terça-feira, 29 de outubro de 2019

Da amizade irreal


Fui abandonado. 

Mais uma vez se deram conta de que minha presença é desnecessária e me excluíram do convívio dos outros. Tão logo percebam minha ausência dirão que eu mesmo resolvi me afastar. Mentira! Eu vi, no profundo olhar de desprezo de cada um ali que minha companhia não era desejada. Simplesmente esqueceram-se de mim. Mesmo depois de dias me ligando diariamente para que resolvesse problemas e mais problemas. Eis a minha serventia: trabalhar. Divertir-se? Apenas com quem é divertido. 

Os olhares de desprezo que recebi foram um sinal: não queremos você por perto. Sua simples existência é um incômodo a todos nós. E então eu me silenciei. Que posso mais fazer, se minha existência é um estorvo não há mais o que fazer senão me afastar.

Me afastar para o jardim cercado, onde há aquela fonte lacrada, onde meu amor repousa sob as açucenas olvidado. 

Não há mais espaço para mim aqui. Não há razão para existir. Quando se é excluído não há mais o que fazer senão seguir em frente, ainda que sem rumo, para algum outro lugar onde as coisas possas ser um pouco melhores, um pouco menos solitárias. 

Parafraseando o poeta, ninguém esteve presente no enterro de minha última quimera. Nos meus últimos dias de crise nem sequer uma mensagem de apoio recebi. Estava somente ali, por mim, sozinho. A ingratidão, pantera prestes a me devorar me rodeava com apetite voraz. 

Percebi que aqueles que me beijavam, me apedrejavam pelas costas, mas não os culpo. Quem não se irritaria com uma mente tão desprezivelmente desequilibrada assim? Mea culpa, mea maxima culpa.

Minhas crises são difíceis de aturar, eu sei. Mas o discurso de "estamos todos ao seu lado" só valia para quando eu, mesmo em crise, ainda tinha alguma serventia. Quando passo pela primeira grande crise, fora de mim, já não sirvo mais para nada. Fui deixado sozinho, ouvindo distante os seus sorrisos. Sorriam de mim, pude perceber. Dormi chorando baixinho naquela noite, somente eu senti minha dor.

"Amizade é querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas." 
(S. Tomás de Aquino)

Percebo então, com máxima dor marcada no meu peito, que meus amigos mais chegados odeiam aquilo que amo, e amam aquilo que odeio. Nada de bom pode vir dessa combinação. E é isto, não há exílio nesta terra para mim. Condenado a vagar sozinho, com meus livros, na esperança de algum dia encontrar um lugar ao qual eu pertença. Minha jornada de cem anos de solidão. 

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