sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Só você

Eu não queria escrever sobre você. Não queria me sentar, fechar os olhos e automaticamente pensar em você. E por isso eu tentei fazer algo diferente. Tentei ver as mais belas paisagens em busca de inspiração. Tentei buscar no íntimo do meu coração e da minha alma outras coisas que fossem belas, que pudessem ser objeto de reflexão e contemplação.

Mas eu não encontrei nada em mim que fosse mais belo do que você. E infelizmente não há nada mais natural para mim do que pensar em você. Não há como ser sincero então se for escrever sobre outra coisa. Não há nada mais em mim.

É estranho vazio, pois olho meu interior e só há uma imagem solitária nele. É uma imagem fria, mas que funciona como um vulcão, me consumindo e me transformando em cinzas. Você faz isso comigo sabia? Só o anúncio da sua presença já mexe comigo, e ficar ao seu lado me consome até as forças que não tenho. Quando você se vai, o cansaço vem pra cima de mim de uma só vez. Quando você se vai, eu sou lançado pro abismo mais profundo, mas ao mesmo tempo sou liberto de algumas das amarras que prendiam meus calcanhares e me impediam de correr pra longe. 

E é isso que tinha pra dizer, que busquei em muitos lugares, mas não encontrei nada que fosse mais belo no mundo do que a imagem que tenho de você. Busquei e não encontrei, e se quiser continuar a escrever, minha inspiração tem de continuar a ser você. É simples e triste assim... Mas, o que posso fazer não é mesmo? Se no meu coração só existe você...

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Bem aqui

Me surpreendi ao levantar o olhar e ver um rosto que não esperava. Dei um passo atrás, assustado e subitamente corado. Meu coração bateu mais forte, e o sorriso que eu dei foi uma máscara retorcida de susto e medo. 

É estranho como uma pessoa pode despertar tantos sentimentos de uma única vez. Eu fiquei alegre, por ver aquela figura doce ali, mas também fiquei triste por saber que ele preferia não me ver. E então depois dos cumprimentos, uma convenção social que cumprimos apenas por educação, nos sentamos em extremidades distintas. Cada um fingindo que o outro não existia, ou melhor, cada um sem se preocupar com a presença do outro, pois de fato não somos nada, um do outro.

Bom, apesar do início meio dramático, a história de hoje não é bem uma história, mas quase. E é disso que ela fala, de algo que quase foi alguma coisa. Mas será? Acho que nem quase chegou a ser. Nunca foi nada senão que o foi na minha mente distorcida.

É irônico, na verdade, porque ele não fingiu que eu não existia, mas na verdade pra ele, eu não existo de verdade... Será que ele sabe que ainda há pouquinho dele dentro de mim, bem aqui no meu coração? 

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Sobre ser incapaz de qualquer coisa

O que eu devo fazer agora, nesse exato momento? Minha cabeça dói e eu não consigo mais assistir a nenhuma aula hoje, cheguei no meu limite intelectual. Não quero ler, ou melhor, não tenho interesse em ler nada do que tenho aqui comigo. Até a música no player me incomoda. Mas eu também não quero ficar deitado, pois sei que assim que me deitar e fechar os olhos, vou pensar nele, e aí eu vou ficar (mais) triste do que já estou...

Eu preciso de um rumo na minha vida, um norte. Preciso de um objetivo, pois viver um dia após o outro, sob a pura aglutinação de problemas e paranoias não tem sido a melhor forma de viver. Na verdade eu me vejo como uma plantinha, eu fico por aí, existindo, me movendo conforme o vento ao meu redor me movimenta, mas sem fazer mais do que isso.

É uma existência patética. Eu me olho no espelho e sinto nojo do que vejo. Vejo um homem desprezível, incapaz de realizar o que quer seja, cujos gritos de desespero são tão desprezíveis que sequer merecem ser ouvidos pelas pessoas que estão dentro de minha própria casa. Vejo um homem incapaz de trabalhar, incapaz de buscar uma vida melhor, mas que ainda assim sonha com uma vida de luxos e prazeres. Vejo um homem cujo amor é incapaz de tocar o coração do amado, e que por isso chora, chora copiosamente quando se lava, quando se deita e quando o vê, seja numa foto ou quando recebe sua visita.

E as minhas lágrimas se transformam em palavras que aqui as despejo, como se fossem meu sangue, como se fossem o sangue que todas as noites anseio em derramar para pôr fim a essa existência. Mas nem isso sou capaz de fazer.

E continuo aqui, mas será que faria alguma diferença se não estivesse? Continuo aqui, ocupando espaço, respirando, mas é só o que se pode dizer de mim. Não creio nem mesmo que as aulas que diariamente assisto sirvam para alguma coisa. Meu intelecto débil, quase primata, não retém as coisas como gostaria, estou tão distante de ser como gostaria que começo a perceber que não passaram de (outros) sonhos infantis e sem nenhum fundamento na realidade. Não sonhei um sonho possível. Nem isso eu sou capaz de fazer. 

O que eu sou capaz de fazer? Eu sou capaz de reclamar, do dia, da vida, de tudo. Eu sou capaz de mergulhar num oceano de autopiedade e desprezo. Eu sou capaz de chorar todos os dias pela constatação de não ser amado pelo homem que amo. Eu sou capaz de ser o homem mais incapaz de toda a face da terra, abominavelmente inútil e absolutamente desprezível aos olhos humanos. É disso que sou capaz. 

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Derrota

Lutando para não enlouquecer, lutando para não pensar em você. E sendo miseravelmente derrotado, pois desde o amanhecer que não há um minuto sequer que você não tenha estampado meu pensamento com a mesma força de um vulcão, imparável.

Isso há muito já virou obsessão. O poder que você exerce sobre mim, desde o sorriso mais bobo até as dores mais insuportáveis, tudo mostra que você se tornou senhor da minha vida.

E esse senhor vem me levantando ao mais alto céu, e depois me lançado ao mais profundo dos abismos. Os momentos com você são sempre marcados por essa dualidade. Céu e inferno. Assim são meus momentos ao seu lado.

Até mesmo os pensamentos que o envolvem são assim, pois ao mesmo tempo que são doces os sonhos em que você está, sempre me deixam com o amargo gosto da derrota na boca. E é só isso que eu posso esperar dessa história, não é? Derrota. 

Da covardia

Minhas obrigações me mantém acordado, elas são a linha fina que ainda ligam a minha consciência (ou o que restou dela) da realidade. Mas é uma linha emaranhada que já gostaria de ter cortado. Meu corpo pede por um afastamento, minha alma clama pela solidão, meu coração chora por uma dose de veneno...

Meus músculos mostram o resultado da dura batalha do fim de semana. Compromissos, obrigações, amores... Tudo exaustivo. E é assim que me sinto: exausto!

Não sei bem o que fazer com relação a certa situação. Não quero ofender meu amigo, meu amado, mas também não quero decepcionar meus amigos sendo um líder displicente. 

Mas eu nunca quis ser líder. Eu nunca quis liderar nada e nem ninguém. Eu não sou aquele que lidera, mas aquele que ajuda o líder. Mas sempre acabo com essa responsabilidade, e sempre decepciono, porque sou fraco e incapaz de fazer o que é preciso. 

Eu sou um covarde!

Queria abandonar tudo, mas não posso deixar tanta gente na mão. Sei que eu não sou importante o suficiente pra não ser substituível, mas também não gosto de ideia de largar a todos como se não fossem parte da minha vida. 

Eu sou um covarde...

sábado, 25 de agosto de 2018

Dança comigo?

Você está triste?

Comigo?

Pensando nela?

Ou pensando em qualquer outra pessoa?

Não importa muito...

Sabia que estava pensando em você no momento exato que me mandou mensagem?

Bom, não é nenhuma surpresa, eu to sempre pensando em você mesmo...!

Sabe, estava muito feliz ontem, estranhamente confortável ao seu lado. Sem pressão, sem pensamentos exagerados, só você, ali, do meu lado.

É estranho como fico vulnerável contigo. 

Mas tudo isso mudou quando outros pólo magnético te atraiu, e de repente a atenção que era só minha foi dividida...

E meu inferno recomeçou. 

Achava que não estava sob efeito da ansiedade, mas foi só sair da sua presença pra perceber o quanto ficar com você exige de mim. O cansaço extremo logo se mostrou, como se tivesse corrido uma maratona. Acho que me controlo tanto para não fazer nada de errado que acabo consumindo todas as minhas forças sem nem ao menos perceber.

Você me consome, ou melhor, meu amor por você me consome. A dor que é amar você e te ver amando outra pessoa me consome. Mas, essa talvez seja minha sina, e estou começando a aceitar, que talvez algumas pessoas não foram feitas para serem amadas de volta.

Nesse momento em que a noite cai, eu fecho meus olhos e me deixo levar pela valsa que entra pelos meus ouvidos. O 2° movimento da Sinfonia N° 2 do Mahler, aquela chamada de "Da Ressurreição". Sempre me encantou pelo seu começo delicado, pelas cordas que nos levam como se fôssemos embalados num ritmo hipnótico, sutil, sedutor. É romântico, e impossível não me imaginar dançando contigo, lentamente, pra lá e pra cá, com as mãos nos seus ombros, com um sorriso no rosto.

Mas o deleite de nossa dança dura pouco, e logo uma sombra se aproxima de nós. Ameaça-nos e nos faz querer correr. Eu olho ao meu redor e não te vejo mais comigo, mas com outras ao seu lado. E o breve adágio de minha alegria deu lugar a uma canção triste, uma procissão rumo ao cemitério, prometendo sepultar ali meu coração.

E aqui, de olhos fechados, praticamente morto de paixão, eu volto a sonhar com meus braços apoiados em seus ombros, e nossos olhos contemplando um ao outro.  Mas isso não passa de um sonho, e na verdade, se eu abrir os olhos só poderei contemplar a solidão. 

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Da alta contemplação

Mais uma vez cá estou eu buscando compreender um pouco mais sobre essa complexa cadeia truncada que são as relações entre eu e o outro. Relações essas que, sendo entre dois mundos diferentes, é permeada de uma infindável miríade de detalhes, símbolo da nossa complexa personalidade. 

Eu hoje vejo o outro como um mundo, mas que não pode ser explorado. O outro é um mistério. E a medida que eu venho tentando me desvendar, acabo por me isolar cada vez mais nos umbrais de minha própria consciência, me tornando cada vez mais exigente com o outro que me rodeia. 

Isso me soa um tanto quanto orgulhoso, mas a medida que vou me relacionando me sinto cada vez mais distante do outro, e olha que nunca me senti realmente próximo a ninguém, a diferença é que agora eu tenho ciência do que é que me afasta do outro. 

Eu vejo as pessoas se iludirem em suas falsas crenças de verdade, eu vejo a puerilidade de suas visões do mundo, vejo o mundo minúsculo em que vivem e que tentam me forçar a caber ali, e fujo. Fujo pois não quero viver nesse mundinho fechado, inconsciente, ditado pela mediocridade endêmica que domina suas mentes pequenas. Não, eu sei que minha mente é distorcida, mas não é pequena!

Eu olho ao meu redor e vejo as pessoas tão felizes com suas vidas, e mesmo que eu deseje a felicidade, a perspectiva de que para isso deveria me fechar num mundo tão pequeno quanto o dele me apavora. 

Vejo pessoas que não fazem ideia da existência de uma música melhor do que a que escutam, pessoas que acham que sertanejo universitário é o suprassumo da arte, pessoas que tem na novela das nove a sua ideia de atuação e que acreditam que museus são realmente só um pretexto pra acumular coisas velhas com as quais ninguém mais se importa o suficiente pra guardar em suas casas mas também não tem coragem de jogar fora. 

Essa barreira cultural, que os torna incapazes de saber o que é um bom livro, uma boa música, me apavora. Me apavora pois sendo um apaixonado pela beleza, e encantado com a contemplação do bom, do belo e do verdadeiro, não posso cogitar a ideia de me prender num mundo feio como o deles. Já não bastasse a feiura que sou obrigado a ver todos os dias desde o amanhecer, se não fosse meu contato com o "mundo lá fora" estaria eu igual a eles, completamente cego.

E como então prosseguir? Acho que se trata de uma opção, uma decisão. Viver para contemplar o bom, o belo e o verdadeiro, ainda que sozinho. Quem sabe se me manter firme assim, consiga encontrar pessoas que busquem o mesmo que eu. Aliás, já as encontrei. Cada vez que que leio um bom autor, ou que escuto uma bela composição, eu me coloco no mesmo plano das grandes mentes que as criaram, e ali me encontro como pessoa. É com esse tipo de gente que quero me relacionar, é esse tipo de gente que quero ser!

Cortinas

Tem dias que você é como uma brisa leve
calmo, me traz tranquilidade
me acaricia a face com serenidade
mexe no meu cabelo e me faz sorrir de felicidade

As vezes é como o vento impetuoso
levando consigo minha paz
arrancando-me até mesmo as raízes
destruindo os prédios do coração

Mas mesmo depois da tempestade
um sol tímido surge no céu da escuridão
e a esperança é de novo insuflada na minh'alma
e uma fagulha de vida devolvida ao meu coração

Você é a chama que me aquece nos dias frios
mas também é o vulcão que me reduz a cinza fria
Você é a água calma de uma límpida fonte
mas também é um mar revolto no carnaval

Você é minha manhã, minha tão bonita manhã
é também minha nova canção
mas é também um entardecer triste, 
e o fechar das cortinas de um teatro

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

De igual para igual

Apenas comentei com um amigo, sobre um dia que passei ao seu lado. Apenas mencionei seu nome, e a essa menção meu coração disparou, minhas pernas tremeram, meu estômago ficou cheio de borboletas. E eu não queria que fosse assim...

É engraçado, e ao mesmo tempo desesperador, mas essa é a influência que você tem sobre mim. Você tem PODER. Você me faz sorrir, com a mesma facilidade com que você me faz chorar. E eu não queria que fosse assim. 

Não queria que fosse porque se eu choro, ou se eu sorrio, é devido ao amor que sinto por você. Amor este que fez de você o meu pólo magnético, fazendo minha vida girar em torno de você. E eu não queria que fosse assim porque eu sei que pra você, eu não sou mais do que um contato no seu celular, que você nem sequer salvou de forma pessoal, eu não sou nada pra você, enquanto pra mim, você é tudo... E eu não queria que fosse assim...

O que meu coração quer? Você. Simplesmente você. É patética a total ausência de aspirações pra minha vida, e meu único desejo real é de ter você comigo. Isso é doentio, tóxico, psicótico. E eu não queria que fosse assim.

Queria tanto olhar pra você de igual pra igual, sem mendigar seu afeto, sem implorar seu amor. Queria poder olhar pra você como um igual, sem esperar nada, sem desejar nada. Não consigo, simplesmente não consigo ser só seu amigo. Não consigo te olhar sem te querer, sem te desejar. Não consigo sequer pensar em você sem me contorcer de desejo... E eu não queria que fosse assim...

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Uma noite de amor e jazz

A noite é luminosa, mas não pelas estrelas que brilham timidamente em comparação com as luzes fortes e coloridas dos letreiros e dos prédios. As miríades de pontinhos brilhantes desde as janelas dos arranha-céus até as casas distantes fazem da cidade um mar de pérolas amareladas. 

Pela janela do apartamento, grande e de um vidro translúcido que muito bem podia pensar-se que não havia nada ali, as luzes dão um show a parte. O jazz toca baixinho no player, e o piano e as vozes poderosas preenchem o ambiente de uma aura romântica. A brisa fria entra lenta e delicadamente, fazendo balançar as cortinas brancas. 

Numa cama enorme duas almas se encontram. O ritmo da música dita os movimentos das mãos e pernas que aos poucos se encontram e se encaixam. Os lábios macios se tocam, e leves mordidas os deixam avermelhados. A respiração alta, ávida, só é audível aqueles dois, que são iluminados indiretamente pelas luzes que entram pela janela, deixando o lugar com uma cor cinza. 

O menor observa por alguns instantes o corpo do mais alto. Seu peito musculoso se destaca na regata branca que ela usa por baixo da camisa preta, agora jogada ao chão. A calça cáqui, já aberta. Seus braços fortes e firmes se parecem com mármore, ao passo que as veias saltadas dão aquela estátua divina ares de humanidade. O cabelo, já um pouco bagunçado pelas mãos rápidas e inseguras do pequeno, e o olhar, desejoso de amor, fazem daquela cena um perfeito canvas, pintado talvez por Dionísio, em um de seus delírios de prazer.

O outro garoto se apoia com os cotovelos na cama, e seus braços tremem com o próprio peso, enquanto seus lábios e suas pernas tremem numa mescla de desejo e medo. Seu olhar brilha tanto que ele mais parece contemplar um anjo, e não outro homem. 

A música que havia diminuído lentamente recomeça, num ritmo levemente mais acelerado, e ele retomam o beijo, ainda mais apaixonado do que antes. O hálito doce do mais velho se encontra com o perfume almiscarado da barba do mais novo que, embora mais alto e mais forte, se mostra nervoso com aquele desejo recém descoberto. 

É um momento novo. Ele, o rapaz forte, nunca se imaginara naquela situação, nunca se imaginara desejando outro homem, mas ali, naquele momento, nada mais em sua cabeça fazia sentido, senão que ele queria possuir aquele que a sua frente sorria, implorando pela seu amor. O perfume doce, feminino, do rapaz menor o fez enlouquecer. Sua visão se turvara, como se tivesse possuído por um dos deuses da vodka, e ele não tinha certeza de mais nada além de uma súbita consciência de que cada centímetro de seu corpo também o desejava. 

Ele então se curvou, e seus lábios se tocaram mais uma vez. Ele beijou seu amado com tudo o que tinha, todo seu carinho, todo seu desejo estavam impressos ali, bem como todo seu medo que se dissolvera no ar como o hálito da respiração ofegante que logo desaparecia. Ele beijou seu rosto, e desceu lentamente pela linha do pescoço, provocando no outro suspiros e arrepios, e quando chegou um pouco abaixo, foi surpreendido. 

O outro que até então se mostrava passivo, extasiado pelo momento, reagiu com uma força estranha, quase sobrenatural, que o puxou com violência para junto de si, encaixando seus corpos com perfeição num novo beijo, mais violento que os outros, e ainda mais repleto de desejo.

Separaram-se por alguns breves instantes, suficientes apenas para que as roupas fossem lançadas ao chão a esmo. Não se olharam nem por um segundo, pois estavam decididos a explorarem cada parte de seus corpos com todos os sentidos.

As mãos firmes do mais novo seguravam com força, e deslizavam pelo corpo do outro como se temesse que algo no mundo pudesse separá-los. Enquanto isso os lábios do mais velho, e menor, exploravam cada linha, cada canto, do corpo forte do seu amado. Sentiu os músculos se enrijecerem com seu hálito, e sorriu, enquanto mordia aqui e ali, fazendo o outro contorcer-se de prazer. Algumas gotinhas de suor começavam a escorrer do pescoço daquele que era mais novo, e menos experiente, mas que sabia exatamente o que deveria fazer.

Tomando novamente o controle da situação ele trouxe o outro para perto de si, e certo de que aquele era o momento para que se unissem mais intimamente. Quanto tempo se passou desde que se conheceram, quanta coisa viveram juntos, quantas dificuldades. Se aproximaram numa amizade inesperada, calcada na generosa companhia nos momentos de aflição. Se afastaram pelos ciúmes quando um deles se apaixonou por outra pessoa. E se reaproximaram porque nem mesmo o destino pode lutar contra um amor verdadeiro para sempre. 

E o seu amor se consumou num gesto de entrega total. Corpos que se comunicaram sem dizer uma só palavra, entre suspiros e gemidos, entre beijos e mordidas, entre abraços e carícias que duraram a noite toda.

As vozes na musica se calaram. Apenas o baixo e o sax ficaram, baixinhos, enquanto os dois se abraçavam, olhando para a luz cinza que entrava pela janela. As mãos ainda trêmulas, as pernas sem forças, os lábios vermelhos.

Com um sorriso doce eles aos poucos se deixaram envolver pelo sono que vinha, juntamente com o sol, que já se anunciava no horizonte, tímido, pois a lua lhe contara tudo o que ali se passara naquela noite, mas orgulhoso de que agora iria com sua luz tocar o corpo daqueles dois amantes. 

Sobre você me compreender


Você é lindo, 
mais que demais, 
você é lindo sim, 
você é lindo assim. 

E quando diante dos meus olhos você para, 
eu sinto meu coração parar, 
eu sinto meu mundo se virar, 
eu sinto meu estômago revirar, 
eu sinto meu ser a te amar.

Quando vejo você, 
você se torna meu caos, 
tudo se descontrola, 
tudo se esvai das minhas forças, 
tudo sai de meu controle. 

Eu não pensaria duas vezes 
antes de me atirar de uma ponte se me pedisse.

Você viu só, 
que amor, 
o brilho do meu olhar ao te ver? 

Você já percebeu, 
ou faz a mais pálida ideia 
do quanto é importante pra mim? 

Será que um dia você compreenderá 
o brilho do meu olhar? 
Será que um dia compreenderá 
que você é a minha razão de cantar?

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Tão bem e tão mal

Você me faz tão bem, e tão mal ao mesmo tempo! É um dicotomia estranha sabe, porque eu me sinto bem ao seu lado, mas também sinto uma vontade incrível de correr e de me esconder...

Sempre achei que as borboletas no estômago fossem uma ilusão, mas não, quando estou com você eu sempre me sinto inseguro, ao passo que a sua figura é capaz de me trazer uma paz e um contentamento únicos.

É como se você fosse meu céu e meu inferno. Contigo o meu sorriso é sempre o mais verdadeiro, mas também as minhas lágrimas são sempre as mais doloridas.

Mas talvez a culpa não seja sua. Eu fico feliz por você estar comigo, mas me entristeço com os limites de nossa relação. Fico feliz de saber que posso ouvir sua voz, mas choro quando percebo que não posso tocar em você. Fico feliz em ver seu sorriso e sua beleza estonteante, mas me entristeço em saber que não sou eu a causa desse sorriso.

Os momentos ao seu lado são fáceis. E é tão bom ver como as coisas fluem naturalmente com a gente. Seríamos um bonito casal, não? Formaríamos uma bela família, certamente. E meus olhos se enchem de lágrimas só de imaginar em construir uma vida inteira ao seu lado. Você topa?

Mas a espera da sua presença me machuca. Quando você vem à noite, por exemplo, desde cedo eu já sofro com a iminência de sua presença. Essa ansiedade por você me corrói, me machuca de tal maneira que é como se sua presença fosse tóxica.

Eu te amo. Mais do que a mim mesmo. Mais do que deveria. Mas é assim que te amo. E me faz ir aos altos céus esse meu amor, ao mesmo tempo em que me faz gemer de dor. E assim, dentro de mim há o embate entre duas figuras suas, a primeira que me ama e que me quer por perto, e a segunda, que me machuca constantemente. E a sua forma real é constituída pela tensão entre essas duas figuras.

E o que fazer? Você me faz tão bem, e tão mal ao mesmo tempo! É um dicotomia estranha sabe, porque eu me sinto bem ao seu lado, mas também sinto uma vontade incrível de correr e de me esconder...

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

RUBAIYAT

No céu, a mão esquerda da alvorada: eu sonho.
Na taverna, uma voz escuto na algazarra
Despertai meu pequenos, e enchei bem o copo
Antes que seque o vinho da vida em sua jarra.
Ah enche o copo! De que serve repetir
Que o tempo sob os nossos pés já vai fugindo?
O amanhã não nasceu e o ontem já morreu,
Por que me hei de importar se o dia de hoje é lindo?
E ao côncavo invertido que se chama o céu,
Sob o qual rastejaram o vivo e o que morreu,
Não erga tuas mãos, tu que oras. Ele é impotente
No seu guiar, tal qual o somos tu e eu.
O dedo que se move escreve, e tendo escrito,
Se vai. E toda argúcia e piedade, entretanto,
Não o trarão de volta a mudar meia linha,
Nem as palavras podes apagar com o pranto.
E se o vinho que bebes, o lábio que beijas
Finda nesse nada que a tudo dá sumiço,
Imagina, então, que és; não podes ser senão
O que hás de ser – Nada! Não serás menos que isso.

  OMAR KHAYYAM

Trad.: Alexandre S.Rocha

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

De um anúncio fatídico

Mais um ensaio se aproxima, e eu sinto que mais uma crise vem se anunciando também. Já sinto os sinais... Os tremores, as palpitações, o gosto metálico na boca... Eu estava tão bem, poxa... É uma sensação tão ruim, tão desesperador, sentir medo de ser dominado pelo medo. Não faz nenhum sentido, mas é assim que me sinto. 

E então eu automaticamente me fecho, venho pro escuro, como se isso fosse ajudar alguma coisa. Mas não ajuda, não ajuda em nada... Queria um abraço, alguém que me dissesse que tudo vai ficar bem, que eu vou sobreviver a mais um fim de semana. 

Eu temia que o cansaço que sentia nos últimos dias fosse mais do que um reflexo do fim de semana cheio que tive. Mas parece que na verdade ele abriu espaço para minha mente se desestabilizar de novo. Logo quando eu achei que as coisas iriam começar a dar certo, logo quando achei que eu ia voltar a sorrir de verdade, logo quando achei que poderia voltar a me sentir bem perto dele... 

E lá vem ela, marchando ameaçadoramente em minha direção, trazendo os garfos e as tochas. Sua lâminas têm sede de sangue, o meu sangue. Os tambores e as trombetas gritam aos quatro cantos que não adianta correr e nem me esconder, ela me encontrará, e dessa vez ela me matará, sem clemência nenhuma!

Mas eu não queria me entregar dessa forma, de novo não. Não quero mergulhar no oceano de escuridão que vem avançando sobre mim. Não quero sentir o medo, a dor em respirar, o desejo da morte... Eu não quero! Mas pra onde fugir? Onde me esconder se o inferno do qual quero fugir está bem aqui dentro do meu peito? O que eu posso fazer? Não há nada para fazer senão chorar, e me deixar ser dominado pelos tentáculos gelados da morte, que circundam minha cabeça, querendo me levar à loucura... 

Posso me refugira na beleza daqueles que me entretêm? Posso buscar consolo no colo daqueles que já se foram mas que deixaram um legado de suas histórias de lutas e crises? São mais perguntas do que respostas...

E agora eu, pobre, que farei? Que patrono invocarei? Será que sua majestade, no alto de sua glória, se compadecerá de mim e virá em meu auxílio? Ou enfrentarei sozinho, a sorte, o dia da ira, aquele dia, que transformará tudo em cinza fria?

Gostaria de encontrar poesia aqui. Mas nesse momento não vejo a beleza no sofrimento, me desculpem, me sinto apenas como cinza lançada ao vento, sem força, sem rumo, sem prumo. A única beleza ao meu redor é a daquele que assim me destruiu, e das notas da sinfonia que embalam o meu sono da morte. Como podem os poetas enxergarem na morte beleza? Eu vejo apenas desespero e tristeza na minha própria dor, e percebo que não passa de sadismo, quando vejo na dor do outro, a poesia que falta a minha...

Olha pra cima, e vejo apenas uma lâmpada tremeluzindo. Nem sequer fui atacado pelo exército inimigo ainda e já estou caído. Eu poupei o esforço deles e apunhalei o meu próprio peito. 

Oh que infeliz constatação. Um poeta que na morte não escreve poesia, mas se vê desejando a morte dos outros, para poder ao menos desfrutar de um pouco de beleza, antes de se entregar aos braços frios e magros, da mórbida ceifeira de almas...

E agora eles se riem de mim. As trombetas não anunciam mais a chegada de um exército, mas já comemoram a vitória, isto é, a minha morte! 

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Dos favores

Tem dias que me sinto incomodado, pela frequência com que me procuram. As vezes eu penso que tem uma placa escrito "favores" na minha testa, e as vezes penso que é só pra isso que eu sirvo. 

Gabriel, imprime isso pra mim?

Gabriel, liga pra fulano pra mim?

Gabriel, me ajuda no trabalho da faculdade?

Gabriel, faz isso pra minha pastoral?

Gabriel, me ajuda com meus problemas?

Gabriel, me ajuda com um processo?

Gabriel, me ajuda a entrar no sistema do governo pra baixar meu contracheque?

Gabriel, me ajuda a fazer uma arte?

Se por um lado deveria ficar feliz por saber que as pessoas confiam em mim, e principalmente na minha eficiência, por outro eu me sinto sufocado pelos outros. Não tenho disposição pra fazer nem aquilo que eu deveria fazer para mim, imagina só pra resolver os problemas dos outros que eles mesmo não quiseram fazer. As vezes sinto que se alguém não quer fazer algo, por preguiça ou desânimo, já pensa logo em mim. Não é possível que eu seja o único a conseguir resolver problemas burocráticos, por exemplo...

Eu sei que pensam em mim como responsável, eficiente, esforçado. E é bom que pensei assim, pois assim me esforço pra ser. Mas eu não queria ter de fazer tudo isso. Eu só queria ficar quieto, sem ver ninguém, estudando em silêncio e escrevendo as coisas que o meu coração me diz. 

Sinto que não tenho para nenhuma dessas pessoas uma importância real, mas que importa mesmo é aquilo que posso fazer para cada um. Todos querem um favor, todos querem algo de mim, mas ninguém pode sequer me dar um abraço...

E sabe, eu nem preciso de muitos favores não. Eu só queria alguém pra sentar comigo na calçada, tomar um refrigerante olhando pras estrelas, caminhando sob a luz do luar... É pedir demais, alguém pra me abraçar? 

De um casamento

Ontem participei do casamento de uma de minhas primas mais próximas, e fui um dos padrinhos dessa união. Queria ter colocado num papel as impressões que tive ainda ontem, principalmente durante a celebração, mas como não foi possível, tive de adiar até agora, quando o cansaço finalmente começou a cessar. Infelizmente isso significa que muitas daquelas belas impressões se perderam, mas talvez não seja tão ruim assim, afinal a fugacidade também carrega sua parcela de beleza e encantos. 

A experiência de participar de uma celebração do amor entre duas pessoas foi particularmente tocante no que diz respeito aquilo de que tratei alguns dias atrás, isto é, o desejo de unir-se ao amado para sempre, numa família.

Uma família nasceu do amor, e isso me mostrou que ele é força não só geradora, mas motora das nossas vidas. É o amor que dá a vida, e é ele que a mantém viva. 

Por alguns momentos eu fechei os olhos, e me imaginei ali, onde nunca quis estar e onde nunca sonhei chegar. E eu desejei baixinho, pedido a Deus que me ouvisse, e que me levasse até ali ao lado de quem amo. 

E de repente tudo se tornou mais colorido, música mais delicada, o ar mais doce... Foi como se ele estivesse ali, bem a minha frente, alto e maravilhosamente belo. Não consegui conter as lágrimas quando, em meu sonho, ele disse que me amava, e segurando minhas mãos me conduziu ao nosso para sempre!

Não demorou muito até que eu caísse de volta na realidade. Mas não foi de maneira abrupta, despertei de meu sonho lentamente, como quem acorda ao amanhecer com a luz do sol aquecendo a face. 

Embora eu já não me recorde mais dos detalhes da noite, essa foi a impressão que ficou, e acho que isso é suficiente, pois se imprimiu no meu peito esse desejo pela família, esse desejo pelo amor eterno. 

Perdoem-me as parcas palavras, e a expressão truncada, mas o cansaço e a fadiga ainda cobram de mim uma taxa, e acredito que preciso dormir mais um pouco. Talvez nunca consiga escrever o que realmente senti, mas é certo que esse sentimento eu vou levar comigo, bem aqui, no meu peito. 

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Agradecimentos íntimos

Sabe, eu tô passando só pra dizer o quanto te amo okay? Mais uma vez eu queria te lembrar que você é tudo pra mim, e que minha vida não teria sentido algum sem você ao meu lado. E não pense que estou exagerando, pois mesmo com todo meu vocabulário hiperbólico, jamais conseguiria expressar com precisão a gratidão que há em mim por você estar aqui.

Quantas vezes eu quis desistir, quantas vezes eu pensei em por um fim a toda dor, todo sofrimento e toda confusão que habitam em mim, mas toda vez que eu olho pra você, ou penso na sua figura, eu sinto uma centelha de esperança brotando de novo dentro de mim, e aí eu não consigo desistir. 

Você é o laço que ainda me prende a esse mundo, você é a razão que eu andei buscando todo esse tempo. Você é a força que me leva pra frente, você é a causa da minha luta constante. 

Você é o sol que aquece meus dias frios, e eu sei que você não gosta do sol. Mas embora eu goste do frio aqui fora, dentro do coração ele não me faz bem e você dissipa isso em mim. Lança pra longe o pessimismo que me é tão característico, a névoa entorpecente da tristeza e mais importante: a sua voz me arranca dos braços gélidos da solidão. E mesmo você perdido muitas vezes nos abismos de suas próprias dores, até de lá você consegue ser sol para mim, até de lá consegue me iluminar. 

O que fez por mim, talvez sem nem perceber, é o que me faz te admirar tanto. Você é um herói para mim! Poder te chamar de amigo é um honra sem tamanho, e também por isso me sinto infinitamente grato. 

Mesmo quando preso num mundo cinza e sem vida, mesmo quando perdido entre minhas lágrimas e meus gritos de desespero, você me mostrava que há um céu azul que merece ser visto. E esse céu não o mesmo em que se estendem as nuvens e as aves, não, esse céu é você. Você é o que há acima de mim, você é quem sempre desejei alcançar e se eu ainda hoje caminho, é porque desejo caminhar ao seu lado. 

Você me permite? 

sábado, 11 de agosto de 2018

Cristalina Fonte

Trago hoje um de meus poemas favoritos, de um de meus poetas favoritos. Fonte de inspiração sempre profunda e apaixonada. São João da Cruz era um eterno enamorado, como eu, mas infinitamente superior. Seu amado era Cristo!

De toda forma, ele se deixou mudar pelo amado, e os encontros entre sua alma e Cristo deixaram nele impressões tão poderosas, tão profundas, que ele as expressou em palavras repletas de seu amor. 

Assim como quase tudo que ele escreveu, ele fala dessa relação da alma com o Amado. A alma anseia, espera e suspira, ferida de amor, ao passo que o Amado dela se afasta para que ela melhor conheça seu amor, e uma vez provada e purificada, a alma se reencontra com o Amado.

O caminho percorrido pela alma é sempre espinhoso, dolorido. Por isso ele fala da ferida de amor, da noite escura, que torna a alma consciente de sua posição, e a faz desejar sempre mais e mais aquele que a feriu. Quando então o Amado percebe que sua Amada o ama perfeitamente, novamente dela se aproxima para que juntos partilhem seu amor.

Os lamentos da alma são sempre como suspiros de amor. Dolorosos sim, é verdade, mas repletos de desejo, que aqui toma um significado todo particular. O desejo que a alma sente pelo Amado é o de sua presença. A alma anseia pela presença de Deus, pois uma vez tocada por Ele, ela sabe que nada mais na terra pode lhe fazer feliz, e por isso rejeita tudo que seja prazeroso, mas que não é Deus, como os mensageiros, que embora tragam boas noticias, não trazem o Amado.

Nos olhos da alma refletem o amor pelo Amado. Nos olhos da alma o Amado é a luz que ela deseja ver. Mas contemplando a criação, com esses mesmos olhos, ela não pode fazer mais do que suspirar enquanto ama, e vê nas criaturas uma forma imperfeita do criador, desejando que fossem a perfeição. E então ela anseia pelo céu, que é onde habita o amado, e sob a metáfora do voar, ela deseja a mais alta união de amor que pode existir...

Quem poderá curar-me?!
Acaba de entregar-te já deveras;
Não queiras enviar-me
Mais mensageiro algum,
Pois não sabem dizer-me o que desejo.

Mas como perseveras,
Ó vida, não vivendo onde já vives?
Se fazem com que morras
As flechas que recebes
Daquilo que do Amado em ti concebes?

Por que, pois, hás chagado
Este meu coração, o não saraste?
E, já que mo hás roubado,
Por que assim o deixaste
E não tomas o roubo que roubaste?

Extingue os meus anseios,
Porque ninguém os pode desfazer;
E vejam-te meus olhos,
Pois deles és a luz,
E para ti somente os quero ter.

Mostra tua presença!
Mate-me a tua vista e formosura;
Olha que esta doença
De amor jamais se cura,
A não ser com a presença e com a figura.

Ó Cristalina fonte,
Se nesses teus semblantes prateados
Formasses de repente
Os olhos desejados
Que tenho nas entranhas esboçados!

Aparta-os, meu Amado,
Que eu alço o vôo.

São João da Cruz

Cura

Quem poderá curar-me?
Acaba de entregar-te já deveras...*

A ferida de amor é a que dói mais profundamente que todas as feridas, pois não sendo do corpo, dói sem que no mundo exista remédio além daquela mesma lança que o feriu. A ferida de amor é que mais profundamente arde, e estende-se ao corpo, abrasando-o por participação, naquele que é sofrimento por natureza.

E a alma enamorada, ferida de amor, só pode ser curada por aquele que a feriu. E por isso a dor é ainda maior, pois não vem do inimigo, e nem sequer do amigo, mas do amado. Vem do amor mais puro que pode haver e é a dor mais puramente dor que se há de sentir. 

Mas o Amor nos faz crer que a ferida será curada, e que a flecha que nos transpassou o peito será o remédio que há de fechar a carne e estancar o sangue. 

E tudo há de ficar bem. 
E tudo há de terminar em paz. 
Nenhuma ferida sangrará para sempre. 
Tudo ficará bem. 

Eu só quero que fique bem!

~

*Nota: São João da Cruz, Cristalina Fonte. 

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Lindo céu

Bastou que eu me levantasse para perceber que algo havia de diferente na atmosfera do dia. Já não sentia mais aquele calor desagradável que fazia quando fui me deitar, e o ar que antes estava pesado agora era apenas uma leve e delicada brisa, que me acariciava o rosto. 

Me aproximei da janela e o que vi me encantou, o céu cinza e as delicadas gotas do início da chuva descendo vigorosamente numa profusão de cristais. Eu fechei os olhos e respirei fundo. Meu corpo, maltratado pela secura dos últimos dias, suspirou em alívio ao sentir a mudança na umidade, e o cheiro delicioso da terra molhada despertou os meus sentidos. Fiquei ainda mais atento aos barulhinhos no telhado, e muito satisfeito pela brisa ter se tornado um vento forte e frio. 

O sol não apareceu, mas se escondeu timidamente por entre as nuvens grossas, acho que ele também decidiu dormir até mais tarde hoje. O meu professor tinha razão, o tempo, a paisagem, não pode refletir um coração pequeno como o meu, mas o transcende tão infinitamente que o máximo que posso fazer, é refletir no meu coração, a paisagem que me cerca. Tudo o que posso fazer é ficar aqui, olhando esse lindo céu, e quem sabe fazer um pedido, de que as águas do céus me tragam o amado, que tenho certeza, também contempla esse mesmo lindo céu. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Sobre família

Eu nunca fui um cara muito ligado a minha família, pelo contrário, sempre quis um pouco mais de distância de todos. Talvez por isso eu nunca tenha tido o grande sonho de formar uma família, ter filhos, viver com a mesma pessoa pra sempre, essas coisas. Mas isso mudou, de uns tempos pra cá.

Eu sempre quis morar sozinho, sem dar satisfação a ninguém, e tendo tudo do meu jeito. Mas ultimamente eu venho sonhado com viver ao lado de alguém, e não raramente me vejo fazendo planos, sonhando acordado com uma vida inteira ao lado dele. Penso em como seria bom planejar uma vida ao lado dele, nossos trabalhos, nossa casa e até nosso filho!

Eu nunca quis ter um filho. Nunca me vi como pai, mas até isso mudou, eu me vi pensando em como seria como pai. Efeito, claro, da influência que ele, que sempre quis ser pai, tem sobre mim.

Tornou-se um sonho doce sabe? Pensar como seriam o fins de semana com os parentes ao redor da mesa, ou o churrasco com os amigos, as crianças correndo, os passeios no parque, as fotos com as pessoas fantasiadas no dia das crianças. E é tão estranho sonhar com isso. E eu sei que isso não vai acontecer com outra pessoa, ou melhor, eu não vou sonhar isso com outra pessoa, porque com ele também não vai acontecer...

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Sobre vencer

Tem dias que a gente ganha, e tem dias que a gente perde. E hoje eu estranhamente me considero um VENCEDOR!

É com o olhar brilhante e um sorriso largo e amarelo que eu me sento em frente a janela, observando a rua vazia, iluminada pela luz turva do poste e sentindo uma brisa fresca se contrastar com o calor da noite. Sorrio para o céu azul escuro, um azul que tem um significado especial para mim. Não era o verde a minha cor favorita? 

O vencedor leva tudo, e com certeza quem escreveu essa musica não estava feliz com isso. Mas eu ganhei! Ganhei essa rodada, ganhei a noite, ganhei um sorriso que me fez esquecer todas as palavras cinzas que disse aqui! 

Eu ganhei um abraço, um desejo de boa noite, ganhei um aperto encorajador, ganhei uma razão pra não me entregar. Eu ganhei! Aquele que sempre perde ganhou algo nessa vida, e agora, quando estiver triste, posso me recordar do dia que ganhei alguma coisa, e uma coisa maravilhosa: ganhei um Eu Te Amo! 

O vencedor leva tudo! E mesmo sabendo que não ganhei tudo, me sinto o homem mais feliz da terra. 

O vencedor leva tudo! E eu ganhei um calor no coração, que se espalhou pelo meu corpo, pelas minhas mãos, que corou o meu rosto, que iluminou meu olhar, que abriu meu sorriso, que me fez suspirar. 

O vencedor leva tudo! E eu ganhei uma faísca da esperança, ganhei uma centelha de vida, ganhei um sonho acordado, ganhei o troféu dos enamorados. Ganhei um beijo do amado, ganhei um abraço apertado, ganhei um sorriso que me devolveu a vida que eu havia perdido.

O VENCEDOR LEVA TUDO!

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O que querem me dizer?

O sol brilha tão forte sob minha pele, 
me aquece, 
me abraça, 
me conforta. 

Mas ele também me assusta, 
me machuca, 
me faz querer me esconder. 

Um estranho impulso sopra no meu ouvido: 
sorria! 

Do outro lado alguém sussurra: 
você vai chorar! 

Em quem acreditar?

Alguém me disse que a paisagem ao meu redor não reflete meu interior. 
Então o dia luminoso não quer dizer que eu tenho de sorrir. 

Mas e aquele abraço, 
e aquele sorriso? 

O que eles querem me dizer? 

Eu queria chorar, 
e ele secou minhas lágrimas com um sorriso. 

Mas por quê eu não consigo sorrir? 

Porque sei que, 
assim como o sol brilha independente de minha vontade,
também ele ama independente de minha vontade.

Relato de uma crise de ansiedade

Começo a escrever poucos minutos depois de minha mais recente crise. Que já se prenunciava há vários dias e eu fingi não ser nada...

A ansiedade é como um fantasma, sempre a espreita, nunca vai embora completamente. Por mais que eu esteja bem, as vezes tranquilo, ainda sinto como se ela estivesse sempre me observando.

Já as crises sempre se prenunciam. Dias antes eu começo a receber um tipo de sinal, por assim dizer, que é como uma presença que vai ficando mais e mais forte conforme certos gatilhos são acionados. As vezes eu sinto também um gosto de sangue na boca, que também vai crescendo até me levar ao desespero.

Conforme se aproxima a crise em si, eu vou me sentindo cada vez mais fraco. Perco a fome, simplesmente não consigo comer de nenhuma forma, e isso só piora tudo. Nos momentos das crises eu perco a noção de espaço e de tempo. As coisas vão ficando turvas, tenho dificuldades para entender o que os outros dizem e ainda mais dificuldade para me expressar. A crise em si vem quando tudo se escurece, e não tenho mais forças para ficar num só lugar, o que obviamente não é uma boa combinação. A respiração se vai, e isso me desespera.

E eu fico ali, no escuro que habita nos recessos da minha mente, sem conseguir respirar, apenas chorando desesperado esperando que alguém me resgate... É como um peso no peito que me esmaga, que me aperta, e que me leva chorar. Eu sempre choro. Nesses momentos, tudo o que eu quero é de alguém para me abraçar, me fazer sentir seguro, e não solto, sozinho. Mas ninguém nunca vem, as pessoas se limitam a me olhar com a mesma expressão piedosa que se tem para um cãozinho abandonado na rua.

Talvez porque tudo isso aconteça dentro de mim. Todo esse inferno está dentro de mim, e apenas vaza pelas minhas lágrimas e tremedeiras às vezes. E os outros não podem ver o que se passa no meu coração, só eu posso, e nem eu entendo... 

sábado, 4 de agosto de 2018

Um belo amanhecer

Você viu como o céu está bonito hoje? As nuvens numerosas pintam o azul claro como pinceladas de aquarela nas mãos de uma criança. Quem sabe o menino Jesus esteja contente e resolveu pintar o céu para nós...

Mas eu sei porque o mundo me parece mais belo hoje, e devo admitir que não é pela delicadeza das nuvens no céu, mas por algo que aconteceu aqui na terra. 

A singeleza de um momento, 
a simplicidade de um sorriso, 
um abraço sincero, 
um olhar de carinho. 

Acho que sim, o mundo é belíssimo, mas o mundo ao lado de quem se ama, ah, esse é de uma beleza inenarrável, indescritível, apenas experimentável. 

Não quero sequer lamentar por esses momentos encherem meu coração de uma esperança tão grandiosa que me faça perder o senso da realidade. Mas atire a primeira pedra quem nunca se deixou levar, pela força irrefreável do amor... Quem nunca se deixou levar, e começou a cantar as belezas do amor, as delícias do amor?

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Caminhada solitária

Os últimos dias, em especial as últimas horas, tem sido um momento de particular florescimento criativo. Tenho tido vários pequenos lampejos de inspiração, e se ficasse a todo tempo na frente do computador, certamente teria escrito um livro já a essa altura. Infelizmente não se trata de uma percepção nova, mas apenas antigas convicções que vem se mostrando cada vez mais profundamente arraigadas no meu coração. 

A palavra que tem encontrado eco no meu peito é SOLIDÃO. Em caixa alta para expressar a força com que ela tem se revelado a mim. 

Solidão é caminhar sozinho rumo a um objetivo que é só seu. Rumo algo que se crê ser causa de felicidade. Dificilmente as pessoas reconhecem estarem sozinhas nesse caminho, e afirmo isso porque custo acreditar que todos tenham consciência de sua solidão e continuam vivendo normalmente, sem desesperar-se completamente de sua existência. 

Todas as vezes que vislumbro o deserto solitário da minha existência eu sinto pânico, e tenho vontade de fugir e buscar alguém para cruzar comigo aquele caminho. Mas isso não é possível, não é possível porque eu sou o único capaz de enxergar o deserto que tenho de atravessar, ao passo que não sou capaz de ver o caminho de nenhum outro. 

Acontece que os breves momentos de contato com o outro nos faz crer que estamos juntos, que caminhamos juntos, quando na verdade somos companheiros apenas na solidão que nos é comum. E o fim do homem não é outro senão que uma continuação de seu caminho. Solitária é a caminhada e solitário é o destino. 

Mais animal do que homem

Uma perspectiva infeliz se antepõe a minha frente nesse momento. 

Uma dicotomia na minha autoestima. 

Uma briga.

Se por um lado há em mim um crescente desejo de me cuidar, de me esforçar para ser como sou, e de me sentir bem comigo mesmo, especialmente meu corpo, por outro lado há a certeza de que não importa o que faça, não há como mudar o que sou. Não adianta mudar a aparência, se ela nunca poderá ser boa de fato, como também não adianta fazê-lo se meu interior continua aflito.

Eu vejo ao meu redor, e me encanto de tal modo com a beleza de certas pessoas que fico absolutamente hipnotizado. Olho no espelho e não consigo ver uma forma de melhorar o que vejo. Não há em mim nem sequer a latência de um dia me tornar agradável aos olhos dos outros, e aos meus também. 

Acontece que minha autoestima, que algumas semanas atrás até passou por dias bons, despencou novamente. Eu vejo os jovens com suas peles perfeitas, cabelos comportados, lábios rosados e vejo depois o que sou. Pele escura, lábios desproporcionais, cabelo sem vida. E não há outra reação possível além da completa decepção. Os discursos motivacionais nunca tiveram efeito em mim. Não há nada que possa me fazer sentir bonito, importante. 

Já sentiu tanta vergonha da própria aparência a ponto de não querer sair na rua? Me sinto assim agora. E isso só piora tudo, pois não tenho vontade de fazer a barba ou de usar maquiagem, por exemplo. A minha vontade é de me esconder, até o mundo esquecer completamente que um dia teve de me ver, com essa aparência grotesca e bestial.

Assim me vejo, mais próximo de um animal do que dos homens. 

Sei que deveria ter aqui espaço para dizer o quanto o exterior deve ser inferior ao interior, mas não consigo. Simplesmente não consigo pensar nessa gradação. O interior pode estar bem se o exterior não está? E o contrário? 

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Não é nada

Passou uma brisa por entre nós
Que trouxe a solidão de algum lugar muito distante
Depois de chorarmos, aquele céu
Parecia mais limpo do que nunca

As duras palavras do meu pai
Hoje, foram aconchegantes
A gentileza, os sorrisos e sonhos
Eu não entendi nada, então apenas te imitei

Um pouco mais
Apenas um pouco mais
Um pouco mais é o suficiente

Um pouco mais
Apenas um pouco mais
Podemos ficar assim só mais um pouco?

Nós voamos pelo tempo, pois somos escaladores dele
Estamos cansados de ficar brincando de esconde-esconde

O motivo pelo qual você chorou alegremente e sorriu tristemente
É porque seu coração te dominou

Ganhei um brinquedo que desejei a estrela
Agora ele está no canto do meu quarto
Eu tive cem desejos realizados
Algum dia, irei trocá-los por apenas um

Hoje fui capaz de dizer
Até amanhã, para a garota com quem nunca conversei
Tudo bem fazer coisas diferentes
Principalmente se você estiver ao meu lado

Um pouco mais
Apenas um pouco mais
Um pouco mais é o suficiente

Um pouco mais
Apenas um pouco mais
Então vamos ficar assim apenas mais um pouco

Nós voamos pelo tempo, pois eu sabia sobre você
Eu me lembrei de você, muito antes de lembrar do meu próprio nome

Sem você o mundo
Provavelmente ainda teria significado
Mas sem você o mundo seria como
Não ter férias de verão em agosto

Sem você o mundo seria como um Papai Noel que não sorri
Sem você o mundo seria como

Nós voamos pelo tempo, pois somos escaladores dele
Estamos cansados de ficar brincando de esconde-esconde

Não é nada
Realmente não é nada
Estou indo até você

Nós voamos pelo tempo, pois somos escaladores dele
Estamos cansados desse esconde-esconde

Você chora tanto
Eu queria parar estas lágrimas
Mas você se recusou
Então entendi a razão pela qual suas lágrimas caem

O motivo pelo qual você chorou alegremente e sorriu tristemente
É porque seu coração te dominou

Tradução de Nandemonaiya, do RADWIMPS
Trilha sonora de Your Name/Kimi no na wa

Um sonho dentro de outro sonho

"Já se sentiu tão magoado que nem sequer conseguiu chorar?" dizia uma postagem da internet com uma imagem triste e cinza de anime no fundo. Essas palavras me acertaram com a força de um tiro de canhão, me desestabilizou e me lançou imperiosamente para o fundo de um abismo de culpa e dor. 

A pessoas que postou isso é uma das quais eu mais me dedico, e ver que meu esforço foi completa e absolutamente em vão me fez sentir tão inútil... Eu nunca me canso de me surpreender com a capacidade que temos de ver apenas aquilo que queremos, ignorando absolutamente tudo o que está ao nosso redor. 

Eu estou literalmente a frente dele, desesperado pela sua atenção, clamando pelo seu toque, e me esforçando tanto quanto posso para te ajudar e, de algum modo, ser alguém em sua vida. Mas não importa o quanto tente, o quanto arraste meus pés ensanguentados por correr atrás de você, você não me nota, não reconhece o que faço por amor. Mesmo tendo me esforçado para ser o melhor amigo possível, não passei de um pária, um peso, um estorvo. 

Sou apenas mais um, dentre tantos outros, que passaram por sua vida sem deixar nunca uma marca profunda. Profunda mesmo foi a cicatriz que você deixou em meu coração, marcada a ferro e fogo, indelével. 

O que mais eu poderia fazer para ser bom para você? 

Cheguei a pensar por várias vezes que não era bom o suficiente para você porque simplesmente não era bom, mas agora sei que isto está errado. Eu sou bom sim, mas você é que não tem olhos para mim, senão que apenas consegue ver aquela serpente que te enfeitiçou com seu chocalho demoníaco. Cheguei a pensar que fui algum tipo de demônio, condenado a viver eternamente sem nunca alcançar meu único objetivo.

Sei que não há mais nada a se fazer, exceto aos poucos me afastar, pois não é possível que um dia você me veja, e muito menos que um dia compreenda o quanto amo você. E essa é a minha dura verdade: estou condenado a marchar sozinho, às suas costas, sem que consiga jamais caminhar ao seu lado e segurar são mão. Estou condenado a viver olhando a sua imagem de beleza transcendental, sem nunca poder toca-la, sem nunca poder me aproximar verdadeiramente.

Não me parece um futuro muito promissor, no entanto. Afinal, se meu destino é viver sem alcançar meu objetivo, por qual razão continuaria insistindo em algo que sei que não vai dar certo. Seria burrice continuar tentando. Ainda que os adeptos do otimismo digam o contrário, que é importante sempre lutar, sempre tentar, eu acredito que lutar uma batalha que não se pode vencer não é honroso, senão que é estúpido.

Pois bem, dito isto é necessário acrescentar que não tenho, no entanto, capacidade e nem força para correr. As correntes que me aprisionam a ele são demasiado grossas e pesadas para meu débil corpo carregar, o que só reforça minha convicção de que alguém com poder sobre minha vida definitivamente não vai com a minha cara, e deseja me ver pra sempre preso aquele que mais me causa dor e sofrimento.

Algumas vezes, para me iludir, ainda sinto uma doce melodia brotar do meu coração. E com seus adágios doces me faz crer que existe ainda um pouco de esperança, um pouco de luz no fim da tenebrosa escuridão em que me encontro.

Quando isso acontece, sinto como se acordasse de um pesadelo macabro, num mundo florido e iluminado, e me colocasse a andar numa campina, encantado pelas cores de tudo quanto me rodeia, mas ao mesmo tempo um som seco ainda me recorda a solidão. Isto é, parecia acordar de um pesadelo mas ainda estava preso nele, um sonho dentro de um sonho.

E mesmo que encantado com o mundo ao meu redor, o sino seco ainda me prendia a realidade, vazia e triste. Essa dicotomia se mantém até o momento em que as belezas imaginárias daquele país das maravilhas começam a se dissipar em meio a névoa, me trazendo de volta para o cenário macabro do pesadelo, ou melhor, para a realidade onde tudo o que posso esperar são os golpes violentos do martelo do destino contra meu corpo, acabando de uma vez por todas com o que resta da minha existência, doada em vão aquele que decidiu jogá-la na lama por outra. 

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Sobre o intelectual solitário

Ao ver alguém escrever como Cervantes o Dom Quixote, acompanhando as novelas exemplares de Cervantes. Ao descobrir em romances contemporâneos Milton Hatoum, O Copo de Cólera. Ao descobri Lavoura Arcaica, que me provocou também um impacto extraordinário. Ao ver esse tipo de texto, eu reconheci que haviam mentes muito privilegiadas, sobre as quais eu poderia discorrer, pensar, aprofundar, elaborar questões para os meus alunos. Mas eu não faria a mesma coisa, não faria do mesmo jeito.

Então tive de achar um nicho na humanidade, que é ser professor. Eu considero que ser professor, no meu caso, não é só um título justo, mas é um título tecnicamente simpático porque cabe ao grande intelectual, a uma pessoa do porte de Kant ou de Clarice, criar ideias. E cabe a um professor, ensiná-las! É uma posição bonita, que vai criar algo no aluno, mas cria ideias. Criar ideias é próprio da intelectualidade. E por intelectual estou entendendo essas pessoas que sendo ou não professores, sendo ou não escritores, um dia olham pro espaço e tem aquela intuição que Giotto di Bondone teve ao reinventar a perspectiva na pintura. Um dia olham pro espaço e tem aquela intuição que Picasso teve ao pintar Les Demoiselles d'Avignon e criar e inventar o cubismo como linguagem. Que olham pro espaço e pra umas gravuras japonesas e tem aquela explosão de pinturas que entre 1889 e 1890 Van Gogh teve. 

Para me consolar no meu estado intermediário de inteligência eu pensei: Van Gogh se matou! Clarice Lispector era uma pessoa atormentadíssima. Segundo a biografia recente do Benjamin Moser era uma pessoa atormentada porque dotada dessa capacidade de visão ela tinha uma dificuldade extrema de convívio com as pessoas. Pois pra conviver bem com as pessoas precisa estar mais ou menos no mesmo plano civilizacional que elas. Por isso que as pessoas simples são muito sociáveis. Quanto mais simples, mais sociável. E se ficam muito felizes com experiências muito singelas de conversa. 

E aí não um conselho, mas uma advertência: a medida que vocês forem lendo mais e mais, à medida que vocês não conseguirem mais viajar sem um livro, à medida que vocês forem entrando na descoberta da literatura vocês vão descobrir uma outra coisa. Vocês vão ficando mais exigentes com as pessoas. E aquela conversa "tá quente hoje né?", "será que vai chover?", "nossa, esse calor, é muito cedo pra este calor né?", "o tempo ta maluco", "que jogo ontem!", "e a política né? Tudo uns ladrão". A medida que eu enuncio essas orações absolutas, assindéticas, eu vou entrando numa capacidade de enunciar o mundo como ele é. "Está quente hoje em Porto Alegre." 

Mas a medida que eu leio Coração das Trevas, de Conrad, o polonês que escreveu inglês nessa obra impressionante, eu vou me sentindo um pouco Kurtz no meio da selva. Um europeu perdido numa curva do rio Congo, preocupado em como ensinar as pessoas locais a passarem o seu terno de linho. E isso me remete ao filme inspirado nesse livro, Apocalipse Now, e o Kurtz se transforma em Marlon Brando. E eu penso em Marlon Brando desde O Sindicato dos Ladrões até Apocalipse Now. E a minha cabeça deu dez voltas enquanto alguém me diz "ta quente hoje né? Nossa que calor!"

Isso me torna mais feliz? Provavelmente não! Vocês sabem que intelectuais e mesmo pessoas muito versadas raramente são muito felizes. A universidade não é um local de felicidade intensa. Se alguém não passou pela universidade talvez tenha uma outra sensação, mas felicidade não é própria da universidade! Uma reunião de departamento não é uma reunião de pessoas que flutuam no espaço das ideias e são iluminadas pela luz da razão, e se referem umas às outras através de haikais literários sofisticados. Uma reunião de departamento, em qualquer departamento, é quase sempre idêntica a uma reunião de pessoas não formadas, só variando o vocabulário. 

Leandro Karnal

Transcrição de um trecho da palestra "Ler é viver", feita no Teatro Carlos Urbim na 62ª Feira do Livro de Porto Alegre em 08 de novembro de 2016.