sábado, 30 de julho de 2022

Dessa escuridão

É uma noite de sábado bastante melancólica, e a cidade está em polvorosa, parece que todos estão animados para conversar e sorrir a noite toda. Eu, no entanto, não saí da cama o dia inteiro, não consegui encontrar nada que fizesse valer a pena de me levantar. Já rodei e fiquei em várias posições, já fechei os olhos e me concentrei na música, no meu corpo, na voz do meu professor, mesmo assim nada adiantou, e agora a noite eu mergulhei ainda mais fundo numa profunda tristeza, o desânimo como que recobre cada fibra do meu corpo, infestando minha carne até o tutano.

Mas enquanto todos estão ao redor de uma mesa de bar, ouvindo sertanejo e bebendo cerveja feita de xarope de malte, eu estou num beco escuro e úmido, perdido entre pensamentos sem sentido e o som distante reverberando em eco no meu vazio.  

Eu acho que queria estar lá fora, bebendo e contando histórias, mas ao mesmo tempo eu não queria, eu só queria dormir, adormecer tão profundamente que nunca mais tornasse a acordar, que nunca mais visse a luz, queria abraçar de vez essa escuridão que volta e meia aparece no meu coração. Hoje, se olho para dentro de mim tudo o que vejo são trevas, um imenso vazio, e o pior é que eu nem mesmo consigo dizer o que é que falta em mim. 

Tudo que consigo fazer é balbuciar, como uma criança irritante, sem saber o que quer mas incomodado com tudo mesmo assim. Até a luz da tela machuca meus olhos, a escuridão do meu peito é como a penumbra do meu quarto, ou seria o contrário? Eu sei que isso revela uma baixeza de espírito tremenda, pensar de modo simbólico desse modo, fazendo um dos símbolos naturais básicos, a escuridão, um reflexo dos meus sentimentos, da minha percepção imediata, mas é apenas isso que eu tenho essa noite. 

Em algum lugar grandes mentes discutem propostas elevadas, e eu admito que não entendi tudo o que me disseram nas últimas aulas, mas eu já estou habituado ao estado de dúvida, e não me incomodo mais, pelo contrário, reconheço que isso é apenas a estrutura mesma da realidade. Mas eu não consigo deixar de me perguntar se a vida é apenas isso, essa desilusão recorrente, histórias que nunca vão acontecer... E eu mesmo respondo que isso já é alguma coisa, as histórias acontecem, e estão acontecendo no momento mesmo que eu as vejo em minha imaginação e enquanto elas constroem a minha inteligência. 

No entanto, mesmo assim, se olho para dentro de mim, ainda vejo um enorme vazio a ser preenchido e eu nem mesmo sei o que posso colocar aqui. 

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Solitária alma


A casa tem andado movimentada nos últimos dias e claro que isso me deixou um pouco mais introspectivo que o habitual. Eu simplesmente não consigo ficar muito tempo conversando e as pessoas falando alto sobre qualquer coisa me incomodam, como resultado eu fico quietinho no meu quarto fingindo que não existo e torcendo para ninguém sentir a minha falta. Felizmente eu já sou conhecido por ser sem graça e uma companhia nada interessante, inclusive meus antigos amigos partilham dessa opinião, e por isso ninguém se esforça muito em me ter por perto, ai fico feliz e eles também. 

Até parei para pensar um pouco nos motivos dessa atitude. Poderia ser arrogância da minha parte? Certamente esse elemento está presente, eu não me atreveria a negar, porque já há muito tempo as conversas amigáveis demais não tem despertado em mim nenhum prazer, eu me canso rápido, e por isso algumas pessoas pensam que eu as menosprezo, o que não é bem verdade, acontece que se é pra falar e não ser compreendido eu prefiro ficar quieto a ser motivo de confusão. Eu não me interesso pelo que os interessa e eles também não se interessam pelo que é importante para mim, logo não há ponto de encontro, é melhor uma educada distância. 

Nesse momento eu experimento uma solitária rotina de estudos, não encontro par que possa conversar, e nem estou buscando pessoas para falar de assuntos de elevada inspiração, nada disso, eu apenas não quero me perder em horas e horas de conversas sem nenhum aproveitamento. Quantas noites intermináveis eu passei a falar dos outros, a comentar tantas futilidades e inutilidades, criando em mim a falsa sensação de superioridade? É melhor que me cale. 

Logo mais outros vão chegar, eu vou sair, falar com todos rapidamente e voltar ao meu quarto, eu não consigo de modo algum me conectar com essas pessoas, na verdade não consigo mais me conectar com ninguém. Às vezes tenho a forte impressão de que todos vão ver o mesmo que eu, e por isso digo coisas que me parecem óbvias, e não estou me referindo a nenhum conteúdo específico de filosofia ou religião, mas logo percebo que não, só eu vejo as coisas desse modo, e então eu prefiro ficar quieto. Quantas vezes, por exemplo, já expliquei a minha mãe que é comum perder o sono durante episódios de mania? Ou que simplesmente não quero sair da cama em episódios depressivos? E ainda assim ela insiste em perguntar o que há de errado cada vez que isso acontece, como se pudesse ser culpa dela de algum modo. Da mesma forma ela sempre se vê preocupada com as atitudes da minha irmã e sua falta de responsabilidade, mas se recusa a ver que isso é fruto da falta de limites em casa, e isso é óbvio para qualquer um e ela ainda se recusa a ver, então por qual razão eu me cansaria falando? Igualmente é assim com todos os outros, parentes e assuntos. Não vejo razão para me obrigar a sair e conversar, seria apenas um desperdício de energia. 

Inicio esse parágrafo após a saída de alguns, minha mente está em parafuso, as conversas altas, a casa pequena, tudo isso me deixou mais perdido do que eu esperava, agora eu preciso de uma longa noite de sono, não sem antes um longo momento de silêncio e solidão, para então voltar a conseguir pensar algo. É bem angustiante sentir a cabeça girar pelo simples fato de não conseguir lidar com um volume tão grande de informações, pra ser sincero eu não sei como me tornei professor sendo que é exatamente isso que acontece numa sala de aula. Muito embora eu não duvide da minha vocação de ensinar eu duvido que seja no formato tradicional, falando para dezenas de jovens alucinados e inquietos, qualquer ambiente com esse nível de exasperação me deixa enjoado. 

Anseio agora por descanso, e quem sabe algumas gotas de Rivotril, qualquer coisa que me ajude a tirar um pouco de tudo isso da cabeça. Confusão, se fecho os olhos o que vejo é um amontoado de imagens desconexas: um jardim escuro, uma fonte que corre sem que se possa ver seu fundo, flashes de pessoas e vozes, um grande deserto, um quarto austero de mosteiro, uma sala de aula, e tudo isso se funde e confunde. Na solidão a alma vê-se confrontando tudo ao mesmo tempo, e sozinha ela experimenta seu calvário. Não há muito que eu consiga fazer. 

terça-feira, 26 de julho de 2022

Abismo de Compaixão

É interessante como a profundidade do simbolismo pode servir-se de um mesmo símbolo para se referir a experiências ruins quanto as mais elevadas. Num belíssimo hino mariano nós nos referimos a Maria Santíssima como "abismo de compaixão", o abismo é, normalmente, associado a queda e ao pecado, no salmo mesmo canta-se "das profundezas eu clamo a vós, Senhor" (Sl 129) e assim entendemos que trata-se das profundezas do abismo do pecado e da morte, é de lá que urge essa oração do pecador contrito que reconhece-se pequeno e então eleva sua alma em prece. Mas, quando nos referimos a Maria como "abismo de compaixão" nós estamos falando de outra realidade. Como mãe que abre seus braços para receber o filho que retorna ela o envolve em amor tão grande, tão intenso que ele se vê engolido por um abismo, por um amor tão profundo que o recobre dessa compaixão por todos os lados. Assim como alguém que cai em um abismo e nada vê além da profunda escuridão, nos braços da mãe ele não vê mais nada além daquele profundo amor. Mesmo sendo um abismo ali há luz que guia com mais clareza que a do meio-dia. 

Em momentos como esse é bom meditar as nossas quedas e oferecê-las ao Pai por intermédio da Mãe, só assim, só com essa sinceridade de coração podemos nos apresentar diante D'Ele. 

Por isso que nos últimos dias eu venho tentando fazer dos meus sentimentos e pensamentos ruins uma oração a Deus. Todo meu rancor, a dor que eu tenho vontade de causar a quem me machucou, eu ofereço isso a Deus, porque ele sabe que isso está em meu coração e, quando Maria então pega isso, que é o que há de mais baixo em mim e entrega ao Pai, ele pode transformar isso no que seja de melhor proveito para mim e meus inimigos. Já que eu não posso fazer o bem, entrego meu mal e então dele Ele tira o bem. Transforma-o. 

É aí que me lanço nesse abismo de compaixão, pois eu mesmo não sou digno de me aproximar Dele, é melhor que vire o olhar, já que tudo que tenho a entregar é esse rancor, esse ódio. Mas no abismo do Coração de Maria, naquele coração transpassado pela espada e coroado de flores perfumadas, eu sinto isso se transformar em amor, pouco a pouco transformando a mim, a imagem e semelhança Daquele Sagrado Coração. É aqui que, me entregando a ela, me apresento diante D'Ele. 

domingo, 24 de julho de 2022

Noite e desesperança



Uma ligeira mudança de planos na rotina noturna, um ímpeto que me surge no peito crescendo em ardor e se inflamando pela luz prateada e o vento frio que entra pela janela. Fiquei tocado pelo drama de um episódio que estava assistindo, os sentimentos conflitantes do protagonista que, sentindo-se traído, tenta esquecer o homem que ele ama e ao mesmo tempo odeia. Seu olhar que antes era de doçura e alegria por acordar e vê-lo ao seu lado naquele quarto iluminado de hotel agora é só vazio e escuro como a noite solitária. A xícara que caiu e se quebrou foi um símbolo do seu coração, tantas vezes despedaçado por aquele que lhe trazia calor e aconchego. 

Ele será capaz de voltar a amar? Acho que ele não deixou de amar mas apenas trancou o que sentia bem fundo no próprio peito. É, seus olhos gritavam isso quando ele pediu, de uma vez por todas, que o outro o tirasse de sua vida. Ele só não queria mais sofrer, e eu entendo, entendo bem ele que agora se sente rejeitado e usado por alguém a quem ele confiou seu coração num momento de imensa vulnerabilidade. 

E então me pergunto se eu terei condições, principalmente disposição, de seguir em frente. No momento eu espero me mudar, não faz sentido procurar nada aqui quando minha intenção é ir para o outro lado do país, mas e quando chegar lá? Eu preciso me estabelecer primeiro, conseguir um emprego, e então eu posso me abrir, não posso continuar para sempre desacreditado do amor, posso? Mesmo que eu esteja com medo e não queira mais me cansar tanto quanto já me cansei, e aqui me lembro da noites em claro, gemendo e pensando em pessoas que nunca se importaram comigo, quando me curvava de dor por causa da intensa ansiedade que me percorria cada fibra de meu ser. 

Sempre em noites como essa eu sou tomado dessa inflamação das paixões e, com um sorriso no rosto, eu imagino tudo aquilo que seria um sonho perfeito para mim: uma aparência perfeita, com cabelo e pele sem nenhum defeito como os atores e modelos que sigo, alguém que goste de mim e que fique ao meu lado e eu finalmente conseguindo entender algo do mundo, por mais mínimo que seja, e conseguindo passar isso adiante. A imagem do homem belo é meu ideal a ser alcançado de algum modo, mesmo sabendo que ele não existe. 

Mas existe de certo modo, seja nas telas mostrando o bem distante em sua perfeição ou numa breve aparição, onde em alguns segundos a imagem se fixa na minha mente e permanece, bela e intacta, como um belo quadro pintado por um serafim que contempla a beleza divinal. Assim eu olho para eles, tão belos quanto os anjos do céu e tão inalcançáveis quanto eles também. É assim com uma lista imensa de nomes, como Hwang In-yeop, Song Kang, Park Bo Gum, Choi Byung-chan, Nunew, Fluke Natouch, Petch Chanapoom, Kao Noppakao, Ohm Thitiwat, Ohm Pawat, Bank Thanathip, Mark Twain, Peak Peemapol, Boom Krittapak, War Wanarat e Yin Anan e tantos outros...

E então é aí que eu volto o olhar para o céu e contemplo a imensidão azul salpicada de pequeninas bolinhas brilhantes, me dando conta da minha pequenez e de como isso é apenas um sonho vazio, sem nenhum fundamento na realidade e que eu, na verdade, sou apenas uma mentira, uma pessoa sem perspectiva nenhuma e que perdeu toda e qualquer esperança no futuro, apenas esperando que o mundo dê cabo da minha vida já que seria pecado fazer isso por minha conta. 

Posso então me voltar para algum rosto angelical que está do outro lado do mundo, a distância que há entre mim e a felicidade é ainda maior que a distância entre mim e qualquer um deles. De qualquer modo, sonhos mundanos são sempre vazios, a verdade é que tudo que eu queria era ver em mim acesa novamente a chama da esperança, queria poder olhar pela janela e ver algo além de uma imensa preguiça da minha própria existência...

sábado, 23 de julho de 2022

Resenha: Star and Sky - Sky in Your Heart

Contém SPOILERS!

Dando continuidade a história de Star and Sky, esse segundo arco traz a relação entre o irmão mais velho de Daonuea (Dunk Natachai), o Dr. Kuafah (Mek Jirakit, de The Player) que, após sofrer uma desilusão amorosa e ser convidado para o casamento de sua ex, acabou se envolvendo num acidente de carro por dirigir embriagado, então ele e seus dois amigos são forçados a ir para uma pequena aldeia no interior onde farão trabalhos voluntários pelos próximos meses. Lá ele conhece o professor Prince (Mark Jiruntanin), um doce educador que, no entanto, acaba achando Kuafah fútil e por isso algumas faíscas surgem entre eles. 

Ainda sob a direção de New Siwaj (do Studio WabiSabi) nessa produção da GMM TV nós temos uma mudança de ares, se o primeiro arco se passou em nos corredores da universidade e em bares da noite de Bangkok, agora temos uma montanha no interior do norte da Tailândia, há algumas horas da cidade mais próxima onde quase não há nem sinal de celular. 

O primeiro choque de Fah e seus amigos é justamente com essa nova realidade, eles que viviam na maior cidade do país agora precisam se virar sem energia elétrica ou água encanada, enquanto Prince parece super adaptado e confortável ali, mesmo sendo de fora também mas respeitado por todos os moradores. Entre bebidas e brincadeiras o festeiro Kuafah vai precisar mostrar a todos a sua responsabilidade como médico e logo vai perceber o peso desse trabalho num lugar onde as pessoas dificilmente tem acesso a esse serviço. 

Embora não se aprofunde tanto nisso quanto a predecessora A Tale of a Thousand Stars ainda conseguimos ver o crescimento do personagem em contato com uma realidade tão diferente. Especialmente depois que ele começa a gostar de Prince, fazendo o possível para mostrar ao outro que ele realmente pode ser responsável, tanto com seu trabalho quanto com seus sentimentos. Prince, embora pareça rígido e sério também tem um coração doce, depois de algum tempo e alguns desentendimentos ele começa a entender também Fah. 

O médico, que parece ser só brincalhão e despreocupado, na verdade é alguém que se preocupa tanto com o trabalho que por isso acabou sozinho, já que não dava nenhuma atenção para sua namorada, e Prince consegue ver nele essa dedicação e preocupação para com seus pacientes, desde uma pequena garotinha com o joelho ralado até um senhor com dificuldade para lidar com a perda de uma pessoa importante que acabou no alcoolismo. Ver esse lado mais humano de Fah faz Prince abaixar um pouco a guarda com relação a ele. 

Embora tenham começado sua relação entre desentendimentos o professor e o novo médico da aldeia passam muito tempo juntos, o que permite que eles se conheçam melhor. Fah consegue ver o lado mais frágil do outro e então pode agir de forma mais preocupada, se aproximando do coração dele. 

A história é leve e divertida, mesmo entre as brigas dos dois. O humor é comedido e temos algumas situações bem engraçadas envolvendo os amigos de Fah, Mesa (Arm Weerayut) e JJ (Mike Chinnarat) e também Ou (Toptap Jirakit), que é filho do chefe da aldeia e também está interessado em Prince. Mênção honrosa aqui pra rápida aparição de Aun Napat como Sinsia, ex de Prince, com a importante missão de fazer os protagonistas aceitarem seus sentimentos. 

Se no primeiro arco a história de Daonuea e Khabkluen (Joong Archen) a palavra chave era comunicação, ou a falta dela, aqui nós temos a construção da confiança. Descobrimos que Prince saiu de um relacionamento difícil onde seu parceiro não tinha tempo para ele e por isso ele se sentia negligenciado e agora tem dificuldade para confiar nos outros. Fah passou pelo sentimento de ter sido deixado mesmo estando fazendo com afinco o que era mais importante para ele: cuidar dos outros, e por isso tornou-se irresponsável, temos então um ponto de tensão entre os dois que é explorado justamente na capacidade que as pessoas têm de mudar quando necessário. O médico mostra sua responsabilidade para com Prince e os outros enquanto Prince resolve se abrir mais uma vez. 

Também é importante mencionar a bonita relação entre Kuafah e Daonuea, desde o primeiro arco e aqui com mais força ainda vemos o quanto os irmãos se importam um com o outro e como ambos são um porto seguro para eles. Fah liga para Dao todas as noites, o que inclusive desperta ciúmes em Prince assim como Kluen ficou com ciúmes antes de saber que eles eram irmãos, e Dao é compreensivo e consegue enxergar no irmão o que os outros não conseguem, inclusive aconselhando-o quando necessário.

Com uma história de narrativa ágil, divertida e leve Sky in Your Heart não traz tanta tensão quanto o primeiro arco, que realmente trabalhou mais pro lado dramático do romance, aqui tendo destaque todo o jogo da conquista e a construção da confiança, compensando com um amadurecimento mais patente dos personagens. A trilha sonora também continua bonita, com a faixa principal sendo cantada pelo próprio Mek, não tão boa quanto a cantada pelo Joong no outro arco, mas ainda assim bem gostosinha de ouvir, ótima pedida para aquela playlist para momentos tranquilos. 

Nota: 9/10

quinta-feira, 21 de julho de 2022

De uma vontade, entre a carência e o afeto

A minha mente está um pouco confusa, depois de dois dias sem dormir por entrado numa fase de hipomania. Além de ter exagerado no consumo de conteúdo numa maratona de dorama e em três documentários seguidos sobre a história da educação, eu ainda recebi visitas de vários parentes ontem, o que me obrigou a, pelo menos, ficar por perto e sorrir e responder algumas perguntas... Ouvir o primeiro comentário de alguém que não me vê há muito tempo dizendo que eu engordei (como se eu não tivesse percebido os 15kg sobressalentes). Mas enfim, entre infindáveis horas de conversa despretensiosa e ser obrigado a ver um capitulo da novela que falava de casamento onde ouvi as piores atrocidades sobre a Igreja e o sacramento. Depois me recolhi, ouvi uma aula e fui tentar dormir, em vão, só conseguindo pegar no sono no início da manhã...

E claro que nesse ínterim me vêm pensamentos de diversas ordens: súbitas compreensões de trechos e problemas que eu não tinha entendido e que agora começam a se relacionar melhor e compor o meu horizonte de consciência. Mas também imagens de outro tipo, como uma noite de filme, a pessoa querida do meu lado com cheiro de sabonete e um pijama confortável e um filme romântico doce e leve com uma mensagem simples porém verdadeira. A cabeça dele repousando em meu peito, meus dedos acariciando seu cabelo, apenas isso, sem demandas sexuais nesse momento, apenas a companhia agradável. Verdadeira companhia. Um abraço apertado e um beijo sincero.

Mas são apenas devaneios provocados pelo charme da minha dopada candura em tomar remédios que deveriam ser usados para apagar pacientes em hospital como se fosse bala. Nesses devaneios sempre há homens perfeitos, virtuosos, belos, compreensivos. Mas a realidade é seu total oposto. Não preciso me alongar em dizer que isso é feito para inspirar a busca pela verdade e não apenas impressionar como fim em si mesmo na contemplação de uma utopia. 

Surgiu então, no auge dos efeitos dos remédios que já me deixam tonto, que eu nunca sou suficiente, não o bastante, por mais que me esforce, dedique tempo e carinho ao outro eu nunca consigo a reciprocidade desse sentimento. Mas então percebi meu erro: eu faço todas essas coisas esperando ser retribuído por elas, não é amor verdadeiro, que não espera nada em troca "ah, sem contar eu dou pois convencida de que quem ama não sabe calcular" disse Santa Terezinha, e percebo que eu venho justamente calculado o amor que eu dava esperando outro em troca. Eu é que não sei amar e tenho esperado dos outros esse amor.

Meu próximo passo é buscar compreender no íntimo como eu posso mudar isso, fazer o bem a quem amo sem esperar nada em troca pois se, dos homens não vier nenhuma recompensa, virá do Alto, em quantidade maior do que posso imaginar até mesmo em meus maiores devaneios. Eu preciso aprender a amar. 

"Oh, feliz é quem padece sem apego a seu sofrer, para mais amar quem o fere, só buscando a si morrer." (São Paulo da Cruz)

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Do ideal

Foi mais uma noite insone, e eu sei que deveria parar de citar isso nos meus textos como se fosse uma informação realmente importante, e eu acabo de ver o sol nascer enquanto ouvia algumas músicas do Jeff Satur e admito que foi uma bela visão, o silêncio da madrugada pouco a pouco dando lugar ao piado distante dos pássaros e o azul escuro dando lugar ao laranja e depois a um azul clarinho da manhã preguiçosa. Passei a noite toda assistindo Business Proposal, e isso porque eu comecei no intuito de ver só um episódio, acabei vendo oito, bom, de qualquer modo eu não tinha nada melhor para fazer afinal desde ontem já sentia a minha cabeça doer muito, um sinal de que o episódio misto que vinha se prolongando nas últimas semanas ia dar lugar a uma nova ciclagem, e é interessante notar como eu também digo isso como se ter Transtorno Bipolar fizesse de mim alguém psicologicamente interessante e não apenas mentalmente desequilibrado. 

Mais uma vez eu me vi apaixonado pelos atores e pelos personagens, a Coreia sempre criando um padrão de relacionamento numa proporção ridiculamente exagerada e deixando nós, pobres mortais, com a sensação de que nunca vamos encontrar ninguém parecido, e não vamos mesmo. Homens lindos, inteligentes, educados e preocupados como os dos doramas não existem, são apenas uma idealização que serve, no máximo, para formação do imaginário com o objetivo de buscar a virtude de forma a sermos como eles, mas não por acreditar que alguém como eles vai aparecer de repente num encontro arranjado pela família ou num esbarrão ao sair da loja de conveniências. Mas eu também já falei sobre isso em mais de uma oportunidade. 

Acredito que minha tendência a repetição seja não só um charme do meu estilo como também uma forma de imprimir, em mim mesmo e também em quem se aventure a ler essas páginas, essas mensagens que eu captei com um pouco de esforço de percepção, não sem antes muito me machucar com as numerosas decepções amorosas amortecidas por noites de álcool e dias de ansiolíticos. Quantas vezes eu suspirei numa cena romântica de uma série ou de um vídeo musical? Demorei a entender que, assim como as virtudes morais dos grandes heróis da literatura universal, os personagens dos romances possuem qualidades exaltadas justamente para que essas sejam imitadas, é a forma memorável de dizer que nos faz querer que aquela possibilidade se torne realidade, do ato a potência, mas que essa realização deve ser feita por nós mesmos, e não esperarmos que seja fruto do acaso que nas cenas é perpetuado. 

segunda-feira, 18 de julho de 2022

Considerações

Eu continuei um bobo na presença dele, sorrindo e me fazendo dócil, e não conseguia desviar o olhar do seu corpo, quando ele passava eu o seguia quase que inconscientemente. Eu me odiei cada vez que me peguei olhando para ele, e sentindo que aquele desejo, aquele que eu neguei por tanto tempo até mesmo para mim, ainda estava ali, me controlando depois de tudo. Quando ele se despediu, com aquele sorriso, provavelmente forçado ou efeito da cerveja, eu fiquei impactado, e meu olhar se focou num ponto específico da mesa a minha frente, o toque no meu ombro, ele nunca me tocava, e eu odiei sentir a sua mão em mim, só queria poder desaparecer, ou que ele desaparecesse. Assim esse desejo, proibido, pode ser extinto do meu coração de uma vez por todas. 

X

Foi apenas um instante, brevíssimo, que passou despercebido por todos ao redor. Naquele momento, quando ela voltou o rosto para mim, com seu cabelo de fogo esvoaçando em suas costas, eu a fitei com o olhar mais gélido que pude, e sei bem que a frialdade que havia nos meus olhos vinha do mais profundo lago do meu coração, do Cocytos onde habitam os traidores. Eu senti até mesmo um vento frio de verdade, de repente agitou a minha bata, como se o próprio universo compartilhasse do profundo desprezo que sentia. Mas isso não é o bastante, pois o que eu queria na verdade era não sentir nada, se possível nem me lembrar do seu rosto. Pois bem, como eu me lembro, é bom então que junto ao seu rosto fique também a recordação de nunca esperar nada de ninguém, ou melhor: esperar sempre o pior pois, por mais que uma pessoa se mostre próxima ela pode te apunhalar pelas costas no instante seguinte, e pode fazer muito mais do que achamos ser possível para alguém nos destruir. As pessoas sempre surpreendem em sua malícia, a bondade, no entanto, anda em falta, mesmo no meu coração que ainda não conseguiu perdoar. É justamente por confiarmos ao outro a proteção das nossas costas que eles podem enfiar nela um punhal livres de qualquer culpa: não precisam olhar para nossa cara, horrorizada pela traição.

X

Foi uma noite inquieta, me deitei de madrugada depois de ver alguns episódios de série, tive um sono inquieto repleto de imagens de conhecidos, sorrisos e discussões, amanheci com a sensação parecida com a de ter sido atropelado por um trem carregado com pedras. Lembrei da noite de ontem, daquela pessoa inesperada que se aproximou e disse que iria sentir minha falta, do seu sorriso tímido e bonito, do nosso abraço envergonhado. Abri a página da minha conversa com outra pessoa, pensei em responder. Acordei nessa manhã de segunda me perguntando se valeria a pena e não, não valeria, quase nada vale a pena. Me tornei descrente até mesmo na menor das esperanças.

X

"Tudo o que era mau atraía-me: gostava de beber, era preguiçoso, não defendia nenhum Deus, nenhuma ideia, opinião política, nenhum ideal. Eu estava instalado no vazio, na inexistência, e aceitava isso. Tudo isso fazia de mim uma pessoa desinteressante. Mas eu não queria ser interessante, era muito difícil." (Charles Bukowski)

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Alguns dias incompreendidos

Não adianta, por mais que explique eles não entendem. Não que eu durmo porque ficar acordado é sempre uma tortura, e não um martírio, mas apenas uma tortura sem sentido, vazia. O sol brilha forte, quase me cega aqui fora mas no peito há uma lente em que tudo que eu vejo é cinza. Afora os poucos momentos de histórias de amor eu não consigo jamais ver as coisas de outro modo senão esse mesmo cinza. 

Tem dias que simplesmente amanheço com a cabeça um pouco atrapalhada. A visão do homem, do mundo, então cansa. Muita coisa ao mesmo tempo, e isso me confunde, me deixa perdido, e então é ai que eu corro, fujo para longe, até que consiga escapar do nevoeiro que me cerca. 

Em dias como esses me surgem ideias medonhas, que pululam a mente como serpentes se entrelaçando no chão frio, eu fico de frente pra tela com os olhos distantes e opacos, a única coisa que parece viva em mim é a voz, que ainda canta com alguma força, mas apenas isso. É mais ou menos como diz a música "águia não sou, meu Senhor, dela trago tão somente o olhar, e também no coração a aspiração do seu voar." A música e as histórias de amor são as únicas coisas que vivem em mim, de resto, sou um cadáver adiado, que ainda caminha mas não tem rumo a seguir. 

Parece exagerado, sei bem disso, e também estou ciente que quem ler isso não vai entender, mas eu digo porque pelo menos me ajuda a exorcizar um pouco os demônios que me cercam. Se nem em casa eu me sinto bem, se até fujo daqueles que aqui moram, se fico no quarto pra não ver mais ninguém, é porque as forças que há dentro de mim confluem para isso. E se eu não consigo focar em mais nada além daquilo que povoa a minha imaginação só o que posso fazer é ceder a pressão de me apagar, de me entregar ao silêncio e a escuridão, que me abraçam e me ajudam a limitar minha visão para então voltar a enxergar o que de fato é importante. Até lá, no entanto, preciso do silêncio. 

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Aforismos

É possível que alguém devolva o brilho no olhar? É possível que alguém possa dar significado a uma vida sem sentido? É possível que um olhar mude tudo? 

Ando por aí, aparentemente sem rumo porque não sei onde posso encontrá-lo, na janela do prédio em frente, do outro lado da plataforma do trem? É um pouco de romantismo esperar achar o amor numa casualidade pura e simples, penso que ele vem mais de uma escolha consciente de amar e se doar, do que do acaso. Posso estar errado, minhas experiências mostram bem que eu não tenho discernimento suficiente pra dizer como as coisas são exatamente, estou meio que no escuro, as apalpadelas. Mas isso é parte do processo de crescimento e conhecimento da realidade, não só física quanto psicológica e até cultural que me cerca. 

X

Sempre que tomo uma dose maior de remédios pra dormir acabo falando demais, no entanto, trata-se sempre de impulsos que eu costumeiramente fico refreando e que, naquele momento sob o charme da minha dopada candura eu não consigo filtrar. Paciência. Muitas vezes falo mais do que diria se pudesse escolher, aliás, tenho deixado de dizer muita coisa, pesando melhor o que vale ou não a pena ser dito. A prudência no falar e no que reter daquilo que ouvimos deve ser um exercício constante pro amadurecimento e pro crescimento do senso de proporções e senso da realidade. 

X

Mais um dilema entre ver a beleza inalcançável e, ao olhar para mim mesmo num reflexo, perceber o imenso abismo entre nós. Insuperável, nem mesmo passível de uma melhora paliativa, é uma diferença objetiva e brutalmente irreversível. A percepção dessa verdade atravessa meu coração como aço frio, e essa frialdade congela meu olhar, não me permitindo enxergar nenhuma solução, porque não há nada além da aceitação, mas como aceitar algo tão repulsivo que merecia ser exterminado sem que pensassem duas vezes? 

X

Sonho

Queria acordar pela manhã, o sol iluminando o quarto, me levantar rapidamente e fazer os cuidados matinais de skincare, depois seguir para algumas sessões de fotos, com conceitos diversos, locações belas e claras, tema descontraído, depois dentro do estúdio, conceito social, sério, elegante. No fim da tarde um passeio rápido pelo shopping, algumas porções de shabu e soju, sorrisos. Depois ir pra casa, ver a reação das pessoas aos pequenos contatos durante o dia, um stories no perfil de um colega enquanto arrumávamos o cabelo, uma piada durante a maquiagem. 

É um sonho, mas parece muito superficial. Ao mesmo tempo que eu quero me esforçar em conhecer, compreender, me abrir a possibilidade universal do conhecimento eu quero esse contato com outro. Superficial e verdadeiro, é uma tensão. Eu vivo de tensões. 

X

Ainda nem chegou o dia e eu já quero morrer ao invés de precisar sair da cama e ver as pessoas. A música alta, os sorrisos, a conversa, meu estômago embrulha só de imaginar, e minha vontade é de afundar ainda mais nas cobertas, deixando apenas a música baixinha, longe de todos, longe de tudo, a espera da morte, de um fim, de qualquer coisa que não seja uma multidão.

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Inseguro sobre si

Mais uma noite insone que acabou resultando numa profusão de pensamentos, que era justamente o que eu tentava evitar quando fora dormir. Em alguns dias é difícil lidar com o fluxo de informações e cada dia me vejo lutando mais bravamente contra a tendência estupidificante de consumir micro conteúdo na internet por horas e horas, sobrecarregando minha cabeça com uma porção de coisas inúteis e prejudicando minha compreensão de coisas mais importantes. Felizmente, como de tudo se pode tirar algo bom eu resolvi levantar e rever uma série que, quando acompanhei o lançamento, senti que não dei a devida atenção e que por isso acabou passando despercebida. 

Um olhar mais atento a pequena Blueming, no entanto, me revelou um história simples, doce e contada de um jeito muito bonito, que eu realmente não consegui captar quando vi e agora, no silêncio da madrugada, eu consegui apreciar e fazer com que ela se tornasse parte do meu imaginário, enriquecendo a minha visão. 

Bom, a princípio eu achei que só contava a história de um garoto que na infância tinha sido incomodado por causa da sua aparência e que por isso resolveu mudar completamente para conseguir o respeito das pessoas e, agora na universidade, já começou sendo um dos mais populares e admirado por todos, seja pela sua boa aparência quanto por sua dedicação. No entanto, ele vê seu orgulho ameaçado quando conhece outro calouro, que ele considera ainda mais bonito, tem um trabalho interessante e vem de uma família rica, além disso, para seu azar os dois sempre acabam se encontrando e precisando trabalhar juntos nos projetos da faculdade.

Em linhas gerais é isso mas, observando com atenção, tem alguns elementos bem interessantes. Cha Si Won, nosso jovem que resolveu se tornar tão bonito quanto um idol, se preocupa muito com a sua aparência, controlando o que come, fazendo exercícios regularmente e cuidando de vários aspectos da aparência, coisa que a gente sabe que a Coréia é mestre em fazer, porque na realidade é a forma que ele encontrou para encobrir as suas inseguranças.

Ele se tornou um garoto bastante sensível ao ver de perto a separação conturbada dos pais, o sofrimento da mãe ao descobrir a traição do marido, seu esforço para cuidar dos dois filhos e, quando ele foi se juntar as crianças da vizinhança, ele percebeu que havia um abismo entre ele e elas: seja provocado pela dificuldade financeira de sua família, pela situação delicada do divórcio e, por fim, pela sua aparência. Ele acabou internalizando isso na sua aparência porque era a única coisa que estava em seu poder mudar. E então, além de construir um corpo e rosto perfeitos, ele construiu também um muro de carisma que o protegia de qualquer um que pudesse ver seu lado vulnerável mais uma vez.

Hyeong Da Un, por outro lado, é bonito e tem um jeito naturalmente confiante, despreocupado, que acaba por desconcertar Si Won. Ele se vê mais uma vez de frente para uma pessoa que parece ser melhor do que ele em tudo. As crianças que foram más com ele também tinham uma família perfeita e eram bonitas aos olhos de todos, ao contrário dele que era gordinho. Por isso a reação de Si Won em evitar Da Un, ele não quer ver o que o outro revela sobre si, aparentando desprezo quando, na verdade, isso era apenas a insegurança do próprio Si Won se manifestando ao ver alguém que ele acha mais bonito do que a si mesmo. Para piorar Da Un é sempre gentil com ele, o que só acaba fortalecendo a ideia do outro de que ele o despreza.

Mas Da Un não demora muito para conseguir começar a desarmar Si Won, e acaba por ver justamente o seu lado mais vulnerável, seu lado que ele não pretende que ninguém veja. Da Un, por sua vez, não tem uma vida perfeita, ele se sente infeliz mas, por ser considerado bem sucedido por todos ao seu redor ele não reclama, e simplesmente tenta fazer o melhor para o outro, já que ele não demora também a perceber que gosta dele. Tanto mais Da Un tenta ser doce para se aproximar, mais Si Won se sente menor e até indigno dos sentimentos do outro. 

Com um pouco de conversa e franqueza eles finalmente se entendem, seja pela primeira vez quando Si Won começa a permitir que o outro se aproxime de verdade, seja quando eles acabam brigando e precisam se entender, depois de algumas decisões erradas que um toma para tentar fazer o outro parecer ainda melhor e, assim, mais confiante consigo mesmo. 

É belo como pouco a pouco Si Won vai se abrindo, deixando o outro entrar e também ver como Da Un tem um carinho infinito por ele. Eles começam a se entender sendo sinceros sobre seus sentimentos, seus medos e sobre como isso impacta em seus sonhos. 

O ponto que me chamou a atenção foi em como o protagonista projetava no outro as próprias inseguranças. Mesmo quando o outro era apenas distraído ou simplesmente gentil ele tomava como sendo uma declaração de desprezo e superioridade, sendo que na realidade ele só queria ser bom para com o outro, se aproximar dele e não fazê-lo se sentir diminuído, já que ele na verdade via o outro com olhos mais gentis e cheios de admiração do que ele mesmo se via. Si Won achava que tendo um corpo perfeito os outros iriam ver apenas seu lado perfeito, Da Un viu além disso, viu seu lado frágil e continuou achando lindo: no fim tudo o que ele via era o desejo sincero do bem para com o outro. 

Foi esse desejo de bem que fez Si Won enfrentar o medo de não ser aceito como aconteceu na infância, e de perder o controle de tudo como antes, perdendo também o garoto de quem ele agora gostava. Mesmo Da Un tendo errado em fazer com que ele ganhasse o concurso patrocinado por sua família e isso fazendo Si Won se sentir ainda mais incapaz de vencer por suas próprias forças,  ele conseguiu demonstrar que fez isso com a melhor das intenções e que ele via sim a força e o potencial do outro. 

Mesmo que algumas vezes a forma de demonstrar nosso carinho não seja a melhor possível, é bem capaz que seja a única forma que encontramos para fazer. Para além das consequências, quando conseguimos enfrentar a nossa própria insegurança e permitir que outros a vejam, a pessoa certa pode nos fazer enxergar também o amor que julgamos não merecer. 

Tudo isso é mostrado com muita delicadeza, em cenas belas, como os dois se beijando pela primeira vez na praia, mostrando como Si Won estava ansioso mas inseguro que acabou machucando a boca de Da Un. A singeleza deles conversando no banco ou Si Won pedindo mais de uma vez pro outro fazer carinho na cabeça dele, mostrando um lado que ninguém mais via. Os diálogos simples, a crescente confiança, a relação sendo construída devagar, Da Un respeitando o tempo do outro, Si Won aceitando seus sentimentos também. Eu achei de uma beleza notável, devia ter prestado mais atenção antes. 

terça-feira, 12 de julho de 2022

Resgate

Como sempre ficaram algumas impressões após o último episódio de KinnPorsche e, como elas não cabiam na resenha que escrevi resolvi colocá-las à parte, assim como fiz com algumas reflexões posteriores sobre The Miracle of Teddy Bear, eu gosto quando uma obra deixa uma forte impressão em mim, assim como os ritos de pequenos mistérios essas impressões são o primeiro passo de uma cadeia de compreensão mais profunda. No caso, o entendimento sobre a natureza e as mazelas do espírito humano se mostraram fortes e, por meio dessas cenas, eu me senti um pouco mais capaz de encarar essas realidades. 

A primeira delas é o que já disse sobre Pete e Vegas. O Vegas foi criado como um monstro, o seu pai sempre exigiu dele os resultados perfeitos, o que significava agir com frieza e crueldade em qualquer circunstância para nunca perder para a família principal. Seu pai projetou nele todo o rancor que nutria pelo irmão mais velho e por isso ele cresceu sentindo-se sempre inferior, primeiro pela exigência do pai e, depois, pelas constantes afirmações do mesmo de que ele não era digno, mesmo após tanto esforço, mesmo após ele ter abandonado todo resquício de humanidade ele ainda não era bom o bastante pra ouvir uma palavra de aprovação do pai. Ele só tinha o Macau, e até ele o seu pai dizia não ser bom o bastante.

Por isso ele se tornou o que vimos, impiedoso, sádico, traiçoeiro. Isso explica, embora eu ache que mesmo assim não justifique, porque ele é tão complexo. Muitas pessoas simplesmente fizeram a leitura de que ele é um psicopata, mas se fosse assim ele não teria terminado como terminou. E aí é que entra o Pete.

Mesmo em cativeiro, depois de todas as sessões de tortura, com o corpo todo ferido, ele ainda conseguiu olhar pro Vegas e sentir compaixão. Ele viu o Vegas que se preocupava com o ouriço, o Vegas que era humilhado pelo pai mesmo depois de fazer tudo o que ele havia mandado, e ele viu a dor que aquele homem escondia por trás daquela máscara de monstro. 

Eu não estou dizendo que o Vegas era simplesmente um coitado, e eu continuo achando que a tortura que ele fez o Pete passar de fato foi coisa de monstro. Mas ele foi um homem obrigado a se entregar a esse lado negro, por assim dizer. Isso nada mais do que é uma representação extrema da queda do homem, do homem que busca poder e reconhecimento, em última palavra: orgulho. 

Mas o Pete enxergou além disso e, quando ele conseguiu se libertar e decidiu voltar e sentar ao lado do seu torturador, ele deu o primeiro passo para trazer de novo luz para aquele coração tão transtornado e destruído. De certo modo a destruição que o Vegas impôs ao Pete era um reflexo inconsciente da destruição da sua própria alma, mas ao ver a gentileza do outro em lhe entregar uma flor, em perguntar se ele estava bem depois de uma visita do pai, ele aos poucos foi percebendo que dentro de si reacendia uma chama. Mesmo sem perceber eles já ficavam à vontade um com o outro, porque a presença do Pete ali afugentava os fantasmas que tanto assustavam o outro.

Isso o deixou confuso, e ele explodiu uma vez mais com o Pete, que aproveitou o descontrole pra fugir, assustado em ver as feras se soltando de novo e achando que seus esforços tinham sido em vão. Vegas recai mais uma vez para o lado do pai e resolve aderir ao plano de invadir a casa da família principal mas, ao ver seu pai morto e o plano fracassado, depois de ter sido machucado pelo próprio Pete, ele se desespera e pensa em tirar a própria vida, não vendo mais significado na sua própria existência, percebendo que todo seu esforço fora em vão, agora que ele não tinha mais um pai para tentar agradar e nem outra pessoa para cuidar. Mas sua visão estava errada.

E foi a voz de Pete que o trouxe de volta. Ao implorar que ele parasse de dizer que perdeu tudo se ele, Pete, ainda estava ali depois de tudo o que havia acontecido. Ao dizer que estava com fome Pete na verdade dizia que precisava dele, que precisava de seu cuidado, e da gentileza que ele mesmo não era capaz de enxergar mas que ele sabia que estava ali.

Pulamos então pro desfecho, finalmente. Vegas pergunta mais uma vez do motivo de Pete não ter ido embora e ele responde que seguiu seu coração, apenas isso, ao que o outro responde que ele agora é a pessoa mais importante da vida dele. E ele sabe que agora tem um novo motivo pra viver: cuidar de Pete e Macau. A cena final depois do beijo, do irmão mais novo se juntando a eles num abraço foi uma coisas mais belas que eu já vi, de uma delicadeza ímpar. 

Aquele monstro foi exorcizado, as trevas se dissiparam, e o calor dos corações de Pete e Macau trouxeram a luz de volta para ele. Agora são uma família, agora podem juntos superar todos os traumas, todas as dores, agora podem juntos recuperar aquilo que tinha sido perdido na queda. É muito claro aqui como a virtude, a esperança e o amor, puderam recuperar o que parecia perdido. Mas é assim que as coisas são. O calor do coração pode dobrar o aço mais duro, penetrar no mais fundo dos abismos. É uma mensagem para não desistir daqueles que parecem ter se perdido no caminho. Lá no fundo ainda podem ser resgatados se houver alguém disposto a enxergar neles a luz que eles mesmos já não conseguem ver.

Por fim outra coisa que me marcou foi quando vimos Kim cuidando de Chay, mesmo sem que esse percebesse a presença do outro. Chay ainda se sentia traído, usado, e não queria mais envolver-se com o filho mais novo da máfia, e tinha sido claro quando disse que não queria mais ver o outro. Kim, no entanto, continuou cuidando dele, mesmo no seu silêncio.

Kim é um artista, ele não consegue se expressar claramente, apenas por meio de ações. Ele não foi capaz de responder a declaração de Chay, nem no estúdio e nem na casa. Na primeira ele respondeu com um beijo e na segunda ele desconversou, e o outro entendeu. No perigo ele estava disposto a tudo para salvar o outro, mostrando que os sentimento era sim recíproco. Ele entrou só com um guarda-costas na armadilha que o Vegas tinha preparado e, com sangue no olho, matou sem hesitar pra salvar o pequeno. No bar, ele deu cabo de uma dúzia de homens sozinho, como uma verdadeira máquina, e o que me deixou marcado foi uma imagem dele sentado, na penumbra, só observando o Chay que se distraia com um jogo e nem percebeu que corria risco de morte ali. 

É bonito ver esse amor doação tão forte, que se arrisca sem pensar duas vezes pelo amado, e que o observa em silêncio, por mais que isso machuque, respeitando o espaço e tempo do outro. Ao final, ele se expressa como sabe melhor: com uma música, e dessa vez Chay não apaga como fez com o contato antes, ele chora, e Kim sem chorar, guarda o sentimento mais uma vez no peito, para deixá-lo sair quando o outro resolver perdoá-lo ou, se for necessário, para fortalecer seus punhos em caso de perigo. Quem ama não sabe calcular, e ele não se importa de esperar pelo outro. 

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Do cinza ao estrelado

Um jovem rapaz anda pelos corredores da universidade carregando livros que ele lê mas não entende, conversa com seus colegas que estão sempre procurando uma razão para saírem e beber, ele acha graça mas quase nunca vai, não gosta da sensação de não conseguir entender o que eles dizem. E todos sempre conversam rápido demais, falando alto demais, e nunca chegam a lugar nenhum... 

Ele anda com os pensamentos dispersos, não vê interesses amorosos em ninguém, ao contrário dos seus amigos que trocam de parceiras toda semana. Ele vê as pessoas com profundo desinteresse, não consegue imaginar uma razão para se aproximar de ninguém. No fundo ele não acredita no amor, e nem sabe se realmente chegou a acreditar um dia. Ele não é exatamente frio, mas é distante com todos, como se o tempo todo estivesse olhando para uma paisagem distante, mas nem ele mesmo sabe dizer o que vê por aquelas lentes cinzas. 

Um dia estava sentado numa das muitas áreas comuns daquele campus, os amigos como de costume falavam alto e um deles estava de pé no que parecia ser a imitação de um professor rígido de uma das matérias mais difíceis daquele semestre. O jovem sem brilho, no entanto, não prestava atenção nele, tampouco nas palavras do livro que estava aberto a sua frente, as letras flutuavam para fora das páginas e dançavam ao seu redor como se fossem levadas por algum tipo de marcha, mas não havia música, ele estava apenas terrivelmente distraído. 

Naquele mesmo momento, no estacionamento, um outro jovem chegava, transferido de uma faculdade do outro lado do país, ainda perdido com o caminho que precisara tomar para chegar ali, tendo se perdido uma ou duas vezes antes de finalmente conseguir achar o prédio certo onde devia parar. Estivera ali para entregar seus documentos alguns dias antes mas aquele dia fora tão confuso quanto, e ele não conseguiu memorizar nada, teria que contar com a ajuda de alguém ou chegar bem mais cedo a todas as aulas para conseguir achar o lugar certo de todas elas. Pegou a mochila e o celular, guardou a chave no bolso e foi em direção ao prédio. 

A estrutura era até bonita, não tinha aquele ar estúpido do concretismo brutalista de sua última faculdade, o prédio era horizontalmente grande e cheio de colunas que lembravam um pouco os templos gregos e romanos. A disposição do jardim antes do prédio dava a impressão de que aquele templo se erguera naturalmente ali por entre a relva, mas ele teve pouco tempo de prestar atenção nisso. 

Chegou a um lugar onde muitos alunos se reuniam, alguns com as cabeças baixas sobre livros fazendo anotações ou marcações e outros simplesmente conversavam sem muita preocupação. Identificando a entrada principal ele apressou o passo, sentiu o rosto corar por algum motivo (talvez a exposição a tantos alunos, mesmo que ninguém parecesse ter notado sua presença) e abaixou o rosto por alguns segundos antes de fitar a entrada novamente. Mas, ao erguer a cabeça ele sem querer esbarrou com força num rapaz que passava de lado. O recém chegado era bem maior que o outro, que sentiu o impacto e ia em direção ao chão caso o maior não o tivesse segurado seu braço.

E então o garoto que estava perdido em pensamentos, com as palavras dançando ao seu redor, que tinha finalmente decidido que não ia conseguir participar daquela conversa e achara melhor ir direto pra sala, olhou nos olhos de um garoto que ele nunca vira ali. Era um novato? É possível, a essa altura do semestre todos se conheciam, ao menos pela aparência. Aquele garoto tinha uma pele bronzeada, o peito largo e braços fortes, o cabelo era curto e o seu olhar era assustado. O outro, no entanto, viu uma figura completamente diferente. Um rapaz magro, bochechas e lábios rosados, um cabelo escuro caindo leve na testa e um olhar que, rapidamente, passou de um cinza frio para um preto intenso, como um céu estrelado, uma mudança quase imperceptível para todos que estavam ali, mas aqueles dois notaram e, quando seguiram seus caminhos, virando o olhar alguns instantes depois, sentiram isso ao perceber que os corações de ambos batiam mais rápido. 

domingo, 10 de julho de 2022

Resenha - KinnPorsche The Series

Contém SPOILERS, prossiga por sua conta e risco!

E depois de dois anos de espera, troca de produtora e de atores entrarem e saírem do elenco, finalmente uma das séries BLs mais aguardadas e faladas de todos os tempos chegou ao fim. KinnPorsche chegou adaptando a história da famosa novel tailandesa trazendo uma proposta muito diferente do que estamos acostumados: um plot sobre romance na máfia, com tudo o que temos direito como tiroteiro, traição a excelentes abordagens psicológicas.

Kinn Theerapanyakul (Mile Phakphum) é o segundo filho de um chefão da máfia que comanda importantes negócios por todo o país, durante uma perseguição ele acaba contando com a ajuda de um barman, "Porsche" Pachara Kittisawasd (Apo Nattawin) que cobra para ajudá-lo com os perseguidores e se mostra um habilidoso lutador. Depois disso, ao investigar e descobrir que Porsche passa por dificuldades financeiras para sustentar o seu irmão mais novo “Chay” Porchay Kittisawasd (Barcode Tinnasit) ele decide contratá-lo como seu guarda-costas. 

A princípio Porsche recusa a oferta mas, quando percebe que seu irmão pode passar por dificuldades por sua causa, ele acaba aceitando. No entanto ele é indisciplinado e acaba se envolvendo em muitos problemas, o que gera algumas faíscas com seu chefe Kinn, que tem uma personalidade completamente diferente, com o trabalho ocasionalmente se tornando algo mais entre eles. 

A série também nos apresenta uma série de personagens interessantes que contribuem muito para a história. Temos Pete (Build Jakapan), chefe dos guarda-costas e que se torna um dos amigos de Porsche na grande máfia, atrapalhado porém eficiente e bastante leal. Vegas (Bible Wichapas), o impiedoso primo de Kinn e membro da segunda família, subordinada aos membros da família principal, por quem nutre um profundo sentimento de rancor bem como para com seu pai. 

Também temos o introspectivo irmão mais novo de Kinn, Kim (Jeff Satur, de Ingredients) que mantém-se afastado dos negócios da família principal e se dedica a carreira de músico mas se envolve numa investigação para descobrir mais sobre o passado de Porsche e com isso acaba se envolvendo com Chay, que já o admirava antes e agora pôde conhecê-lo pessoalmente. Por fim temos Thankhun (Tong Thanayut, de Second Chance), o excêntrico filho mais velho da família principal que, por ter sido sequestrado na infância, acabou desenvolvendo uma personalidade afetada mas sem perder o bom senso, sendo um dos poucos personagens a perceber diversas verdades escondidas na trama. 

Não quero e nem teria espaço para esmiuçar a história aqui, mas apenas quero apontar alguns aspectos interessantes. Em KinnPorsche somos apresentados a um mundo de segredos, mentiras e execuções. Por vezes os personagens se mostram cruéis e até mesmo sádicos mas, ao mesmo tempo, somos levados a ver o seu lado mais humano e vulnerável. A série é boa em mostrar essa tensão, com a qual todos nós lidamos, levada aos limites do espírito humano. 

Kinn encara seu trabalho de chefe com punho de ferro, mas mostra preocupação com Porsche, ao ponto de lhe mostrar seu lado mais escondido, onde ele apenas comanda seus negócios por causa da fragilidade de seu irmão, mas que essa nunca foi sua vontade. Porsche se surpreende com seus sentimentos, e foge deles a principio, mais de uma vez ele se sente traído e usado e precisa aprender a agir com frieza no trabalho, o que envolve torturas e assassinatos. Mesmo não justificando suas ações ele sabe que faz isso por se preocupar com seu irmão e, mais tarde, com Kinn.

O relacionamento deles é complexo e delicado, e mais tarde temos ainda revelações sobre a relação da família da máfia com o passado da família de Porsche, e eles precisam desenvolver mais de sua confiança para conseguirem superar esses obstáculos.

Kim é mostrado no centro de um dilema moral entre ter se aproximado de Chay apenas para investigar seu irmão e agora ter se apaixonado pelo garoto que vai precisar lidar com a decepção de descobrir seu ídolo e paixão usando-o. 

Talvez a parte mais complexa explorada seja o arco de Vegas e Pete. Após uma perigosa missão para provar a inocência de Porsche e o envolvimento de Vegas nos negócios da primeira família Pete é capturado e torturado por Vegas. Depois de um tempo em cativeiro os dois começam a se aproximar e desenvolver uma difícil relação. Vegas é um homem de passado complexo, que resultou na sua frieza e brutalidade, Pete, no entanto, foi capaz de ver a dor por trás daquela casca e os machucados que ele trazia consigo por causa do complexo relacionamento com seu pai e a primeira família. Pete foi capaz de enxergar humanidade onde só se via bestialidade em Vegas. 

E esse é o ponto alto dessa obra. Claro que muita gente se interessou pelas promessas de cenas de sexo quente, tanto que uma versão sem cortes precisou ser lançada e, de fato, a série entrega isso, mas também foi muito feliz em mostrar um desenvolvimento psicológico muito bom dos personagens. Nada é apenas preto ou branco, todos vivem em diversos tons de cinza e isso é o melhor numa obra capaz de mostrar que existem sim coisas boas e ruins na natureza humana, há traição, há ódio, cobiça e inveja, mas também há elementos de bondade, de generosidade, de compreensão. 

A produção é simplesmente excelente, a Be On Cloud, empresa responsável pela adaptação da obra, conseguiu mesclar os principais elementos da novel na série, com as necessárias modificações. A fotografia impressiona em muitas cenas, bem como a trilha sonora espetacular, que conta com nomes como as bandas Slot Machine e Season Five e o próprio Jeff Satur que cantou a, na minha opinião, melhor faixa da OST. 

Menção honrosa para outros personagens menores mas que também nos conquistaram, como o casal TimeTay (Us Nititorn e JJ Chalach), os melhores guarda-costas fofoqueiros, Arm e Pol (Bas AsavapatrJob Yosatorn), o fofíssimo Macau (Ta Nannakun) e os guarda-costas mais gostosos Big e Ken (Nodt NutthasidPerth Stewart, de My Engineer).

Com uma proposta inovadora, que inclusive despertou olhares da concorrência (já temos anunciadas outras obras que também se passam no meio da máfia como Unforgotten Night, já em exibição, Chain of Heart e Big Dragon), KinnPorsche trouxe uma obra impressionante, que cativa pelo carisma de seus muitos personagens e profundidade da trama madura enquanto se mescla com excelentes cenas de ação, thriller psicológico e até cenas de sexo mais ousadas. Realmente valeu a pena esperar.

Nota: 10/10



sábado, 9 de julho de 2022

Nessa vida

Ele estaria me esperando e me recepcionaria com um abraço forte e apertado. Como é maior do que eu, seus ombros largos envolveriam os meus, e eu esconderia o meu rosto no seu peito, enquanto, respirando fundo sentia o seu perfume. Suas mãos desajeitadas as minhas costas, firmes, e eu tímido me esquecendo de todas as pessoas ao redor, a música alta já distante e apenas um burburinho ao fundo, posso claramente ouvir as batidas do seu coração e a sua respiração no alto da minha cabeça. Não há mais ninguém no mundo, apenas nós dois e a brisa leve ao nosso redor. 

Me afastei lentamente, enquanto ouvia o som ficar mais alto e as luzes do bar me fizeram notar que estávamos em público e que tinha algumas pessoas ao nosso redor, e eu sorri quando vi o seu sorriso de orelha a orelha, enquanto ele passava a mão por minhas costas e me conduzia até os seus amigos. 

Bom, agora estou de volta ao meu quarto, e o único som é o da música que eu mesmo coloquei. As imagens que vi não passaram de um brevíssimo devaneio que tive enquanto vi uma foto dele no Instagram. 

Esse é um dos muitos finais possíveis, a possibilidade universal diz que isso poderia ter acontecido, mas não aconteceu e eu sei que a atual linha causal em que me encontro não vai permitir que isso aconteça. Então isso é tudo que eu tenho, um breve divagar até retornar a realidade, fria e solitária, de uma sexta à noite, sem abraços e sem batidas do coração, sem a presença que faz silenciar, sem amor e, pra ser sincero, sem sonhos também. 

Acordei, uma noite depois desse breve devaneio, e a amplitude térmica fez cair uns dez graus durante as últimas horas. Meio sonolento eu me virei e estiquei o braço pro lado vazio da cama, abri um pouco os olhos e percebi a imensidão daquele vazio, muito além da cama. Os homens com quem falava nos aplicativos de encontro todos se foram, até mesmo aqueles que eu encontrei mais de uma vez, e agora eu estava ali, ainda com sono e com uma súbita noção de mim mesmo, um suspiro longo antes de me virar novamente, olhar os raios tímidos de sol por entre as cortinas verdes do meu quarto e então me encolhi, colocando os braços ao redor das pernas e me abraçando, a única coisa que eu podia fazer naquele momento.

Até mesmo a música havia acabado, e eu só ouvia o vento batendo forte e a minha própria respiração. E voltei a dormir, com o coração vazio, e certo de que esse vazio iria continuar quando eu acordasse. E cá estou eu, na penumbra esverdeada, com a luz do computador incomodando, e os braços ainda sentindo um vazio, como se eles esperassem alguém que pudessem abraçar. Por outro lado, no entanto, não é o que minha mente diz, já que ela percebe que é melhor assim, sem ninguém para me incomodar ou fazer sofrer. E me encontro então nessa tensão, entre uma solidão que se mostra até fisicamente nos meus músculos e no querer continuar só, na descrença total do outro, na completa desesperança de achar alguém nessa vida. 

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Moldando desejos

O desânimo tem me contaminado, não tenho tido disposição para nada, desde aquele dia que parece ter girado em mim a válvula da minha depressão. Quero ficar deitado o dia todo, ouvindo música, alguma aula ou então assistindo alguma série, qualquer coisa que faça barulho suficiente para que eu não pense demais. 

Estranhamente eu também, embora me sinta sozinho, não tenho desejado ninguém ao meu lado. Normalmente, quando eu pensava em alguém, eu pensava em como seria bom abraçar, tocar, sentir o cheiro, o carinho, eu então sonhava... Mas agora não, eu simplesmente tenho sentido uma grande indiferença, quem sabe até mesmo uma aversão, ao sentimento de querer alguém comigo. Embora ainda me sinta só eu não quero ninguém. 

Pelo menos isso me permite concentrar em outras coisas mais importantes, o meu estudo é a única coisa que tem evoluído nos últimos tempos. Felizmente quando essa época difícil passar, se passar, eu terei condições de evoluir um pouco mais. Até lá eu me contento em tentar absorver a sabedoria dos meus mestres e absorver também da beleza e o que a arte tem para me ensinar, cada vez me aprofundando mais no espírito humano. 

X

Em contraste com os três últimos parágrafos eu entrei em episódio misto na tarde de ontem, o que resultou numa noite insone, algumas trocas de nudes e depois vários episódios de um dorama muito intetessante, Why Her?, com o gatíssimo Hwang In Youp num papel atencioso, protetor, gentil e com um forte senso de justiça, a faísca virtuosa que falta no ambiente pervertido do universo corporativo em que ele se envolveu. Me encantei com as suas demonstrações singelas de carinho e proteção para com a protagonista. Um abraço num momento de fraqueza, um simples guarda-chuva num dia de temporal inesperado, o correr por várias ruas para chegar até ela antes que se machucasse num caso perigoso. 

É belo ver a construção do relacionamento deles. Ela é forte, independente e destemida mas, no fundo, sente-se bem quando ele diz que se preocupa com seu bem estar, quando insiste em dormir por perto ou quando leva comida pra ela e diz pra descansar apesar das dificuldades. Apesar de toda a tentativa ideológica de colocar a personagem feminina como mais forte e inteligente que todos os homens, no fim, quando sente medo, é para ele que ela liga primeiro, pois sabe que ele fará de tudo para que ela não se machuque.  Isso é bonito de se ver, que o verdadeiro romantismo e sentido dos lugares do homem e da mulher não se perderam completamente. 

Mas agora eu preciso dormir, e deixar tudo isso se relacionar com o que já há na minha mente e, da dialética entre essas diversas impressões eu vou compreendendo um pouco mais da tensão que permeia o espírito humano, os conflitos morais, os impulsos que muitas vezes não conseguimos vencer, enfim, toda a vasta gama de elementos que compõem o homem e sua personalidade e que me ajudam, ao fim, entender um pouco mais o que se passa no meu próprio espírito. É, portanto, no silêncio do sono dessa tarde que eu pretendo decantar esses conhecimentos e, talvez, conseguir responder a pergunta: O que eu quero realmente? Sentir-me bem e sozinho ou desejar alguém que, guardadas as devidas proporções, se pareça com o ideal de beleza que me foi apresentado?

Sei bem das implicações que há em desejar um relacionamento perfeito, mas o que eu quero não é isso. Eu não quero um homem perfeito como os dos doramas porque eu sei que eles não existem, é apenas um modo da indústria valorizar as virtudes por meio do exagero delas, já que não somos mais capazes de captar sutilezas. Eu quero algo que seja fruto de um esforço, que cuidemos um do outro e que isso seja nossa versão da beleza: a beleza que é construída com esforço, como o do escultor ao empregar a força no cinzel contra a rocha dura e construir dali uma bela obra, é isso que eu quero moldar. 

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Por odiar

Sinto-me terrivelmente abatido pela discussão de ontem, ainda me afeta profundamente tanto a situação já cansativa quanto a minha explosão. Tenho estado triste e tive de fingir um sorriso hoje durante todo o dia, mesmo sabendo que eu não sou muito bom nisso e que provavelmente todos perceberam que eu não estava bem. 

Ainda sinto revolta em meu peito, e o rancor tem se mostrado uma névoa densa difícil de se dissipar, ela me turva a visão e eu me vejo refém do ar venenoso que respiro. Continuo pensando em coisas ruins, me envergonho de dizer que o desejo de vingança macula meu peito. Como Santa Rita eu chego a desejar a morte que possa evitar outros tantos pecados, mas sei bem que minha alma não é nobre como a dela e que isso ser motivado justamente pelo meu desejo de vingança. Que Ela interceda por mim nesses dias e me ajude a ver com clareza novamente o caminho da justiça. 

Não quero fazer nada, sinto um peso horrível em minhas costas e, mesmo sem nenhum remédio, poderia dormir por dias só pra ver desaparecer todo esse sentimento ruim do meu coração. Não quero ver nada e nem falar com ninguém. Ela despertou o que há de pior em mim, e agora eu não consigo sequer imaginar um mundo em que eu seja minimamente feliz sem que ela esteja, pelo menos, há milhares de quilômetros de mim ou morta e, além de odiá-la, eu me odeio por odiá-la. 

Entendo agora o significado das cinzas no Dia da Ira, também me sinto reduzido à nada. 

X

A pobre figura estende sua mão em direção a fera, seus olhares se cruzam e eles se fitam, cada um observando aquele universo que há no olhar do outro. Ele pensa que assim conseguirá se aproximar e acalmar aquela que ruge enfurecida, mas é tudo em vão. A pantera se lança sobre ele e o esmaga com suas patas, cravando fundo as suas presas lhe rasgando a carne, impiedosa. 

E é apenas isso. Dizem que esse é um dos muitos finais possíveis mas, pelo que observo do mundo, o final é sempre ingrato, e aquilo que criamos em nossas mentes acaba por morrer e se desfazer. É assim para todos nós, terminamos podres e alimentando os vermes da terra e nossos sonhos esquecidos como se nunca tivessem existido. E talvez nunca tenham mesmo, sonhos são apenas ilusões, e se desfazem como a imagem se perde no reflexo da água que se agita. 

É bonito não é? Os sonhos dos jovens, as conquistas daqueles que não têm escrúpulos, as perguntas daqueles que querem conhecer. É, tudo isso tem sua beleza. Mas no fim jogam um punhado de terra sobre você e acabou. 

É uma perspectiva limitada, finita e imperfeita. Horrível na verdade. Não fosse uma porção imortal disso tudo poderíamos dizer que o fim é esse monte de terra em cima de um cadáver. Mas esse não é o fim, e na verdade não há fim, já que uma única alma imortal dura mais que a humanidade inteira. Mas por qual razão eu não consigo achar isso reconfortante?

Aquele que entre bestas e panteras sobrevive já não se distingue a si mesmo como outro coisa senão fera. No fim de tudo, antes da terra, a única que vence é a ingrata pantera.

domingo, 3 de julho de 2022

Dies Irae

Eu não queria ver esse meu lado, queria que ele continuasse quieto ou que desaparecesse por completo. Mas eu  passei pelo espelho há alguns minutos e a imagem que eu vi não foi o meu reflexo, mas era a imagem de um demônio sedento por sangue. 

Detesto quando algumas situações extremas me fazem reagir de forma inesperada, mas eu tentei ficar quieto e em silêncio, tentei dar as costas mas não foi possível, eu recuei e, ao girar nos calcanhares de volta eu explodi sem me dar conta do que acontecia. 

Minha visão turvou-se, eu via como que através de lentes vermelhas, senti meu sangue ferver e tornar-se veneno mais uma vez, como há muito já não acontecia. E então aquela porção que eu mantive silenciosa por tanto tempo veio à tona. 

Minha garganta explodiu e eu apertei minhas mãos com tanta força que pude sentir a carne cortando mas, naquele momento, mesmo que isso custasse minha dignidade e minha liberdade eu quis usar as mãos, usar de toda a minha força contra aquele demônio que estava a minha frente. Eu queria socar aquela cara imunda até que não restasse nada além de pedaços do crânio e da sua massa encefálica espalhada pelo chão da cozinha e entre meus dedos, o seu sangue quente formando uma poça profana a se espalhar. E assim silenciaria aquela voz maldita, que só sabe trazer o horror, como uma profetisa do próprio satanás. 

Eu não fiz nada além de gritar, mas aquelas palavras, cada sílaba delas, continua um ódio equivalente a um tiro de canhão, que eu desejava que acertasse em cheio aquele corpo e o destroçasse completamente, lançando membros a esmo. Naquele momento eu queria poder destruí-la completamente, transformá-la em poeira da forma mais dolorosa e doentia possível, eu queria que ela perdesse, pouco a pouco, a forma humana que ela ostenta de forma mentirosa, ela não é humana, ela é apenas pura maldade, não há nada de bom numa pessoa tão baixa, numa criatura tão pavorosa que até mesmo o senhor do inferno se recusaria a receber. 

Quando eu acordei, já sem voz e com as mãos trêmulas eu vi que tinha piorado tudo, eu não ajudara em nada e só tinha tornado a situação ainda mais caótica. Eu me revelei, na verdade, um grande idiota, guiado pelas paixões, sucumbindo a fúria que subiu pela minha garganta enquanto eu desejava, com todas as forças destroçar a garganta dela com as minhas próprias garras, para nunca mais ouvir os impropérios sacrílegos daquela serva do diabo. 

E então, consternado pelo meu lapso de fúria, eu me calei, e estou até agora em silêncio, muito embora em meu coração eu ainda deseje coisas terríveis, muito embora eu esteja tomado do espírito de vingança e ainda deseje ver as entranhas dela espalhadas pelo chão. Esse é o destino que ela merecia, destino de só quem traz desarmonia, o mesmo destino dos Asuras que vivem pela violência e guerra constantes no ciclo das seis existências, destroçando uns aos outros por eras intermináveis, criaturas abjetas, horrendas, bestiais, em nada diferentes daquela que hoje despertou o meu ódio.

A brutalidade que há no meu coração é o que eu gostaria que não existisse. Me sinto como uma besta que só deseja se saciar, que só descansa depois de esfolar a sua vítima e de enforcá-la com seus próprios intestinos. E essas são apenas algumas das imagens que aparecem na minha mente. E, mesmo que eu tenha dito que não queria ser assim, esses pensamentos continuam, a raiva continua, e a minha ira continua alimentando o fogo donde eu queria lançá-la para ouvir os seus gritos de desespero, como ela faz com minha mãe. 

De todas as coisas mais estúpidas que eu fiz na vida, sem sombra de dúvidas, a que me causa mais arrependimento é de ter pedido por uma irmã, tendo recebido não uma cruz, mas uma legião inteira de demônios dentro daquele corpo luxurioso para atormentar a família.