terça-feira, 6 de abril de 2021

Tifeu

É uma manhã fresca, que se contrasta com os dias ensolarados e quentes das últimas semanas onde era até mesmo difícil respirar ou fazer alguma coisa fora de casa. Esses dias trazem consigo uma aura de tranquilidade, ao passo que o calor é acompanhado de agitação, movimento. Em dias assim queremos ficar um pouco na cama, queremos ficar quietinhos, ouvindo uma música agradável, aquela roupa confortável, coisas assim...

Mas dias assim costumeiramente me deixam triste. Isso porque é quase impossível não pensar em alguém, não desejar uma alma que fique ao meu lado, que possa partilhar de bons momentos em dias meio acinzentados que tanto me lembram a cor do meu próprio coração. 

Como imagens de um passado distante numa psicose ácida ou numa miragem hipnótica eu vejo rostos, ouço vozes, sinto toques. Posso distinguir um olhar doce, aquele sorriso bonito, um olhar sedutor, tudo tremeluzindo como numa névoa envolta por luzes. Todas as vezes que estendo a mão a imagem some, para reaparecer novamente em outro lugar, me fazendo girar em meus próprios calcanhares, tentando alcançar alguém. E a voz dessa pessoa continua me chamando, eu a escuto bem fundo no meu eu desperto, nos recessos da minha mente distorcida, mas nunca consigo alcançá-la. 

Uma vez mais eu busco, já no mundo real, tendo abandonado o onirismo daquela visão e enfrentado a frieza concreta dessa realidade, algum consolo nos braços de um completo desconhecido, como se o calor do seu corpo pudesse desfazer as muralhas de gelo eterno que os ventos impetuosos das desilusões criaram no meu peito. Prisioneiro dessas muralhas eu busco derrubá-las de algum modo, no entanto, toda vez que alguém se aproxima, sem ser um daqueles sorrisos que vi na miragem, elas se tornam ainda mais altas e intransponíveis. 

E aqui é um lugar solitário, onde não se vê e nem ouve ninguém, há apenas o som do meu próprio pensamento e da minha respiração, o que por vezes me leva tão perto da loucura que me faz perder-me nas imagens dos sonhos que eu mesmo criei para fugir dos pesados grilhões que me fazem cativo. É um lugar solitário, e poderia ser um bom lugar se eu conseguisse viver só, mas há algo em mim, tão profundo no meu íntimo que sequer consigo enxergar, senão que apenas posso sentir gritando, clamando das profundezas do meu ser, que não quer viver só, que precisa ir além dessas grandes paredes, que precisa de alguém cujo calor lhe ajude a tornar esse mundo um pouco mais agradável, não como um mundo de gelo cujos ventos cortam a pele como se fossem milhares de agulhas ou perfurando o coração como o aço frio de uma espada. 

Existe um vazio bem no âmago do coração do homem, e o homem está ciente desse vazio e busca preenchê-lo, com medo, desde seu primeiro pensamento. Por mais que tente elaborar isso mais racionalmente, por mais que eu, na superfície, saiba que posso viver sozinho, ainda não consigo parar de desejar alguém, é como uma maldição, daquelas as quais os titãs foram condenados, como Tifeu, numa prisão de gelo, onde só podia desejar sair daquela caverna escura e gélida. Tudo o que desejo é escapar dessa prisão de solidão, onde o sol, as flores e até o canto dos pássaros se tornam tristes e melancólicos. 

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