sábado, 29 de janeiro de 2022

Aforismos

E de vez em quando eu sinto esse ímpeto, que vem do nada, como uma brisa que sopra de repente e balança nosso cabelo e se esvai, perdida no imenso céu azul. E então por um instante o meu coração se aquece, meu corpo estremece e me sinto inflamar em amor, assim mesmo sem razão e me vem a mente aquela frase da música que tanto amo: "meu ardente coração quer dar-se sem cessar, ele precisa demonstrar sua ternura". E então, como um suspiro, ele se esvai, e meu coração volta a aquietar-se, arrefecendo numa doce melancolia. 

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Passo então a contemplar o passado, as traições, os olhares frios, que ao final da vida foram tudo que restou da antiga amizade. Fazer amigos pode ser cavar o próprio túmulo e dar ao espectro o punhal para cravar no seu peito, mas quem pode viver sem eles? Viver então é arriscar-se a dar-se em sacrifício, a ser traído, viver é estar sempre prestes a ser lançado no abismo que cavaste com teus pés. Vale a pena arriscar-se assim? O preço de não viver na completa solidão é dar ao outro a chance de apunhalá-lo pelas costas?

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Não sei o que dizer, porque não entendo bem o que sinto, sendo um misto de vulnerabilidade, com sentimento de completa impotência, além da boa e velha carência, mas ao mesmo tempo eu não me sinto necessitado de alguém, é um querer sob certos aspectos, não é mais aquela velha dependência total do outro. Mas ao mesmo tempo eu me sinto completamente infeliz comigo mesmo, e por mais que o diga nunca é demais repetir, não consigo encarar meu reflexo no espelho porque sinto nojo do que vejo, enquanto penso em corpos perfeitos, magros, que podem usar qualquer roupa e ainda ficam lindos, não precisam se limitar como eu. E eu também sei que deveria me aceitar, mas eu não consigo, isso pra mim parece coisa de post brega no Facebook, a verdade é que todos querem um ideal de beleza, ainda que nos seja imposto e injusto. 

Quero, no entanto, me esquecer dessas coisas, mergulhar profundamente nos domínios de oneiros e ali repousar. Não quero sentir a falta de ninguém, não quero me sentir insuficiente, não quero sentir nada. Se pudesse até deixaria de ser. Quem sabe naquele mundo de sonhos eu consiga ser quem eu realmente queria ser... não perfeito, mas melhor. 

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Minha mente está um pouco cansada depois de um longo dia maratonando séries, acho que foi informação demais pra minha cabeça, mas ainda assim eu não poderia me furtar a dizer algumas palavras. 

Li agora pouco um trecho de um escritor que não conheço, Augusto Capucho, que dizia "O amor é como um pássaro fugindo do frio. Só faz ninho onde encontra calor." e estaria mentindo se dissesse que essas duas frases não me levaram as lágrimas. Isso porque depois de uma demonstração de frieza meu coração se retraiu, machucado, ferido pela lança de gelo que me atingiu com força, transpassando meu ser. Isso porque ainda sinto demais e demonstro demais, mesmo quando sinto pouco e acho que consegui extinguir tudo o que sinto, ainda há uma chama aqui dentro que as vezes arde e, ardendo dessa forma, assusta quem dela se aproxima. 

As pessoas se afastam então, assustadas, e eu fico aqui, ardendo sozinho, de amor em vivas ânsias inflamado. 

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Vulnerável

Enquanto pego o computador e começo a escrever olho para a televisão e o telejornal mostra uma reportagem sobre jovens que se formaram e, ao não conseguir um emprego, abriram o próprio negócio, atingindo ótimos resultados, realmente se dando bem no mercado empresarial. 

Nem preciso dizer o quanto isso me deprimiu. Abrir um negócio? Eu nem consigo sair da cama por dias, como poderia pensar em algo desse tipo? 

Mas enquanto isso o tempo passa, meus pais envelhecem e eu continuo dependendo deles, e se conseguir um emprego de professor que seja, como vou me manter só com isso? Parece-me irreal demais.

Um gosto meio amargo me sobe à boca, uma ânsia, a ansiedade crescente, talvez eu tenha uma crise de pânico mais tarde, e eu tenho medo disso. Como fui ficar tão vulnerável? 

Eu me olho no espelho e preciso fazer a barba, também preciso fazer as unhas e aparar os pelos de outras partes, mas eu não tenho coragem pra nada disso e simplesmente vou adiando. Assim como adio a minha decisão de tomar a quantidade certa de água todos os dias, ou de tomar as vitaminas corretamente para não ficar doente com a dieta rigorosa que tenho feito pra, no mínimo, recuperar o que peso que tinha antes de engordar tanto por ficar em casa e descontar as frustrações na comida. 

Queria conseguir levantar antes do nascer do sol, tomar um suco feito de folhas e trabalhar avidamente, em dois empregos que fosse, e conseguir algum dinheiro, mas dinheiro de verdade, pra viver e não apenas pra sobreviver. 

Acho que nem isso eu posso dizer que estou fazendo atualmente, não estou sobrevivendo, estou subsistindo da maneira mais patética e deplorável, como um parasita, e a cada dia me sinto pior, os remédios parecem não fazer nenhum efeito, droga, eu só queria ser como todos os outros, forte como os outros. 

Parece-me, no entanto, que quanto mais forte eu gostaria de ser mais fraco eu me torno, e mais fico preso, mais me sinto morto. 

Olho pra cima e o que vejo? vários frascos de remédios. Remédio para dormir, para depressão e para emagrecer, um relaxante muscular e também algumas vitaminas, parece que a minha vida gira em torno de pílulas e comprimidos, mas por qual motivo parece que nenhum deles faz efeito? Até o remédio pra dormir, tão companheiro, não funciona mais sozinho, carecendo de toda uma plêiade de outros que eu tomo junto pra me apagar e assim poder me sentir um pouco melhor no dia seguinte. E eu me sinto, quando durmo ainda é o único momento em que tenho paz, em que não me sinto inferior e vulnerável e, mesmo assim, é o momento onde se explicita a minha maior vulnerabilidade. 

"Estamos por demais mortos para viver e vivos, para morrer." 
(Byung Chul Han)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Aforismos

É como se eu já fosse um homem de meia idade, e não um jovem de vinte e seis anos, mas eu não sei o que deveria ver quando penso no meu futuro, e já falei sobre isso há alguns dias, mas é como se meu futuro não existisse. 

Vou conseguir voltar a dar aulas mesmo com todo o pânico social? Vou encontrar alguém pra caminhar ao meu lado? Vou finalmente conseguir ser independente? 

Não há resposta para essas perguntas e quando penso nelas eu me deprimo, me sinto incapaz de fazer aquilo que tantos outros fazem com naturalidade. Me sinto triste e sozinho ao pensar nisso. 

Não queria ser tão fraco, não queria ser tão sozinho, mas ao fechar os olhos eu ainda o imagino comigo, forte, altivo, segurando a minha mão e sorrindo de um jeito doce. Me trazendo segurança, dizendo que vai ficar tudo bem. É meu devaneio, mas eu sei que hoje eu não seria capaz de suportar um relacionamento. Ao mesmo tempo o meu coração continua ardente e quer dar-se sem cessar. Vivo essa dicotomia no meu peito e me sinto cada dia mais sozinho.

Eu já deveria ter me acostumado a ser só, mas aquela parte do homem que precisa do outro também fala alto. E não gosto de me sentir carente, mais vulnerável do que o normal, assim como não gosto de me explicar pois, por mais que eu diga as pessoas parecem não entender e escutam apenas o que lhes convém, e eu fico a falar para o nada. 

Mas é o que sinto. E queria não sentir. Sinto muito por sentir demais, ao mesmo tempo que já não sinto mais nada.

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As coisas acontecem numa velocidade superior a que eu possa acompanhar, e eu olho ao meu redor tudo o que preciso ou gostaria de fazer e percebo o quanto não sou bom em nada. Num primeiro momento isso parece apenas um lamento de quem não tentou nada, mas na realidade eu tentei, tentei sim, e descobri que não tenho aptidão nenhuma, que meu único talento é o de me lamuriar constantemente e repetidamente com as mesmas palavras. 

Eu não consigo subir ao monte, senão que sempre volto ao sopé, rolando e me machucando no doloroso processo que é perceber que essa vida não foi feita para mim, e que eu a vivo por usurpação, é assim que me sinto. Eu vivo sem vontade enquanto muitos lutam pela vida e eu queria dar a eles a vida que me resta porque dela eu não quero mais nada, já vi o suficiente para não desejar nada além do céu, além do fim dos tormentos dessa vida. 

As palavras passam diante de meus olhos sem que se fixem na minha mente. A música passa por meus ouvidos sem se deixar impregnar como antes, o mundo muda e eu mudei com ele e já não me reconheço mais. Seguindo o ciclo da samsara eu me vejo agora sozinho como estava antes, muitos anos atrás, anos que se seguiram a um Eu rodeado de pessoas e que, no entanto, ainda sentia-se sozinho e triste, e parece-me que essa é a realidade última do homem, ser sozinho e triste independente de onde e com quem esteja. 

Mas eu ainda queria emagrecer, ser um pouco mais inteligente, para assim melhor me apresentar aos outros e talvez não me sentir tão só, e mesmo sabendo a ilusão por trás dessas crenças eu ainda me apego a elas porque foi tudo o que me restou. Mas isso é ainda numa perspectiva terrena, onde tudo é visto por uma lente de melancolia, ainda há, ao fim de tudo, uma luz que me guia com mais clareza que a do meio-dia, ainda que, no presente momento, para todos os efeitos, me encontro completamente perdido em minha própria hipocrisia. 

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Ao Mestre

Eu sinceramente não me considero digno de dizer nada a respeito de uma pessoa tão admirável mas, dado o impacto da notícia eu também não podia deixar de expressar meu pesar por perder pessoa tão importante para mim. 

Nunca nos vimos pessoalmente, ele sequer sabia da minha existência, mas eu sempre escutei atento os seus ensinamentos, desde aquela aula sobre Kant e Hegel que eu encontrei por acaso na internet, e desde então seus ensinamentos passaram a fazer parte do meu cotidiano. Impossível seria me recordar aqui de tudo que aprendi nesses anos de curso e, como aprendi, não me entristeço com a sua partida, confio na misericórdia divina que se apresentará diante do Altíssimo com aquilo que É em sua totalidade, e o que fez por nós. 

Fostes professor, no sentido mais acertado do termo, nos mostrou como aprender e nos mostrou o caminho para que nós mesmos fôssemos responsáveis pela nossa educação: e talvez esse seja o ensinamento mais profundo que deixou em mim: eu sou responsável pela minha educação, ninguém vai me dar o que eu preciso buscar de alma sincera e coração aberto e me apegar àquilo que há de mais importante, aquela realidade que, se um dia eu estivesse num navio a naufragar, eu me agarraria a ela como me agarraria a uma tábua que flutua. 

Encarar o mundo, a realidade como ela é, e aprender dos fatos e não das construções feitas em cima dos fatos, não me deixar enganar por discursos vazios, por mais belos que sejam e falar com minha própria voz. Por último, algo que ainda não consegui, traçar o que quero ser daqui até o resto de minha vida, como o senhor o fez e cumpriu, de modo magistral. Refaço aqui os votos de, inspirado por sua incansável busca pela verdade, continuar a aprender e me tornar tão melhor eu possa ser diante de Deus, o único cujo julgamento é válido. 

Obrigado por tudo professor Olavo, não sou hoje o homem que era quando o conheci, que Deus lhe dê o descanso e a luz eterna!

"Tel que'en Lui-même enfin l'éternité le change"

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Pária

As palavras que estavam aqui, na ponta dos dedos, de repente se esvaem, evaporam e delas não sobra nenhum resquício sequer, e me pareciam palavras importantes a serem ditas, mas se foram, e talvez nunca mais retornem. 

Hoje é mais um daqueles dias que eu não estou disposto a viver em toda sua extensão, de novo me volto ao recurso da fuga, e está tudo bem sabe, eu estou num processo, pouco a pouco indo em frente, e as minhas poucas vitórias merecem ser comemoradas. O trabalho que consegui entregar a tempo, os currículos que entreguei, os dias mais disposto, o livro que consegui terminar, tudo isso são pequenas vitórias muito importantes para mim. 

E por isso acho que esse dia não fará falta, é apenas uma tarde que eu perco. Pra recuperar minha disposição. 

Mas não eram essas as palavras que eu buscava, infelizmente. Estas se perderam. Pena, eram palavras bonitas. Se perderam como aquela amizade que hoje não passa de um conhecido na multidão, se perderam como as pessoas em que confiei meu lado mais vulnerável e viram em mim o vilão da história. 

Sinto, no entanto, que eu não devo me culpar por precisar desse tempo pra mim, pra me recarregar, eu sou mais fraco que os outros, e já aceitei isso. Tento me culpar cada vez menos, entender que preciso disso, de fugir e me esconder até criar coragem novamente. E tudo bem. 

Mas é realmente uma pena, não eram essas as palavras que eu tinha em mente.

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Minha mãe implorou que eu me levantasse, há varias horas eu dormia e ela se desesperava. Ela pedia que eu reagisse mas não havia nenhuma energia em mim pra isso, e ela não conseguia entender. Ninguém entende na verdade, que é melhor ficar sozinho deitado do que encarar esse mundo feio. Mas ninguém entende, e eu nem tenho forças pra reagir. Eu não tenho forças pra nada além de me virar pro outro lado da cama. E algumas vezes nem isso. 

X

Como expressar em palavras infelicidade que sinto ao me olhar no espelho? Como exprimir a sensação de absoluta impotência frente aos desafios que eu preciso enfrentar? Como dizer que quanto mais eu busco mais distante me sinto? Como dizer que não consigo ver um futuro pra mim? Na realidade as perspectivas de futuro que vejo são todas pavorosas, para todo o mundo, mas eu não estou lá, é como se fosse morrer amanhã. Vejo o mundo através de lentes mas é como se eu não fizesse parte dele. 

E enquanto isso eu sinto que desperdiço meu tempo dormindo, lendo sem entender ou muitas vezes nem lendo o mínimo que deveria, não buscando a virtude como deveria. Eu sou um pária sonhando em ser um intelectual. Um viciado em remédios pra dormir que tenta ser alguma coisa entre um apagão e outro, uma existência patética na verdade. 

Há um abismo entre o que sou e o que eu gostaria de ter sido, lá no fundo da minha alma. É lamentável. Me falta acreditar em mim mesmo, me falta forças pra lutar.  E eu vejo as pessoas ao meu redor, indo para onde querem ir, e eu não consigo sair daqui, não consigo nem sequer dormir quando quero. É em dias assim que eu tenho contato com toda a minha miséria, dias em que eu gostaria de desaparecer. 

Mas amanhã tem outro dia, outro dia terrível. Outro dia em que vou me olhar no espelho e querer chorar. 

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Resenha - Bad Buddy

Atenção contém SPOILERS, prossiga por sua conta e risco!

Anunciada com muita euforia pela GMM TV essa foi com toda certeza a série mais aguardada do ano passado, marcando não só a estreia de Nanon Korapat, autor reconhecido como um dos melhores da geração, nos BLs como sua parceria com Ohm Pawat, velho conhecido do fandom em seu quinto trabalho do gênero.

Bad Buddy conta a história de dois meninos que desde pequenos foram ensinados a se odiarem, isso porque suas famílias se envolveram num confusão nos negócios anos atrás e por isso competem entre si e se odeiam até hoje. Acontece que os meninos acabaram fazendo uma amizade entre uma competição e outra e, agora na universidade, seus caminhos se cruzaram de novo e eles terão que decidir se serão inimigos, amigos ou algo mais...

Sem delongas a série foi sem sombra de dúvidas uma das melhores produções BL de todos os tempos (okay eu sou suspeito pra julgar porque sou fã dos dois atores). A forma como trataram a evolução do relacionamento dos meninos foi simplesmente sensacional, destaque aqui pra direção muito bem feita em todos os episódios. 

Pran (Nanon Korapat, de The Gifted e Blacklist) é o garoto certinho que implica com o jeito desleixado de Pat (Ohm Pawat, de He's Coming To Me e The Shipper), o atleta que não tá nem aí pra muita coisa. Além das disputas entre suas famílias eles também estão em cursos que têm um histórico de rivalidade na universidade e constantemente entram em conflito. Eles foram amigos na infância e depois se afastaram quando Pran mudou de escola e se reaproximam na tentativa de criar uma estratégia pra frear as brigas entre seus amigos, que vêm tomando grandes proporções. E aí então o que começa sendo uma amizade meio conflituosa acaba evoluindo conforme eles vão descobrindo novos sentimentos e reacendendo antigas questões. 

Nanon está simplesmente fantástico, e continua fazendo jus ao seu nome. O ator disse que aceitaria fazer um papel BL se sentisse que isso seria um desafio e um acréscimo a sua carreira, e parece que ele levou a sério porque em muitas cenas a entrega do ator é total. Ele consegue com um só olhar passar toda uma gama de sentimentos e dar bastante profundidade ao seu personagem, que é muito afetado com as disputas entre as famílias. As cenas mais impactantes foram realmente proezas dignas de prêmios. 

E Ohm não fica para trás, ele soube trazer ao seu personagem o equilíbrio perfeito entre o alívio cômico e o porto seguro que o outro precisava em alguns momentos. Esse é, aliás, uma parte muito bonita do relacionamento deles: ao contrários dos seus pais que só sabem discutir eles conversam e se entendem, mesmo quando estão competindo por alguma coisa boba. A maturidade de ambos é notável e o roteiro explora muito bem como um relacionamento que tinha tudo pra dar errado pode acabar funcionando se ambos estiverem dispostos a lutar juntos. 

A cumplicidade deles é sem dúvida o ponto alto da série que se diferenciou no momento em que, em todas as outras séries, os personagens se separam aqui eles ficaram juntos e enfrentaram a situação. 

Os personagens secundários também roubaram a cena aqui muitas vezes, sejam com os amigos dos protagonistas que vivem brigando também, Wai (Jimmy Jitaraphol, que foi basicamente a revelação do ano pro fandom e virou o queridinho de muitos, já com um outro BL anunciado pra esse ano) e Korn (Drake Laedeke, de My Tee e Blacklist) ou as fofíssimas Ink e Pa (Milk Pansa e Love Prattanite, respectivamente) que dão todo apoio pros meninos.

A trilha sonora também é excelente, com dois temas cantados pelo próprio Nanon, já que a música tem uma relação com os sentimentos de ambos. A fotografia é bem característica das séries da GMM TV, sem grandes inovações mas que funciona muito bem. 

Por fim, com uma história cativante, um elenco excelente e roteiro prodigioso Bad Buddy foi aguardada com ansiedade e entregou aquilo que todos esperavam. Temos muitas cenas fofas e momentos pra suspirar, momentos de tensão e emoção e não houve timidez na direção em entregar um relacionamento de verdade nas telas. Simplesmente sensacional!

Nota: 10/10



quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Bom e Belo

Acho que todos desejariam um amor ideal, um amor desses de novela, onde o mocinho faz de tudo pela mocinha, onde ele reúne em si todas as qualidades de um nobilíssimo cavalheiro, resultando então na idealização do romance da forma como o vemos nas séries. E penso já ter tratado disso em outra ocasião mas, como no momento, é o que está em meu coração, preciso partilhar algumas impressões novamente.  

É que me vejo vítima fatal da idealização romântica que as séries têm causado em mim e, por si só, não acho que elas sejam algo de ruim, muito pelo contrário, se a crise social de hoje se deve a absoluta falta de virtudes e inversão de valores uma obra que consiga resgatar esses valores é, no mínimo, digna de atenção. 

Os personagens nessas séries constantemente reúnem em si as virtudes mais belas num homem: são fortes em caráter e mente, extremamente bonitos, atenciosos, românticos, caridosos, todas as virtudes que não vemos normalmente são neles representadas e eles se tornam então símbolos dessas virtudes. 

Para a nossa infelicidade a ocasião de nossa queda é justamente quando voltamos o nosso olhar para o mundo real, e somos confrontados com a ausência das virtudes ali simbolizadas. Ninguém é perfeito como um Hong Du-Sik (Hometown Cha Cha Cha) que é capaz de fazer tudo e mais um pouco, ou ninguém tem a personalidade cativante e a beleza estonteante de um Sa Hye-Jun (Passarela de Sonhos), e olhar pra qualquer homem real em comparação a eles é algo que causa pena. 

Mas as obras não perdem por isso o seu caráter didático, onde nos inspiramos a buscar essas virtudes, é só que a diferença entre a ficção e a realidade é tão grande que nos causa uma certa estranheza. Por isso torno a perguntar: quem nunca sonhou com um relacionamento perfeito como esses das séries? É um movimento quase que instantâneo da mente em imaginar como seria se nós vivêssemos aqueles sonhos acordados. Infelizmente nos é impossível, senão que devemos continuar a buscar a virtude, impelidos por eles que se tornaram símbolos do que ainda há de bom e belo no mundo. 

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Aforismos

Eu odiei aquela foto, e mesmo assim a postei, mas odiei e continuo odiando cada vez que a vejo. Meu corpo gordo, disforme, feio, nem as muitas tatuagens foram capazes de desviar o olhar para todos os meus defeitos. Eu odiei me ver naquela situação. Isso aumenta em mim a resolução de que eu preciso mudar, sejam exercícios ou dieta eu preciso mudar ou a minha autoestima não terá jamais recuperação. E olha que já me encontro no fundo do poço, sequer conseguindo me ver no espelho. 

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A música que toca agora eu já não ouvia há tempos, é o álbum Fiction and Fact do grupo B2ST, um dos meus favoritos e a aura que ele traz é de nostalgia, de tantas e tantas vezes que eu o ouvi e que ele foi causa de intensa alegria. Posso reviver um pouco dessa alegria nesse momento, parece que as trevas recuaram um pouco, certamente efeito do longo sono que tive essa tarde. Me lembro das trevas intensas em que estava ontem, parecia que não teriam fim... E embora eu não esteja completamente bem hoje eu já consigo ver novamente a luz. 

E é nessa dualidade que eu vou vivendo, o tempo todo, em alguns dias no mais completo deserto, sem ver a luz, e outros dias na clareira de um belo jardim. Em alguns dias bem, com a autoestima até razoável, em outros apenas escuridão. 

X

É como se o sono me dominasse por completo, como se não houvesse vida para mim fora do sonho. Mesmo me esforçando para ficar acordado alguma coisa em mim implora pra que eu volte pra aquele mundo de torpor, pra que eu apague, e eu não consigo resistir. Não consigo pois o sono é a melhor parte do meu dia, o sono é minha única tranquilidade. Até mesmo escrever essas palavras me custam a manter os olhos abertos, e eu anseio pelo abraço caloroso do deus do sono que vem me trazer a paz, finalmente. 

Como pode ser algo tão bom e assustador ao mesmo tempo. Ao passo que o sono me oferece a tranquilidade que o mundo furtou de mim eu sinto que ele me rouba também a própria vida, que deixo o tempo passar enquanto durmo, mas mesmo assim não consigo fugir de seu abraço apertado. É meu céu e minha perdição. 

E a ele eu me entrego completamente e sem reservas, me entrego de corpo e alma e nesse lago profundo mergulho, com o alento de uma música lenta a sumir enquanto afundo e não mais vejo a luz. Dessa vez no bom sentido. Para onde mais eu fugiria senão para tão dentro de mim que nem mesmo eu me encontrasse? Para uma pessoa como eu a fuga é a única alternativa. E não me julgue, eu não sou forte como você para enfrentar o mundo de frente. 

E não tendo forças sequer pra levantar da cama como queríeis vós que tivesse força altaneira para enfrentar avidamente meus inimigos mais cruéis. Não eu os deixo me devorar cada um, vermes a apodrecerem o meu cadáver ainda vido, e a roer-me os ossos até o tutano. Achei que, se dormisse, acordaria melhor, mais disposto, mas eu estava enganado.

A música tem aqui um papel de destaque: ela embala o sono até as profundezas mais abissais, ela corta os vínculos com o mundo exterior, de barulhos e incômodos. Ela é a ponte que me liga da realidade ao mundo onírico em que me refugio. Aqui a musica clássica e a coreana tem um papel especial: a profundidade dos sentimentos que elas conseguem transmitir são exatamente o que eu preciso pra romper com a realidade. Por isso as minhas playlists estão cheias delas, são elas que me tomam pelas mãos e me colocam carinhosamente na alcova preparada pelos remédios, onde repousarei finalmente. 

"Eu dormia, mas meu coração velava." (Ct 5, 1)

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Num Relacionamento


Dois homens apaixonados, um deles inseguro se realmente deveriam ter voltado a ficar juntos e o outro, embora certo dos seus sentimentos, não tem certeza quanto aos sentimentos do outro, é um impasse do coração. Como é difícil o amor num relacionamento que envolve também a depressão. 

O desejo falou mais alto no último dia e ambos se entregaram ao prazer daquela noite, após meses separados finalmente seus corpos se encontraram novamente, falando ambos uma língua já conhecida de anos juntos. 

Mas agora, quando o calor do momento se esvaíra ao vento e o céu brilha claro lá fora com sua nuvens brancas e brilhantes os dois, com camisas brancas e brilhantes, se perguntam qual deve ser o próximo passo. 

Um deles prefere guardar segredo. Seus amigos foram testemunhas de todas as brigas, não devem participar agora que só faz uma semana que voltaram. O outro, no entanto, vê isso como sinal de que ele já não o ama mais. E quem será que agora ocupa o lugar do seu amado? Será o garoto novinho que posara para ele semanas atrás e que ele encontrou no apartamento do outro na última semana, quando se viram depois daquela noite de amor? 

Mas a precaução de não contar a ninguém é apenas medo de que, assim como das outras vezes, esse relacionamento termine em brigas e acusações. Quando a depressão do outro estava em seu auge eles sempre brigavam por coisas desse tipo. Você não gosta que eu saia com seus amigos, você quer me esconder de todos, você não me ama realmente. E a mente dele vertia essas histórias como água flui de uma nascente. Apenas os remédios, que ele não tomava, eram capazes de fazer diminuir a torrente de pensamentos infernais que tanto machucavam a ambos. 

E ele agora precisa vigiar a medicação do outro, cuidar para que suas crises não sejam tão agudas, ele deve ser cuidadoso e atencioso. Mas essa atenção constante, com os remédios, com as palavras, mesmo que sejam compensadas com noites de amor, ainda assim é cansativa demais. Há amor, certamente, e isso os uniu novamente, mas será que há amor o suficiente entre os dois para que isso dê certo? É preciso que haja cuidado, atenção, carinho, mas não seria esse esforço demasiado? Não seria mais fácil simplesmente deixar ir em frente? 

São questões profundas do coração, questões que não podem ser respondidas nem na cama e nem no calor de uma discussão. Devem ser pensadas na calma, ponderadas com todos os pormenores. Como é difícil o amor num relacionamento que envolve também a depressão. 

Seu relacionamento me tocou e eu me vi ali, no meio deles, sentidos todas aquelas inseguranças, aqueles medos e sem saber o que fazer, o que escolher, entre o que meu coração quer e que as vozes do meu interior me dizer para querer. A quem ouvir, a quem ser submisso, que decisões tomar? Se não for ele quem vai me aturar assim? São muitas dúvidas e poucas as respostas. Como é difícil o amor num relacionamento que envolve também a depressão. 

~

Baseado num trecho da série tailandesa Love Area

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

De Profundis

"Das profundezas eu clamo a vós, Senhor." (Sl 129)

De onde estou não é possível ver a luz, somente a mais absoluta escuridão. É comum voltar aqui, ao fundo do abismo, tão profundo no oceano da miséria humana que a luz não penetra nas águas negras onde me afogo, e onde me afundo mais e mais, sem que minha mão erguida em súplica consiga alcançar nada da luz divina. Em vão ergo a minha mão, em vão tento encontrar a luz. Não há salvação. Não há esperança. Nenhuma perspectiva de mudança ou melhora, nenhuma luz.

Fora do meu ambiente interior a realidade é bem pouco distinta: não consigo me obrigar a ler e não entendo o pouco que discorre sobre meus olhos. Não consigo dormir, fui rejeitado até por Oneiros. Não há de onde tirar dinheiro, a feiura se estende ao meu redor. Olhar no espelho é minha sentença de morte, e verdadeiramente preferia morrer a ver essa criatura horrenda que me encara com olhos negros como a noite que me envolve. Nenhuma perspectiva de mudança ou melhora, nenhuma luz.

Estou em pecado, e meu pecado está sempre à minha frente, mas nem nele encontro refúgio, é claro que não, como poderia ser assim? 

O Beatiful World é uma realidade apenas na música, o mundo real é só escuridão. It's only love, ela diz, mas não há amor. Nenhuma perspectiva de mudança ou melhora, nenhuma luz.

Minha Lógica

Já se tornou um hábito que as segundas sejam dedicadas a preguiça, a minha fuga particular, a uma trilha sonora triste e a aura melancólica de um dia movido a Rivotril e Zolpidem. Já se tornou um hábito que eu não viva todos os dias, que eu até ignore minha própria existência, porque é mais fácil assim, é mais fácil ignorar do que enfrentar de frente tudo o que acontece ao meu redor sem que eu consiga acompanhar. E o que eu consigo acompanhar?

Consigo acompanhar os lançamentos de séries BL, algumas histórias de amor, consigo acompanhar músicas que me façam sentir um pouco mais vivo, coisas assim, completamente alheias ao mundo real. Pra um estudante de filosofia eu estou bem distante da realidade, e acho que não conseguiria fazer as coisas serem diferentes. 

Isso porque ao examinar aquilo que está no meu núcleo eu vejo vazio, a ser preenchido com as experiências adquiridas dessas histórias. É como se com elas eu fosse compondo o meu imaginário, e fugisse para o mundo delas, um mundo distante do meu, um mundo onde os universitários usam camisas brancas e gravatas, onde os apartamentos são bonitos e bem iluminados e onde o amor pode cruzar seu caminho na próxima esquina, é assim que esse mundo é, bem diferente deste em que vivemos, onde percebemos apenas o interesse no mais superficial e tudo o mais resulta em bloqueios nas redes sociais e indiferença. 

Me perdi nesse mundo porque a realidade é feia demais, e não aguento olhar pra fora pela janela do meu quarto, ainda que meu vizinho seja lindo, mesmo nem olhando na minha cara. E eu olho no espelho e também não consigo gostar do que vejo, e nas fotos menos ainda, então esse mundo irreal e, ao mesmo tempo, a única realidade que eu consigo suportar, tem sido o mundo onde eu consigo viver. Seja olhando pela janela ou no espelho as visões são repugnantes, assustadoras. 

As vozes doces são também como o canto das sirenas para mim. Atualmente vozes como a doce melodia do Mark Siwat, a alegria contagiante do Khaotung Thanawat, a delicadeza do Mix Sahaphap, a incrível energia de The Rose, a autoafirmação de Holland e a aura meio mística de Utada Hikaru e outros têm me feito companhia nesses dias brilhantes e, ao mesmo tempo, cinzentos. Isso porque o que me cerca é chato e provoca em mim profundo desinteresse, e nada que não diga respeito a beleza me entretém a atenção. Por isso prefiro o furor rápido dos remédios seguido das longas horas de sono profundo, onde nem mesmo os sonhos interferem. Eu fujo da realidade pra me encontrar e suportar a realidade, e o que mais eu poderia fazer? 

E é isso que tenho a dizer. Se busca verdades eternas eu não posso ajudar, tudo em mim é fugidio e passageiro, estou eternamente do outro lado da plataforma de trem que parte sem nunca voltar, esperando que ele apareça, mesmo sabendo que ele não estaria num lugar como esse. Eu só tenho a oferecer as histórias de amor pois, apesar de toda a descrença ele ainda é a única força motriz que me faz seguir em frente mesmo depois de ter desistido de tudo. O amor, ainda que na irrealidade da televisão, ainda me faz seguir. 

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PS.: Queria ter nascido em outro lugar, e talvez as coisas fossem diferentes pra mim. Tailândia ou Japão quem sabe, queria ter nascido bonito como os semideuses que vejo na internet, que não parecem ter formas humanas, são perfeitos demais pra isso. E eu? Feio e gordo, burro e deprimido. Talvez fosse mais fácil, não ser tão desprezível quanto eu. Sempre o amigo, o mestre, mas nunca o amor, nunca o melhor amigo, nunca o melhor em lugar nenhum. O meu lugar é medíocre, eu sou apenas mais um, sem qualidade nenhuma, e tudo o que faço bem qualquer um outro poderia fazer melhor ainda. Até pequenas coisas como dormir a tarde me são tiradas como se eu não fosse sequer digno delas. Eu sou um miserável. 

"Tornei-me objeto de opróbrio para todos os inimigos, zombaria dos vizinhos e pavor dos meus amigos. Fogem de mim os que me veem na rua. Fui esquecido dos corações como um morto, fiquei rejeitado como um vaso partido." (Sl 30)

domingo, 16 de janeiro de 2022

Mínimo

Um sábado atipicamente longo, geralmente ele passa na velocidade de um trem bala dando logo lugar ao domingo e a sensação crua de que seremos regurgitados para a realidade no dia seguinte. E ainda foi um dia quente, tornando tudo a se fazer ainda mais dolorido, cobrindo nosso corpo com uma camada fina e brilhante de suor e uma sensação de permanente desagrado. Eu não fiz absolutamente nada hoje além de assistir e dormir e ainda assim sinto que foi muito. 

Após um sono pesado no final da tarde, incomodado com o tecido quente da cama e a aura de calor, eu acordei com a estranha sensação de que o tempo finalmente havia passado, depois de ter sentido que vários dias foram espremidos até as quinze horas. E esse dia passou com a grande sensação de um nada que se espalhou e tomou conta de tudo. 

Aqui dentro a sensação é exatamente essa também, completamente vazio. Sinto ainda, no fundo, um pouco de ansiedade, medo na verdade, por uma possível outra crise de pânico, perspectiva que tem sido um pesadelo nos últimos dias. Recorro as armas que tenho: um chá calmante e músicas que me deixem bem, mas a realidade é que essas coisas, embora ajudem, não podem impedir o leão de rugir quando ele bem entende. Me acalenta um pouco fazer uma breve maratona de um draminha leve agora à noite, é o que posso fazer por mim nesse momento.  

Parte da tranquilidade da vida vem de aceitar que bem poucas coisas estão sob nosso controle, e eu tenho aceitado isso, fazendo o mínimo, vivendo no low profile, preferindo o silêncio ao barulho. Não tenho nem vontade de sair e fazer novos amigos, mesmo que o número deles tenha caído vertiginosamente nos últimos tempos. Quando sinto saudades ou me sinto sozinho apenas aumento a música, olho o perfil de um ator tailandês ou viro pro outro lado e torno a dormir. As trilhas sonoras me arrancam do torpor e eu até danço um pouco, uma bela foto consegue tirar de mim um sorriso, e assim eu vou seguindo, um dia de cada vez, uma crise de cada vez. Minhas noites tem sido assim, esperar pela crise de novo ou mergulhar nas histórias de amor de modo a não me afogar num oceano impetuoso.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Boa Noite

Acordei com o barulho metálico do portão se abrindo, a chave sendo colocada na porta e sacolas sendo carregadas com pressa. Depois disso houve silêncio. Parei de prestar atenção nos barulhos fora do meu quarto e foquei em mim, coloquei a mão direita ao redor da minha garganta, toda a dor que sentira ali sumira. Na noite anterior eu tive uma crise de pânico antes de dormir. Mentira para minha mãe que estava bem e vim para o meu quarto. Pelo que pareceram muitas horas então eu lidei com a dor intermitente nos músculos do pescoço, a boca travava e minha garganta soltava ganidos involuntários, espasmos que iam e vinham, com a frequência de um a dois minutos, e aquela tortura permaneceu, com a música sendo minha única companhia naquela noite escura.

Me lembro vivamente de ter conseguido levantar, esquentar um grande copo de leite e tomar com um relaxante muscular que encontrei no fundo da minha caixa de remédios. Voltei pro meu quarto e tentei fazer alguns exercícios para aliviar a dor, que funcionaram por alguns instantes antes da dor voltar e eu me virar, me contorcer de um lado para o outro enquanto o pânico tomava conta de mim. Lembro de ter implorado ajuda a Deus e aos anjos, e um pouco depois disso, os remédios finalmente fizeram efeito, e eu adormeci sem forças pra recomeçar a música que tinha acabado. 

Mesmo sendo manhã já faz calor, me lembro que essa era a previsão para hoje anunciada no jornal da noite. Droga, odeio calor. Continuei deitado, tentando agora prestar atenção na voz do meu professor que traçava um panorama histórico sobre o impacto da mídia nas politicas de segurança pública mas não consegui entender tudo o que ele disse, distraído pelo barulho que as pessoas da minha casa faziam perto da minha janela. Barulho de plástico sendo amassado e de algo metálico golpeando de modo intermitente, e assim como a crise de pânico todo esse barulho pareceu durar horas, e eles pareciam contentes e satisfeitos com todo o barulho produzido, como se fossem inimigos declarados do silêncio e de qualquer noção de ordem ou tranquilidade. 

Levantei pra escrever incomodado com o barulho que agora vinha de dentro de casa. A TV ligada como se todos precisassem ouvir o jornal anunciando as desgraças do dia, a batedeira parecendo trabalhar numa confeitaria 24h e eu tentando me concentrar na música que, agora pela manhã, eu conseguira religar. 

Fui interrompido pelo barulho da água escorrendo pelas paredes do meu quarto, oh quanta miséria nessa vida! E então tomado de novo por aquele espírito da experiência gnóstica universal: o sofrimento num mundo hostil em que as coisas dão errado nos mais mínimos detalhes e não há possibilidade de que seja diferente. Desde o barulho incômodo na manhã à tarde puxando água que jorrava da parede numa torrente quase infindável, fruto duma infiltração maldita, me fazia refletir na baixeza das coisas, me fazendo sonhar com algum céu metafísico onde a realidade seja diferente desta. 

Agora já é noite, e tem uma festa acontecendo enquanto eu me escondo no meu quarto. Simplesmente não é um ambiente pra mim. Tentei socializar, com a ajuda de um pouco de álcool e foi até meio divertido por alguns momentos, mas a superficialidade desse ambiente não é agradável. Me sinto um peixe fora d'água. Voltei então ao reduto seguro do meu quarto. 

É mais certo que eu fique aqui, e espere meus remédios fazerem logo efeito e eu durma profundamente, e finalmente, depois de um longo dia. O efeito é lento, depois de uma breve euforia é como um pequeno pontinho enevoado que surge e vai crescendo dentro de mim, e conforme ele se espalha os meus sentidos vão se enfraquecendo e eu sinto que preciso fechar os olhos mais um pouco toma conta de mim. De fato é o momento mais feliz do meu dia, não há nada que se possa comparar. O barulho agora é do som alto, com a pior escolha de músicas possível, mas já não me incomoda, o nevoeiro começa a se espalhar. É a felicidade que se aproxima. Boa noite.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Reforma

Com frequência, ao ter contato com escritos espirituais ou doutrinários, é comum que nossa mente se povoe de pessoas que conhecemos e que ignoram aquelas verdades ali expostas. Ao ler um tratado sobre oração, por exemplo, nos recordamos de quantas pessoas estão distantes dessa realidade e que por isso se apartam dos tesouros ali escondidos. Mas, não desmerecendo o valor da ira contra as verdades divinas ali reveladas, esse talvez não seja o movimento da nossa mente que deveríamos incentivar.

Acontece que antes de apontar o que o outro erra e o que ele ignora ou não deveríamos nos confrontar com o quê daquilo nós mesmos ignoramos, e justamente por isso assumimos a posição de ataque, porque encontramos em nós e no outro o erro, mas é mais fácil querer consertar no outro o erro que se imprime em nós. 

Quisera eu conseguir corrigir tudo o que há de errado no meu jeito de ser antes de apontar quem aparentemente nem está tentando, não por ser eu melhor do que eles, mas porque eu sendo responsável pela minha própria alma não posso fazer muito pelo outro além de breves admoestações que, se não foram solicitadas, nem sequer surtirão algum efeito. 

Claro, não podemos desprezar a existência do pecado por omissão, mas também não podemos nos tornar negligentes com nossa própria realidade. E aqui nem sequer cabe que eu use o plural: eu não posso me tornar negligente com a minha realidade. Se aquilo, de algum modo, fere meu sentido de verdade é porque algo em mim mesmo aponta que vivo uma realidade contrária aquela ali apontada. Com efeito a única alma que eu posso sujeitar a vontade divina é a minha. 

Que eu consiga ser um grande reformador, a exemplo de grandes mestres como São João da Cruz e Santa Tereza, mas da minha própria alma e, só então aí, se o conseguir, que possa tocar outros com meu testemunho, coisa de que duvido ser capaz dado o tamanho dos meus pecados e a da minha falta de virtudes. 

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Sonhos X Medo

Alguns dias atrás eu falava com um amigo sobre sonhos, e ele me contava contente as suas aspirações futuras e eu pensei então nos meus próprios sonhos. Costumo dizer que não tenho mais sonhos, mas isso não é bem verdade, o que acontece é que meu sonho é tão impossível que eu o guardei tão fundo no meu íntimo que se pode dizer que não sobrou nada mais o que sonhar.

E que lugar devem ocupar em nossas mentes esses sonhos impossíveis? Devem povoar nossa imaginação ou devem mesmo ser enterrados no abismo das nossas mentes? 

Mesmo enterrado entre vermes ele ainda sai para me assustar e, do brilho das câmeras e holofotes ele grita que fui, e nunca mudarei isso, incapaz de realizá-lo. Não deve haver lugar para ele na superfície. O espelho responde-me que melhor seria matá-lo de uma vez por todas, não permitir jamais que ele apareça. Mas eu continuo teimando, continuo insistindo de algum modo, seja na imitação da clareza bela que vejo ou na busca por um ideal inalcançável esse sonho continua me perseguindo, e a cada dia minha decepção comigo mesmo só aumenta, tomando patamares que eu pensava ser impossível. 

Preciso aceitar, de uma vez por todas, que isso não é para mim e sim para alguns felizardos escolhidos pelo destino, semideuses, não homens abaixo do padrão como eu. Homens como eu devem recolher-se a sua mais absoluta insignificância, e contentarem-se com isso, porque é tudo que merecem. 

Alguns eleitos podem gozar das glórias, dos sorrisos e abraços, das camaradagens e dos olhares ansiosos. Mas apenas os eleitos. 

Poderão as mulheres não os terem amado
Poderão ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
(Fernando Pessoa)

X

Mais uma noite em que ela se aproxima sorrateira e ameaçadoramente. Mais uma noite em que ela aponta uma arma pro meu peito e não puxa o gatilho, me deixando apenas na temeridade da morte. Mais uma noite em que ela me destrói sem me dar sequer a chance de me defender. Mais uma noite de terrores, mais uma noite com medo da minha própria sombra.

 "Que grande miséria é viver numa terra em que sempre havemos de andar como quem tem inimigos à porta e não pode dormir nem comer senão armado, em continuo sobressalto, pelo temor de que por alguma brecha lhe arrombem a fortaleza." 
(Santa Tereza D'Ávila)

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Contrição

"Não desanimei, portanto, quando vos acontecer cair, nem deixeis de procurar ir sempre adiante. Dessa mesma queda tirará Deus o vosso bem." (Sta. Tereza de Jesus)

As palavras da santa madre ecoaram em minha mente neste fim de semana quando me vi diante de tentações tão terríveis que minha alma se pôs em agonia, e maior ainda foi a agonia da culpa acometida depois do pecado. O horror em desagradar o bom Deus e a sensação de completo vazio que tentara preencher me deixaram em estado lastimável e eu me senti como o salmista ao dizer "saturada de males se encontra minh'alma" (Sl 87). E eu bem poderia ter me fechado nessa sensação de impura existência, como tanto tempo fiquei, a mercê de novas paixões, das mais baixas que o meu corpo pode querer. 

Felizmente a contrição se veio logo depois e, confirmando as palavras da santa madre, essa contrição se veio com mais virtudes do que antes, e tamanha foi a graça de ser perdoado novamente no sacramento da penitência, e receber as tantas graças que dali se tiram em proveito da alma que inicia sua caminhada. Voltei aos pés do monte, o qual devo subir uma vez mais, buscando não perder as graças que me foram concedidas mas, assim como os talentos dados aqueles serventes, as fazer multiplicar em minha alma na busca constante das virtudes e dos dons que agora posso adquirir, não por mérito meu, mas pela bondade que aprouve àquele que me perdoou e que me cumula de bens para seguir nesse caminho rumo ao jardim fechado onde se encontra o Amado de minha alma. 

A impressão que ficou em mim foi a do intenso vazio que senti após a queda, imaginando eu que me deleitaria no pecado quando, na realidade, o que a graça me mostrou foi a miséria em que caí. Da desgraça do pecado me veio a contrição para resistir as próximas tentações, que a graça me faça resistir firmemente, sem tornar a cair na lama das misérias humanas. 

Luto agora contra a tentação que é desejar ser querido pelas pessoas. Em meu íntimo eu queria ser importante aos olhos dos outros, queria estar rodeado de amigos e pessoas que me querem bem, mas eu sei que esse é um desejo perigoso. Primeiro porque querer ser bom aos olhos dos homens nos dias de hoje é frontalmente a vontade do alto, ser desprezado pelo mundo é sinal de que se faz o que é correto, pois o mundo renegou a Deus e a todos os seus, então no meu íntimo eu venho desejado ser aceito por aqueles que buscam nos destruir. É grande perigo para minha alma. Oh Deus não permitais que me perca nesses caminhos de glória, me conceda o mesmo desprezo que concedeu ao seu Filho na cruz, a fim de que, como ele, possa agradar o meu sacrifício. 

Eu devia então dar graças por não ser bem visto, por estar sozinho, devia agradecer pelo desprezo que tenho recebido, que me purifica e me mantém longe da vaidade tão presente nos famosos do meu tempo. Eles se concentram nas próprias glórias, e glórias vãs, e se esquecem de Ti. Que eu não tenha glórias e assim possa me lembrar ainda mais de Ti. 

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Sentido

Dias assim são os melhores, dias de sono, dias em que não preciso ver ninguém, pensar em problemas, só me entregar a letargia obscura, de braços abertos ao feitiço curativo do torpor. É melhor quando não faço nada, quando não digo nada, quando apenas o mundo segue em frente e eu continuo dormindo. É assim que as coisas deveriam ser. Quando eu não interfiro em nada as coisas dão certo. Não há expectativa, não há obrigações, há apenas a profundidade do ser. E é só isso. O deus do sono é um dos deuses mais lindos. 

X

Fiquei feliz simplesmente por estar perto de você. Não temos intimidade, não temos muito sobre o que conversar, mas simplesmente fiquei feliz por estar ali, e você estar por perto, com um sorriso tímido. Eu sou bobo por isso, uma coisa tão simples assim, mas me deixou feliz, uma pequena alegria em meio a tanta escuridão. Para quem habita nas trevas, o menor sinal de luz é fonte de esperança, mesmo que seja num oceano escuro basta ela estar lá para fazer brotar a esperança no coração. Será que meu afeto pode tocar você como seu sorriso me tocou? 

X

Eu não quero ler nada, os livros se acumulam em toda parte do meu quarto, parece que eu sou incapaz de reter o que quer que seja em dias assim. Não quero estudar e nem ouvir sobre coisas elevadas. Não quero conversas profundas, quero apenas me dedicar as histórias de amor ou me entregar de uma vez por todas ao sono que me encanta como o canto de um sereia me convidando para sua alcova mortal. Quero perder tempo com frivolidades, ouvindo musica, sonhando, perdido em devaneios em infinitas reticências. 

Eu só não quero contato com a realidade, isso é um crime? Estou muito errado em querer fugir pra um mundo de fantasia? Eu não aguento a sobrecarga da realidade, não suporto olhar pro mundo sem as lentes que me fazem crer que algo possa ser belo, que algo possa dar certo, porque olhar para o mundo com os olhos nus é ver a realidade crua demais pra mim, e é algo que eu não suporto. 

Umas frases soltas de músicas flutuam na minha mente, algumas tristes e outras mais felizes, e eu me sinto perdido em meio a elas, como se minha mente não conseguisse processar tanta informação, mas não é uma sensação ruim, é como se a musica me levantasse, me fizesse flutuar e eu pudesse me desprender das amarras que me prendem a esse mundo. Isso não faz nenhum sentido, e digo isso com um sorriso irônico nos lábios, mas é assim que as coisas são. E assim elas vão me levando, tal qual o canto da sereia, para um mundo onírico onde eu posso viver livremente. 

As minhas palavras podem não ter sentido mas, se a realidade não é obrigada a fazer sentido para mim por qual razão eu teria que fazer sentido pra ela? Manter-me acordado pra entender a realidade tem sido demais pra mim. 

X

Minhas noites têm se resumido a me cansar, a fiar acordado o máximo que posso para então adormecer sem me entregar ao desespero que há presente no meu peito. Se me deito cedo ele me domina, me destrói. Se estiver cansado o suficiente para dormir assim que chego na cama eu consigo descansar, e assim tem sido, noite após noite, sem que ninguém saiba, uma batalha silenciosa contra o desespero, contra o pânico e o terror que eu temo durante a noite. 

X

Parece que já senti tudo o que poderia sentir e que agora só sinto versões menores do que senti antes. Isto é, sinto menos do já senti, e não consigo sentir senão uma profunda descrença e desesperança sobre tudo. Isso porque olho ao meu redor, os amigos que ficaram, as visualizações, as pessoas que me cercam e isso me dá uma ideia do quão pequeno eu sou, do quão dispensável e eu penso mesmo que não faria diferença se não existisse, talvez fosse até melhor assim. 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Esperança X Medo

Devemos tentar sempre - me disseram - é tanto motivo pra desistir mas esse não é o bom caminho. E eu concordei. Mas concordei porque não sabia mais o que dizer, meu coração e minha mente distraídos em outras mil coisas. A realidade, no entanto, é que não concordo com isso em nada, e que já desisti há muito tempo, e isso não é nenhuma novidade. Eu vou vivendo agora um dia de cada vez, sem esperar muito, sem criar planos, sem aquele brilho no olhar das pessoas que ainda têm alguma expectativa. E eu não tento mais, estou cansado de tentar e falhar, estou cansado de empreender tanto esforço e morrer na praia, estou farto de correr atrás e não chegar a lugar nenhum. 

Para pessoas como eu a esperança é causa de dor e decepção e não uma força que me impele a seguir em frente, antes disso, sempre que uma centelha de esperança se acende em mim eu penso logo em como ela poderá me destruir mais tarde, como sempre acontece. A esperança acende a chama que me transformou em cinzas, e enquanto os outros riem e postam nas redes sociais as fotos das suas vitórias eu tento renascer das cinzas que me tornei. 

X

Não, eu não aguento outra crise em tão pouco tempo. Ainda antes de ontem eu pelejava contra uma das piores crises de pânico que já me acometeram. Os músculos do meu pescoço travaram e minha boca travava até quase o limite da abertura provocando uma dor intensa, eu não conseguia falar e minha respiração se descontrolou, eu não sabia onde estava ou o que estava acontecendo e só depois de muitos minutos eu consegui me acalmar lentamente e entender o que se passava. As dores pelo corpo permaneceram no dia seguinte e a sensação horrível de que a qualquer momento eu poderia ser destruído de novo. Me sinto péssimo só em imaginar, é um inferno para o qual eu nunca gostaria de retornar, do qual estremeço em me lembrar. E ela parece estar aqui, em algum lugar abaixo da minha garganta, esperando o momento de vir à tona novamente, e é claro que eu fico com medo, e isso só faz aumentar a sensação de que ela está voltando. É horrível, e será uma longa e dolorosa noite. 

"Já em mim o alento se extingue, o coração se comprime em meu peito." (Sl 142)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Tarde


Essa tarde não será vivida
passarei nos braços do deus do sono
cujo amplexo é o de meu amado

A noite quem sabe despertarei
para de Nix ver o reinar
mas outra vez a Hipnos hei de abraçar

Quem ousaria me dizer o contrário
que essa vida vale a pena ser vivida
se das minhas dores só as sinto eu
e só eu sei o que vi da vida?

Ébrio de sono eu torno a minha alcova
lânguido e escuro, e sobre o cair da tarde
meus lábios murmurarão em sussurro:
Essa tarde não merece a vida.

Até outro dia quem sabe
em que obrigado a ser desperto eu seja
e obrigado a enfrentar a vida 
eu peleje contra a morte

Sendo que da morte eu vejo o manto
já há muito me cobrindo a face
mas deixando de fora minhas mãos
e é por isso que ainda não adormeci de uma vez por todas

Compassos e ligaduras me fazem companhia
sopranos e contraltos cantam a minha poesia
e eu adormeço lentamente
nos braços de toda essa sinfonia

Do zolpidem a sugestão
o abraço apertado das gotas de rivotril
ao leque refrescado da ciclobenzaprina
ao sono leve da dexcloferniramina

Meus companheiros vão comigo,
para a terra distante, onde sonharei com o Eros
e o deus primordial me ensinará os segredos
do amor que constituiu o mundo e a mim

De todo esse mundo me despeço
e a música é a minha última companhia
que da minha quimera assiste o enterro 
sem outra luz nem guia.

O melhor a se fazer é ir me deitar
antes que do coração o ímpeto incontido 
se manifeste a declarar

Antes amarrar-me a dopada candura
que mais humilhação buscar

De todo esse mundo me despeço
e a música é a minha última companhia
ao jardim fechado me conduzindo
e ao peito florido do amado me deitando.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Uma voz


"Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar." 
(1Pd 5, 8)

Pouco a pouco eu vou conseguindo identificar os sinais, conforme vai se aproximando a noite escura a sensação de pânico se torna crescente. É como um relógio, uma contagem regressiva, que se ativa na minha cabeça e a cada tic-tac parece que eu vou me aproximando mais do fim. 

Mesmo sabendo que ele não vem é como se viesse, e esse prenúncio macabro é como o crescendo de uma orquestra, que vai aumentando lentamente até tomar todo o salão numa apoteose vigorosa, sendo a apoteose o momento mais crítico, aquele em que o desespero está me dominando por completo, me destruindo na mesma velocidade em que cresce e se espalha. 

Mas, ao contrário da orquestra, a música que toca não é bela, antes disso, é uma valsa macabra que anuncia a minha morte. 

Percebi que isso piora conforme a crise depressiva se aproxima, e se agrava ainda mais quando ela chega mesmo, naqueles dias em que eu já não consigo ver a luz. 

Em alguns dias, como ontem por exemplo, mesmo chateado eu ainda via a luz, meu corpo ainda respondia aos meus comandos, eu conseguia andar, falar, responder, conviver. Mas em outros dias, como começa hoje, eu vou me afogando num oceano que me engole, afundando lentamente, até que a luz na superfície desapareça. 

As vezes eu escuto uma voz, dizendo que vai ficar tudo bem, mas como a luz ela vai ficando mais distante, e cada vez mais vai sumindo até que eu não escute mais, e então ela desaparece e dá lugar a outra voz, e eu não tenho coragem de repetir aqui as coisas que ela me diz. Eu só queria que ela sumisse, mas ela só é silenciada brevemente, e logo depois retorna, e fica atrás de mim o tempo todo, me ameaçando, anunciando a minha morte. 

E eu fico a espera pois se ao menos morresse a voz cessaria.

No meu caminho


"Não pequena lástima e confusão é não nos entendermos a nós mesmos, por nossa culpa , nem sabermos quem somos." 
(S. Tereza de Jesus)

Oh, quisera eu conseguir perscrutar os recantos mais remotos do meu ser em verdadeiro exame de consciência, descobrindo as imundas criaturas que habitam meus vícios e que eu nem mesmo conheço. Sou devorado por elas e padeço os efeitos de seus venenos sem nem ao menos perceber. 

Quisera conhecer a mim mesmo a ponto de conseguir corrigir o que de errado há e que me impede de avançar, porque isso verdadeiramente eu percebo, que estou longe do meu objetivo, mas que não caminho, senão que estou parado, perdido na areia movediça das almas, chafurdando na lama. 

Por mais que busque, momentos de reflexão e contemplação, por mais que tente me deter em boas leituras e povoar minha imaginação com belas imagens do amor, por mais que eu tente ainda me encontro sujo de toda a podridão que absorvi do mundo e que tapam a minha visão para o que há de belo e verdadeiro. É como se olhasse para um belo quadro, plasmado das mãos dos próprios anjos, com areia nos olhos. Nada vejo senão que me distraio com toda a dor e incômodo que me causam não conseguindo, no entanto, tirar a areia para vislumbrar as belas pinceladas que estão diante de mim. 

Oh que tristeza essa a que padece a minha alma, paralisada em si mesma mas sem aprofundar-se no oceano que há em mim. E não sendo mais do que sou, não consigo evoluir, não consigo chegar a frente. E como poderei eu guiar alguém nesse caminho se eu mesmo me sentei à beirada da estrada e desisti de caminhar? 

Mas eu quero seguir, e quero encontrar os tesouros que procuro e que sei que estão no fim dessa jornada, me esperando no final da estrada. Mas que longa estrada, que não seria tão longa assim se me fosse dada a coragem para trilhá-la. 

Vivendo eu em eterna noite escura não consigo ver a luz do sol que sinto me aquecer a pele mas que não ilumina meu caminho com clareza maior que a do meio-dia. 

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

A verdade desse mundo

Não consegui dormir ontem, mesmo depois de altas doses de remédios calmantes, graças aos cumprimentos barulhentos da minha família que parece encontrar prazer nos sons altos e irritantes. Além de me deixar com uma tremenda dor de cabeça eu fiquei irritadiço, e desde ontem me sinto nervoso com tudo, prestes a explodir ao menor olhar. 

Odeio me sentir assim, e sei que a cada dia me torno mais dependente desse sono que os remédios produzem, cada vez mais dependente dessa modalidade de fuga da realidade, cada vez mais desprezando o mundo ao meu redor e todo o barulho que o cerca. 

E parece-me, em dias como esse, que tudo se constitui de barulho, a beleza anuviada por um véu de confusão, o mundo repleto de caos encobrindo aquele fundo de ordem que há por trás de todas as coisas mas que não se revela de modo algum ao homem senão em ínfimos sinais, que só podem ser percebidos por quem se esforça para enxergar para além da cortina de ferro que recobre a realidade. 

Somos condenados a essa visão desgraçada do mundo, um mundo desperto e revolto, impetuoso em seus rugidos demoníacos que nos estremecem até o tutano. 

Só queria poder ignorar a realidade, que mesmo na noite escura se revela diante de meus olhos com frieza sem igual. Eu não queria ver nada disso, mas ela ainda se mostra a mim. Eu só queria adormecer, tranquilamente e sem preocupações, no jardim secreto do meu coração e sentir a brisa amena em meus cabelos, por entre as açucenas olvidado, sem perturbações na superfície do límpido lago que ali se encontra. 

Mas parece-me, cada dia mais, que o mundo busca apenas a minha completa loucura. E trabalha avidamente para isso em cada um de seus sons aterrorizantemente altos e assustadores. O demônio insiste em me enlouquecer com barulhos e distrações ensurdecedoras. E eu só queria paz, mas parece que não há paz nessa terra, apenas o desgosto que se renova diariamente em cada pequena manifestação do caos. É uma realidade maldita que não existe por outra razão a não ser nos levar a essa mesma loucura. 

Como um martelar demoníaco ela golpeia impiedosa e repetidamente, destruindo tudo um que um dia pretendeu ser um edifício de razão. E resta apenas a loucura, quente e animada, como um carnaval nas ruas do inferno, onde o próprio capeta dança alegremente guiado a turba ruidosa por entre os círculos mais profundos da Judeca, às margens do Cócito. 

E amanhã tudo se repetirá sendo Hipnos o único a poder lançar algum raio de esperança nessa terra condenada. 

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Onde não há paz

"O inimigo persegue a minha alma, ele esmaga no chão minha vida e me faz habitante das trevas." 
(Sl 142)

Eu só queria dormir um pouco, escapar da realidade como habitualmente, mas até essa pequena consolação me foi tirada. Parece que eu não mereço tranquilidade nem no meu próprio sono. Parece que não existe lugar para mim no mundo, onde quer que esteja estou desalojado, estou exilado nessa terra de males e de barulhos, onde demônios lutam em bravas batalhas indefinidamente. Me sinto no mundo das bestas que guerreiam, onde não há paz, há somente asuras, ira, orgulho, paixões desenfreadas. 

E eu desejo me purgar desse mundo. Desejo mais do que tudo me libertar dessa experiência terrível, desse mundo opressor que me sufoca e que me golpeia por todos os lados. Queria dormir e não mais acordar, me perder na eternidade do não-ser, flutuar indefinidamente no oceano do vazio, sem ouvir os gritos e s golpes de espada daqueles que batalham. 

Mas ao que parece enfrento já aqui minha condenação. Sem alento, sem consolo, sem paz, apenas uma alma inquieta que perece diante do próprio vazio e dos demônios que a rodeiam procurando devorar. E eu que cá habito essa terra de males só posso gemer enquanto sou destruído, esmagado, contínuas vezes por meus inimigos que tentam tirar de mim as únicas e parcas alegrias. 

E ninguém sabe o inferno que é estar desperto o dia todo para mim. Ninguém entende que os únicos momentos em que consigo apaziguar as chamas que constantemente abrasam o meu ser é quando durmo ou mergulho nas histórias de outros mundos, de mundos felizes porém irreais. A única felicidade real que eu tenho é a do sono, aquela que querem me privar. Querem me matar, e eu não os culpo por isso, pois eu também quero morrer, mas só queriam que o fizessem rapidamente, sem prolongar ainda mais meu sofrimento, que já aqui parece eterno. 

domingo, 2 de janeiro de 2022

Da vileza

A sua natureza não é fraca
És vil
tola, torpe

Não és filho
és castigo
flagelo

Não és merecedor 
de prêmio eterno
mas de fogo e ferro

E assim cai
no grande abismo
no inferno

Olhando a si mesmo
vendo monstro no espelho
sendo também por dentro

Não dorme em desespero
exaspera-se em si mesmo
anseia pelo derradeiro

A sua natureza não é fraca
você que é monstro
você que é falha

E então espera
pela tua paga
finalmente morto, sua praga

sábado, 1 de janeiro de 2022

O Amanhã

Foi com frieza no olhar que eu virei pra minha mãe e disse que já me via no fim da vida, sem nenhuma perspectiva de futuro. E eu disse isso porque é verdade, eu não tenho nenhuma perspectiva, e isso é algo forte pra se dizer no início do ano porque é quando as pessoas estão cheias de novos propósitos, de novas perspectivas de futuro, mas não pra mim, eu só vejo névoa a minha frente, e sinto que qualquer passo que dê eu vou cair no abismo. Não tenho perspectiva, não tenho abrigo, não tenho esperança, não tenho futuro. Só escuridão. Um oceano vastíssimo que se abre diante de mim, e eu a boiar numa única bolha de claridade, tudo o mais sendo do mais escuro breu. E isso é tudo o que vejo no meu futuro. O que um dia foi uma perspectiva de brilhantismo se tornou opaco. E tudo retorna ao nada. E o nada é tudo quanto há. 

É que olhar pra frente pra mim não é nada mais do que isso. Eu não consigo fazer planos como os outros, não consigo criar metas, pensar no que posso querer, no que devo fazer, eu só consigo pensar do que não quero e eu sei que não quero essa vida, apenas isso, viver me custa muito, e por isso eu digo não ter perspectiva senão o nada a minha frente. É com cético pessimismo que eu encaro todas as possibilidades. Queria muito ter aquele otimismo no sorriso e desejar que as coisas melhorem nesse ano, mas não acho que esse vá ser o caso. Será que com isso eu estou atraindo mais coisas ruins? Se for assim, quando eu era um otimista apaixonado, o que trouxe as malfadadas experiências que me deixaram assim? Não acredito que o universo devolva nada, ele é absolutamente indiferente a todos nós, e mesmo assim a existência é uma droga.

O que o amanhã reserva? Incômodos encontros, uma saída dolorosa da cama, horas intermináveis acordado, esperando ansioso a hora de ir dormir de novo, é só isso que o amanhã reserva. 

Talvez todo meu pessimismo quanto ao amanhã seja porque eu não estou preocupado realmente com ele, mas com o que está para além do amanhã, eu penso no depois, e então me estremeço, e sinto minha alma se remexer, inquieta, como dizia S. João da Cruz, "de amor em vivas ânsias inflamada", é assim que me sinto inflamar, enquanto o aqui e agora não me é mais do que oportunidades de quedas e de chafurdar no lamaçal malcheiroso do pecado. Não, o que eu quero viver não é o amanhã, mas o que vem depois dele.