quinta-feira, 29 de abril de 2021

Capaz de Arte

Gosto muito como a arte nos ajuda a traduzir o que sentimos, sendo uma forma memorável de dizer aquela experiência humana que é comum a todos, mas de uma que poucos conseguem consagrar, se tornando então um instrumento nas nossas mãos, para dizer aos outros aquilo que há em nós mas que, com nossas palavras, não conseguimos dizer muito bem. 

De todas as formas que arte tem para traduzir os afetos mais profundos da alma, e mesmo que escrever seja a forma como eu digo, a música é a que melhor toca meu coração, seja ela cantada ou instrumental é a que mais dialoga com meu ser, como se os acordes e vozes pudessem mergulhar nos cantos mais profundos do meu eu e trazer ate a superfície aquilo que sentia mas não conseguia entender muito bem. Muitas vezes quando escuto uma música eu sinto aquela experiência, e revivo ao meu modo, o que viveu o compositor ou intérprete, traçando um análogo ao que eu também vivo, ligando então nossas almas no campo comum da experiência do homem. 

Eu estou sempre ouvindo música, e tenho várias em repetição constante, pouco a pouco dando lugares a novas descobertas, mas sempre algumas me tocam profundamente, me fazem viajar ao fechar os olhos e me concentrar em cada um de seus elementos, sejam simples ou de maior complexidade. São como os dias que passam, numa sucessão de luas, noites claras onde tudo se vê e noites escuras onde reina o incerto numa miríade profusa de pensamentos e sentimentos. Gosto dessa tensão que há, desde uma voz e violão ao redor da fogueira até a mais trabalhada sinfonia de Mahler numa sala de concerto, elas captam da simplicidade até a mais alta difícil fase do ser. 

É impressionante como a voz pode ser modulada de forma a expressar afetos, como um baixo pode transmitir a dor mais profunda numa ária ou uma soprano elevar aos píncaros o que se pode entender por alegria numa canção animada. 

Tantas e tantas vezes a música disse o que eu sentia de modo infinitamente superior ao que eu jamais conseguiria. Tantas vezes meu coração chorou e sorriu ao ouvir as vozes de um coral se entrelaçando ou também as vozes de nomes mais famosos de uma lista que parece não ter fim, vozes que se tornam as nossas vozes e que, também por vezes, as quais empresto a minha voz. Com pinceladas vamos registrando o sol, as folhas e as flores, com notas e tons nós eternizamos o amor, a dor, a saudade e aquela plêiade de sentimentos difusos e confusos que há no nosso íntimo e que espreita o nosso eu desperto, com um polaroid podemos despertar no outro a contemplação. Ser homem capaz de arte é algo belíssimo, talvez a mais alta forma de humanidade, tocar e ser tocado, amar, ser amado, sem limites ou sem contornos, seja no vazio de um quarto ou no meio de uma multidão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário