha existência. Penso em sumir, como se nunca tivesse existido, o que seria bem melhor...

Olhar ao redor e ver numa assembléia lotada centenas de olhares frios, distantes, é desesperador. Já sentiu algo assim? Faz a minha voz sumir, minhas pernas vacilarem. É como se cada pessoa ali me odiasse ou, pior, me desprezasse. Faz eu sentir que sem melhor se eu simplesmente desaparecesse.

Tenho medo deste mundo, que parece querer me matar. Tenho medo de todas as coisas que sinto e que guardo comigo. Tenho medo dos olhares, dos abraços frios e distantes, tenho medo de músicas alegres

No fim só eu escuto as vozes de minha cabeça me dizendo o tempo todo que eu deveria me matar, que faria um favor a todos se o fizesse. É como se essas vozes saíssem daqueles olhares frios, que guardam maldade e rancor contra mim.

E eu as escuto o tempo todo... Mesmo enquanto canto ou converso, assim que acordo, essas vozes nunca se calam, apenas encontram em cada passo que dou uma razão para provar que não deveria continuar vivo.

Meus dias são então apenas uma sucessão de batalhas, entre a esperança de que um dia essas vozes se calem, e os momentos em que dou ouvidos à elas e que realmente penso não ser mais do que um grande desperdício de espaço...

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Atmosfera de sonhos

Noite de chuva. 

A lua brilha timidamente no céu, enquanto no chão cai um torrente cristalina que reflete a luz das ruas numa profusão de raios brancos e amarelos. O mundo se molha lá fora, a chuva a todos toca de alguma maneira. O reflexo da luz nas gotas de água criam uma paisagem belíssima que, acompanhada do som inspirador da mesma precipitação nos faz mergulhar nos mais profundos sonhos. 

É impossível não ser tomado por essa atmosfera onírica. 

Aqui dentro eu fico hipnotizado com sua figura. Seu corpo molhado e nu é um quadro que eu não poderia esquecer nem mesmo se quisesse. Sua figura cor de bronze como uma estátua esculpida pelos deuses. As gotas de chuva escorrem lentamente pelo seu peito, torneando seus mamilos entumecidos e as veias dos seus braços. Formam uma linha fina e brilhante pelo seu tronco, descendo sinuosamente pelo seu umbigo e abaixo dele, onde me perco em pensamentos que não posso descrever aqui. Sinto meu coração bater mais forte, conforme vou olhando aquela pequena gotinha deslizar lentamente por você, descendo pela sua cintura. A vontade de te puxar para perto de mim é real. 

Os óculos embaçados pela sua respiração ofegante. O que será que seus olhos veem quando você me olha? Queria poder saber como sou aos seus olhos. E quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem se encontrar o céu lá fora retumba num grandioso e sonoro trovoar. Lábios vermelhos que você mordeu para me provocar, meu rosto enrubesce, minha respiração falha quando você pronuncia meu nome com a sua voz de veludo.  Meu nome em seus lábios é uma canção ainda mais hipnotizante que a da chuva que cai lá fora. 

Apago a luz e deixo o tempo passar, não temos motivos para esperar. Você todo é um paraíso de prazeres idílicos que me fazem enlouquecer de desejo. O toque de suas mãos grossas me faz arrepiar. Tocar os seus braços fortes é um ato lascivo e luxurioso que eu me atrevo a cometer. Não posso me furtar a desejar sua boca na minha, pressionando meus lábios contra os seus. Somos somente eu e você!

O meu calor passa a aquecer o seu corpo frio pela água da chuva. O beijo quente faz evaporar aquelas gotas que ainda não haviam desaparecido pelas linhas do seu corpo, linhas essas que exploro com meus lábios e com meus dedos, explorando cada centímetro do seu corpo perfeito, despertando em você seus instintos mais primitivos. 

Terminamos rolando na cama, nossos corpos entrelaçados, o sussurro das obscenidades e os gemidos de prazer abafam o som da chuva que bate pesadamente contra a janela. Cada toque, cada beijo é uma explosão de sensações que compartilhamos numa troca elétrica que perpassa nosso ser. Por um instante nos tornamos apenas um, um só corpo, um só coração. 

A noite termina como começou, a chuva ainda cai la fora, e agora embala o sono cansado de dois jovens que se entregaram ao prazer de se possuírem sem limites. Velados pela tímida lua e pela chuva cantarolante nós adormecemos exaustos, porém satisfeitos com aquilo que encontramos no outro. 

De uma nova paixão

Após dias de tempo fechado, com pesadas nuvens escuras sobre a minha cabeça, parece que finalmente começo a ver a luz do sol. É apenas um raio dessa luz, quebrando a parede de gelo da fortaleza onde estava enterrado, mas ela está lá, e isso basta!

Do outro lado de meu mundo eu me vi novamente sendo hipnotizado pela beleza do amor que me foi proibido pelos céus. Novamente sendo conquistado rapidamente pela simples docilidade de uma companhia. A solidão que habito me tornou suscetível a esse tipo de ataque. Vulnerável a ser conquistado por quem me ofereça verdadeira companhia. 

E o que posso dizer? Se ele voltou a se interessar pelos meus dias, se voltou a falar comigo como se apenas tivesse precisado de um tempo para processar as informações que teve quando me viu, despido das minhas pesadas vestes sociais que mascaram minha verdadeira personalidade. 

Claro, não posso esquecer que ele foi um completo idiota em parar de falar comigo por dias depois de uma conversa em que apenas fui sincero sobre quem sou e como sou, mas nem todos aceitam a verdade de coração aberto, as vezes demora para ela entrar no peito e ali fazer sua morada. 

De qualquer maneira parece-me que ele tem se mostrado mais aberto atualmente. Lamentavelmente me exponho novamente ao perigo de ter meu coração partido pela, não me lembro ao certo, centésima vez? Mas que posso fazer?  Pode ser apenas algum interesse momentâneo, como os que frequentemente me fazer provar o gosto amargo da decepção, mas meu coração romântico inveterado não consegue dizer "não" quando a beleza bate em minha porta na forma de um cavalheiro doce e apaixonado. 

Me coloco então na posição do menino sonhador. Do jovem que sonha com o homem perfeito. Atencioso, companheiro, forte e bonito. Alguém capaz de me abraçar após os pesadelos de uma noite e com firmeza me segurar quando estiver prestes cair novamente no fundo do poço. Alguém com quem possa assistir séries num dia frio, agarrado debaixo do cobertor, ou andar por aí num dia ensolarado, aproveitando a paisagem cor de rosa do mundo de um apaixonado. 

Típica ilusão de um coração que não consegue se furtar a uma paixão. 

domingo, 20 de outubro de 2019

Três dias

Três dias sem conseguir sair da cama. Três dias sem comer direito e sem contato com qualquer pessoa. Meu corpo dói. Cada pequena parte dói, cada articulação, cada músculo dói. É horrível. Simplesmente trocar de posição exige um esforço hercúleo.

Eu queria levantar, queria ir na formação que tinha hoje, queria comer alguma coisa, tomar um banho, mas eu não consigo. Não sei para onde foi a minha força, mas ela se esvaiu como nunca antes, ela se foi. Não sei o que me restou mas não foi muita coisa. 

 Eu sou só um arremedo de ser humano. Uma coisa jogada na cama, disforme e sem vida. Uma casca vazia, uma boneca de trapos... Tudo o que eu consigo fazer é ficar deitado aqui, inerte, esperando a misericórdia da irmã morte em me livrar dessa sina. 

Meu cabelo e barba estão grandes e sujos. Minhas unhas também. Meu corpo precisa de um banho mas eu não consigo me cuidar, acho que o pouco que eu ainda tenho está se concentrando em manter meu coração batendo, e apenas isso, é tudo que posso fazer. É como se manter meu coração funcionando já consumisse todas as minhas forças. 

Não tenho forças sequer para continuar a escrever, as palavras se foram da minha mente como folhas ao vento. O texto está como eu, incompleto, disforme, sem razão e coesão... Só me restam perguntas:

Mas o que é isso? Alguma provação? O que é essa fase pela qual tenho passado? Qual o sentido por detrás de tudo isso? Qual a razão de tanta dor? 

sábado, 19 de outubro de 2019

Uma lição que eu preciso aprender

“No Brasil há uma hostilidade ao espírito, à inteligência, à consciência. Veja, com quantos alunos eu já não tive essa experiência: o sujeito começava a estudar essas coisas e daqui a pouco ele sentia que estava ficando deslocado do seu ambiente entre os amigos, e começava a sofrer! E daí eu perguntava: “mas, escuta, por que é que você quer continuar amigo deles? Qual é o motivo? Quer dizer, você acha que um homem pode realmente seguir uma carreira de estudos, enfiar um monte de idéia na cabeça e continuar convivendo igualzinho com ignorante?! Que milagre você quer? Isso nunca aconteceu! Então, se você adquirir uma cultura, bom, você tem que procurar amigos mais cultos, ou então ficar sem ninguém – isso é a coisa mais óbvia. Agora, pro brasileiro não, ele quer continuar, 'ah, mas a garotada do bairro, a turma do time de futebol de salão, a turma do clube...'

Você imagina São Tomás de Aquino, ele saindo lá de Roccasecca, na puta que o pariu, e vai andando até a Universidade de Paris pra ser professor, e daí lá ele fica pensando ‘ah, mas o que é que a turma de Roccasecca vai pensar de mim...’ Não é possível um treco desses, porra! Esqueça o raio da Roccasecca, porra! Quer dizer, é esse atavismo, em que o sujeito tá grudado ali no bairro, na turminha, na namoradinha... O sujeito já nasce velho com saudade do seu próprio passado! Você tem uma vida pela frente pra fazer coisas, desbravar territórios, fazer coisas maravilhosas, e fica pensando nessa porcaria?! E ainda quer que eu o console?! Você sabe o que você faz com seus amigos? Manda tudo a puta que os pariu, pronto... esquece isso.

Os escolásticos já defendiam a amizade com a fórmula latina 'idem velle, idem nolle', que quer dizer: amigo é o sujeito que quer a mesma coisa que você e rejeita a mesma coisa que você. Esse é seu amigo e seu companheiro. Então você tem algo a fazer com ele, agora, se não tem nada, então é um conhecido, ao qual você pode dar toda simpatia, mas não pode esperar nada – você poder dar, não pode esperar! A gente deve ser bom com todo mundo: simpático, prestativo, com todo mundo, com um mendigo que te pára na rua, mas você não vai poder esperar manifestações afetivas dele, meu Deus do céu! Você não pode precisar dele. Agora, essa fraqueza, essa moleza afetiva brasileira, essa covardia, isso aí mata qualquer carreira intelectual. Querer conservar todos os amiguinhos de infância, a turminha do bairro, vai querer jogar bolinha de gude, brincar de carrinho de rolimã... qual é?!”

(Olavo de Carvalho)

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Uma casca vazia

Eu não queria ter de me levantar. Pra dizer a verdade eu não queria ter de cumprir com nenhum dos meus compromissos. É tudo cansativo, tudo exige de mim uma energia que há muito eu já não tenho... Eu só queria poder ficar aqui, deitado, deixando meus pensamentos fluírem para bem longe, tão longe que eu poderia me esquecer de que isso aqui existe, de que eu existo. 

Não queria cantar, não queria participar de formações, não queria ver ninguém, não queria responder nenhuma mensagem. Só queria ficar aqui, a sós com as minhas músicas, sem ninguém me incomodar, esperando o momento em que meu corpo finalmente sinta o descanso.

Há anos que já não sei mais o que é isso. De certa maneira pode-se dizer que me acostumei a estar sempre cansado, mesmo quando não estou efetivamente. Acontece que o cansaço mental, essa depressão que sempre me puxa para baixo, para o fundo do poço... Esse cansaço mental perpétuo não me deixa descansar, ainda que meu corpo se deite, minha mente está sempre cansada de existir. 

Por isso o sono exagerado,o medo de tudo e todos, a insegurança generalizada, a certeza da solidão, o cansaço pela própria existência. E ela tirou tudo de mim, toda esperança, toda luz, toda chance de as coisas melhorarem um dia, no fim das contas não restou nada... As pessoas me enxergam como alguém que faz de tudo, mas a verdade é que já não consigo fazer mais nada direito. Luto a cada dia para continuar respirando, para não terminar vegetando sobre uma cama, ainda que este seja meu único desejo. O eu que as pessoas enxergam não passa de uma máscara, que eu nem sequer sei como ainda se mantém de pé. Eu não rio e nem sorrio mais pois não há mais graça em nada, apenas existo, de uma maneira automática e patética, resistindo cada dia...

E então eu lamento, lamento pelos meus compromissos, lamento pelas minhas obrigações, eu não queria nada disso. Só queria ficar sozinho, no escuro... Só queria voltar ao nada, voltar a inexistência. De onde querem que tire energia para continuar a viver? De onde querem que eu tire forças para continuar? 

Acabou tudo, não restou nada além de uma casca vazia e sem vida... 

Acabou tudo...

De um mistério

O que será que significam essas suas palavras? E seu silêncio, esconde alguma coisa que eu deveria saber? 

A verdade é que tudo em você é um grande mistério. Grande como você. Um mistério que não consigo desvendar, não importa o quanto tente. 

Pouco conversamos, mas as parcas palavras dizem muito. Mas não sei se você quis dizer muito ou se só eu inventei tudo isso... 

E o seu silêncio? Nosso silêncio. É confortável, eu  acho, não há necessidade de preencher o tempo com palavras bobas, eu gosto assim. Mas há algum significado por trás do seu calar-se? 

Minha companhia talvez não seja a mais inspiradora. Eu sou chato, sei disso. 

Queria desvendar seu silêncio, conseguir entender suas palavras mas, quando olho pra você, tudo o que vejo é uma grande incógnita.

Queria que fosse aquela companhia, que se senta no chão da sala pra ouvir Silva e abrir uma garrafa de vinho. Alguém com quem pudesse me abrir e que se abrisse comigo. 

Mas parece que não somos compatíveis. Sinto faíscas entre nós, sinto que não estamos na mesma página, sinto que nunca vamos nos entender. 

É, pena. Acho que poderíamos ser bons amigos, e que faríamos um bom casal...

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Onde reclinar a cabeça


“As raposas têm suas tocas e as aves dos céus têm seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8,20).

Algumas pessoas não pertencem a lugar nenhum. Algumas pessoas estão condenadas a vagar os seus dias pela terra sem nunca encontrarem seu lugar. Algumas pessoas são viajantes em seus próprios corpos.

Talvez, numa perspectiva cristã, isso signifique que a alma humana nunca pode contentar-se com a vida terrena, estando ela destinada a eternidade onde não pode ficar limitada a um corpo e a uma vida tão limitados quanto nossa existência atual.

Será que é esse o ímpeto que sinto no fundo do meu peito? Essa sensação de não pertencer a lugar nenhum, esse sentimento de sempre querer algo mais é o meu desejo mais primitivo de eternidade? Talvez minha alma tenha feito essa impressão em meu coração: ela sabe que não pertenço a esse mundo, e sabendo disso não permite que eu me dê por satisfeito com essa existência terrena, tão pobre, limitadora...

O fato é que eu amo contemplar esse mundo. Amo o céu estrelado ou repleto de nuvens, amo o farfalhar das oliveiras próximas a minha casa que brilham sob o sol refletido no orvalho após a chuva, amo as músicas que parecem transcender o tempo e tocarem o meu coração nascido tardiamente... Eu amo todas essas coisas mas, mesmo assim, ao olhar o mundo ao meu redor eu ainda não me sinto parte dele. É como se fosse apenas um observador, sem ter de fato algum objetivo real para cumprir aqui. 

Percebo que as pessoas ao meu redor não tem essa concepção ou, se ja pensaram nisso alguma vez, o escondem muito bem. As pessoas estão conformadas com suas vidas. Acostumadas com essa existência, seja ela a mais patética de todas ou a mais glamourizada. Falo das pessoas que levantam cedo todos os dias e trabalham arduamente, para apenas voltar as suas casas num breve descanso até chegar a hora de se levantarem de novo, intercalando tudo isso com alguns poucos momentos de divertimentos vazios. Mas também me refiro aqueles que não precisam de nada disso, que aproveitam suas fortunas inestimáveis de maneira desordenada sem nunca pensar em nada realmente grave como isto. Ambos são iguais, vivendo para seus trabalhos ou para seus divertimentos. Não são diferentes dos animais, que apenas caçam e se reproduzem sem nunca pensarem nada além disso. 

E eu me sinto outra coisa, mas não precisar o que exatamente, e é isso o que mais me frustra. Não saber é uma frustração constante. Parece até que sou menor do que aqueles que, também não sabendo, fingem saber para enganar a si mesmos e aos outros, de forma a esconderem o pavor que eles mesmos também sentem, e fingem não saber. 

Não há portanto lugar para mim nesse mundo. Não há ombro amigo que possa chorar essa minha frustração e não há coração que possa compreender minhas ânsias. Não há uma segunda chance para mim, que faço parte da estirpe dos condenados a cem anos de solidão. 

Continuo a vagar sem rumo pela terra. Sem rumo, sem destino, sem norte. Um monstro sem par. Uma criatura qualquer que nunca encontrou o seu lugar. 

Nesses dias

O que me acontece nesses dias? 

Abri os meus olhos de manhã, mas o meu corpo não acordou. Meus braços e pernas não me obedeceram quando decidi me levantar. No máximo consegui rolar para o outro lado e sentir o vapor quente do ventilador sendo lançado sobre meu rosto. 

O teto do meu quarto é braco, mas por algum motivo eu achei ele bem pouco familiar. A música cessara, o que eu estava ouvindo mesmo? Já nem me lembro mais... Algumas obrigações me surgem a mente. Tenho de pegar alguns documentos da igreja. Mas eu não tenho forças para me lembrar onde. 

Em dias como esse só me resta esperar esse torpor passar. É como seu meu corpo estivesse anestesiado, sem nenhuma força para nada. Apenas fico deitado, virando de um lado a outro da cama, sentindo dores por um exercício que não fiz. Embora parado há dias é como se tivesse corrido muitas maratonas, meu corpo reclama como se meus músculos estivessem a ponto de partir-se, rasgando cada fibra, rompendo-se pouco a pouco. 

Um grande vazio preenche a minha mente. O nada torna-se um peso enorme sobre meu peito. Pensar nos outros me causa uma estranha sensação: não quero sair daqui! Mas tampouco quero ficar aqui, tampouco quero continuar parado pois sinto que se não me mexer logo, eu simplesmente morrerei aqui, parado, de boca aberta. 

As vezes me parece, em dias como esse, que esse é meu único destino: esperar pacientemente pelo dia em que a irmã morte venha dar-me um abraço e cobrir-me com teu manto. É, não me parece um futuro muito promissor não é mesmo? 

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Do Medo


Eu quero fugir. Fugir das pessoas que me rodeiam, fugir do mundo que me aprisiona, fugir dessa existência patética e sufocante que sou obrigado a manter a cada dia contra minha vontade. Eu quero fugir, me esconder num lugar tão distante e profundo que não consiga ser achado por ninguém, nunca mais...

Eu tenho medo. Eu olho ao meu redor e vejo tantas pessoas, e elas fazem tanto barulho. Isso me assusta, me congela e eu fico petrificado contemplando aquele inferno sem nenhuma reação. Algumas lágrimas escorrem pelo meu rosto, caindo pesadamente sobre meu colo, mas, na maior parte das vezes eu sinto apenas um terrível vazio, uma completa incapacidade de ser feliz e de sorrir como os outros, com a coisas simples da vida, como isso fizesse todo o sentido da existência surgir e tornar-se tangível. 

Esse sentido existe? E ele está mesmo em todas as coisas comuns da vida? Eu não o vejo. Eu só vejo medo. Só vejo as máscaras que as pessoas usam para ignorarem o fato de que elas também não fazem ideia de por que existem ou para quê estão aqui. Essa constatação gera em todos um medo terrível da realidade que os oprime, que os obriga a encontrar essa razão de ser. Como não conseguem encontrá-la, mascaram a verdade com prazeres e vícios, como se estes oferecessem todo o fim ao qual procuram. 

Essas coisas não podem me alimentar senão que muito superficialmente. Não vejo mais do que decadência. Não vejo mais do que medo. E eu, por não conseguir me enganar com isso, fico sozinho com este meu medo que, em muitos momentos, é minha única companhia. 

Mas enquanto busco a minha verdade eu sou obrigado a conviver com as pessoas ao meu redor, e parece-me que nenhuma delas pode me ajudar nessa jornada. E quanto mais percebo que em nada elas contribuem, senão que apenas me distraem de maneira imperfeita e superficial, mais eu desejo me afastar de tudo e de todos. 

Acontece que tudo o que há no mundo é barulho. Um barulho terrível que me ensurdece, que atenta contra meu coração palpitante e que me enche de terror, como meu sangue que circula por todo meu corpo, levando para todos os meus órgãos e extremidades esse pavor que me enche até transbordar em lágrimas pelo meu rosto. 

Fugir é a melhor escolha. A distância é a única forma segura de encontrar a razão da existência sem ser sufocado pelo barulho do mundo. Devo me distanciar desse mundo para então, dentro de mim, encontrar algum motivo ou razão para continuar existindo nesse mesmo mundo que tanto me assusta. 

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Mediocridade


Talvez o amor, a alegria de viver, os sonhos realizados não sejam para mim. Talvez eu não esteja entre aqueles que nasceram sob a constelação da vitória, talvez eu não tenha caído nas graças da Fortuna deusa da sorte. 

Eu olho ao meu redor e vejo as coisas pouco a pouco dando certo para aqueles que eu amo. Alguns encontram o amor de suas vidas, outros conquistam sucessos e crescem como pessoas, levando por meio do esforço seu talento aos altos picos da existência. 

Parece-me que já cheguei no meu limite. Não há mais no quê melhorar. A mediocridade é minha marca maior. Faço de tudo um pouco, sou professor, canto na Igreja, sirvo o altar, e sou medíocre em tudo isso. 

É risível ver o quanto eu sou mediano em tudo que faço. Nada que tente fazer faz de mim o melhor. Os elogios que recebo das pessoas são um atestado da misericórdia delas, não indicam um sucesso verdadeiro. Só posso então lamentar naquilo que faço de melhor, e que mesmo assim não passa de um talento medíocre: escrevendo. 

Uma linguagem limitada, um estilo repetitivo, exagerado, tão dramático que beira a comicidade. Até mesmo aquilo que faço de melhor é patético. Isso porque algumas pessoas nascem sob uma estrela vencedora, algumas pessoas nascem para brilhar, para terem sucesso naquilo que escolherem fazer... E outras pessoas nascem para reclamar, para se lamentar, pura e simplesmente. Alguns vencem, alguns perdem, e alguns cantam a tristeza...

Sou um poeta fracassado. Um drogado que, sob efeito de tarja preta escreve reclamando sobre não conseguir nada por estar ocupado escrevendo sob efeito de tarja preta. E a vida é isso, um ciclo infinito de desgraças, de desmandos... Não há uma espada sagrada que possa quebrar esse ciclo, a única espada é aquela usada para decapitar as alegrias e podar o amor pela raiz, a única espada é aquela usada para ser enterrada bem fundo no meu peito, derramando no chão seco o meu sangue quente e, uma vez, vivo. 

Talvez devesse adotar uma postura resiliente na minha mediocridade, contente com o que me foi dado, mas como observar o mundo grandioso ao meu redor e dar-me satisfeito com tamanha pequenez? 

Eu aspiro coisas maiores, mais elevadas do que a pantomima de vida que tenho agora, minha ambição faz flexões enquanto eu durmo e, no entanto, não consigo crescer. Parece que continuo sempre e sempre andando em círculos na palma da mão de Buda, como um bichinho, sem nunca romper com esse ciclo infernal, com essa samsara... 

Só me resta prosseguir então, nessa existência patética, de um vazio perpétuo, de altos e baixos seguidos, sob holofotes que não mereço fazendo coisas sem importância alguma, sob este complexo de inferioridade ridículo... Só me resta então, contemplar a vitória de todos os meus inimigos enquanto eles se riem de minha desgraça. Já que me é negada a graça de um grande amor, já que sequer pude encontrar um motivo, uma razão para viver, só me resta dar perpetuidade a essa existência sem graça. 

domingo, 13 de outubro de 2019

Sentir

Ponto de luz, 
uma luz no fim do túnel!? 

Quem é que sabe? Eu só sei que o dia começou no mais absoluto desânimo. Minha única vontade era de ficar deitado e de não fazer mais nada! Dentro de mim uma batalha intensa foi travada. Não sei como mas, de alguma maneira, eu venci. 

Eu ri e sorri, cantei, comi, bebi... Eu vivi. Já havia me esquecido como é estar vivo. Entre o cansaço diário de ir de casa ao trabalho, de casa para a igreja e da igreja para casa. Entre as idas e vindas de uma vida sem sentido que continua girando no automático, entre tudo isso, eu me recordei um pouco de como é estar vivo!

Me emocionei, por exemplo, com a simplicidade de um rolê torto. Com a tranquilidade de um reggae ou a alegria diferente de um pagode apaixonadinho. Com um pouquinho álcool no sangue, apesar dos medicamentos. Vodka com xarope de groselha, combinação doce. Um pouco de proteína na minha dieta de carboidratos... Sei lá. Completamente fora da minha zona de conforto, sim, é verdade. Mas também é como se, pela primeira vez em meses, eu estivesse um pouco vivo de novo!

Gosto disso. Como disse, é uma pequena luz no fim do túnel. Talvez haja uma saída. Não quero ser triste pra sempre e momentos assim me fazem pensar que ainda há alguma esperança. Um raio de sol em meio as nuvens grossas e pesadas de uma grande tempestade que sempre ameaça cair. 

Me permiti, ainda que por um breve instante, voltar a sonhar, voltar a esperar alguma coisa, mesmo que boba e distante, mesmo que seja só um devaneio, assim assim, um sonho, aquele brilho que perdi há tanto tempo atrás. 

Isso é viver. 

E me sentir vivo é... surreal! 

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Sobre a estação das chuvas

Desde que me lembro eu gosto da chuva... O som das gotas pesadas batendo nas telhas é uma deliciosa sinfonia, a melhor companhia e a garantia de uma noite profunda de sono. A chuva sempre me embalou a dormir melhor, seja pelo som poderoso dos trovões, as luzes brilhantes dos relâmpagos ou o ar mais fácil de respirar... E sempre gostei da chuva! 

Por isso não posso me furtar a falar dela sempre que chove. A chuva é um milagre nesta terra árida onde vivo. Ela aplaca o calor e nos presenteia com a umidade tão cara as nossas mucosas maltratadas pela seca.

A chuva é ainda um convite ao romantismo. Basta olhar o céu nublado para imaginar mil histórias de amor. Declarações, lágrimas, noites de paixão. Tudo é recordado pela chuva. Quantas noites eu me lembro agora, quantos momentos de intensa alegria ou da mais absoluta tristeza... Me lembro de chorar sozinho no carro, depois da missa, e me lembro de sorrir com amigos enquanto esperávamos a chuva passar. Eu tenho a impressão de que é como se o céu chorasse a morte de um grande e honroso guerreiro, ou como se desse aos homens um convite a persistirem por mais uma estação. 

A chuva é também poder. Quem se atreve a opor-se a fúria de uma tempestade?  A chuva é carinho, é um acalentar do alto a terra em delicadas gotículas no chão. A chuva é um presente de Deus a humanidade ensandecida no próprio pecado.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Chuva e fogo

Meu ardente coração quer dar-se sem cessar, 
ele precisa demonstrar sua ternura. 
Ah, quem há de compreender meu amor, 
que coração quererá me compreender? 
Mas em vão procuro essa resposta...

Minha verdade é, aos olhos dos outros, algo feio e que merece ser escondido. Minha verdade assusta, e é sempre assim, quando as pessoas enxergam quem sou e como sou, acabam por se afastar. Meu ardente coração é um problema justamente por arder demais, por consumir-se em amor. Ao meu coração resta as cinzas de minhas próprias chamas.

É como um ciclo vicioso ao qual estou eternamente preso. Eu conheço alguém, e a beleza deste alguém me seduz. É impossível resistir e, quando me dou conta, já estou parado na ante-sala de meu próprio coração, esperando o momento certo de revelar o que se esconde por trás das grandes e pesadas portas da verdade.

Meu julgamento é sempre incorreto. Deveria manter minha verdade longe dos olhos estranhos dos outros, que não podem compreender minha essência. Talvez seja demasiado desinteressante, talvez seja assustador...  Que há em mim que faz com que todos queiram me deixar? Será que minha imagem interior é assim tão parecida com um demônio?

Quando as portas se abrem a imagem que ali contemplam os choca, e todos correm assustados, todos se afastam. A solidão é minha única companheira inseparável.

E eu sempre mostro-me a eles com alegria, na esperança de que possam se encantar com meu ser. Meu ser, no entanto, é para eles motivo de desprezo. Me olham depois com indiferença, e eu me escondo pela vergonha de ser quem sou.

O que me resta além de lamentar e de almejar pelo dia em que possa me mostrar verdadeiramente? Talvez devesse recolher meu ser tão fundo no meu coração que ninguém nunca mais possa ver... Talvez o mundo não esteja preparado para ver o que há em mim. Talvez eu seja o único a poder ver quem sou e como sou sem medo, sem fugir, já que não posso fugir de mim mesmo. Parece-me que ninguém quer ver, que ninguém poderá compreender.

E a chuva continua a cair, madrugada a dentro e, como ela, também eu continuo a me derramar em vão. Meu coração continua a queimar em vão, consumindo meu ser, pouco a pouco, até que não me restem mais do que apenas as cinzas, levadas a terra por essa mesma água que cai do céu...

domingo, 6 de outubro de 2019

Sobre ainda crer

Algumas histórias de amor mexem com nosso coração de um jeito diferente. Deixa-nos quentes, abraçados de certa maneira por aquilo que desejamos em nosso íntimo. Acho que, como bom romântico e sonhador que sou eu me torno vulnerável as belezas de histórias de amor aparentemente bobas aos olhos dos outros, mas eu sou assim.

Vejo beleza no amor, e uma beleza de inigualável idílio. O amor expresso na arte é algo que encanta meus olhos e apetece minha alma. O amor expresso na arte é algo que me faz ainda ter desejo de viver. Isso porque o amor vem carregado de esperança, de um não sei de quê que promete virar nosso mundo de cabeça pra baixo. 

Oh, como são belas as histórias de amores arrebatadores, que chegam do nada e mudam tudo. Coisas assim fazem meus olhos se acenderem com um brilho especial. 

Alguns preferem romantizar a solidão, numa farsa autossuficiente. Eu não minto para mim mesmo e nem para o mundo, desejo uma companhia, alguém para compartilhar as tristezas e alegrias dos meus dias, alguém para brincar, para ser um em dois, alguém para assistir comédias românticas e sorrir e chorar como se não houvesse nada mais importante no mundo. 

Não vejo beleza na solidão, muito embora ela seja minha sina. A minha solidão foi, de certa maneira, uma condenação e uma autoimposição. Uma condenação pois não pedi por ela e uma autoimposição pois, quando tive oportunidade de mudá-la um pouco eu optei por não fazê-lo. Isso porque não encontrei na multidão as respostas que buscava no íntimo do meu coração. Essas respostas só posso consegui-las numa partilha íntima, numa exposição total do meu ser desnudo de todas as cascas e máscaras numa relação de entrega absoluta. Apenas o amor contém as respostas que busco.

Muito embora ele hoje me seja uma miragem distante, um ideal ainda platônico a ser atingido quem sabe num futuro longínquo ou num sobrecéu eu ainda acredito no amor, mesmo quando a desilusão e o desencanto me fazem não querer crer em mais nada. Não consigo fazê-lo e, mais uma vez não posso mentir para mim, ainda creio no amor. 

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Lástima

Este calor do cerrado em que vivo é uma condenação cruel... O desânimo é inevitável ao sentir a pele úmida de suor e as mucosas secas pois o ar parece-se com o de um deserto. O corpo fica mole, a fome ataca mas não conseguimos comer pois é um incômodo para o paladar. Logo sentimos a cabeça doer, juntamente com a fadiga do resto do corpo.

Alguns apelam ao ventilador, companheiro agradável das noites, mas que na verdade não faz mais do que lançar um jato de ar quente em nossa direção, nos dando a muito vaga impressão de frescor. Os mais ricos usam o ar condicionado, deliciosamente frio e infelizmente inacessível a maioria de nós. 

Dormir é um suplício. O calor do corpo faz o suor deixar uma marca na cama. Nos reviramos de um lado para outro na esperança de que alguma hora o cansaço de sobreponha ao incômodo. Resultado: não conseguimos descansar e isso influencia diretamente nosso dia, cada vez mais cansado, mais pesado.

O mormaço só piora quando o cerrado começa a pegar fogo, literalmente! As queimadas nessa época são inevitáveis e poluem o ar deixando-o pesado e ainda mais seco, uma verdadeira tortura para narizes e pulmões que não conseguem filtrar a fuligem que nos cerca e que nos deixa cada vez mais asmáticos. 

Há quem veja beleza no cerrado, nossa savana brasileira. Eu particularmente, como bom pessimista que sou, só vejo o incômodo constante que é viver num lugar onde o calor sufoca até quase a morte. Não vejo beleza, apenas mato seco e árvores retorcidas, nada de muito deslumbrante. Talvez alguma mata ciliar se salve mas, no geral, não é nada realmente aprazível aos olhos. 

As plantas secam, o sol é uma brasa lancinante que se lança sobre o chão com uma violência dantesca, ele é como um raio causticante sobre uma pedra que beira derreter-se como num vulcão. A sensação de quem sai ao ar livre é de estar sendo queimado vivo na maior churrasqueira do mundo. 

E esse é nosso eterno suplício: viver num lugar cujo ar é um ataque declarado ao nosso sistema respiratório, cuja sensação térmica e a de estar eternamente nadando no sovaco de um pedreiro, algo próximo do inferno ou da fogueira medieval... Que lástima!

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Um lugar vazio

Uma cadeira continua sendo uma cadeira mesmo quando ninguém está sentado nela. No meu quarto há uma grande cadeira, quase sempre vazia pois prefiro me sentar na cama. E eu fico observando essa cadeira, pensando em quem poderia sentar-se ali comigo e me fazer verdadeira companhia, quem poderia me tirar desse sépia antigo e solitário. 

Mas uma cadeira não é uma casa, e uma casa não é um lar se não há ninguém nos esperando, é o que diz a música não é mesmo? A companhia está na presença ali ocupada, é ela que transforma a cadeira numa companhia e a casa num lar. Mas essa não é a cadeira da música, e nem a cadeira de Van Gogh, embora pareça, mas é a minha cadeira, a cadeira de meu quarto, vazia como a de Van Gogh. 

E eu percebo ela vazia nas diversas horas do dia. Quando acordo, com a luz do sol entrando com força pela janela. Durante a tarde, anuviada pelas cortinas grossas que uso para filtrar a incômoda luminosidade em excesso que incomoda minha visão. No fim do dia, quando uma sombra é projetada no chão e o vazio da cadeira fica ainda maior e por fim, na noite escura, quando me dou conta que a cadeira passou o dia vazia. 

Não preciso dizer o que isso significa. Alguém deveria estar ali, mas não está, e tudo que há aqui sou eu, observando essa cadeira, que mostra o quanto essa casa é vazia, o quanto essa casa ainda carece de muito para ser um lar. 

Não há verdadeira companhia. Nem sequer uma companhia medíocre, incapaz de preencher o vazio mas ao menos capaz de ocupar a cadeira. Não há ninguém, e ela continua vazia.

Talvez seja um exagero meu, talvez seja apenas uma cadeira e a solidão do meu coração encontrando metáforas, mas talvez não, talvez seja mesmo um vazio que clama pela mudança, uma casa que clama por se tornar um lar. Piegas? Com certeza. Verdadeiro? Igualmente. 

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Mais um

Lutando, mais um dia. Indo contra o desejo mais profundo do meu corpo de ficar deitado sem hora para levantar, de me esquecer de todo problema, de me furtar de todo contato.

Mais um dia indo trabalhar sem ter forças sequer para olhar para frente, mais um dia sem sentir aquela força que vem de dentro, mais um dia sem ter uma razão para viver esse dia. 

E é isso, sem nada demais, sem revelações ou epifanias, apenas pecados e lamúrias, apenas gemidos de protesto dos meus músculos contra qualquer movimento. E eu queria poder dizer mais do que isso, queria poder ser capaz de expressar todo esse vazio esmagador que há dentro de mim, esse vazio que cresce e que me consome, que me rói a carne e os ossos até o tutano. Queria poder dizer mais, ser mais, mas...

E esse é só mais um texto, que eu escrevo como se as palavras fossem capazes de preencher esse vazio. Mas não podem, e essas palavras só são palavras vazias, e eles refletem esse vazio, e é tudo que o que há: vazio!

Esse é mais um dia em que do âmago do meu ser urge uma necessidade profunda de não ser, de voltar ao nada. Mas nada pode voltar ao nada, eu não posso retornar a inexistência. Mais um dia enfrentando o ser com as últimas forças que restaram na minha casca quase sem vida.

E é mais um dia saindo da cama sem conseguir sair de verdade. Mais um dia em que anseio por cada minuto de descanso, como se meu cansaço não fosse pra sempre. Mais um dia acordando sem conseguir descansar. Mais um dia vivendo sem que haja de fato alguma vida em mim. 

Lutando, mais um dia. No entanto, esse é mais um dia ou menos um dia?