sexta-feira, 30 de abril de 2021

Um rugido e uma espada

Preciso voltar aqui, a este ponto em que posso me desfazer dessas vestes que recobrem a minha nudez e vergonha, e me mostrar verdadeiramente. O meu corpo é repleto de cicatrizes, palavras, pelas letras escarlates que escrevo e que contém, verdadeiramente, o sangue rubro do ritual carmesim que é expressar os meus afetos profundos por meio de palavras. Com efeito o meu sangue se torna a tinta que uso para escrever, usando um punhal como pincel, em minha própria pele a história do meu ser, de como a minha existência se fez e desfez tantas vezes que já não posso dizer o que eu sou, já não me reconheço frente ao espelho e, principalmente, já não reconheço os ímpetos conflitantes entre si que habitam o meu íntimo mais profundo, que espreitam a minha mente. 

E eu sempre acabo retornando a esse mundo particular, onde as palavras que cortam mais do que o aço também podem ser reconfortantes quanto a brisa fresca do mar num tarde prestes a anoitecer, com o vento beijando minha face e as ondas fazendo leves carícias em meus pés. E essas palavras que escrevo me protegem da loucura e do horror que é constatar que o meu amor não é amado.

Me refugio nesse mundo que eu mesmo criei pois aqui eu não sou prisioneiro, aqui livre sou! E o que esse lugar se difere de todos os outros? É porque ontem eu era escravo, mas hoje eu não sou mais. Não há vestígios de paixão, de dor, de decepção. Não há amizades desfeitas pela força de uma lança bestial que cruzou o peito num ataque mortal em nome do medo e dos próprios preconceitos. Aqui é seguro, em meu jardim fechado, pela secreta escada disfarçada onde ninguém pode alcançar. 

Mas, um rugido surge ao longe no céu que, escuro pela noite, se ilumina de forma lúgubre e gutural, de um cinza ameaçador. Ao olhar aquela imagem de luz no céu eu vejo, com o coração palpitante, um gigantesco ser aparecer por entre as nuvens, trajando uma pesada armadura de guerra, com uma espada que, se movimentada, poderia fazer da face da terra qualquer resquício desse paraíso que eu construí. 

Ele ergue aquele monumento de puro aço negro, ameaçadoramente, certo de que não restará nada em apenas um único golpe. E é então que ele para, por um breve instante. Dizem que quando dois grandes espíritos guerreiros de grande virtude se cruzam o tempo para por um instante. O nível de habilidade de ambos é tão grande que o próprio tempo e espaço se tornam incapazes de acompanhar tamanho acontecimento. 

O meu olhar e o da criatura se cruzam, chamas saindo de seus olhos, as mesmas chamas consumindo meu corpo que, embora pequeno, guarda um grande poder advindo do meu amor, do meu desejo por aquele que abandonei no outro mundo e que aqui tornou-se minha força vital. É então que eu vejo que ele faz aquilo para que nem mesmo ali, nos cantos mais longínquos da minha mente possa haver quaisquer resquícios daquilo que um dia senti por ele. É com a espada de um antigo demônio primordial que ele vai destruir tudo o que criei com a mais pura das intenções: me refugiar do sentimento que pudesse feri-lo de algum modo.

E o instante cessa, com a espada sendo brutalmente lançada contra o solo, fazendo o se partir num tremor impetuoso, abrindo rios e lava por todos os lados e explosões colossais, destruindo tudo num átimo, com mais poder do que um milhão de bombas atômicas e que, mesmo assim, mesmo destruindo meu corpo, não foi capaz de desfazer o sentimento que, agora, existe de forma perene nesse mundo, apenas observando para todo o sempre as migalhas do que um dia ali existiu, mas ainda ardendo em chamas, chamas de amor pelo mesmo ser que se destruiu para não me amar. 

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Visceral

Queria não sentir o que sinto por você. Ao cruzar com seu olhar queria poder esconder o que se passa em minha mente, me envergonha saber que você pode ver todas as imagens que pululam em minha mente ao sentir seu cheiro, seu toque. Queria ignorar as borboletas que se amotinam no meu estômago ao mencionar do seu nome, elas se reerguem cadavéricas e putrefatas para me encolher, gemendo e prostrado. Queria não amar você, e queria que esse amor não fosse mais forte do que eu, não fosse uma prisão da qual grito solitário por clemência, que seja a morte a minha libertação. Queria conseguir não me mover automaticamente para o seu lado, queria não segurar o seu braço, queria me afastar de você, extirpando todo desejo, todo sentimento que há em meu coração, como se arrancasse minhas próprias vísceras usando as minhas mãos, penetrando a carne e rasgando meus músculos, derramando meu sangue pelo chão, arrancando as raízes profundas do que você deixou em mim com a mesma violência com que elas sufocam a minha vontade, me reduzindo a um homem que obedece pura e simplesmente a parte mais baixa de sua alma, que se deixa levar pelas potências mais imediatas de sua luxúria, que vive para buscar satisfazer os instintos mais primitivos, que se deixa abalar por um gesto ou palavra que não foi dita, por um afastar singelo, quase imperceptível, uma tendência perdida entre um oceano de intimidades e sorrisos, um espinho que nasceu num roseiral tomado por ervas daninhas.

Capaz de Arte

Gosto muito como a arte nos ajuda a traduzir o que sentimos, sendo uma forma memorável de dizer aquela experiência humana que é comum a todos, mas de uma que poucos conseguem consagrar, se tornando então um instrumento nas nossas mãos, para dizer aos outros aquilo que há em nós mas que, com nossas palavras, não conseguimos dizer muito bem. 

De todas as formas que arte tem para traduzir os afetos mais profundos da alma, e mesmo que escrever seja a forma como eu digo, a música é a que melhor toca meu coração, seja ela cantada ou instrumental é a que mais dialoga com meu ser, como se os acordes e vozes pudessem mergulhar nos cantos mais profundos do meu eu e trazer ate a superfície aquilo que sentia mas não conseguia entender muito bem. Muitas vezes quando escuto uma música eu sinto aquela experiência, e revivo ao meu modo, o que viveu o compositor ou intérprete, traçando um análogo ao que eu também vivo, ligando então nossas almas no campo comum da experiência do homem. 

Eu estou sempre ouvindo música, e tenho várias em repetição constante, pouco a pouco dando lugares a novas descobertas, mas sempre algumas me tocam profundamente, me fazem viajar ao fechar os olhos e me concentrar em cada um de seus elementos, sejam simples ou de maior complexidade. São como os dias que passam, numa sucessão de luas, noites claras onde tudo se vê e noites escuras onde reina o incerto numa miríade profusa de pensamentos e sentimentos. Gosto dessa tensão que há, desde uma voz e violão ao redor da fogueira até a mais trabalhada sinfonia de Mahler numa sala de concerto, elas captam da simplicidade até a mais alta difícil fase do ser. 

É impressionante como a voz pode ser modulada de forma a expressar afetos, como um baixo pode transmitir a dor mais profunda numa ária ou uma soprano elevar aos píncaros o que se pode entender por alegria numa canção animada. 

Tantas e tantas vezes a música disse o que eu sentia de modo infinitamente superior ao que eu jamais conseguiria. Tantas vezes meu coração chorou e sorriu ao ouvir as vozes de um coral se entrelaçando ou também as vozes de nomes mais famosos de uma lista que parece não ter fim, vozes que se tornam as nossas vozes e que, também por vezes, as quais empresto a minha voz. Com pinceladas vamos registrando o sol, as folhas e as flores, com notas e tons nós eternizamos o amor, a dor, a saudade e aquela plêiade de sentimentos difusos e confusos que há no nosso íntimo e que espreita o nosso eu desperto, com um polaroid podemos despertar no outro a contemplação. Ser homem capaz de arte é algo belíssimo, talvez a mais alta forma de humanidade, tocar e ser tocado, amar, ser amado, sem limites ou sem contornos, seja no vazio de um quarto ou no meio de uma multidão.

terça-feira, 27 de abril de 2021

Escondido

Sabe, eu faço essas coisas porque eu só queria deixar de sentir esse vazio, essa solidão o tempo todo. É horrível quando chega a noite e todos vão dormir, e eu deito na cama fria e fico rolando de um lado pro outro esperando minha mente parar um pouco e eu finalmente mergulhar lentamente na demência até adormecer. Eu fico pensando quantas pessoas compartilham a cama no exato momento em que eu molho o travesseiro com lágrimas de saudade e de desejo. 

E eu não me envergonho mais de dizer o quanto sou carente, o quanto isso me afeta. Não, eu já estou triste demais por estar só para ainda conseguir me importar com isso. Eu só não queria me sentir mais sozinho e, no entanto, a cada dia eu me sinto mais e mais só. Eu me sinto só quando estou com meus amigos, quando converso com alguém, pois sinto que eles não me entendem de verdade, e é patente a divergência de interesses e pensamentos, e eu só consigo pensar o tempo todo no quanto estamos sozinhos cada um em seu próprio mundo. 

Me sinto só quando acordo, e a luz entra pelas frestas das cortinas sem ser convidada, me fazendo notar que mais um maldito dia começou. Me sinto só quando sou obrigado a responder para minha família que estou bem, quando alguém me chama pra conversar e eu simplesmente digo que estou bem, mas não é verdade, tudo isso é um grande incômodo porque cada pessoa que eu vejo só me faz recordar com ainda mais precisão que eu estou sozinho. E eu só queria alguém, mesmo um desconhecido, mesmo que fosse por pena, mesmo que ele não respeitasse quem eu sou, eu só não queria me sentir sozinho.

Mesmo quando tento fazer algo errado, saindo de casa escondido de madrugada pra me encontrar com algum desconhecido, isso não dá certo. Parece que a minha condição de solitário é uma condenação, eu não posso me sentir aquecido, amado, nem por um breve instante nos braços de um qualquer. A minha única companheira inseparável é mesmo a solidão, que com seus tentáculos gelados me abraçou de tal modo que eu já nem posso respirar afim de conseguir reunir forças e me soltar. Sabe, eu só faço essas coisas porque eu só queria deixar de sentir esse vazio, essa solidão que me assombra o tempo todo. Mas as pessoas não sabem como é, e não conseguem ver o quão apavorado eu estou, elas só enxergam o que querem ver, e eu continuo sozinho, com frio e com medo. 

Resenha - Navillera

Esse post pode conter spoilers, prossiga por sua conta e risco!

Puxa, acho que nem sei bem por onde começar a resenha de hoje, tamanho o impacto dessa história. Algumas obras fazem mais do que nos divertir, são mais do que mera distração. Uma verdadeira obra de arte é capaz de fazer você conectar-se a ela de tal modo que a experiência humana ali retratada se incorpore de algum modo ao espectador, passando a ser uma experiência dele também. É assim que me sinto quando me deparo com uma grande obra: ela se torna parte de mim!

Navillera é um drama sobre Lee Chae-rok (Song Kang), um bailarino promissor de personalidade forte e Shim Deok-chul (Park In-hwan) um senhor aposentado que, aos 70 anos, decide realizar o antigo sonho de infância de tornar-se bailarino.

Qualquer pessoa que conheça um pouco sobre balé, e dança no geral, sabe que as carreiras nessa área não costumam ser muito longas, as pessoas se aposentam cedo, bem como costumam sofrer com lesões constantes, devido o esforço excessivo, mas isso só torna a arte ainda mais bela, por requerer que seus praticantes se doem completamente a ela, sacrificando muitas vezes uma boa parcela de suas vidas para atingir a perfeição. 

Depois de mostrar que esse era seu sonho de verdade, Deok-chul consegue Chae-rok como seu professor de balé, que vai lhe o básico. Ele mesmo, embora esforçado e talentoso, passa por uma crise, não conseguindo expressar seus sentimentos enquanto dança, resultado de um passado conflituoso que ele reprimiu por ser doloroso demais. Seu professor então acha que a companhia do senhor lhe fará bem, e os dois passam boa parte do tempo juntos, seja praticando balé ou lidando com as dificuldades da vida. Chae-rok é um menino delicado, que tem explosões de fúria com facilidade e não aceita ser frustrado, Deok-chul é um homem experiente e sábio, tem bom humor e consegue controlar o mais novo, no entanto, devido a sua idade ele também tem que enfrentar grandes dificuldades se quiser alcançar os seus sonhos. 

E esse é o ponto principal da história: como cada um corre atrás dos seus sonhos, seja na juventude ou só no fim da vida. Deok-chul não pôde se tornar bailarino na infância por conta de seu pai, mas decidiu correr atrás disso ao ver seus filhos criados e com família formada, já não dependendo mais dele e, ao confrontar-se com a perspectiva da própria morte e senilidade, numa experiência brutal com a perda de um amigo, ele decide que não pode esperar mais, ainda que pareça tarde. 

Chae-rok também corre atrás de se tornar o bailarino que tanto almeja, alguém que não se foca apenas na técnica mas que mostra de verdade quem ele é, mas para isso ele primeiro precisa derrubar as barreiras que construiu ao seu redor para não demonstrar o que sente aos outros, incluindo suas fraquezas e seus maiores medos. 

Os personagens secundários são inspirados por eles e cada um, ao seu próprio modo, começa a se dar conta de que nunca é tarde para correr atrás daquilo que se deseja. Seja como a jovem Shim Eun-ho, que acaba de sair da faculdade e procura um empregou ou Shim Sung-gwan que anos atrás largou a profissão de médico e agora, aos 40, busca encontrar seu próprio caminho. 

A série é uma grande inspiração para todos que, tendo um sonho, não tem mais a coragem de seguir em frente por conta de outras obrigações, como ter um emprego sério ou cuidar da família. A melhor forma de cuidar de quem se ama é justamente sendo feliz e, por conseguinte, fazendo o outro feliz por aproximação. Uma pessoa que apenas segue uma vida de deveres ignorando os desejos do seu coração não consegue ser feliz e, por mais que pareça fazer a coisa certa, ainda estará sendo infeliz. 

Os momentos tocantes são simplesmente arrebatadores, as lágrimas são constantes. O lidar com o outro que aprende a ver quem somos por trás das máscaras, a busca pela felicidade... É uma lição valiosa demais, e devemos aprendê-la custe o que custar, não importando a idade, pois nunca é tarde para correr atrás de um sonho e voar. 

A construção da atmosfera é excelente, o drama não é pedante e nem exagerado e a série consegue te emocionar sem forçar. Há momentos de sorrisos e lágrimas e, mesmo com doze longos episódios, ela não se torna maçante, muito pelo contrário, consegue te prender mesmo com poucas reviravoltas, cada personagem, cada trama, é construído com carinho e cuidado, e pouco a pouco vamos nos aprofundando, até que já nos sintamos parte da família. É impossível não se identificar com os dramas da família de Deok-chul ou não se sentir apegado ao Chae-rok, que pouco a pouco vai crescendo e tomando pra si a responsabilidade de tornar o amigo um bailarino de verdade e, assim, encontrar seu próprio estilo. Ele te conquista, te cativa e, no fim, te entrega ao gran finale, como no Lago dos Cisnes, o balé mais importante da história, que mostra como o amor verdadeiro pode vencer a maldade dando asas aos sonhos. 

Um fato interessante é que o nome do dorama, Navillera, significa justamente algo próximo de "como uma borboleta" fazendo uam referência não só aos movimentos de balé, que devem ser leves e delicados como o bater de asas de uma borboleta, quanto uma alusão ao voar, ao alcançar os próprios sonhos. 

Park In-hwan consegue cativar desde as primeiras cenas, e surpreende entregando uma carga dramática surpreendente conforme avança a história. A gente se vê feliz com a conquista de cada novo passo, com cada pequeno avanço, e sofre junto com a família ao descobrir as dificuldades que ele tem de enfrentar para conseguir chegar até onde deseja. Song Kang, que eu já conhecia de Sweet Home, me impressionou ainda mais, seja com o porte físico que ele adquiriu pra série quanto pela preparação que ele fez, dançando de verdade em muitas cenas. Também consegue prender com um personagem forte, que precisa aprender com o passado para alcançar o seu lugar no mundo do balé, está simplesmente sensacional, e os dois juntos em cena é certamente um espetáculo. A emoção dos últimos episódios é permanente, e eles conseguiram manter isso com uma atuação fantástica. 

"Mesmo que não se lembre mais de mim, eu ainda vou me lembrar de você. E enquanto se lembrar do meu nome eu vou lhe ensinar a dançar balé."

10/10



segunda-feira, 26 de abril de 2021

Sem um final

A apatia está estampada no meu rosto. Meu corpo só responde aos comandos mais básicos. No chão do quarto uma camisa branca tem manchas escuras de sangue e meu braço está repleto de linhas que ontem escorriam sangue e dor. De algum modo sentir esse sangue saindo de mim, a dor da lâmina no braço, a música alta e o ofegar entre lágrimas me faz esquecer a dor que sinto, o sentimento de completo vazio e, ao mesmo tempo, de estar sendo sufocado pelos meus próprios pensamentos. 

Como posso me sentir vazio e tão absorto ao mesmo tempo? É uma tensão que não consigo precisar e, no entanto, convivo com ela diariamente. 

Estou deitado e sem força alguma para fazer o que quer que seja. Finjo dormir para que ninguém me incomode, responder é trabalhoso demais. Ao mesmo tempo queria poder falar, dizer o que sinto, mesmo sem conseguir expressar nada do que sinto verdadeiramente em palavras, até mesmo estas são como um aceno, um balbuciar do oceano de sensações que me envolve. 

Por um lado experimento a mais completa solidão, o vazio me corroeu e deixou apenas uma casca vazia, mas é como se essa casca estivesse em chamas. É difícil dizer. 

Me surpreendi quando uma pessoa de anos atrás se mostrou preocupada. Não me surpreendi quando pessoas próximas fingiram que nada estava acontecendo. Estou cansado demais para me preocupar ou me chatear, no entanto. A verdade é que a apatia me impede de sentir e, no entanto, eu estou assim justamente por sentir demais, pensar demais, me chatear demais. 

É com uma velocidade estonteante que eu mudo de frequência. De um sono pesado que me abate por horas ao estado de quase animação que me permite escrever, falar e me emocionar com uma série até chorar. É ter um sonho que não consigo entender e a certeza de que não tenho nenhuma esperança. É a vontade de querer voar e o saber que nunca poderei levantar voo. É desistir de tudo e, ao mesmo tempo, não conseguir deixar de olhar para trás. É, ao mesmo tempo, o ímpeto que me faz querer escrever e o desânimo que me obriga a deixar todos os textos sem um final decente. Uma eterna tensão, ourobouros. 

Flutuar de Pensamentos


Eu tive um sonho, um leve devaneio ou flutuar de pensamentos, entre o sono e o estar acordado, atento ao meu redor, de que tudo pudesse ser melhor. Sonhei que vivia numa lugar distante, numa bela casa, bem iluminada pela luz do sol pela manhã, as cores claras refletindo uma tranquilidade não só do mundo mas também do meu próprio coração. Acho que sonhei isso depois de ver minha mãe tão inquieta ao descobrir as marcas de sangue no meu braço retalhado de lâminas. Ela sempre pensa em soluções do tipo me mandar para longe, numa mudança brusca de ares, na esperança de que isso seja exatamente o que eu preciso. 

De todo não acho que ela esteja errada. Provável que ficaria tão deslumbrado em viver num lugar bonito que poderia me esquecer, de algum ao menos superficialmente, a angústia que habita meu coração. Mas eu também tenho medo. 

Se esses demônios vivem em mim, nada os impede que me acompanhem até lá, nada os impede que façam com que me sinta horrível aonde quer que eu vá. Tenho medo, de não ter conserto, de ficar assim pra sempre, vegetando, vivendo sem razão, enxergando nada mais do que miséria e tristeza em todo lugar, em todas as pessoas. Tenho medo de que esse peso sob as minhas costas continue, independentemente de onde esteja. 

E acho que eu só queria um objetivo, um que não fosse superficial e medíocre, como tantas pessoas por aí. Não quero um emprego mais ou menos, sendo chefiado por imbecis, como no último lugar que trabalhei, com algumas das pessoas mais desprezíveis que já conheci mandando em mim. Mas também não quero continuar na casa de meus pais, dependendo da generosidade e pena deles. Preciso viver só, e viver com o mínimo de dignidade; Eu não quero ser como os homens que conheci, que se contentam com um colchão no chão e uma foda combinada pela internet. Isso não é vida. 

Eu só queria um propósito, pra continuar acordando dia após dia, pra continuar existindo sem precisar amaldiçoar cada manhã por ter acordado e sem ir dormir desejando que o amanhecer não venha no dia seguinte. Eu só queria não odiar o meu eu, ser alguém importante, capaz de coisas importantes, e que não visse apenas decadência nessa existência...

Eu tive um sonho, um leve devaneio ou flutuar de pensamentos, entre o sono e o estar acordado, atento ao meu redor, de que tudo pudesse ser melhor. Sonhei que vivia numa lugar distante, numa bela casa, bem iluminada pela luz do sol pela manhã, as cores claras refletindo uma tranquilidade não só do mundo mas também do meu próprio coração.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Expectativas

"Para estabelecer minha identidade, tenho que me comunicar com as mentes de muitas pessoas. Tenho que examinar isso que está no meu núcleo." (Neon Genesis Evangelion)

Todos temos algum tipo de expectativa, seja acerca do dia próximo ou do alguém próximo que nos cerca. Especialmente daqueles que amamos nós esperamos que esses sejam para nós aquilo de que precisamos. Amigos, amantes, mestres, companheiros, todos provocam em nós algum tipo de expectativa. 

De uns esperamos a compreensão, de outros a lição de sabedoria de vida, de outros o abraço quente do amor. Infelizmente essas expectativas são sempre projeções do que falta em nós que jogamos sobre o outro. São manifestações daquilo que falta em nós e que desejamos, são um desejo que estampamos na figura do nosso próximo. 

Claro que isso não poderia deixar de ser uma fonte quase inesgotável de decepções. Mas esperar do outro aquilo que ele nunca se propôs a nos dar é, no mínimo, injusto e irreal. Criamos então uma imagem do outro dentro de nós e nos decepcionamos quando a imagem real não corresponde a ela, e então culpamos o outro. 

Mas eu, no entanto, culpo mais a mim, que criei aquela imagem de modo arbitrário. A versão do outro que há em mim contém sim algo do outro, mas não é o outro, e o outro que há em mim não pode corresponder exatamente ao que o outro é, ao menos não totalmente, visto que conviver é constantemente lapidar essa versão do outro que há em mim e o outro real numa tensão permanente entre o Eu, o próximo e a dialética com o mundo que nos cerca. Não é justo nem conosco e nem com os outros esperar demais, somos limitados demais para isso. 

E, infelizmente, de limitações eu entendo bem. Nesse exato momento eu me culpo e me xingo violentamente por não ter força suficiente para ajudar a minha mãe, me culpo estar aqui, numa cama lambendo minhas feridas mentais sem conseguir me colocar de pé e fazer algo que preste. Me culpo por não ser mais forte e me culpo por não conseguir fazer o que todos esperam de mim. Me culpo por sequer conseguir olhar nos olhos das pessoas e pedir perdão por ser tão fraco e limitado. Me culpo por não conseguir fazer nada com relação ao fato de que eu as machuco e nada posso fazer para reparar. Me culpo e a culpa já se tornou parte integrante do meu ser, convivendo com esse monstro que já não sussurra em meu ouvido, senão que grita e me espanca diariamente, destruindo o que restava de mim nesse corpo.

Me parte o coração perceber isso, o quão limitado eu sou. E quando digo coração, não digo apenas o que se refere aos meus sentimentos, mas o centro do meu ser, onde há o que sou, minha essência, e vejo que o que sou é insuficiente para o mundo que me cerca, vejo que o que eu sou é apenas um nada em meio a imensidão. 

Por isso sou tomado pela melancolia com tanta facilidade, por isso desisto, de mim mesmo e de meus sonhos, com tanta frequência. Há um vazio no lugar da essência, de modo que, sem essa chama interior eu apenas ando como uma máquina sem coração, sem razão, e o esperar pela morte se torna a única centelha de esperança, não porque nela encontrarei alguma razão, mas porque nela eu finalmente poderei descansar e não mais me incomodar com o fim, não mais me incomodar com o fato de que eu simplesmente não sou bom o bastante para esse mundo, que não sou bom o bastante nem mesmo para aqueles que eu amo. 

Criar expectativas para o outro é uma coisa injusta, e causa de queda para muitos de nós, mas criar e frustrar expectativas nossas é ainda pior e profundamente doloroso. Isso porque somos falhos, fracos, e há uma imperfeição em nós que não pode ser complementada senão com nossa relação com o próximo. No entanto, a distância entre o nosso coração e o coração de toda a humanidade torna essa complementação impossível, e por isso sofremos tanto, pois estamos, ao mesmo tempo, tão distantes e tão próximos daquilo que poderia nos tornar perfeitos e sem dor: o coração do outro. 

"- Isso é tudo?

- É só uma parte.
- Você não pode dizer o que é a verdade Shinji. 
- A verdade é subjetiva. Você mal pode dizer o que pode sentir. É fato.
- A verdade esta dentro de você!
- E os fatos que permanecem na sua lembrança são os que se tornarão a sua verdade. 
- A verdade pode ser mudada de tempos em tempos, as vezes. 

- Isso tudo é fato? Esse é o resultado de tudo?

Isso é real, mas uma entre muitas realidades.
- Essa é a conclusão que você queria!

Eu... queria?

- Isso, você quis a destruição total. Você desejou um mundo no qual ninguém seria salvo. 

- Não, eu não desejei isso! Os outros não me salvaram?

- Nniguém pode salvá-lo de si mesmo. 
- Isso foi o que você desejou.  
- Destruição, morte, e o retorno a inexistência. Você desejou essas coisas!
- É a realidade que existe.

- O que é a realidade?

- Esse é o seu mundo.
- Um mundo  para você mesmo. Que existe sem tempo, espaço e mais ninguém.
- Um mundo em que cada faceta foi determinada por você.
- Esse é o mundo em que você espera que os outros lhe deem alguma coisa. 

Essa é a realidade." 

(Neon Genesis Evangelion)

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Desfazendo

Estou experimentando nos últimos dias não uma tristeza, não uma aflição por algo ou alguém, o que seria justificável dado últimos acontecimentos mas, no entanto, o que eu sinto nos últimos dias é apenas um angustioso silêncio, um vazio, uma absoluta e completa falta de vontade de viver. 

Não tenho conseguido me concentrar nas aulas, não tenho tido vontade de prolongar conversas, aliás, tenho evitado até mesmo os comentários mais simples que possam me poupar qualquer tipo de contato, que possam me obrigar a ter de me relacionar. Não tenho vontade sair da cama e tenho dormido muito mais do que deveria, acontece que dormir faz com que eu não veja o tempo passar e isso é bom, assim eu não fico pensando demais. 

E eu penso em acabar com isso. Acabar com essa existência patética que me faz ficar prostrado pensando em qual a razão para estar aqui e de como eu vou encontrar essa razão, e como não parece haver razão alguma... 

De repente, como no crescendo de uma sinfonia ou um rock melódico, me vem uma emoção profunda, uma vontade de gritar, chorar ou pular de um lugar alto. E então se esvai, como uma chama que aumenta de uma vez, queimando tudo ao seu redor e, logo depois, se apagando, deixando apenas cinzas fumaça que rapidamente some no ar. 

Não me sinto mais corpóreo do que essa fumaça, não me sinto mais vivo do que as cinzas que ficaram. Sinto que me desfaço lentamente no ar, como pó, e vou flutuando para terras distantes, mas sem perceber, simplesmente retornando ao nada, retornando à inexistência. E isso me deixaria feliz se não fosse o trajeto, não fosse o queimar da chama, não fosse o me consumir lenta e dolorosamente, até me desfazer completamente num mundo que não entendo, não amo e que, se dependesse de mim, nem sequer existiria...

terça-feira, 20 de abril de 2021

No âmago da alma

"De alguma forma, nunca consegui me ajustar na sociedade. Não gosto da humanidade. Não tenho o menor desejo de me ajustar, nenhum senso de lealdade, nenhum objetivo de fato." 
(Bukowski)

Basta uma pesquisa rápida na internet para perceber que existe um grande número de pessoas que se aventuram a falar sobre vazio existencial. Elas são motivadas pelas próprias experiências e, pelo que pude perceber, se dividem em dois grupos: as que reclamam do vazio que as assolam, as tornando mais sensíveis as sutilezas da poesia e, por isso mesmo, acabam falando de um modo poético sobre como os desprazeres dessa vida lhes fizeram atentos ao grande vazio que há em nós. Faço parte desse grupo, não preciso dizer. O segundo, no entanto, parece estar na antípoda da relação com a existência: são pessoas que têm formulas certas de como vencer o vazio, parecem firmes em ensinar como trazer um sentido pra vida, como viver cada dia repleto de significado. Minha breve aventura online identificou um coach, um bispo de uma seita pentecostal e tantos outros que não fui atrás da atuação. 

Esses últimos parecem viver com um sentido pra própria existência, e de fato realmente devem tê-lo só estão enganados quanto a qual o seja. Eles não encontraram no dedicar-se a Deus ou a própria carreira e desenvolvimento pessoal as respostas para o seu vazio mas, de algum modo, essas coisas os desviaram da atenção que deveriam dispensar ao vazio e então ali, a esse espaço um pouco mais iluminado, eles vivem ignorando o grande abismo que há logo ali, ao seu lado, ameaçando-os constantemente de os engolir na mais profunda e gélida escuridão. Eles temem o vazio que os assusta, fogem do demônio que ameaça devorar o seu ser devolvendo-os ao nada, e por isso se dedicam tanto ao trabalho, ao estudo, ao crescimento, porque assim não terão tempo de olhar para o abismo e, sendo assim, o abismo não olhará de volta para eles. 

Muito embora eu goste de como a veia poética tenha um efeito de catarse no sentimento de vazio, e que quando escrevo expressar esse vazio também seja um pouco reconfortante, para não dizer que me permite respirar com um pouco mais de leveza, mas a verdade é que os poetas enfrentam o abismo de frente, mascarando com sua poesia, isso é bem verdade, mas ainda assim precisam estar de frente com o perigo da morte, não da morte corporal apenas, mas da morte do coração, para assim então conseguir colocá-la num poema, numa prosa ou numa música. O poeta usa uma máscara, mas o amante do otimismo existencial esses conseguiram dar as costas ao abismo, conseguiram fugir dele, como covardes, é verdade, mas a ameaça é tão grande que ninguém pode ser recriminado por isso. Embora seja poeta, eu queria muito ser do outro grupo, queria poder dizer com sinceridade aos outros que não vale a pena desistir, que isso vai passar, que há uma luz a qual devemos nos agarrar, mas eu não posso dizer isso e, quando o digo, o digo mentindo. 

A verdade é que não sou capaz de crer em nada disso. Esperança, amor, futuro, otimismo. Tudo isso não passa de um monte de palavras vazias, repetidas até a exaustão para despertar uma reação sentimental imediata no ouvinte, são fetiches, não são coisas reais, são engodos usados, pelos homens e pela própria ordem das coisas para ensinar algo aos homens, talvez seja justamente para ensinar que não há uma luz no fim do túnel e que, por isso mesmo, o fim do homem está aqui e que por isso devemos aproveitar bem. Mas e quando aproveitar apenas aumenta o vazio, fazendo-o consumir tudo, até parecer não deixar mais do que uma casca vazia, já sem vida. Disseram que eu estava abatido, e eu pensei, que não estava abatido, estava morto, apenas esperando ser enterrado. O que é verdade, há muito eu não sei o que é sentir-se vivo. 

Por isso que não sente-se vivo não sai da cama, não toma banho e não se importa com o cheiro ruim do corpo, que não é pior do que o cheiro podre da alma. Por isso não há sentido em se cuidar, em se preocupar com horário ou em estudar se nada será retido e tudo se esvairá como poeira ao vento. 

"Existe um vazio bem no âmago de nossas almas. Uma imperfeição fundamental que tem assombrado todos os seres desde o primeiro pensamento. Em um nível primitivo, o homem sempre esteve ciente da escuridão que mora no núcleo de sua mente. Temos procurado escapar desse vazio e do temor que ele provoca, e o homem procura preencher esse vazio." 
(Neon Genesis Evangelion) 

É isso o que o vazio faz com o homem. Ele nos torna loucos, ávidos a preencher do vazio, família, amigos, jogos, bebidas, relacionamentos, todas tentativas de vencer e para a grande maioria isso funciona muito bem. Mas para alguns, como eu, desafortunado poeta sem talento, só resta o longo adágio lamentoso de uma sinfonia final que, num diminuindo termina quase inaudível, num solo seco de oboé, anunciado o último fechar dos olhos do herói. Um único golpe no tímpano termina a obra, encerrando o ciclo de execuções e marcando o fim, senão real apenas simbólico daquele que o compôs. 

A catarse do poeta é temporária, a ilusão do beletrista parece ser mais duradoura. Tão logo fechamos os olhos somos colocados de frente com uma realidade dura e intransponível. Muito embora seja uma sensação de vazio há na nossa frente uma imensa porta que parece guardar todos os segredos que poderiam responder aos nossos anseios. Mas não é permitido aos homens cruzar os limites impostos pelos deuses desse mundo, e somente o Deus do outro tem todo conhecimento. Quando a nós, tentamos fugir, mascarar, e criar laços para tentar nos distrair um pouco que seja, dessa realidade tão difícil, tão dolorosa, tão corrosiva, tão vazia. Que perspectiva tão patética, realmente só falta enterrar. 

"O que eu odeio é que algum dia tudo se reduzirá a nada, os amores, os poemas. Acabaremos recheados de terra como um taco barato. Que coisa mais triste, tudo é tão triste - a gente passa a vida inteira feito bobo pra depois morrer que nem besta." 
(Bukowski)

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Vulcão


É bastante complicado ser uma montanha russa emocional em todos os momentos. Eu sou praticamente um vulcão que, adormecido, parece impassível como um monte mas que a qualquer momento pode explodir, pode destruir tudo ao seu redor, e logo tornar a dormir. 

Há dias em que me sinto explosivo, com os sentimentos aflorados, intensos como a lava. São os dias mais difíceis, dias em que preciso ficar perto dele, ou dias em que penso nele o tempo inteiro, que não consigo me concentrar em mais nada. E dias em que fico apático, até mesmo um pouco feliz, quando o sentimento se diminui, se transmuta em algo não tão perigoso e se torna uma brisa fresca num jardim em fim de tarde,  em contraste com aquele furacão que deixa um rastro de destruição por onde quer que passe. 

Assim eu vou tentando conviver com tudo isso. Hoje eu parecia perdido, olhando pro nada, os olhos distantes como meu pensamento, eu estava no mar, observando as ondas quebrarem na orla e ouvindo o som de alguém cantando lá longe, mas também não pensava em nada lá, eu simplesmente não estava aqui. Mas os últimos dias não foram assim, eu estava aqui, e sentia cada segundo, cada instante, como se em cada momento um achote em brasa rasgasse a minha carne, tamanha a força da carência que senti ao pensar nele. Hoje, no entanto, eu só via o mar e o céu nublado acima dele, a ressaca após uma noite de violenta tempestade. 

Mas agora o meu corpo ficou abalado. Ser palco de tantas batalhas tem um preço alto. Sinto que estou sendo displicente com todos ao meu redor, que tenho estado tão ocupado tentando lidar com meus fantasmas e demônios que acabo me esquecendo de aqui fora existe um mundo que também precisa de atenção. Percebi que tenho sido um fardo pesado demais para os meus pais e meus amigos, que eu dou mais trabalho do que ajudo nas suas vidas, e que todos estariam melhores sem mim por perto.

 Queria ter poder para mudar isso, ser alguém que consegue lidar melhor com o próprio ser sem perder-se numa floresta de devaneios por dias. Infelizmente a cada dia eu me sinto mais distante da realidade, como se abraçasse aquele mundo que se esconde no hiperurânio, além das nuvens, distante desse caos que me abarca, dessa correnteza que me leva pra todo lado e depois me lança na praia, destroçado. Queria poder ter a maturidade de encarar o que ele sente por mim sem sofrer, sem querer desaparecer ou mudar tudo magicamente, queria não ser tão fraco assim...

Fotos

Ontem foi um dia atípico, aproveite de uma hipomania para sair um pouco de casa e tirar umas fotos num parque ecológico aqui perto. Foi interessante, e gostei muito do resultado, seja das fotos quanto de ter saído um pouco, tomado um ar, um pouco de perspectiva. 

Gosto de tirar fotos e postar nas redes sociais, muitas vezes me pego sonhando sendo um daqueles influencers com milhões de seguidores, que postam uma foto e lançam tendência, com as pessoas procurando uma roupa igual ou comentando sobre como está meu cabelo ou sobre como tal paisagem é bonita. Também nas outras redes sociais eu estou sempre falando como se tivesse um milhão de pessoas interessadas no que digo. Já cheguei inclusive a pagar pra ser divulgado, participei de ações pra conseguir mais seguidores... 

Enquanto estava na aula dessa manhã eu comecei a pensar um pouco mais sobre isso. Fazia planos de tirar fotos em outros lugares da cidade, pra variar no tipo de postagem, mais uma vez como se tivessem centenas de pessoas interessadas em me ver de algum modo. Mas a realidade é que ninguém está realmente interessado. De onde vem essa vontade de querer ser visto, ouvido, assim? 

Acho que aquela parte carente minha, que sempre reclama da solidão, pretende preencher seu vazio com a presença dessas pessoas. É a sensação que tenho quando alguma foto tem muitas curtidas ou um tweet muitas interações. É a sensação de que, de algum modo, o que digo e faço é importante e, portanto, eu também sou importante. Isso é engraçado. O homem, tão vazio, convence os outros de que é interessante e, assim, os outros o convencem. É uma forma de raciocínio psicótico, e é não só patético mas deprimente, se pensar bem, ver que o sentido da vida de uma pessoa está na quantidade de pessoas que afirmam que ela tem um sentido na vida. 

É isso que acontece quando eu posto um monte de comentários aleatórios sobre as séries que vejo ou sobre qualquer aspecto da vida, como se a humanidade em sua totalidade estivesse ansiosa em saber o que penso. 

Gostaria de conseguir descrever o sorriso irônico que agora está no meu semblante, gostaria de poder descrever o quão desprezível eu tenho me sentido por isso. É como se dissesse pra mim mesmo "eu sou um coitado" mas preciso mostrar aos outros que sou grande, feliz, e assim os outros, ao dizerem que eu sou grande e feliz vão me fazer esquecer de que na verdade eu sou miserável e vivo chorando a minha própria sorte pelos cantos, lamentando cada aspecto da minha vida medíocre, implorando pela atenção de milhares de pessoas igualmente medíocres, absortas em suas próprias investidas psicóticas. 

Fato análogo eu percebi no último sábado, ao ser convidado para dar uma palestra de última hora na igreja. Como o tema sacramento se encontra dentre as coisas mais importantes da doutrina cristã eu me sentia culpado por não ter me preparado tão bem, mas como tenho uma vivência próxima dessa realidade ainda assim eu consenti em ajudar. No entanto, o que aconteceu, é que as pessoas ficavam me olhando com uma expressão absolutamente opaca, como se falasse de algo tão bobo, tão idiota, que parecia que estava discursando sobre a criação de chinchilas e, na minha cabeça, aquilo era algo que todos, a começar por mim, deveriam dedicar máxima atenção em aprender e viver. 

Mas onde está o ponto em comum nesses dois assuntos? A falta de conexão do ser com a realidade circundante. Por um lado a fuga pro mundo digital na tentativa de esquecer a frialdade desse mundo real onde não somos importantes e nada temos a dizer, de outro a realidade esmagadora dos sacramentos que são ignorados e tomados como rito de passagem social, apenas. É aquilo que disse o velho Buck, mais uma vez: "Quando a gente acha que chegou no fundo do poço, sempre descobre que pode ir ainda mais fundo. Que escrotidão."

terça-feira, 13 de abril de 2021

De um amor e um peso


Em tempos como esses eu tenho medo de mim, tenho medo dos meus sentimentos, tenho medo da força com que o meu amor existe dentro de mim, tenho medo da força com que você aparece nos meus pensamentos, tenho medo pois quando penso em você eu sinto me gemer, prostrado em dor, do tanto que esse sentimento pesa sobre mim, como se uma poderosa mão caísse sobre as minhas costas, impetuosa, com um poder tão descomunal que eu sequer consigo me erguer.

Sempre pensei que o amor fizesse sentir leve, tranquilo, mas o que sinto é diferente. É doentio, obsessivo, é doloroso. É como se estivesse acorrentado a você, é como se não pudesse viver sem você e isso é horrível de se sentir. Eu deveria me bastar, não deveria pensar tanto em você, mas é tão incrivelmente mais forte do que eu que não consigo ficar dez minutos sequer sem que meu pensamento voe novamente para o seu rosto, seu toque, seu sorriso. 

E me entristece saber que você não pensa em mim desse jeito, me entristece, quase ao ponto da completa loucura, saber que, quando penso em você, você em outra. Você pensa no toque dela, no sorriso dela, no rosto dela que estampa suas visões mais íntimas, enquanto meu apenas aparece quando você me vê, nem de longe com a mesma intensidade ou intenção. 

Queria sim me livrar desse sentimento, exorcizar essa imagem que me assusta o tempo todo, especialmente quando fecho os olhos. Você sempre está lá, sempre lá. E não há como eu fugir, não há como sequer eu me encontrar, é como se já não houvesse eu, e tudo o que há em mim é a visão de você, caminhando a minha frente, mas sem que eu possa alcançar, sem que possa te tocar, sem que possa contigo me comunicar...

Mesmo quando eu decido que vou romper com isso, que vou viver sozinho, que vou parar de pensar em você, basta que chegue, que mande uma mensagem, para que eu seja derrotado pelo peso esmagador da sua presença. Basta um olhar para que eu me desmanche em amores, para que me desmonte em seus braços, basta isso e eu me faço seu, mas você não me quer, acho que prefere me ver ao chão, prefere me ver prostrado, derrotado, ainda que não saiba o poder que tem sobre o meu ser. 

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
(Manuel Bandeira)

Me olham e me perguntam qual a razão da minha tristeza. Eu apenas ensaio um sorriso forçado e desvio o olhar. A verdade é que é complicado demais explicar isso para os outros, a falta de sentido na vida, o anseio por algo ou alguém que nem sei o que é, o vazio no lugar da essência. Como dizer isso aos outros sem que menosprezem ou, na melhor da hipóteses, sem que não entendam e ache que tudo não passe de uma simples falta do que fazer? A verdade é que nenhuma ocupação pode mental pode dar ao meu coração um propósito e, mesmo julgando faltar alguém do meu lado eu ainda acho que não seria diferente, eu apenas acho que é isso que me falta mas na realidade nada pode me completar, eu sou alguém com uma imperfeição fundamental que não pode ser consertada. Minhas alma vibra diferente de todas as outras, eu estou sozinho num mundo lotado de pessoas que estão falando o tempo todo mas que nunca conseguem se entender. 

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Falando sozinho

"Ah, quem me dera eu pudesse ser a tua primavera e depois morrer..." (Vinícius de Moraes)

Não quero mais dizer nada, não quero que se disponham a me ouvir, ou que digam estar ao meu lado. Eles não conseguem entender. Ignoram cada palavra do que digo e interpretam conforme querem. Ainda que tenha com quem conversar é o mesmo que falar sozinho, não há resposta, não podem enxergar o que está bem diante de seus olhos. Nunca enxergaram, eu nunca existi de verdade para nenhum deles. Tudo o que fiz foi barulho, como o vento que sopra e agita as folhas secas de um jardim, mas nenhum significado tem para essas pessoas, é apenas vento, a voz que sai de mim é apenas um sopro que se perde, não tem sentido algum para eles. Melhor que me cale, melhor que fique só, melhor que...

Ele não entende que eu o quero próximo a mim, que quero seus braços ao redor do meu corpo pequeno, que quero seus lábios sob a minha pele, que quero sentir o perfume do seu suor escorrendo em meu corpo. Ele não entende, por mais que meu olhos gritem, por mais que cada gesto meu, por mais que cada palavra que eu diga esteja repleta de meu amor, de meu desejo. Ele não entende que meu sonho mais profundo é aquele em que nós, em jardim secreto em que para ele só guardava, eu terna o regalava e dos cedros o leque o refrescava, largando meu cuidado por entre as açucenas olvidado. Mas ele não percebe, e quando conto esse sonho, é como se falasse sozinho.

As minhas lágrimas continuam caindo, pesadamente. E eu continuo procurando companhia na rua, algum braço que possa me oferecer um pouco de calor, algo que possa me tirar dessa fortaleza de gelo e solidão. Mas é tudo em vão! Eu continuo caindo mais e mais, afundando, me afogando em lágrimas e soluços, sem que ninguém venha, sem que ninguém me escute, sem que ninguém perceba que, por trás de simples palavras como "Eu te amo" há todo um oceano de significados que eu não consigo dizer, mas que estou gritando a plenos pulmões, perdendo completamente o fôlego apenas para dizer que o amo. Mas eles não entendem. E eu continuo andando com os pés ensanguentados, sem rumo, sem esperança e sem voz... 

Sinto que estou cada vez mais e mais distante da luz, tudo o que sinto é a escuridão e o frio, a solidão, o medo que pouco a pouco se torna pavor, a dor, o silêncio, cada vez mais fundo, num abismo sem fim, onde não há nenhum traço de vida... E mesmo que cada traço do meu rosto grite isso, eles não conseguem ver ou ouvir. É como se olhassem para uma parede, como se eu falasse sozinho. Minhas palavras não podem alcançar ninguém, e é condenado a isto que eu fui, a morrer sozinho, sem conquistar ou tocar ninguém. 

Quem disse que o amor é mais forte do que tudo mentiu, o amor é apenas causa de dor e sofrimento, é apenas uma razão que os homens têm para para se fazer sofrer. Uma testemunha disso são as linhas finas de sangue que enrijecem o meu braço. Como não posso lutar no mundo, como não tenho força pra lutar contra meus próprios sentimentos eu só me machucar, eu só posso tirar sangue daquele que, na solidão do meu quarto, é mais fraco do que eu. Amar é sinônimo de sofrer, de matar-se... 

"Quando a gente acha que chegou no fundo do poço, sempre descobre que pode ir ainda mais fundo. Que escrotidão." (Charles Bukowski)

domingo, 11 de abril de 2021

Noite de Terror


Eu não consigo mais encontrar palavras para descrever o que tem sido os últimos dias para mim. Tenho passado por uma crise depressiva que, sem sombra de dúvidas, é a pior em muitos meses, uma das piores de que consigo me lembrar. Infelizmente a minha capacidade descritiva chegou ao seu limite, pelo visto ainda tenho um longo caminho literário a percorrer até conseguir descrever com precisão as impressões profundas da minha alma, alma que se encontra atormentada, inquieta. Os limites da minha linguagem me tornam como uma criança que, balbuciando sem conseguir dizer o que sente, apenas consegue apontar ao que sente, sendo isso que faço aqui, aponto de modo tosco aquelas coisas que sinto com uma força avassaladora dentro de mim. 

Uma vez mais me vejo tomado da mais profunda desesperança. A noite de ontem foi puro terror. Me senti inquieto, sendo alvejado por pensamentos malignos a todo momento, minha alma em completa desgraça, saturada de males, como diz o salmo, e meu corpo tremia em profundo pesar por si mesmo. Fui tomado pela solidão de tal modo que cheguei a sentir dor por me ver sozinho, no meu quarto que, normalmente, é meu refúgio. Cheguei a implorar para que dormissem comigo, para que pudesse sentir um pouco de calor. Me lembrei daquelas vezes em que ele e eu ficávamos deitados, conversando até adormecer, minha cabeça apoiada em seu peito, sua respiração no mesmo compasso que a minha. Mas foi em vão, dormi sozinho no mais absoluto frio e silêncio. Ninguém veio. Apenas os demônios voaram ao meu redor enquanto riam e zombavam de mim. 

Senti como se minhas entranhas fossem arrancadas de mim. Com efeito, enquanto a lâmina rasgava a pele de meu braço, resultando em linhas vermelhas de sangue, eu senti que algo saía de meu coração, mas eu infelizmente não consigo dizer do que se tratava. Hoje de manhã, quando senti a dor pulsar lentamente e eu cobri o braço, não senti mais do que uma veemente indiferença. Percebi que meus olhos estavam frios e duros, e foi assim que eu olhei pra todos ao sair na rua.

De volta ao meu quarto eu quero fugir de todos. Na sala eles assistem ao futebol, uma festa sem sentido e com um barulho sem fim, minha irmã e a companheira vivem em seu mundo animalesco, minha mãe está absorta na própria depressão, eu não posso permitir de modo algum que ela me veja assim, não suportaria fazê-la sofrer, preferindo eu sofrer mais ainda na minha própria pele. Não quero conversar, apenas quero ficar aqui, em silêncio, esperando que passe, se é que vai passar, mas em silêncio, talvez habituado a solidão que me arrancou as entranhas assim como os olhos se acostumam a escuridão de uma selva. Só quero ficar aqui, e nada mais posso dizer pois minhas palavras não tocam senão a superfície do meu ser, tendo ainda um oceano por baixo delas que eu nunca conseguirei dizer...

sábado, 10 de abril de 2021

Nas palavras do velho Buck

O velho Buck vai falar mais do que eu hoje. De algum modo eu espero ter conseguido fazer com que as minhas palavras se mesclem com as dele, fazendo-me aproveitar de sua experiência, em comparação com as minhas para, quem sabe, conseguir dizer algo que expresse um pouquinho do que sinto...

"De alguma forma, nunca consegui me ajustar na sociedade. Não gosto da humanidade. Não tenho o menor desejo de me ajustar, nenhum senso de lealdade, nenhum objetivo de fato."

Poucas vezes na vida eu me identifiquei tanto com alguém quanto como me identifiquei com as coisas que o velho Charles Bukowski escreveu. Realmente ele tinha uma percepção diferente do mundo, das relações humanas e de si mesmo. Certa vez ele disse "Me sinto bem em não participar de nada. Me alegra não estar apaixonado e não estar de bem com o mundo. Gosto de me sentir estranho a tudo..." Isso mostra, com uma potência sugestiva bastante sutil a dificuldade que este homem teve em se encaixar no mundo e, não conseguindo, acabou encontrando um lugar pra si, sozinho, alheio a toda loucura, a toda insensatez dessa existência. 

Esse é um sentimento bastante recorrente pra mim: o de me sentir absolutamente estranho a tudo e todos. Mas eu já falei muito sobre isso em outras oportunidades, e em nada vai me ajudar ficar repetindo. Eu preciso seguir os passos dele e passar a me sentir bem em estar alheio, resilientemente alheio ao mundo que me cerca, ao caos que sufoca e a solidão que pesa o peito e esmaga a alma. 

Noutro momento, no entanto, ele disse "Eu estava longe de ser uma pessoa interessante. Não queria ser uma pessoa interessante, dava muito trabalho. Eu queria mesmo um espaço sossegado, e obscuro pra viver a minha solidão; por outro lado, de porre, eu abria o berreiro, pirava, queria tudo, e não conseguia nada". A contradição é latente, por mais que alguém se sinta bem na solitude em algum momento a solidão vai falar mais alto e, como geralmente isso acontece por causa de um fato externo, no caso dele a bebida e no meu os remédios pra depressão, é praticamente inevitável sentir-se derrotado diante disso, diante da perspectiva de participar, ser parte de um mundo e não conseguir. E me irrita profundamente, principalmente porque eu sei bem que que desejar fazer parte de algo é mais do que uma necessidade básica do homem que é um animal social, mas é muitas vezes apenas um retrato caricato de uma imaturidade, de alguém que não se desenvolveu e continua choramingando como uma criança que foi excluída da brincadeira com os amiguinhos. É patético.

"Posso viver sem a grande maioria das pessoas. Elas não me completam, me esvaziam." Eu tenho experimentado isso com uma força brutal nas últimas semanas. Depois de tanto tempo eu cedi aos aplicativos de encontros e saí com algumas pessoas, sabendo bem do resultado que isso traria mas dando ouvidos aos instintos sexuais primitivos que eu tenho. Saí com alguns caras que eu sequer sei o nome, entreguei meu corpo, fiz coisas como se tivéssemos a maior intimidade do mundo e não como se não tivéssemos nos conhecido há cinco ou dez minutos. Não fui o primeiro da humanidade a fazer isso, essa forma de prostituição é tão velha quanto a própria humanidade, e continua existindo por alguma razão. Mas, enquanto estava com eles, tentando esquecer aquela visão do homem que eu gosto que insistentemente aparecia na minha mente todas as vezes que eu fechava os olhos, enquanto me beijavam, tocavam e chupavam, eu apenas me sentia mais e mais vazio. Era como se eu fosse apenas uma boneca de trapos, fazia o que eles queriam que eu fizesse mas não estava ali realmente, estava np completo vazio, um passatempo de prazeres vãos, em que toda a graça escapa das mãos, me fazendo voltar pra casa em ruínas, como diz a música. 

Cheguei realmente a pensar que, ainda que por um ínfimo instante, que um momento de prazer poderia aplacar esse vazio, esse desejo que nunca cessa, que nunca se aplaca. Mas não aconteceu. Isso tem me feito perceber que a presença das pessoas é algo cada vez mais desgostoso, nas palavras do velho Buck "Quanto mais o tempo passa, menos eu significo pras pessoas e menos elas significam pra mim." Mas isso também se manifesta de modo contraditório, numa tensão interna de meu próprio ser, em que me afasto das pessoas, fugindo do barulho e das resenhas, enquanto alimento esse meu maldito desejo um toque dos lábios, um segurar das mãos, um abraço apertado. Eu odeio esse desejo com todas as minhas forças pois me faz passar pelas situações mais humilhantes. Eu realmente pensei que ele viria ficar comigo? Realmente pensei que dormiríamos juntos? Você é patético Gabriel, desprezível! Ele pode até ir dormir com outra pessoa, pode aquecer outro corpo essa noite, ele pode amar ela de verdade, mas amor, ah o amor, isso não é pra todo mundo, o amor é pros que aguentam a sobrecarga psíquica.

E eu que cheguei a achar que isso, abandonar o valor e o significado das pessoas para mim seria a forma de ser feliz, sem estar preso. Achei que isso, aceitar a solidão de braços abertos e a transmutar em solitude seria minha salvação, ainda que no fundo do poço, mas eu estava tremendamente enganado. Quando a gente acha que chegou no fundo do poço, sempre descobre que pode ir ainda mais fundo. Que escrotidão.

"Cheguei numa fase da minha vida que vejo que a única coisa que fiz até agora foi fugir, fugir de mim mesmo, do meu nada, e agora não tenho mais para onde ir, nem sei o que vou fazer, fui péssimo em tudo."

~

Todos os trechos em itálico são excertos de Charles Bukowski.

Insuficiente para o amor

Hoje finalmente aconteceu a estreia de Fish Up On The Sky, a nova série da GMM TV com o Phuwin, um ator de que gosto muito, como protagonista. Como fã dele desde que fez sua aparição como secundário em My Tee eu estava muito ansioso pra esse lançamento desde o anúncio, alguns meses atrás. O que eu não esperava, no entanto, é que a história fosse mexer tanto comigo assim. 

Bom, o personagem principal sofre de uma tremenda baixa autoestima, e até seu único amigo na faculdade, que ele nem mesmo conhece pessoalmente, consegue enumerar mais de cem motivos para ele não conseguir socializar com ninguém, sendo os principais a sua aparência (ele usa óculos do tipo fundo de garrafa, aparelho, cabelo bagunçado, se veste de modo engomadinho demais) e seu jeito meio estranho de fazer algumas coisas. Mas ele não é esquisito como dizem, o que acontece é que, tendo crescido sob a sombra do irmão mais velho, que é um modelo não só de beleza mas também de inteligência, ele acabou se esforçando pra ser o melhor nos estudos, deixando um pouco de lado todo o resto. Um acontecimento traumático no colégio também o deixou afetado psicologicamente, fazendo com que ele não consiga confiar nas pessoas com facilidade, deixando-o ainda mais sozinho. 

Acontece que ele se apaixonou por um dos rapazes mais bonitos da universidade, que um dia foi gentil com ele que, estando acostumado a ser ignorado e zombado tantas vezes, acabou se deixando levar pelo sentimento.

Na Tailândia há o costume de as pessoas se ajudarem no Dia dos Namorados a se declararem, e eles fazem vários eventos com o objetivo de unir as pessoas. Ele, no entanto, se sente incapaz de viver uma história de amor, chegando a questionar se isso existe para ele, ou se ele merece algo além de ficar sozinho e ser obrigado a não só ver o amor dos outros se realizando como ainda ser obrigado a ajudar, enquanto ele continua só, sob a chuva, com vários casais passando ao seu lado. 

Não preciso dizer o quanto me identifiquei com isso, como alguém que sempre sente tudo à flor da pele, mas que nunca é correspondido por ninguém (muito embora na série o personagem não perceba que tem alguém que gosta dele bem como ele é, mas isso é caso pra outro dia). Me vejo hoje exatamente com esse sentimento apertando o meu peito: apaixonado, sem ser correspondido e cada dia me sentindo ainda mais insuficiente para o que quer que seja. É assustador como a infelicidade nesse campo específico da vida afeta tanto outras áreas...

A minha autoestima está péssima, eu não consigo me olhar no espelho sem quase ter uma crise de choro, eu não consigo mais abraçar ou segurar a mão das pessoas como antes. Eu me sinto um lixo humano, a pior pessoa possível, aquela que ninguém quer se aproximar. 

Mesmo que eu tenha recorrido aos aplicativos de pegação na expectativa de conseguir alguma companhia isso só piorou tudo. Eu agora, além de sozinho, me sinto com nojo de ter sido tocado por aqueles caras, me sinto com nojo de ter feito o que fiz com eles, e me sinto ainda pior por saber que ele nunca vai pensar em mim a ponto de querer me tocar do mesmo jeito, para ele, eu sou tão atraente quanto o lixo que é descartado justamente porque ninguém quer olhar mais para ele. 

É horrível essa sensação de não ser merecedor de carinho ou amor, é horrível a sensação de que todos, de algum modo, podem encontrar alguém pra si mas que somente você é incapaz disso, como se tivesse em mim um defeito grave que eu, e apenas eu, não consigo precisar o que é. É horrível olhar-se no espelho e sentir nojo do que vê. É como se fosse eu sequer fosse um humano, mas somente andasse entre eles, mas não sou considerado um deles. E essa é uma batalha perdida. A vida real não é como nas séries em que o personagem principal vai descobrir que já tinha alguém apaixonado por ele há muito tempo e que gostava dele mesmo antes da mudança física acontecer, alguém que o amava por ser quem ele realmente é. A vida real não é bonitinha assim. As pessoas simplesmente passam por mim, dia após dia, sem sequer olhar para mim, como se eu sequer estivesse ali e, quando me percebem, o olhar é de profundo desprezo. 

Ou talvez o desprezo seja meu, é isso. Eu me desprezo, eu me odeio, e eu odeio o fato de que ele não olha pra mim, e odeio o fato de me chatear com algo como isso. Não era pra ser diferente? Não era pra eu conseguir ser superior a isso, suportar a solidão e embarcar numa vida de progresso intelectual, sem apelar para as potências mais baixas da alma? Mas eu não sou um grande espírito. Eu sou apenas um nada, sequer sou protagonista da minha vida, senão que sou daqueles figurantes que passam lá atrás, ao qual ninguém presta atenção e que, quando desaparece, ninguém nem mesmo se importa. E nem eu deveria me importar. 

E assim eu segui a noite, uma noite sufocante, daquelas que te envolvem como água gelada por todos os lados, daquelas que abafam os sons dos seus gritos e do seu choro, daquelas que te arrastam pelo chão até te deixar na mais completa escuridão. Uma noite escura, deserto, uma noite fria, solidão, aperto no coração. Assim eu segui, desejando fugir dali, fugir de mim, assim eu segui, vagando sem ver para onde ia, sem rumo, sem alguém a segurar a minha mão...

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Erros e Vazio

A fase hipomaníaca passou rapidamente, dando lugar aquela escuridão que lentamente foi ofuscando as luzes, tornando as coisas cada vez mais turvas, me impedindo de entender o que se passava ao meu redor. 

Um erro egoísta amarga a minha boca, sei que decepcionei mas ninguém me odeia mais do que eu mesmo, ninguém se decepciona mais comigo do que eu mesmo, todos os dias. E nada pode ser pior do que isso. Quisera eu morar longe daqui, não precisar dar notícias porque sei que as pessoas estariam bem melhores sem mim, ter um emprego que me permitisse ficar com meus amigos nos meus últimos dias e, enfim, morrer sozinho como deve ser. Sem ser lembrado, esquecido nas areias do tempo como um átomo a mais que se levantou mas logo se perdeu na imensidão quântica do cosmos como se nunca tivesse existido.

Essas palavras são fortes, eu sei, mas as que estão gravadas no meu peito foram escritas com ferro e fogo e, portanto, estão muito profundas e doeram muito mais do que qualquer coisa que eu consiga dizer ou fazer. Mas depois que o fogo cessou não restou nada, apenas um absoluto vazio, vazio por notar que isso que eu sinto é a constatação de que nesse mundo nada pode me oferecer o mínimo de realização que seja, que tudo o que eu um dia desejei, do fundo do meu coração, é hoje impossível aos meus braços curtos.

E eu o olhei, sem que ele me notasse. Vestes ao chão, e ele não olhou para mim nem uma vez sequer. Um coração à frente do nome dela, mil vezes mais importante do que eu jamais sonhei. Os homens com quem eu saio não se importam com nada disso, para eles gozar é tudo que importa, mas isso em nada faz eu me sentir melhor, muito pelo contrário, cada noite nos braços de alguém é um noite a menos nos braços dele e, portanto, uma noite de mais vazio. Como esta, em que os ventos gélidos e secos batem com violência nas janelas, fazendo um barulho alto e abafando o eco do vazio do meu peito. As curtidas, os comentários rápidos, os encontros frívolos, é uma tentativa mais do que demente de suprir a falta que ele me faz. 

Barulho. Outro tema delicado. Eu que vivo no silêncio do vazio abomino o barulho que faz volume mas não preenche. Ele apenas ilude. Mentes vazias falam alto para tapar o vazio que sentem, enquanto a minha mente vaga por milhares de realidades, ela grita em desespero por não encontrar sentido em nenhuma delas, e por isso eu fico em silêncio ou, se digo algo, digo baixinho, pois não preciso adicionar nada aos já tumultuosos pensamentos, a já calamitosa realidade que abriga minha mente distorcida pela solidão e o abandono.

Só queria ser dele, só queria poder tocar aquele corpo forte, sentir aquele coração em meu ouvido, me deixar aquecer pelo calor de seus lábios, mas isso é algo tão distante quanto a terra está do céu. Enquanto ele voa eu rastejo comendo do pó dessa existência miserável, e uma cobra só pode sonhar em voar pelos altos céus, até ser capturada e devorada pela águia que voa naquele mesmo céu que ela tanto admira. 

Mas olhar em seus olhos e ver que nunca serei bom o bastante para ele, assim como não fui para tantos outros, assim como não fui para os meus pais e, principalmente, assim como não fui bom o bastante para mim é nada mais do que ser transpassado por uma espada de aço frio como gelo, e eu só lamento que essa espada que transpassa meu peito não possa também cortar a minha garganta.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Única saída


As mensagens se acumulam, o sono não diminui mesmo depois de dez, doze horas dormindo, a paciência se esvai como fumaça no vento. Não quero sair do quarto ou falar com ninguém, olhar pra essa casa ou pras coisas que há nela me deixam ainda mais deprimido. Tudo o que há em mim é uma vontade de desaparecer. 

Sei que logo mais terei que tomar banho e me arrumar para um compromisso. Saber que serei obrigado a ver pessoas me incomoda, me dói. Eu queria poder ficar aqui, indefinidamente, até que esquecesse da minha própria existência, até que cessasse de ser, até que também eu sumisse como fumaça no vento. 

Raspei o meu cabelo há alguns dias, e agora me sinto ainda pior quando vejo as fotos dos meninos bonitos de cabelos lisos e brilhantes na internet. Não consegui me concentrar em mais de dez páginas na leitura, não consegui ficar acordado em mais de duas músicas... É como se estivesse preso na névoa, sem conseguir enxergar direito, sem conseguir sequer saber para onde olhar. 

É uma crise depressiva das grandes, aliada ao cansaço pós semana santa, quando não sei o que fazer e não tenho disposição pra fazer nada, não conseguindo sequer raciocinar direito, sem saber que rumo irei tomar. 

Novamente sou tomado pelos pensamentos suicidas. Já desde alguns dias, na verdade, é como se meus braços ardessem para serem cortados por lâminas e como se elas brilhassem de modo convidativo, desejando meu sangue. Também meus pés, que já não têm força para irem à lugar nenhum, teimam em sugerir que eu vá até um lugar alto, donde possa me atirar e sentir o vento no meu rosto como a última sensação antes do chão frio que deseja despedaçar o meu corpo. 

Já não consigo mais afastar esses pensamentos. Quanto mais penso na minha vida mais essa me parece a única saída. Vejo as contas de casa se acumularem, mês após mês, vejo a perspectiva de um emprego sumir, e de um emprego decente praticamente inexistir, vejo a minha irmã sendo uma inútil que faz o meus pais sofrerem, vejo que eu também sou imprestável e que apenas ocupo espaço, um espaço desnecessário, e que por isso mesmo deveria desaparecer pois, além de não ajudar em nada eu apenas atrapalho. Mas eu não consigo ajudar. Eu não consigo sair da cama, como posso ajudar no que quer que seja? Eu sou só uma boneca de trapos, sem sonhos, vazio, que fica onde quer que o joguem, eu não sou nada e nem ninguém. 

E assim me sinto mais um dia. O sono batendo novamente, a promessa não dita de que talvez algo esteja melhor quando eu acordar, mas eu sei que não vai estar. Continuaremos cheios de dívidas, numa casa cheia de pessoas, com muito barulho, continuaremos lutando pra não deixar faltar o básico, e o básico é apenas isso, não há nada de belo nele, e para uma alma que almeja o belo viver assim é o mesmo que ser laçando aos porcos. 

Por isso a total desesperança no olhar, o anseio pelo fim, o vazio no lugar da essência... Por isso o fim torna-se a única saída, libertação. 

terça-feira, 6 de abril de 2021

Dissipando

Ele se deitou com a cabeça apoiada em meu peito e eu passei os meus braços ao redor do seu corpo. Ele tremia, não mais de frio e isso eu sabia. Encostei o meu rosto em seu cabelo, num leva afagar e senti o cheiro fresco do shampoo, ele se encolheu, envergonhado e tremendo com ainda mais força. Perguntei qual a razão de ele ainda estar assim e ele disse que não entendia também, mas que gostava da sensação. Disse a ele que o calor de dois corpos ao se abraçarem e beijarem pode dissipar o frio e fazer as coisas voltarem ao normal. 

As luzes estavam quase todas apagadas, e já era bem tarde da noite. Uma brisa fria entrava pela janela, agitando as cortinas brancas e fazendo revelar um pouco da luz amarela do poste que ficava perto do nosso quarto. Era nosso último dia de viagem e, naquela tarde, havíamos esclarecido um ao outro o que sentíamos, com ele me beijando quando eu perguntei se aceitava namorar comigo. Essa era então a noite em que deveríamos dar mais um passo.

Muito embora a nossa intimidade tenha crescido muito desde que vim morar nesse quarto, sob ordens de nosso treinador que queria que o treinador assistente ficasse de olho no aluno problemático, porém de talento promissor, as coisas avançaram rapidamente desde que cessamos as brigas e demos lugar ao companheirismo. Eu logo adoeci e, qual foi a minha surpresa, ele se prontificou a cuidar de mim, no início de modo relutante, ainda confuso sobre o que sentia a respeito do treinador com quem brigara tantas vezes e que chegara a ameaçar.

Mas agora estávamos ali, abraçados numa cama de solteiro, com ele tremendo de nervoso ao sentir a minha respiração próxima de seu pescoço. Ao terminar de dizer que se nos beijássemos poderíamos nos esquentar, ele levantou um pouco o olhar, algo de medo e desejo, numa miscelânea de sentimentos, e respirando fundo, se aproximou ainda mais do meu rosto, fechando os olhos. Eu não pude me conter ao ver aqueles lábios rosados vindo em minha direção, segurei o seu rosto com uma das mãos e me aproximei em resposta, tocando-o levemente, mas mais do que suficiente para fazer o calor preencher todo o espaço. Ele já não mais tremia, senão que uma de suas mãos havia largado o cobertor e agora segurava firmemente o meu braço. Eu apertei a sua cintura com firmeza e aproximei todo o seu corpo do meu, sentindo agora o seu coração bater de encontro ao meu. 

E então eu senti o calor irromper de dentro de mim, circular pelo seu corpo e penetrar o meu com o calor que irrompia dele. Era uma troca, um aquecendo o outro, numa cumplicidade que finalmente se transmutou, por meio do abraço e do toque de nossos lábios, num amor declarado. É, agora o nosso calor dissipou não apenas o frio mas, naquele instante, fez desaparecer todo o mundo, deixando apenas a nós dois, naquele momento de intimidade, onde finalmente nos tornamos um só. 


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Baseado no segundo episódio de Y Destiny

Tifeu

É uma manhã fresca, que se contrasta com os dias ensolarados e quentes das últimas semanas onde era até mesmo difícil respirar ou fazer alguma coisa fora de casa. Esses dias trazem consigo uma aura de tranquilidade, ao passo que o calor é acompanhado de agitação, movimento. Em dias assim queremos ficar um pouco na cama, queremos ficar quietinhos, ouvindo uma música agradável, aquela roupa confortável, coisas assim...

Mas dias assim costumeiramente me deixam triste. Isso porque é quase impossível não pensar em alguém, não desejar uma alma que fique ao meu lado, que possa partilhar de bons momentos em dias meio acinzentados que tanto me lembram a cor do meu próprio coração. 

Como imagens de um passado distante numa psicose ácida ou numa miragem hipnótica eu vejo rostos, ouço vozes, sinto toques. Posso distinguir um olhar doce, aquele sorriso bonito, um olhar sedutor, tudo tremeluzindo como numa névoa envolta por luzes. Todas as vezes que estendo a mão a imagem some, para reaparecer novamente em outro lugar, me fazendo girar em meus próprios calcanhares, tentando alcançar alguém. E a voz dessa pessoa continua me chamando, eu a escuto bem fundo no meu eu desperto, nos recessos da minha mente distorcida, mas nunca consigo alcançá-la. 

Uma vez mais eu busco, já no mundo real, tendo abandonado o onirismo daquela visão e enfrentado a frieza concreta dessa realidade, algum consolo nos braços de um completo desconhecido, como se o calor do seu corpo pudesse desfazer as muralhas de gelo eterno que os ventos impetuosos das desilusões criaram no meu peito. Prisioneiro dessas muralhas eu busco derrubá-las de algum modo, no entanto, toda vez que alguém se aproxima, sem ser um daqueles sorrisos que vi na miragem, elas se tornam ainda mais altas e intransponíveis. 

E aqui é um lugar solitário, onde não se vê e nem ouve ninguém, há apenas o som do meu próprio pensamento e da minha respiração, o que por vezes me leva tão perto da loucura que me faz perder-me nas imagens dos sonhos que eu mesmo criei para fugir dos pesados grilhões que me fazem cativo. É um lugar solitário, e poderia ser um bom lugar se eu conseguisse viver só, mas há algo em mim, tão profundo no meu íntimo que sequer consigo enxergar, senão que apenas posso sentir gritando, clamando das profundezas do meu ser, que não quer viver só, que precisa ir além dessas grandes paredes, que precisa de alguém cujo calor lhe ajude a tornar esse mundo um pouco mais agradável, não como um mundo de gelo cujos ventos cortam a pele como se fossem milhares de agulhas ou perfurando o coração como o aço frio de uma espada. 

Existe um vazio bem no âmago do coração do homem, e o homem está ciente desse vazio e busca preenchê-lo, com medo, desde seu primeiro pensamento. Por mais que tente elaborar isso mais racionalmente, por mais que eu, na superfície, saiba que posso viver sozinho, ainda não consigo parar de desejar alguém, é como uma maldição, daquelas as quais os titãs foram condenados, como Tifeu, numa prisão de gelo, onde só podia desejar sair daquela caverna escura e gélida. Tudo o que desejo é escapar dessa prisão de solidão, onde o sol, as flores e até o canto dos pássaros se tornam tristes e melancólicos.