segunda-feira, 5 de abril de 2021

A Serpente Vermelha

Do cansaço, palavra que já está carregada de enfado, se fez a luxúria que brota da profundidade da fibra de meu ser. O desejo que logo começa a se descontrolar, a chama que consome, que destrói, que desfaz, e que irradia calor como numa noite fria e escura, brilhando solitária no centro do abismo do mundo onde uma fera descansa. 

O desejo nasce do olhar, da solidão que machuca, da chateação, nasce da vontade de preencher o vazio com qualquer coisa, um abraço, um beijo, uma foda, contanto que, por alguns instantes que seja, eu esqueça das dores, do silêncio que é estar sozinho, que eu esqueça de pensar nele enquanto ele sequer pensa em mim. 

Mas eu sei que, mesmo depois de um encontro casual, o sentimento de vazio continua. Eu fico ainda pior sabendo que me entreguei a alguém apenas pelo simples fato de que ele não me quis, eu fico péssimo sabendo que qualquer um pôde me tocar somente porque ele não o quis, e que isso despertou uma vontade de me sujar, de me deflorar. Soluções rápidas, passageiras como todo o resto, a única coisa que não é puramente assim é o meu desejo, a minha carência. Ela nunca passa, nunca me deixa, nunca abandona cada pequena parte do meu corpo, cada fibra da minha carne, me fazendo delirar até o tutano. 

Mas ele não pensa em mim, nenhum deles pensa. Estão todos ocupados demais para mim, que sou invisível. E isso me deprime, e um homem deprimido já não pensa em nada senão em animar-se um pouco que seja, ainda que fique pior instantes depois da efemeridade do orgasmo com um desconhecido achado na internet. Mas é só uma enganação. Alguns instantes acompanhado me faz esquecer da total solidão que é dormir sozinho na minha cama fria, com cada gemida gritando minha situação, amando sem ser amado. 

Eu não quero nenhum deles, no entanto, e mesmo assim o meu corpo ainda pede por algum estímulo, por algum contato, mínimo que seja, que possa diminuir a carência, aplacar essa chama que consome e que destrói. Mas o que destrói não é a chama, embora pareça, é o medo de ficar só, são as noites tristes, os olhares frios, o saber que, enquanto escrevo, ele está com outra sendo feliz, sendo realizado, e eu estou aqui, lamentando por não poder sequer tocá-lo com meus lábios. 

Desse desejo nasce a fera, que devora a si mesma, que se consome ao mesmo tempo em que se mata. É um ciclo infernal, e ela brilha com sua pelagem em chamas vermelhas e suas garras de ouro, devorando-se a si mesma, enquanto não aparece uma presa para dela se deliciar. 

Agora, depois de voltar para casa eu percebo que tudo não passou de uma tentativa demente de preencher esse vazio, nos braços de um desconhecido, gemendo por entre seus lábios e sussurros indecentes que logo se desfizeram no ar como a fumaça de seu hálito. É simples assim, a carência me torna consciente do vazio e eu busco preencher esse vazio de qualquer maneira, e parece que a presença de outra pessoa é capaz de amenizar essa sensação, mas é tão efêmero que nem sequer o beijo havia terminado e eu já havia percebido que aquilo não tinha nenhum valor, que não era capaz de preencher o meu vazio e que, pior ainda me tornava ainda mais consciente desse mesmo vazio que me consome como ao ourobouros que consome a própria cauda, num círculo infernal de dor e busca por cessar essa dor gerando assim, mais e mais dor. 

E isso é tudo. 

Vazio e mais vazio. 

Como uma queda num abismo que nunca tem fim. 

Como a serpente que nunca se devora por completo.

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