quinta-feira, 28 de julho de 2022

Solitária alma


A casa tem andado movimentada nos últimos dias e claro que isso me deixou um pouco mais introspectivo que o habitual. Eu simplesmente não consigo ficar muito tempo conversando e as pessoas falando alto sobre qualquer coisa me incomodam, como resultado eu fico quietinho no meu quarto fingindo que não existo e torcendo para ninguém sentir a minha falta. Felizmente eu já sou conhecido por ser sem graça e uma companhia nada interessante, inclusive meus antigos amigos partilham dessa opinião, e por isso ninguém se esforça muito em me ter por perto, ai fico feliz e eles também. 

Até parei para pensar um pouco nos motivos dessa atitude. Poderia ser arrogância da minha parte? Certamente esse elemento está presente, eu não me atreveria a negar, porque já há muito tempo as conversas amigáveis demais não tem despertado em mim nenhum prazer, eu me canso rápido, e por isso algumas pessoas pensam que eu as menosprezo, o que não é bem verdade, acontece que se é pra falar e não ser compreendido eu prefiro ficar quieto a ser motivo de confusão. Eu não me interesso pelo que os interessa e eles também não se interessam pelo que é importante para mim, logo não há ponto de encontro, é melhor uma educada distância. 

Nesse momento eu experimento uma solitária rotina de estudos, não encontro par que possa conversar, e nem estou buscando pessoas para falar de assuntos de elevada inspiração, nada disso, eu apenas não quero me perder em horas e horas de conversas sem nenhum aproveitamento. Quantas noites intermináveis eu passei a falar dos outros, a comentar tantas futilidades e inutilidades, criando em mim a falsa sensação de superioridade? É melhor que me cale. 

Logo mais outros vão chegar, eu vou sair, falar com todos rapidamente e voltar ao meu quarto, eu não consigo de modo algum me conectar com essas pessoas, na verdade não consigo mais me conectar com ninguém. Às vezes tenho a forte impressão de que todos vão ver o mesmo que eu, e por isso digo coisas que me parecem óbvias, e não estou me referindo a nenhum conteúdo específico de filosofia ou religião, mas logo percebo que não, só eu vejo as coisas desse modo, e então eu prefiro ficar quieto. Quantas vezes, por exemplo, já expliquei a minha mãe que é comum perder o sono durante episódios de mania? Ou que simplesmente não quero sair da cama em episódios depressivos? E ainda assim ela insiste em perguntar o que há de errado cada vez que isso acontece, como se pudesse ser culpa dela de algum modo. Da mesma forma ela sempre se vê preocupada com as atitudes da minha irmã e sua falta de responsabilidade, mas se recusa a ver que isso é fruto da falta de limites em casa, e isso é óbvio para qualquer um e ela ainda se recusa a ver, então por qual razão eu me cansaria falando? Igualmente é assim com todos os outros, parentes e assuntos. Não vejo razão para me obrigar a sair e conversar, seria apenas um desperdício de energia. 

Inicio esse parágrafo após a saída de alguns, minha mente está em parafuso, as conversas altas, a casa pequena, tudo isso me deixou mais perdido do que eu esperava, agora eu preciso de uma longa noite de sono, não sem antes um longo momento de silêncio e solidão, para então voltar a conseguir pensar algo. É bem angustiante sentir a cabeça girar pelo simples fato de não conseguir lidar com um volume tão grande de informações, pra ser sincero eu não sei como me tornei professor sendo que é exatamente isso que acontece numa sala de aula. Muito embora eu não duvide da minha vocação de ensinar eu duvido que seja no formato tradicional, falando para dezenas de jovens alucinados e inquietos, qualquer ambiente com esse nível de exasperação me deixa enjoado. 

Anseio agora por descanso, e quem sabe algumas gotas de Rivotril, qualquer coisa que me ajude a tirar um pouco de tudo isso da cabeça. Confusão, se fecho os olhos o que vejo é um amontoado de imagens desconexas: um jardim escuro, uma fonte que corre sem que se possa ver seu fundo, flashes de pessoas e vozes, um grande deserto, um quarto austero de mosteiro, uma sala de aula, e tudo isso se funde e confunde. Na solidão a alma vê-se confrontando tudo ao mesmo tempo, e sozinha ela experimenta seu calvário. Não há muito que eu consiga fazer. 

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