sábado, 30 de setembro de 2017

Conclusões de um dia frio

Fim frio do mês de setembro. Não saio de casa há dois dias, e quando saio, é apenas para levar um amigo na parada de ônibus ou dar uma palestra que havia me comprometido há tempos. Não há motivos para sair, não há vontade de sair.

A temperatura caiu nas últimas duas semanas, e os dias tem sido mais agradáveis desde então. Mas ainda assim não tenho vontade de sair. Na verdade quanto mais busco motivos para sair, mais quero ficar aqui, onde tenho o controle, sobre o mundo e sobre mim.

Mas há uma coisa que não há aqui. Um sorriso. Um sorriso especial e aquele sorriso, ah, esse eu nunca verei aqui. Não no meu mar de escuridão, não no meu mundo fechado. Mas não quero sair em busca desse sorriso, afinal sempre que me apaixono por um sorriso ele acaba se tornando uma lembrança, um ruído. 

A temperatura caiu lá fora nas últimas semanas, e a do meu coração também. Não busquei abrigo em quem me ama, mas apenas minha própria alma consolei. O meu próprio coração acariciei. E enquanto todos os outros trombam entre si no mundo, em busca de um não sei quê que tanto buscam, eu busco a paz e o conforto da minha tenra solidão. 

Já não é mais pesada, e nem dolorida, se tornou a minha amiga, e a ela tenho feito companhia. Companhia... Cansei de buscar por companhia, e essa palavra se tornou estranha para. Talvez tenha sido causa de tanta dor e horror ao meu coração que minha mente tenha decidido-se por esquecer-se dela. E que bem o fez... Já não busco por dor, apenas quero bem a mim mesmo, e pelo que vejo, na solidão que o terei...

Abro a janela e deixo o cheiro da terra molhada entrar. Uma brisa fria me acaricia a face e faz o meu cabelo balançar. Não tenho vontade de sair, apenas quero aqui ficar. 

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

A brisa a soprar

Hoje eu gostaria de ver-te
E sentir-te em torno a mim
E pôr os meus braços em torno de ti

Ouvir tua voz em meu ouvido
Enquanto sorrio por te ter ali
Com os meus braços em torno de ti

Sentados embaixo de uma árvore, 
O céu a observar
E a leve brisa a soprar

Seu cabelo afagar
Sua mão segurar
E leve brisa a soprar

Adormecer em meus braços
Sonhar em meu colo
E sorrir com meu beijo

Hoje eu gostaria de ver-te
E sentir-te em torno a mim
E pôr os meus braços em torno de ti

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Resenha - Music For People In Trouble

Decidi ouvir, nessa tarde fria de quarta, um álbum indicado pelo meu ex-namorado, de uma cantora que ele mesmo havia me apresentado tempos atrás, e que gostei bastante. Susanne Sundfør é uma artista norueguesa que eu nunca havia ouvido falar, pois de fato não é muito conhecida no cenário mais óbvio da música, por assim dizer, o que nos mostra duas coisas: Primeiramente que quantidade de vendas e mídias internacionais não é sinônimo de qualidade e que o desconhecido e enevoado é quase sempre mais interessante do aquilo que se revela a luz do sol, justamente por sua beleza misteriosa. 

Seu último álbum, Music For People In Trouble, foi lançado ainda esse ano e nos leva a uma viagem fantástica, completamente diferente das que estamos habituados a fazer com as musicas mais populares... 

Mantra abre o álbum, e começa de forma tão delicada... De fato me recordou aqueles momentos de concentração onde, conduzidos por uma mão somos levados a contemplar uma realidade superior. O instrumental simples fez essa condução enquanto a voz era a realidade. Uma combinação q me recordou as vocalises medievais por conta da combinação voz e instrumento. Também tem uma pitadinha da musica autenticamente italiana, daquelas que se ouve nas sacadas de restaurantes nas manhãs frias do inverno.

Reincarnation se iniciou com um vocal forte, me deu uma sensação de segurança, como alguém q diz 'escute o que te digo', e logo depois se misturou com o instrumental formando uma cornucópia de cores. Nada brilhante, nada forte, mas como se um véu cobrisse algo q estando bem a nossa vista ficasse anuviado. Gosto dessa sensação, é bem propícia a contemplação e poucos são os artistas que conseguem esse efeito. 

Good Luck, Bad Luck é aberta com o próprio título e parece fazer como uma viagem ao passado. Enquanto ouvia, me sentia alguém preso pela fina corda do destino, que mesmo invisível é forte o suficiente para nos prender. A exploração do melisma no fim de algumas frases salientou o sofrimento que é não conseguir romper o ciclo da samsara, do sofrimento. E por fim, na última metade somos levados pelo instrumental a essa realidade meio etérea, em que o claro e o escuro se contrastam.

Estranho o fato de uma faixa chamada The Sound Of War começar com o som da natureza, águas e aves, mas é isso que é a guerra para alguns, algo tão poderoso quanto a própria natureza, que pode ser delicada como uma fonte cristalina que sacia a sede ou letal quanto uma enchente que destrói tudo por onde passa. A guerra é também o fim da alegria, representada pelo canto das aves, e que deixa lugar apenas ao sentimentos de incapacidade, que é o que sentimos na combinação entre os acordes simples e com uma voz profunda em sentimento, sem excessos, comedida, que nos dá a sensação de ainda estar presa pelo medo dos inimigos. A terça parte da faixa é tomada por um crescente suspense, que me recordou a apreensão que diziam sentir os soldados entre uma batalha e outra. Também é como se ouvíssemos aviões a lançarem-se impiedosamente contra seus alvos, culminando num grito de horror. Ela termina resiliente, contemplativa, como dizem que nos sentimos face a face com a morte. É a faixa mais longa do album e a mais complexa até aqui.

A faixa que dá título ao álbum, Music For People In Trouble, se explica sozinha. Seus sons estranhos, tem uma forte influencia daquela criação experimental, que combina sons aparentemente aleatórios, amarrando-os de tal forma que adquiram um significado, este que penso ser pessoal a cada ouvinte. Essa combinação estranha que domina a primeira metade da faixa mostra justamente como nos sentimos quando mergulhados num vórtice de dor e horror. A segunda metade nos entrega aos braços da resiliência, e mostra que os problemas tem um fim, mas não é otimista ou positivista, apenas realista em mostrar que de alguma forma as dificuldades nos tornam mais fortes.

Continuando nossa jornada, Bedtime Story é como se levasse a cama, depois de noites mal dormidas e dores incessantes, e nos dá aquela sensação de alguém que está a "lamber as próprias feridas", em estado de convalescença, ainda não completa, mas iniciando-se. Algumas interferências ao longo da faixa, que parecem destoar do instrumental bem demarcado, principalmente pelo som do clarinete, nos mostra as reminiscências da dor, que não pode ser esquecida completamente, mas amenizada. 

Undercover nos lança numa realidade escura, como se a vida tivesse se tornado cinza e aos poucos fôssemos descobrindo a cor, mas sem nos desprender do cinza. De fato todo o álbum até aqui se mostrou cinza, um tanto quanto sóbrio, mas com uma pitada de carmesim e ébano aqui e ali. Enquanto ouvia a atmosfera se abria a outros matizes, eu vi o ocre, o marfim, o mogno, e fui lançado de volta ao cinza, que por fim se findou e renasceu na faixa seguinte.

No One Believes In Love Anymore nos retoma o cinza etéreo e monocromático. A combinação voz e piano é nostálgica, mas não como quem quer reviver os tempos dourados, mas como alguém que se decidiu a não mais buscar esperanças no amor, de alguém que não mais acredita no amor, como bem diz o próprio título. Outros instrumentos substituem a voz no fim da faixa, mas a atmosfera se mantém, com uma nostalgia crescente, bem característica dos instrumentos de sopro...

A penúltima faixa, The Golden Age, começa com uma narração e depois nos entrega aos braços de um sentimento clássico, como o próprio nome diz, dourado! Há aqui um contraste entre a prata oxidada do instrumental, que me remeteu ao período mais clássico de Mozart ou o mais sério de Haydn, e a voz, que tem uma pitada de romance. Romance esse que é tomado pelo piano, minimalista mas um tanto quanto emotivo, tal qual um Chopin comedido, que flutua entre a sobriedade e a embriaguez. 

Mountaineers conta com a participação de um vocal masculino, que até então apenas tinha aparecido narrando e não cantando em faixas anteriores, e nos leva justamente a uma aura montanhesca, quase monástica. Distante e firme, porém sem desconhecer as desgraças da realidade. Parecemos ouvir um cantor gregoriano que se revoltou e resolveu cantar as misérias da existências, ao invés de declarar as maravilhas da criação. Aos poucos a voz da cantora surge no horizonte, apenas para nos entregar a uma atmosfera ainda mais superior que a da montanha. Como se dissesse "já chegamos até aqui, não paremos, sigamos em frente!" A combinação do vocal coral ao órgão nos leva exatamente ao céu, mais alto do que a montanha, e termina como o mesmo, sem que possamos ver ou entender o seu final. É como um retrato da vida, cujos ensinamentos não nos ofertam uma visão segura do que há de vir, mas apenas nos lança a céus desconhecidos, futuros... 

Chegamos ao fim do álbum com a impressão de uma profunda reflexão sobre a própria existência, mas não com uma conclusão. Afinal a existência, a vida, não nos oferta nada de certo ou definido, mas apenas nos lança sobre uma miríade de possibilidades que, mesmo sendo cinzas, e as vezes nos reduzindo às cinzas, nos ensinam mais do que as cores... 

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Sobre sentir

Constatações são sempre um choque. 

Se são percepções boas nos enchemos de júbilo e começamos a desejar que elas permaneçam para sempre. Mas e quando são percepções ruins? Quando percebemos que não somos importantes àqueles que amamos, o que sentimos?

Não sei se sinto tristeza, por ter desejado estar presente naquele coração. Não sei se sinto raiva, por ter me dedicado tanto a alguém que não se importava se ficaria com ela ou não.Não sei se sinto arrependimento, por ter deixado a tantas outras pessoas por conta de apenas uma.

Não sei se sinto. 

Não sei o que sinto.

Sei que quando vejo aqueles olhos brilhantes, e aquele sorriso aberto, eu sinto amor, e meu coração bate mais forte, meu corpo estremece...

Não sei se sinto amor, pois não é como se aquele sentimento fosse construído sobre algo vivido entre nós. Não sei se sinto apenas admiração, pois os outros não despertam em mim as reações que ele desperta. Não sei se sinto apenas um desejo, pois seu corpo não é uma rosa que quero desfolhar, mas um cálice do qual quero beber.

Não sei se sinto.

Não sei o que sinto.  

Apenas sinto.

domingo, 24 de setembro de 2017

Aprendendo aos poucos

Tenho buscado momentos sozinho, desde que comecei a perceber o quanto ficar próximo aos outros é perigoso. Ao menos pra mim...

Sempre que me aproximo demais de alguém me vejo preso a essa pessoa depois de um tempo, um tempo breve. E quando isso acontece meu desapego não vem senão depois de muitas lágrimas e decepções, quando meu coração já não aguenta mais sofrer, e derrotado e vulnerável se vê aos pés de um outro alguém. 

É um ciclo vicioso, permanente, que até hoje não consegui quebrar. É como uma maldição, eternamente preso por grossas e pesadas correntes invisíveis que me ligam a pessoas completamente estranhas. Pessoas que se aproximaram sem querer, que não tinham a intenção de ficar, mas que em minha mente acreditei que ficariam, que seriam eternas. 

Tem algo em mim que me faz querer sempre acreditar que vai durar, que tal pessoa será diferente... Mas começo a ver que o problema não está nos outros, mas em mim, que cobro demais, que busco demais, que procuro demais, e que me fiz crer que não há como viver sem alguém ao meu lado. 

Mas todo esse tempo eu tenho vivido sozinho, então há sim como viver dessa forma, restando a mim buscar uma forma de ser feliz assim. 

Por isso tenho buscado esses momentos sozinho, para aprender a apreciar a solidão, esta que durante tanto tempo tem sido minha única companheira inseparável, e que assistiu ao enterro de todas as minhas quimeras, de todos os monstros que eu próprio criei para que me caçassem e me matassem, aos poucos, devorando-me a vontade de viver. 

Desde então tenho passado por dias tranquilos, alguns em que abracei o calor do sol, mas outro tem sido terríveis, e chorei ao ver a lua, pensando nos mil motivos que fizeram aquelas pessoas partirem. Espero que de agora em diante seja mais fácil, e que esses dias se tornam mais parcos... Espero não pensar demais em quem se foi, e isso significa de fato abandonar algumas pessoas, que ainda me fazem sofrer, pois só assim conseguirei viver sozinho, sem depender de que alguém fique, contra sua vontade...

O Senhor me chamou a trabalhar - 25° Domingo do Tempo Comum (Ano A)

A dimensão comunitária do serviço divino é quase sempre ignorada em nossas Igrejas. Observando atentamente a assembléia que participava da Santa Missa nesse 25° Domingo do Tempo Comum pude perceber que as pessoas se dividiam em dois grupos: O primeiro era formado por aqueles paroquianos que, participantes de pastorais e movimentos, se identificavam com camisetas ou sorrisos. E outro grupo era formado por pessoas que, ou vão apenas as missas de domingo por cumprirem um preceito dominical impresso em seu cotidiano ou que ali foram parar sem saber como.

O Evangelho deste domingo (Mt 20,1-16a) nos mostra, dentre tantos outros aspectos que podem ser observados, um Senhor que se incomoda com a ociosidade dos homens. Considerando o patrão que saiu a chamar os trabalhadores para sua vinha como sendo nosso Senhor Jesus Cristo que nos chamou para trabalhar em sua Igreja podemos perceber que ele se incomoda com nossa indolência. Isso porque desde o nosso chamado a existência Deus nos faz um convite permanente a sair de nosso comodismo e ir ao encontro do próximo, a trabalhar!

Um breve olhar pela história da salvação nos mostra isso claramente: desde nosso nascimento, o chamado à vida, ao chamado à conversão pelo Batismo, ao chamado ao serviço pelos sacramentos da ordem e do matrimônio... E o chamado que não cessa em momento algum: o chamado à caridade. 

Saindo outra vez pelas cinco horas da tarde, encontrou outros que estavam na praça, e lhes disse: ‘Por que estais aí o dia inteiro desocupados?’ Eles responderam: ‘Porque ninguém nos contratou’. O patrão lhes disse: ‘Ide vós também para a minha vinha’. (Mt 20, 6-7)

Trabalhar na vinha do Senhor significa trabalhar em sua Igreja, e não apenas das pequenas formas que conhecemos, fruto de nossa mentalidade pequena sobre o que é Ser Igreja, mas trabalhar em prol da salvação das almas, pois o que Deus quer é que "todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade." (1Tm 2, 4)

Com efeito, o primeiro grupo que frequenta nossas paróquias é formado por uma maioria que se acomodou no serviço que faz. Acreditam que fazendo uma leitura ou servindo a esse ou aquele movimento já estão cumprindo  com sua parte. De fato realizam algo sim a favor do reino mas quando seu servir passa a ser para alimentar sua vaidade perde seu poder de conversão por assim dizer. Não obstante, a maior parte de nossos movimentos é fechado em si mesmo, não vai ao encontro do outro e ainda busca competir com os outros de dentro da mesma Igreja. São como os trabalhadores que, ao receberem seu ordenado no fim de uma longa jornada, questionam o pagamento daqueles que trabalharam menos. 

Ao receberem o pagamento, começaram a resmungar contra o patrão: ‘Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro’. (Mt 20, 11-12)

Não é raro que um de nós critique a outro que se encontra em posição semelhante, quase sempre quando este se sobressai em alguma atividade. Se recebe algum tipo de elogio ou reconhecimento por parte do sacerdote ou da comunidade logo busca naquele irmão motivo para condenar sua ação. Quem nunca o fez que me corrija. Eu já o fiz, e ainda o faço. E isso só mostra o quando nosso agir está impregnado de vontades humanas, de satisfazer nosso próprio eu, ao invés de servir verdadeiramente.

Aqui poderíamos tomar como exemplo o da Virgem Maria, que sendo quem era, a escolhida para tão grande missão, a de trazer o Salvador aos homens, poderia se vangloriar e se mostrar superior as outras mulheres e até aos apóstolos, pois servia a Deus de forma mais perfeita que todos eles. Mas justamente por tal perfeição de seu servir é que ela sabia não ser aquilo para sua própria glória, mas para de seu Filho. Por isso não a vemos buscando holofotes, e sua passagem pelas Escrituras é sempre envolta em simplicidade. O verdadeiro servo não busca reconhecimento, apenas busca que sua tarefa seja realizada com perfeição.

O segundo grupo de que falei é aquele que mais se assemelha aos homens ociosos que o patrão encontrou. Não se movem, nem sequer pensam em se mover dali, e quando o Senhor os interpela ainda culpam os outros que não os chamaram. 

De fato a culpa por nossas pastorais estarem vazias é primeiramente nossa que tornamos o servir tão enfadonho que afastamos os outros, mas é também verdade que as pessoas não buscam a Deus, e mais, não buscam levar Deus aos outros. Por isso sua relação com ele é sempre aquela de quem diz "a gente não incomoda!" 

Temem a Igreja de Deus, pois sabem que terão de trabalhar sob o sol forte, e suportar as injúrias. Esses ouvem com estranhezas as palavras da segunda leitura de hoje, retirada da carta de São Paulo aos Filipenses:

Cristo vai ser glorificado no meu corpo, seja pela minha vida, seja pela minha morte. Pois, para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro. (Fl 1, 20-21)

Ora, quem de fato mergulhou no serviço a Igreja de Cristo sabe que deve consumir sua vida por ela, pois quem sacrificar sua vida por minha causa, recobrá-la-á. (Mt 16, 25) Quem serve sabe disso, e tem essa verdade gravada em seu coração, por isso se incomoda em ficar parado, está sempre em busca de servir a Deus mais perfeitamente.

Quando então alguém busca melhorar a cada dia, e por isso renuncia aos prazeres que são próprios de quem não se converteu, é que acaba ficando a margem da sociedade, e até mesmo da comunidade cristã. 

Deus nos interpela, nos chama, a trabalhar a serviço de seu reino. Mas não oferece a nós um sacrifício gratuito, com o fim em si mesmo, mas garante que aqueles que perderem sua vida por causa de sua causa, de sua Igreja, recupera-la-á no céu, nos recompensará, como fez o patrão com os trabalhadores. 

É doloroso ver então a obra de Deus ser lançada ao esquecimento pela indolência de seus servos, de nós, que nos recusamos a trabalhar. 

Que a exemplo da Virgem Maria possamos nos apresentar diante de Deus sempre dispostos a perder nossa vida por sua causa, e assim levar a Deus a todos aqueles que ainda não o conhecem o que dele se esqueceram.

Buscai o Senhor, enquanto pode ser achado; invocai-o, enquanto ele está perto. Abandone o ímpio seu caminho, e o homem injusto, suas maquinações; volte para o Senhor, que terá piedade dele, volte para nosso Deus, que é generoso no perdão. (Is 55, 6-7)

sábado, 23 de setembro de 2017

Quase é

Uma pena...
Não foi dessa vez, 
que pude sentar ao seu lado 
e ouvir sua risada descontraída a tarde toda. 

Não pude contemplar o seu olhar brilhante, 
nem ouvir sua mente afiada me brindar com seus acordes. 
Meu coração não mergulhou no oceano da paixão. 
Uma pena... 

Me preparei para ouvir suas histórias, 
para tocar seu cabelo 
e para me entregar novamente ao seu peito...
Mas não foi dessa vez, foi quase!

Quase foi paixão
Quase aconteceu
Mas apenas foi quase
E nunca foi de fato

Sempre é um quase
Nunca é um é
E não sendo eu me iludo
No quase que sempre é 

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

O que o coração pedir

Sou uma pessoa ruim por não querer ir atrás de mais ninguém? Não quero ser... Apenas não quero mais me sacrificar, acho que a dor dos últimos sacrifícios foi tão grande que não quer sentir novamente. 

Não quero sentir nada, nem mesmo alegria, pois assim não me decepcionarei quando desabar. Não quero me preocupar com o outro, mesmo sabendo que ele se preocupa comigo, pois quando me preocupei, me decepcionei por desperdiçar carinho e atenção que foram logo dispensados. E eu não quero mais sentir isso. 

Quero me preocupar apenas comigo, e sei que isso é um grande egoísmo, mas todo esse tempo eu apenas me preocupei com os outros enquanto esquecia de minhas próprias vontades, de minhas próprias necessidades. Por isso preciso desse tempo, despreocupado com os demais, pois se não estiver bem, não tem como fazer o bem ao outro. 

Percebi que todo esse tempo eu ignorei os meus próprios clamores, e gemia de dores, mas apenas pensava em aliviar a dor do outro, o meu cansaço apenas a outros descansava, e pensava eu estar sendo nobre por colocar as vontades do outro antes das minhas. E não estava certo? Afinal não é para isso que devemos viver, para fazer uns aos outros feliz? 

Não estou dizendo que a partir de agora colocarei minhas vontades antes das necessidades do outro, isso seria deveras demais, o que quero fazer é colocar as minhas ao lado das do outro, e não abandonar-me completamente, pois me via infeliz vivendo daquela forma. E não quero mais isso, quero ao menos um pouco, por um tempo, fazer o que eu quiser, o que meu coração pedir!

Buscando motivos óbvios

Nos dias de hoje, marcados por um desenvolvimento sem precedentes na história da humanidade, e na história da religião, podemos nos perguntar, e com razão, qual a necessidade de voltar a Tradição, quando deveríamos sempre progredir ao invés de estagnar-se ou retroceder?

O cristianismo sempre foi uma religião revolucionária, de certo, pois o Cristo pregado na cruz era de tal modo um absurdo para os judeus que aqueles que se escandalizaram foram os primeiros a se converter, e durante toda a história da Igreja não foi diferente. Não apenas a doutrina, mas também a moral cristã, surpreendiam a todos que não a conheciam justamente por sua "novidade". E ao longo dos séculos as experiências desses contatos estranhos que resultaram na conversão de milhares foram se acumulando. 

Daí temos as afirmações de fé, os símbolos, as heresias, tudo parte do tesouro da Tradição desse contato do cristianismo com séculos de história. No entanto nos últimos tempos temos verificado uma espécie de rompimento com o passado. Se antes para validar uma ideia era necessário um estudo aprofundado sobre o que os cristão de antigamente pensavam a esse respeito hoje basta apenas uma bíblia e boa vontade. Isso porque a preocupação de manter uma linha contínua entre o ontem e o hoje perdeu-se. 

Não raramente acusamos os protestantes de julgarem a Igreja conforme sua própria, e pequena, concepção de Igreja. Nos julgam por não conhecer verdadeiramente e apenas tomando um ou outro aspecto superficial acreditam julgar a Igreja inteira. Observamos então os próprios católicos fazerem o mesmo, descartando os séculos de história em troca de uma Igreja pequena, nova, superficial. 

Um ditado corrente nos seminários dita que "não há nada na Igreja que já não tenha acontecido antes", o que é claramente um conselho de como resolver os problemas atuais usando a sabedoria antiga como base. Logo, a Igreja nova, sem passado, não tem uma base e então não pode-se manter de pé sem sérios riscos de cair numa ou noutra heresia. 

Penso que seja um problema primeiramente de Identidade. É fácil reconhecer um jovem que vai a Missa todo domingo e participa de todos os encontros paroquiais. Muito provavelmente usará um crucifixo consigo ou uma camiseta que permita sua identificação. Mas há algo que difere alguém que frequenta com assiduidade a Igreja com alguém que de fato pertença a ela: Aquele que pertence a Igreja sabe que não faz parte de uma organização humana, mas tem em mente que é apenas parte de algo infinitamente maior.

Ora, um jovem que conhece todas as músicas da Colo de Deus mas é incapaz de recordar-se das afirmações de fé do credo niceno-constantinopolitano não pode ser Cristão. Perdeu sua identidade, pois nossos antepassados passaram séculos discutindo a melhor fórmula que pudesse impedir o surgimento de novas heresias, que colocariam em risco a salvação das almas, e hoje tal fórmula é apenas esquecida por ser antiquada demais. 

Não conhecendo portanto a própria fé, a própria história, ficam a deriva de toda sorte de heresias e outros perigos que o mundo possa oferecer. Não conhece, não se aprofunda. Busca aproximar o coração do Santíssimo Sacramento mas não busca compreender por meio da razão o que se passa ali. Não sabe que a fé sem razão é tão cega quanto a razão sem a fé, mas saberia se conhecesse aqueles que por séculos buscaram defender que nossa fé não é cega, mas solidamente fundamentada na razão, como bem ensinaram Santo Ambrósio, Orígenes, Santo Agostinho, São Tomás e tantos outros. 

Costuma-se dizer que uma pessoa sem passado é uma pessoa sem futuro, e o mesmo se pode dizer da Igreja, que ao apagar o seu passado, fingindo que nunca existiu, não há como resistir as heresias futuras que já vemos brotar no seio da mesma. Não se trata de viver como vivia-se a mil anos, mas de compreender que já a mil anos combatia-se as heresias mundanas que hoje vemos entrar com tanta força em nossas Igrejas. 

Não é de hoje que luta-se contra o pecado, contra a tentação, e não é de hoje que a Igreja aprende com os próprios erros e acertos. Mas insistem em enfrentar as cegas o mundo sendo que possuímos armas comprovadamente eficazes nessa luta. 

É a famosa alegoria do banco. De um lado temos uma Igreja firme, apoiada na Tradição, no Magistério e nas Escrituras e de outro temos apenas um banco apoiado no achismo. Acha-se muito, conhece-se pouco. "Acho que deveria ser assim, acho que deveria mudar", mas não sabem que tem em seu passado o conhecimento de que precisam para continuar o hoje. Caem na mesma prática protestante de criar uma doutrina e uma Igreja apenas com base no que se quer, e no que se gosta. 

Os santos e santas que durante tantos séculos lutaram bravamente para defenderem a sua, a nossa, fé, se envergonhariam de saber que jogamos hoje seu trabalho na lama, fingindo que nuca existiram, ao ponto de criar novas doutrinas apenas por preguiça de conhecer a verdadeira. 

Quais as razões então, para retomarmos a Tradição? É um caminho seguro à salvação, experimentado não por alguns, mas por uma multidão de santos e santas. É o saber que no passado se encontram as respostas para o presente e para o futuro. É apoiar-se não nas próprias crenças, mas naquilo que já foi dito, experimentado e vivido por tanto tempo que garante que estamos caminhando no caminho certo e não tateando às cegas o que se acredita que seja a Igreja.

Precisamos tirar a venda que nós mesmos colocamos. Não precisamos procurar fazer a vontade de Deus, pois muitos já o fizeram e nos ensinam a fazer o mesmo. Temos a sorte de não viver nos primeiros séculos do cristianismo, quando a fé precisava ser provada ou seriamos lançados aos leões, mas ainda que tenhamos a disposição tudo o que foi dito por aqueles que foram lançados aos leões, apenas jogamos aos porcos o que nos foi ensinado, sob a soberba pretensão de buscarmos sozinhos o que deveria ser a verdadeira fé. 

Não é preciso buscar um novo meio de rezar, se já temos diversas formas ensinadas e vividas, eficazes na vida de tantos que já se foram, nem sequer conhecem as que já existem e querem o novo. Não é preciso buscar uma nova forma de cantar quando nem sequer conhecemos as que já existem. Não é preciso buscar uma nova forma de evangelizar, quando já temos a prova de como deve ser dar a evangelização.

Busca-se o novo sem nem ao menos conhecer o já existente. Julgam que será insuficiente apenas porque não querem a verdade de fato, mas querem a própria vontade. O novo apenas deveria ser buscado quando o velho não mais desse resultado, mas se não é o caso, percebemos que não se busca uma nova verdade, mas apenas travestir a própria vontade de verdade.

O cristão de hoje é soberbo, pois pensa que pode sozinho descobrir o que é o certo e o errado, quando 21 séculos de santos buscam ajudá-lo nessa caminhada. A Tradição é portanto a única corda que nos segura e que impede que sejamos lançados, por nossas próprias mãos, ao mar do desconhecido, e pela história sabemos bem que os homens quando não conhecem erram muito antes de acertar. Não precisamos mais errar, não precisamos mais buscar o que é o certo, apenas abrir os olhos e perceber que a verdade que procuramos está bem a nossa frente, no passado, e não num futuro incerto. 

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Tolices

Fui tolo por crer
Por confiar
Por pensar
Por acreditar

No fim tudo se mostrou ilusão

Fui tolo por crer
Que viver é amar
Que amar é tocar
Que amar é se fazer entender

No fim tudo se mostrou ilusão

Fui tolo por confiar
Que minhas palavras bastariam
Chegariam
Tocariam

No fim tudo se mostrou ilusão

Fui tolo por pensar
Que te faria feliz
Que me faria feliz
Que seria eterno

No fim tudo se mostrou ilusão

Fui tolo por acreditar
Que seria capaz
Que seria suficiente
Que seria pra sempre

No fim tudo se mostrou ilusão

Fui tolo por crer
Por confiar
Por pensar
Por acreditar

O tempo passou...

Dia de rever pessoas que se foram, mas que ainda estão por aí. Dia de pensar, ainda que sem querer, nos momentos que passamos juntos, das palavras bonitas que trocamos jurando amizade e carinhos eternos. 

Palavras ao vento?

Sentimentos vazios?

Creio que não. 

Naqueles momentos ele eram reais, naqueles momentos a amizade duraria para sempre; naqueles momentos a companhia não teria fim. Mas teve fim, não foi eterno!

Há dias em que abraçamos o calor do sol, e pensamos nos abraços que um dia tivemos. Há dias em que choramos ao ver a lua, parceira das canções de nossos corações... 

O tempo passou, e algumas amizades foram mais importantes do que outras. Alguns carinhos foram substituídos por outros...

Já não mais penso mal daqueles que se foram, quer tenham ido por vontade própria ou que eu os tenha expulsado de minha vida, mas apenas não penso mais. Não os olho como algo que ainda é, mas como algo que foi, e algumas coisas se vão para não mais voltar. 

O tempo passa, e percebemos que algumas promessas são impossíveis de se cumprir, e apenas deixamos pra lá, as promessas e as pessoas a quem prometemos amar. 

Costumamos dizer que "foi bom enquanto durou" e sabemos que não cabia a nós a decisão de fazer durar mais ou menos. Apenas foi. Algumas coisas o são agora. E algumas delas não serão mais amanhã. E outras foram, e não o são mais hoje. A vida é assim, e mesmo que a gente não aceite, a roda continua girando, e espada do destino continua caindo, sem que possamos fazer nada para mudá-la. 

Há dias assim, em que reencontramos pessoas que se foram, e pensamos se não poderiam ainda estarem conosco, pensamos se não foi nossa culpa. Nos culpamos pelas coisas feitas pelas mãos de ferro do destino... 

Não, não poderia ter sido diferente, já foi, e sendo como foi não há mais chance de mudar, ao menos não o que se passou. Já o futuro, aquele que ainda podemos mudar e transformar, ah, esse ainda requer outra taça de vinho antes de começar...

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Deixem a cura para quem a quer

Dificilmente manifesto alguma opinião política, em qualquer meio de comunicação que seja, não por não tê-las, mas por estar mais preocupado com a roupa que vou usar pra ir ali na padaria do que em participar desse montante absurdo de opiniões desconexas que quase sempre se revelam superficiais demais para conseguirem compreender os problemas que apontam.

Mais uma vez a internet foi tomada por um verdadeiro tsunami de opiniões após a notícia de um juiz teria permitido que certo psicólogo usasse de técnicas de reorientação sexual, prática proibida pelo Conselho de Psicologia desde a década de 90. 

A Justiça Federal do Distrito Federal liberou psicólogos a tratarem gays e lésbicas como doentes, podendo fazer terapias de “reversão sexual”, sem sofrerem qualquer tipo de censura por parte dos conselhos de classe. A decisão, do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, é liminar e acata parcialmente o pedido de uma ação popular. Esse tipo de tratamento é proibido desde 1999 por uma resolução do Conselho Federal de Psicologia. O órgão disse que vai recorrer.

A ação popular foi assinada por um grupo de psicólogos defensores das terapias de reversão sexual. A decisão é de sexta-feira (15). Nela, Carvalho mantém a integralidade da resolução, mas determina que o conselho não proíba os profissionais de fazerem atendimento de reorientação sexual. Além disso, diz que os atendimentos têm caráter reservado. (Fonte: G1)

E foi isso que aconteceu. Mas claro, bastou apenas ler o título de algumas reportagens como a do Estadão que dizia "Juiz libera cura gay por psicólogos" para a internet ficar em alerta. Tags foram subidas, fotos de perfil trocadas por marcas d'água com a bandeira LGBT e centenas de textos e frases do tipo "O SUS não cura nem gripe, mas quer curar os gays?" Três dias depois de publicada ainda tem gente gritando aos quatro cantos do mundo que não precisa de cura... Pois bem, dito isso não poderia eu ficar de fora, mas no entanto venho com uma opinião bem diferente desta que a maioria das pessoas tem propagado.

Informação equivocada e leviana. Esses meios de comunicação tentam, inescrupulosamente, através de chamadas e texto que causam uma comoção social, aferirem mais visualizações para suas páginas, se aproveitando da credulidade do público geral.¹

Primeiramente um tratamento psicológico é antes de tudo pessoal, eu mesmo já fui forçado a fazer terapia (por outro motivo) e o resultado foi simplesmente nulo. Somente então quando eu mesmo decidi buscar ajuda é que ela se tornou efetiva. Pois bem, antes de tal liminar, se eu buscasse um profissional para me ajudar a reverter minha orientação sexual o mesmo não poderia fazê-lo, pois se veria impedido pelo Conselho de sua profissão. Então mesmo que precisasse o profissional não poderia me ajudar. Logo, a notícia é em si, muito boa para aqueles que não se sentem felizes assim.

A liminar não suspendeu a Resolução nº 001/1990 do Conselho Federal de Psicologia, e nem distanciou-se do posicionamento da Organização Mundial de Saúde. Muito pelo contrário, reforçou suas premissas no que diz respeito a não caracterização da homossexualidade como patologia, o respeito e promoção da liberdade, dignidade, igualdade e integridade do ser humano, o combate ao preconceito social em relação aos homossexuais.

Baseando-se na Constituição, no objetivo do bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, bem como a liberdade de expressão da atividade intelectual, a referida liminar somente determinou que a resolução do CFP seja interpretada de modo a “não privar o psicólogo de estudar ou atender aqueles que VOLUNTARIAMENTE, venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade”.¹

Curiosamente nenhum noticiário disponibilizou o texto oficial da decisão judicial que pode ser consultado aqui. E a grande mídia, aproveitando-se da dificuldade dos leitores para investigar a veracidade das informações, publicaram matérias chocantes que tem sido compartilhadas aos montes, criando desgosto, revolta e, claro, muita audiência. 

O que a Justiça fez foi apenas abrir a possibilidade de que aqueles que necessitem de ajuda possam ser ajudados, nada mais. É bom lembrar que mesmo estando em pleno século XXI os homossexuais nem sempre são vistos com bons olhos pela sociedade. E se uma pessoa sente-se infeliz vivendo com essas tendências. e querendo revertê-las, é melhor que seja ajudada. 

Obviamente não digo isso com o peso de uma palavra profissional, mas com o peso de alguém que sabe o que é ser gay. Se eu quisesse mudar, por não estar feliz sendo como sou, gostaria de ser ajudado e não empurrado mais ainda para o lugar de onde quero sair. Em outras palavras, se não estivesse feliz sendo gay, gostaria de ser ajudado. 

Claro, merecem especial atenção aqueles casos em que as pessoas são obrigadas a realizar esse tipo de tratamento, que acredito serão bem mais frequentes agora, mas excetuando os casos forçados não vejo nenhum problema em querer tratar de algo que faz mal e causa desconforto em algumas pessoas. 

Vejam bem, a liminar não dizia que ser gay era uma doença de novo, apenas dizia que as pessoas que, sendo infelizes com sua tendência homossexual, buscarem ajuda profissional possam ser ajudadas. Desse ângulo é uma excelente notícia, afinal vai de encontro com o que a Igreja Católica sempre ensinou:

"(..) Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves, a Tradição sempre declarou que «os actos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados». São contrários à lei natural, fecham o acto sexual ao dom da vida, não procedem duma verdadeira complementaridade afectiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados." (CIC 2357). 

De acordo com a decisão do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, sua determinação tem como objetivo não privar o psicólogo de estudar ou atender a pessoas que "voluntariamente venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade". A decisão basicamente diz que quem quiser procurar tratamento tem direito a ter a ajuda disponível, além do fato de que se o psicólogo quiser oferecer o tratamento ele não pode ser menosprezado por isso. QUEM QUISER PROCURAR.

Não me considero doente por ser gay, e em nenhum momento da liminar foi dito que era uma doença, mas apenas penso que, se não tivesse nascido num lar cristão e acolhedor, provavelmente iria sim, querer e precisar de ajuda, e ficaria feliz em tê-la.

Não entendo como um movimento que quer tanto respeito e liberdade não entende a decisão e não respeita a pessoa que não quer viver tais práticas. Se a pessoa não quer, ela tem todo direito. Pessoas que possuem tendências homossexuais necessitam encontrar meios para carregar essa cruz -- o que em muitos casos é algo extremamente doloroso -- a qual pode ser encontrada por meio da vida de oração, direção espiritual, participação de grupos, troca de experiências etc. Entretanto, muitos ainda necessitem de acompanhamentos psicológico para poder ter um melhor autodomínio, aceitação e viver de forma cristã a virtude da castidade! Além disso, pode acontecer que aqueles que possuem isso muito forte -- pode, não disse que irá -- superem essas tendências e consigam ter relacionamentos heterossexuais com ajuda profissional, por que não? 

"As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes do autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem aproximar-se, gradual e resolutamente, da perfeição cristã." (CIC 2359). 

Lembrando que a mesma Igreja nunca nos menosprezou ou nos excluiu, mas apenas nos chamou à castidade, como a todos os outros batizados, sejam os que vivem no celibato sacerdotal ou a castidade conjugal de um matrimônio. Nunca me senti descriminado na Igreja, nunca me sento ofendido sendo homossexual, muito pelo contrário, sei que se não fosse a minha caminhada nela que estaria muito provavelmente fazendo aquele papel ridículo dos reacionários gays que zombam da Fé e da Igreja na justificativa de defender seu espaço na comunidade.

Por anos os parágrafos do Catecismo que citei foram as palavras que me fizeram perseverar, e ainda hoje busco, de alguma forma, me aproximar da perfeição cristã de que ele fala. Agradeço a Deus pelo chamado à castidade, que muitas vezes bem sei que ignoro, mas que se não fosse por ele, estaria perdido num dos muitos antros de pecado que o mundo oferece, na ilusão de estar buscando alegria e satisfação, quando na verdade oferecem apenas a própria condenação. Minha fraqueza pessoal é uma questão completamente diferente, e não encontra eco na tradição e nem justifica seu uso aqui.

Então, é bom que os que estão fazendo todo alarde na internet, revoltados, entendam o que de fato a justiça determinou e deixem quem quer ter uma ajuda por meio de um acompanhamento psicológico, para os auxiliar, em Paz, e vá viver a sua vida!

__________
1. Linkedin. A mentira da cura gay e a necessidade da cura midiática

terça-feira, 19 de setembro de 2017

O inimigo que não pode ser morto

Sentado no escuro, no fim de uma tarde calorosa, na tentativa de amenizar o calor de meu corpo e também o que abrasa meu coração. Os últimos dias tem sido para mim oportunidades de reflexão, e justamente por isso assumi uma postura um tanto quanto mais pensativa. 

Acredito que tenha sido uma mudança deveras sutil, nada que tenha sido notado pelas outras pessoas, o que é bom pois a maioria delas tem a péssima mania de sempre querer saber o que está acontecendo em nosso interior, quase sempre movidas pelas curiosidade ou por algum tipo de peso na consciência, mas dificilmente estão realmente interessadas em ajudar. 

Tenho pensado profundamente em coisas como o perdão, o mal que algumas pessoas fizeram a mim e no meu futuro. E admito que mesmo tendo pensado em todas essas coisas com afinco, não consegui chegar ainda a nenhuma conclusão. 

Não tenho tido nenhuma vitória em parar de alimentar a mágoa que sinto por algumas pessoas. E cada vez que ouço o nome delas o meu sangue ferve, e como já é de costume, torna-se em veneno e passa a destilar-se por todo o meu corpo, matando apenas a mim. 

No meu coração, no entanto, ainda não há vestígios de perdão, e tampouco de superação, mas tudo o que consigo pensar é em como gostaria de sentir suas gargantas serem cortadas pela minha própria mão. Seu sangue escorrendo pelo chão e suas cabeças como um troféu a servir de exemplo para meus próprios inimigos.

Mas isso são apenas sonhos doentios da minha cabeça. Na verdade tudo o que há de acontecer é eu ser tomado de uma raiva tão profunda que devora minha carne e minha alma. Mas o que fazer? O que fazer se o nome dela provoca em mim ânsias homicidas? O que fazer se a lembrança dele me faz esquecer de todos os meus princípios e códigos de conduta?

E a lembrança dela parece me perseguir. Para onde quer que eu vire o olhar lá está ela, a espreita, sempre em meu caminho, sempre entre mim e aquilo que amo. E parece que essa é minha eterna condenação, de observa-la ganhar tudo aquilo que mais desejo. Tudo aquilo que mataria para possuir. E no entanto sua existência é uma desgraça tão grandiosas que nem mesmo a sua morte poderia tirá-la de meu caminho.

Como então lutar contra aquilo que não pode morrer? 

Como lutar contra aquilo que não se pode matar?

Talvez o meu inimigo não seja a criatura que se materializa na minha frente como um ectoplasma, mas a vontade doentia que habita em minh'alma, aquela vontade maldita que me faz desejar o que nunca poderei ter...

E olho então para aquela foto, onde delicadamente sorri para mim, e me pergunto onde terei errado, e se um dia poderemos voltar a ser como éramos antigamente... Mas um desejo da vontade forte, vontade de ter justamente aquilo que não posso ter...

Sei agora, percebi agora, que meu inimigo não é a pessoa que declarei como sendo-o, mas a minha própria cabeça. E percebo mais ainda a observar aquele olhar, que a princípio me trazia paz e calor, e que eu desejava possuir ao meu lado para sempre, mas que agora apenas guarda maldade e frialdade ao me fitar.

Olhos distantes, frios. 

O pior tipo de olhar. 

O pior olhar é aquele que não quer olhar, e que dói olhar. 

O olhar frio que corta mais do que o aço. 

A constatação de ser desprezado por aqueles que um dia disseram amar-me me corta mais do que o aço frio, e no entanto cada vez que os vejo ainda sinto meu coração aquecer, sorrir, mas ao ver os seus olhos, a minha alma se encolhe e chora, chora copiosamente a desejar ser amada por aqueles que mais a odeiam...

domingo, 17 de setembro de 2017

A dificuldade do perdão - 24° Domingo do Tempo Comum (Ano A)

A Liturgia deste 24° Domingo do Tempo Comum nos convida a viver uma conversão ainda mais profunda através da experiência do perdão. Essa é a palavra chave das leituras e do Evangelho de hoje e mesmo sendo tão conhecida, tal palavra ainda encontra resistência em nossos corações e apenas se encontra largamente divulgada em nossos lábios.

Acredito que seja primeiramente um caso claro dos famosos sepulcros caiados, que por fora se vestem de belos ornamentos, ou de belas palavras, mas que por dentro se encontram em total podridão, completamente lançados ao ápice da miséria humana. 

Muito se diz sobre perdoar, e em como essa atitude se encontra em consonância com o ato de amar, mas pouco se perdoa de verdade. Não generalizo agora, dizendo que não costumamos perdoar, mas assumo uma posição pessoal em dizer: eu não sei perdoar o meu irmão.

Notório lembrar que o perdão, bem como a obediência, são ferramentas, por assim dizer, que se fazem necessárias em momento em que nosso amor e nossa fé se vem desafiados. Seria muito fácil obedecer quando as ordens estão em harmonia com nossa vontade, da mesma forma que seria muito fácil perdoar quando a ofensa do outro é pequena frente a nossa consideração por ele. Mas é justamente na gravidade da ofensa que se encontra a grandiosidade do perdão. E é essa grandiosidade que tenho buscado, infelizmente ainda sem mais do que apenas alguns vislumbres.

Acontece que é justamente agora, quando as grandes ofensas gritam em meu coração que não consigo perdoar. Foi então que na manhã de hoje, durante a Santa Missa, que ao ouvir as palavras da primeira leitura, retiradas do livro do Eclesiástico, retumbaram em mim como pedras lançadas no rio: "Se alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura?" (Eclo 27, 3). 

Ainda que muitas me venha em sobressalto, como um solavanco ou ímpeto de fúria, a raiva que sinto daqueles que me machucaram é presente e real. O pensar na dor que me causaram ainda é motivo de ódio em meu coração. Como poderia então falar sobre perdão, e dizer o quanto Deus quer que perdoemos, e o quanto o perdão é necessário a nossa salvação, sendo que agora, justamente quando sou provado, não consigo perdoar? 

O livro do Eclesiástico continua ainda: "Lembra-te do teu fim e deixa de odiar;" (Eclo 27, 6) E tal frase me recordou a afirmação a afirmação que se encontra logo no capítulo 7 do mesmo livro: "Pensa nos teus novíssimos e deixa de pecar." Essas me introduziram numa profunda contrição e numa decisão por decidir finalmente perdoar. Mas foi somente quando pensei em dar meu perdão que percebi o quanto seria difícil. 

Senti que mesmo agora, tempos depois, a mágoa em mim é presente como tivesse ofendido ontem, e notei o quanto vim alimentando essa mágoa. Já há meses que não comungo, e por isso tenho caído cada vez mais em pecados, mas ainda assim não consigo perdoar. Mesmo as palavras tendo fortes efeitos sobre mim a dor que sinto ainda é maior, mas sei que preciso então mudar, deixar de alimentar esse rancor e finalmente conseguir perdoar. 

Poderia sim, dizer coisas belíssimas sobre o perdão, mas todas seriam falsas diante do rancor que agora habita em meu coração. Penso então que ainda tardarei a conseguir perdoar o meu irmão, da forma como Jesus o ordenou, de maneira perfeita. "Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: 'Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?' Jesus respondeu: 'Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete.'" (Mt 28, 21-22) 

Me dói então pensar no quão duro será o meu julgamento, já que no Pai-Nosso insistentemente peço para ser perdoado da mesma forma que perdoo. Serei certamente condenado, pois insisto em condenar o outro em meu coração. Vivo então para mim mesmo, não seguindo a aquela afirmação feita por São Paulo em sua carta aos Romanos onde diz que "Ninguém (dentre vós) vive para si mesmo ou morre para si mesmo. Se estamos vivos é para o Senhor." (Rm 14, 7-8) Tenho vivido apenas para mim, já que ainda guardo ódio em meu coração contra o meu irmão, e que mesmo após todas as tempestades ainda encontra a morte em meu olhar. 

Sei que o perdão constitui-se como uma das características mais marcantes da moral cristã, e sendo novidade nos primeiros séculos do cristianismo, ainda o é para o meu coração, que ainda recua a menor consideração de perdoar aqueles que tramaram contra mim.

Como perdoar então?

Como conseguir dar o meu perdão?

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Gosto do anoitecer

Gosto do anoitecer, é sempre a minha hora favorita, isso porque para alguém como eu, a noite é como a tradução da minha personalidade aplicada a todo o mundo. É como se meu próprio coração se estendesse pra cobrir a totalidade da existência, e assim como a escuridão aos pouco cobre a tudo e a todos, sinto como se eu também pudesse chegar a todos os lugares. Como a escuridão a tudo toca, penso que meu coração também pode tocar a todos.

Gosto do anoitecer pois é quando o mundo se torna mais silencioso. As pessoas voltam para casa, cansadas do dia, do sol, do trabalho, dos problemas, e então buscam na noite o descanso, o conforto. Por isso associamos a noite ao tempo de recuperação de nossas energias, mas acho que deveríamos pensar também como o tempo de recuperação de nós mesmos, não apenas de corpo, mas também alma, mente e coração.

É o momento propício de colocar os sentimentos em ordem, e com cuidado selecionar aquilo que durante a noite meditaremos durante o sono. É tão ruim quanto temos noites desagradáveis apenas por não selecionarmos direito esses sentimentos, e sentimentos ruins refletem em sono ruim... Melhor seria se nos concentrássemos nas coisas boas, puras, da vida, e assim garantir um sono igualmente puro. O silêncio é completamente propício a isso, mas não raramente nosso coração o usa apenas para gritar, quando deveríamos usa-lo em nosso favor, e também silenciar, e aprender com o silêncio o quanto o barulho nos faz mal. 

É também na noite que meus demônios se libertam, e que minhas feras correm soltas pelo mundo buscando a quem devorar, mas é também quando meu coração chora, por não ter a quem abraçar. A noite é então também uma reflexo de minh'alma pois representa essa dicotomia tão bem quanto as palavras de uma poesia. É bela e confortável, mas é também misteriosa, imprevisível e as vezes má, fria, perturbadora. 

É na noite que eu me vejo como a noite, e é na noite que eu busco lutar contra a noite escura. É na noite que meus amores se revelam, e com eles a minhas dores. É na noite que a chuva toca em minh'alma sua sinfonia primorosa. É na noite que morro de amores, e é nas noites que canto minhas dores. 

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Contos de Fadas

As pessoas não sabem ao certo se a vida imita a arte ou se a arte imita a vida, e eu no meio desse pensamento acredito que uma imita a outra, sucessivamente num ciclo artístico vivo, uma influenciando a outra interminavelmente.

Me pergunto então até que ponto se dão essas influências, e até que ponto uma atrai para si as características da outra. O quanto da vida está presente na arte e o quanto da arte podemos ver a influenciar na vida? Será possível subtrair de uma as características da outra?

E será então que aquela parte bonita, sonhadora dos contos de fadas existiram mesmo na vida real, ou poderiam vir a existir? Me pergunto sobre algumas dessas coisas... O Príncipe no Cavalo Branco, será que existiu realmente ou que ainda poderá existir? E o famoso felizes para sempre? Se as princesas desses contos de fadas viveram tais amores, foram eles baseados em amores reais ou podem vir a tornarem-se reais?

Tenho medo de respostas negativas a essas perguntas, ou de respostas positivas que tragam consigo mais incertezas do que aquela segurança tranquilizadora que parecem nos dar os relacionamentos fantasiosos?

Sei que não é prudente pensar num relacionamento fantasioso dessa forma, ou esperar tão ansiosamente pela chegada do Príncipe Encantado que deveria surgir a minha frente, ao som de uma marcha triunfal, com os cabelos voando ao vento.. Mas a doçura do sonho é maior do que a insípida realidade, cuja frialdade faz com que o coração só se acalme ao se encontrar nos braços do amado... 

Poema Negro

A Santos Neto

Para iludir minha desgraça, estudo. 
Intimamente sei que não me iludo. 
Para onde vou (o mundo inteiro o nota) 
Nos meus olhares fúnebres, carrego 
A indiferença estúpida de um cego 
E o ar indolente de um chinês idiota! 

A passagem dos séculos me assombra. 
Para onde irá correndo minha sombra 
Nesse cavalo de eletricidade?! 
Caminho, e a mim pergunto, na vertigem: 
— Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem? 
E parece-me um sonho a realidade. 

Em vão com o grito do meu peito impreco! 
Dos brados meus ouvindo apenas o eco, 
Eu torço os braços numa angústia douda 
E muita vez, à meia-noite, rio 
Sinistramente, vendo o verme frio 
Que há de comer a minha carne toda! 

É a Morte — esta carnívora assanhada — 
Serpente má de língua envenenada 
Que tudo que acha no caminho, come... 
— Faminta e atra mulher que, a 1 de janeiro, 
Sai para assassinar o mundo inteiro, 
E o mundo inteiro não lhe mata a fome! 

Nesta sombria análise das cousas, 
Corro. Arranco os cadáveres das lousas 
E as suas partes podres examino. . . 
Mas de repente, ouvindo um grande estrondo, 
Na podridão daquele embrulho hediondo 
Reconheço assombrado o meu Destino! 

Surpreendo-me, sozinho, numa cova. 
Então meu desvario se renova... 
Como que, abrindo todos os jazigos, 
A Morte, em trajos pretos e amarelos, 
Levanta contra mim grandes cutelos 
E as baionetas dos dragões antigos! 

E quando vi que aquilo vinha vindo 
Eu fui caindo como um sol caindo 
De declínio em declínio; e de declínio 
Em declínio, como a gula de uma fera, 
Quis ver o que era, e quando vi o que era, 
Vi que era pó, vi que era esterquilínio! 

Chegou a tua vez, oh! Natureza! 
Eu desafio agora essa grandeza, 
Perante a qual meus olhos se extasiam.
Eu desafio, desta cova escura, 
No histerismo danado da tortura 
Todos os monstros que os teus peitos criam. 

Tu não és minha mãe, velha nefasta! 
Com o teu chicote frio de madrasta 
Tu me açoitaste vinte e duas vezes... 
Por tua causa apodreci nas cruzes, 
Em que pregas os filhos que produzes 
Durante os desgraçados nove meses! 

Semeadora terrível de defuntos, 
Contra a agressão dos teus contrastes juntos 
A besta, que em mim dorme, acorda em berros 
Acorda, e após gritar a última injúria, 
Chocalha os dentes com medonha fúria 
Como se fosse o atrito de dois ferros! 

Pois bem! Chegou minha hora de vingança. 
Tu mataste o meu tempo de criança 
E de segunda-feira até domingo, 
Amarrado no horror de tua rede, 
Deste-me fogo quando eu tinha sede... 
Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo! 

Súbito outra visão negra me espanta! 
Estou em Roma. É Sexta-feira Santa. 
A treva invade o obscuro orbe terrestre. 
No Vaticano, em grupos prosternados, 
Com as longas fardas rubras, os soldados 
Guardam o corpo do Divino Mestre. 

Como as estalactites da caverna, 
Cai no silêncio da Cidade Eterna 
A água da chuva em largos fios grossos... 
De Jesus Cristo resta unicamente 
Um esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente 
Sente vontade de abraçar-lhe os ossos! 

Não há ninguém na estrada da Ripetta. 
Dentro da Igreja de São Pedro, quieta, 
As luzes funerais arquejam fracas... 
O vento entoa cânticos de morte. 
Roma estremece! Além, num rumor forte, 
Recomeça o barulho das matracas. 

A desagregação da minha idéia 
Aumenta. Como as chagas da morféia 
O medo, o desalento e o desconforto 
Paralisam-se os círculos motores. 
Na Eternidade, os ventos gemedores 
Estão dizendo que Jesus é morto! 

Não! Jesus não morreu! Vive na serra 
Da Borborema, no ar de minha terra, 
Na molécula e no átomo... Resume 
A espiritualidade da matéria 
E ele é que embala o corpo da miséria 
E faz da cloaca uma urna de perfume. 

Na agonia de tantos pesadelos 
Uma dor bruta puxa-me os cabelos, 
Desperto. É tão vazia a minha vida! 
No pensamento desconexo e falho 
Trago as cartas confusas de um baralho 
E um pedaço de cera derretida! 

Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme. 
Eu, somente eu, com a minha dor enorme 
Os olhos ensangüento na vigília! 
E observo, enquanto o horror me corta a fala, 
O aspecto sepulcral da austera sala 
E a impassibilidade da mobília. 

Meu coração, como um cristal, se quebre 
O termômetro negue minha febre, 
Torne-se gelo o sangue que me abrasa, 
E eu me converta na cegonha triste 
Que das ruínas duma casa assiste 
Ao desmoronamento de outra casa! 

Ao terminar este sentido poema 
Onde vazei a minha dor suprema 
Tenho os olhos em lágrimas imersos... 
Rola-me na cabeça o cérebro oco. 
Por ventura, meu Deus, estarei louco?! 
Daqui por diante não farei mais versos.

Augusto dos Anjos

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Resenha - 2 Moons

Deveria estar preocupado com minha pós-graduação, e em terminar de escrever o meu artigo, mas atualmente a minha maior preocupação tem sido acompanhar algumas séries que me foram indicadas por uns grupos do Facebook de que participo. 

Acabei de terminar a favorita da temporada, 2 Moons, e uma das mais polêmicas também, diga-se de passagem. No geral terminei com uma impressão bem positiva até, muito embora diferente das anteriores esta não tenha tido nenhuma grande mensagem, ou algo do tipo, mas apenas teve uma história cativante e bem gostosinha de se ver...

Pra começo de conversa ela é baseada numa novel, como a maioria das séries tailandesas que vejo, e a autora publicou três livros. Ainda em fase de pré-produção ela já tinha sido destaque na mídia por conta de uma polêmica envolvendo o diretor e produtor, que anunciou que não aceitaria atores gays no elenco, muito embora a série seja justamente sobre um romance gay. Muitas pessoas então iniciaram uma espécie de boicote, tanto aqui quanto na Tailândia, alegando que seria uma grande hipocrisia, e é bem verdade, mas sendo sincero, não acho que meu download ilegal iria interferir em algo então não me preocupei. Assim que foi lançada no entanto o pessoal do boicote sumiu misteriosamente e tudo o que eu via eram os comentários exaltando a série como sendo a melhor do gênero, inclusive superior a outros nomes de peso, como a lendária Addicted Heroin e Lovesick, o que convenhamos, quer dizer muita coisa.

Decidi então acompanhar porque se tratava de um produção bem grande e não tão independente quanto algumas outras, o que obviamente indica uma qualidade superior em muitos aspectos, além de alguns pontos negativos, claro.

Pra começo de conversa não acho que seja a melhor do gênero, nesse quesito acho que SOTUS ainda reina, mas ela tem sim muitos pontos positivos, que com certeza a colocam no rank. E não me arrisco a dizer que seja a melhor da temporada porque ainda tem SOTUS S, I Am Your King que tá rolando e What The Duck

O plot da série é bem simples, Yo nutre uma paixão platônica por Pha já há vários anos, e decide ir pra mesma faculdade que ele. Lá, ele é eleito lua (uma espécie de mister) do seu curso e vai concorrer ao lugar de lua da faculdade, prêmio que seu amado e agora veterano ganhou no ano anterior (daí o nome da série, Duas Luas). Mas todas as vezes que eles se encontram acabam discutindo pelos motivos mais bobos, o que o deixa com a impressão de que nunca conquistará seu amado. Além deles há também outros dois casais, Beam e Forth, que não foram explorados nessa temporada mas já foram apresentados na abertura como um casal e Ming e Kit, que começaram a se conhecer melhor mas também não foram muito explorados. Todos amigos de época do colégio que na faculdade começam a viver suas aventuras em busca do descobrimento do amor.

Só a sinopse já nos leva ao primeiro problema da série: Como ela é baseada numa série de livros e já foi anunciada como um projeto de 3 temporadas é normal que muita coisa ainda tenha ficado sem explicação, mas achei meio absurdo um dos três casais principais não ter tido qualquer tipo de interação ao longo de uma temporada inteira. Não houve sequer um diálogo entre eles e as únicas cenas em que estiveram juntos nem sequer pareceram notar a presença um do outro. 

A primeira temporada foi totalmente focada no casal principal, Yo e Pha, o que gerou em mim alguns incômodos com relação ao protagonismo excessivo. E ainda falando deles, achei meio desnecessário também certas enrolações, digamos assim, no relacionamento deles. Mesmo depois de ambos terem esclarecido seus sentimentos eles ainda relutavam em se comportar como um casal mesmo a sós, foi meio incômodo no sentido de que o tempo em tela poderia ser melhor aproveitado no aprofundamento dos personagens, mas eles pareciam apenas repetir as mesmas cenas em contextos e cenários diferentes. E a insegurança deles também era exagerada, até pra um casal gay. Poxa vida, o tal Yo tinha um altar com um monte de fotos do outro e ele ainda tinha dúvidas se o menino gostava dele? E se ele gostava do outro a ponto de fazer o tal altar, não precisava ter enrolado tanto pro primeiro beijo, nem de ficar fugindo dos abraços e carinhos do moço daquele jeito.

E então isso nos leva aos pontos positivos. Gente, Pha é quase um homem perfeito, pois além de extremamente bonito e inteligente é atencioso e muito, muito dedicado. Tive até dó dele em vários momentos porque era óbvio que o outro se aproveitava dessa atenção toda que ela dava pra esnobar o pobrezinho. 

Pois bem, o carisma de todos os personagens é excelente, e souberam diversificar bem as personalidades. Yo é irritadinho e tímido, porém fofo, e todos querem apertar ele, que se finge de sonso, ou talvez o seja de fato; Pha é bonito, e sabe disso, e por isso é muito metido, mas é também um cara de bom coração; Ming é extremamente divertido (basicamente todas as risadas da temporada são provocadas por ele ou pelo Beam) e um grande amigo, que sempre apoiava o Yo e ainda o protegia em dados momentos, inclusise sendo confundido como namorado dele várias vezes; Kit é nervosinho e um bom amigo, age como um cupido pra Pha e Yo, aproximando os dois, mas não consegue lidar muito bem com Ming, que fica no seu pé; Beam é mulherengo e um bobo, mas muito fofo e Forth o famoso partidão, sério e reservado, mas muito atencioso também, um cavalheiro.

A atuação não é das melhores mas bem superior a maioria dos lakorns, e ao que me parece o diretor, ou quem quer que tenha escalado o elenco, fez um bom trabalho. Novamente fiquei apaixonado por todo o elenco, e a cada dia estou mais convencido de que a Tailândia é lar dos homens mais lindos do mundo. Destaque pro gato do Thanit Itthipat (Pha) que mesmo numa série consegue matar a gente só com o olhar! O mesmo pro Jarujittranon Tanapol (Beam), que terminaria com qualquer relacionamento com apenas uma piscada se quisesse. O Pinnirat Suradej (Yo) é um fofo, dá vontade de apertar e colocar num potinho, mas as vezes achava ele meio inexpressivo, como se ficasse hipnotizado pela bela beleza do Thanit, o que eu considero super aceitável, afinal quem não ficaria? 

A fotografia da série é fantástica, e o espectador fica deslumbrado com a beleza com que cada cena foi produzida. Gosto muito dessa característica tailandesa de montar cenas com poucos elementos, mas que se encaixam perfeitamente, deixando a gente com a impressão de que, mesmo sendo simples, não falta nada. 

Diferentemente dos outros lakorns esse tem uma trilha sonora fabulosa. A abertura, além de linda, foi usada como incidental várias vezes, casando muito bem com as cenas em que foi inserida. E o mesmo vale para a famosa 1 2 3 4 5  I LOVE YOU, do The Bottom Blues, que eu já conhecia mas não curtia muito, e agora tenho ouvido 3 vezes ao dia, de tão viciado que fiquei. As outras incidentais também combinavam muito com as cenas, o que me deixou muito feliz já que na maioria das outras séries ficava com a impressão de que as musicas não eram apropriadas ou que faltava musica... Realmente não aconteceu aqui.

Enfim, exceto por alguns excessos de roteiro, como a repetitiva enrolação e protagonismo em demasia, 2 Moons é uma série fantástica, absolutamente obrigatória a todos os amantes do gênero e também indicaria até pra quem não é, pois embora não aborde temas complexos ou diversos, é bem divertida e tranquila de se ver. 

Terminei a noite com um enorme sorriso no rosto, uma sensação de felicidade no coração e já ansioso pra segunda temporada, ainda sem data de estréia! 
Kit, Ming, Pha, Yo, Beam e Forth.