quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O Enigma da Esfinge

Janeiro finalmente se aproxima do fim, depois de centenas de dias que quase não terminaram, depois de um período tortuosamente longo e árduo, finalmente está acabando. É com o coração aquecido de esperança que espero ansiosamente para acordar amanhã e ver que finalmente estamos em fevereiro. Não que haja algo de especial nesse mês que, aliás, sendo o mês do meu aniversário, eu passo todo o tempo temendo que alguém se recorde desse dia que é para mim tão temido. 

Isso porque o novo, marcado pela passagem do aniversário, é sempre de uma misteriosidade assustadora. Crescer é algo que ainda me assusta, ao passo que a cada dia sinto que conquisto um pouco mais do espaço que tanto desejava quando era criança. Aliás, espaço sempre foi um problema para mim. 

Eu nunca tive um lugar de fala. Esse espaço é tão caro para mim por esse motivo. Ainda que meus leitores sejam limitadíssimos, este é um lugar onde posso expressar-me livremente, sem as amarras cotidianas que normalmente me podam pelo seu absoluto desinteresse. Talvez por isso também tenha escolhido uma profissão cujo falar é essencial: estar a frente de uma sala de aula e falar sobre aquilo que considero importante. 

Talvez o medo que se apresente misteriosamente seja uma constatação íntima que evito aceitar de que, embora conquiste meu lugar de fala, sobre o que exatamente devo falar? Será que tenho algo que realmente seja valioso dizer aos outros, ou apenas é uma expressão pura de sentimentos desconexos que pouco ou nada tem de importante? Por isso o muito que tenho a dizer o faço aqui, onde as paredes silenciosas da rede digital não reverberam os ecos de meus longos devaneios, ansiosamente despejados aqui na formas de meus aforismos e alegorias.

Os anseios de uma alma aflita, de uma mente ansiosa e de um corpo perpetuamente cansado se convertem então em notas de uma longa obra que ninguém se aventura a ler. E tudo bem, o fato de eu tê-la escrito já me é caro o suficiente para livrar-me de muitos pesos que antes me impediam de andar. E, embora ainda cansado, ao menos consigo andar lentamente rumo a algum objetivo que ainda não sei especificar qual é. 

Nessa caminhada eu vou, aos poucos, tentando descobrir quem sou e o que quero de minha vida, de meu futuro. Muito embora eu creia que já não seja mais um rapaz novo o suficiente para apoiar-se em sua tenra idade para fugir da questão essencial da existência, quid, eu ainda insisto em dizer que não sei como poderia respondê-la sem me perder e aporias e solipsismos. Portanto retiro-me aqui, meu jardim particular, onde seguramente posso voltar-me para dentro de minh'alma e assim buscar atender aquele que penso ser o mais antigo dos conselhos: "conhece-se a ti mesmo."

Aqui nesse jardim escuto atentamente a canção da noite, após ter fugido do mundo misterioso lá fora. Em minha caverna a canção de meu coração se prolonga, e as sombras da luz se projetam na parede a minha frente. É aqui que medito aquilo que no mundo se apresenta a mim. É aqui que me refugio das feras que me rodeiam, procurando a quem devorar. É aqui que eu liberto os meus monstros, que danço ao redor do fogo e que corro junto com meus lobos. É aqui que minha real figura se mostra, sendo que aquela que diariamente se apresenta aos homens, tão perdidos quanto eu, não passa de uma máscara criada de modo a evitar perguntas. E tem funcionado, os homens não conseguem me decifrar. Continuo sendo aos seus olhos um mistério tanto quanto o é suas próprias vidas. 

Decifra-me, ou devoro-te! 

A vida urra em meu ouvido, mas a resposta não poderá ser encontrada na tumultuosa cidade. Ali há barulho demais. É na solidão que o verdadeiro barulho pode ser ouvido, e há de ser aqui que hei de encontrar a resposta. A esfinge deseja saber a resposta. Meu Eu anseia em descobrir para que vivo, para que vim até aqui, a essa existência tão medíocre. 

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Do sobrecéu

Altivo ele se ergue das sombras lentamente, vindo para a luz. Sua figura é alta, sua presença de uma imponência ímpar. Seu corpo ergue-se como uma montanha, firme e inabalável e, no entanto, por sobre sua pele encontra-se a delicadeza das flores que crescem num jardim secreto, oculto pela imensidão. 

Essa combinação é de uma beleza impactante. Ao mesmo tempo que mostra-se uma rigidez típica da masculinidade indócil e severa, revela aquela mesma singeleza que espera das mãos de um poeta, cujo punho delicadamente sobre a folha delineia os versos mais sublimes ao observar a beleza da criação. Como uma estátua de um grande herói, cuja superfície é de um toque suave, combinando e si o que há de mais forte e de mais belo.

Sua voz é como um trovão, daqueles de uma agudez extrema, que precedem as grandes tempestades. Ao ouvir sua voz silenciam-se as criaturas, eis a voz dos antigos oráculos, a ecoar pelos templos dos homens anunciando a guia sapientíssima dos deuses. Nereidas e sílfides invejam seu canto. 

Apolo e Dionísio invejam seu corpo. Os grandes heróis sorriem ao verem que seu legado continuará sendo protegido por hábeis mãos, que se movem com precisão cirúrgica sobre as cordas dos instrumentos, com a velocidade de um raio ao cruzar os céus, do oriente ao ocidente, levando consigo todos os olhares. 

A beleza tem o poder de nos levar ao que é bom e justo, ao que é verdadeiro, e a beleza se revela no desnudar das máscaras que nos impedem de ver onde realmente se encontra. Aquela beleza aparente é quase sempre vazia, conduz-nos ao erro, mas a beleza real, ah, essa quando se revela, é de uma magnificência idílica aos olhos dos mortais. 

Como a canção da noite ela [a beleza] vai aos poucos se revelando, crescendo dentro do homem, entrando e lhe hipnotizando os sentidos, conduzindo-o pela mão ao paraíso da verdade, aquele Éden que perdemos com o progresso da ignorância ao nos esquecermos do que foi visto no sobrecéu. O hiperuranio aos poucos se abre, derramando sobre nossas mentes o doce néctar de sua infinitude perfeita. 

Como a canção da noite ela nos deixa paralisados antes sua extrema força. Não a compreendemos de imediato, mas ao decantar-se com o tempo nos recessos de nossa consciência ela aos poucos desperta nosso ser, rememorando-o de sua antiga residência. A observamos atônitos, sem crer ou compreender completamente, mas absolutamente hipnotizados por aquela verdade que só se revela totalmente aos olhos da grande deusa da sabedoria, nascida da cabeça do senhor dos raios. E o faz por meio da beleza encantadora do herói que reina protegendo as criaturas fracas da terra.

sábado, 26 de janeiro de 2019

Estações do coração

Engraçado como as coisas fluem de dentro de mim. As vezes as palavras brotam com uma força que não podem ser contidas, transbordo em lágrimas e meus dedos movem-se rapidamente, na tentativa de imprimir em símbolos a maior parte da impressão que há em minha alma. As letras multiplicam-se, as ideias se cruzam e a experiência real aos poucos vai tomando uma forma textual, algo poética, algo descritiva, algo pessoal. 

Noutras vezes sou como um poço que secou, e no fundo só vê-se a terra úmida do que um dia ali minou. Não me sinto árido, nem sempre, senão que sinto que no meu íntimo algo ainda maior se aproxima. É sempre assim, os momentos de aridez são intercalados com momentos de intensa florescência poética. 

As flores morrem, caem, suas pétalas voam com o vento para lugares distantes. Os amores acabam, os amantes se vão para terras longínquas, seguem com suas vidas. As estações mudam. Ontem fazia sol e de repente começou a chover. Logo logo as flores começam a brotar novamente, pouco a pouco elas vão pintando o jardim com suas cores, pouco a pouco a vida vai retornando... 

Nem sempre é verão no meu coração. As vezes é um frio e silencioso inverno, quando ouve-se apenas o vento rugindo intensamente e a pele é beijada pelo toque frio da neve que delicadamente cai dos céus. As vezes é outono, tempo de renovação, tempo de caírem as folhas para que outras mais belas possam surgir em seu lugar.

As estações mudam, os corações mudam. Mas ainda que as coisas estejam em constante mudança, o que fica é o que as define, sua essência! Qual a minha essência? O que define quem sou? A soma de tudo que me distingue de todos não é tão grande quanto meu eu. O todo é maior que a soma das partes. O Eu é maior que tudo aquilo que o difere dos demais. Eu sou mais do que o que visto, penso, digo. Eu sou. Ainda que esteja no outono do meu coração, as flores que aqui brotaram caíram, mas logo renascerão. Ainda que seja outono no meu coração, este ainda é meu coração.

Meu coração. 
Onde está meu coração? 
O que floresce em meu coração? 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Desista da vida

Eu não vou desistir.  

Do sol que entra pela fresta da janela as minhas costas. 
Da brisa fresca que faz meu coração brincar alegremente com o meu cabelo dançando por aí, num balé delicado embalado pelo doce ritmo dos pássaros. 

E eu não vou desistir.  

Do amor que, mesmo em meio a tempestade ainda aquece meu coração. 
Da pequena luz que ainda brilha, em algum lugar, dentro de mim. 

Eu não quero desistir. 

De algum dia encontrar alguém que possa me fazer ainda acreditar no amor. 
De algum dia achar alguém que faça toda a minha filosofia encontrar sentido. 
De alguém que algum dia que me faça querer voltar a amar daquela maneira de antes, sem reservas, com a intensidade de sempre. 

Intensidade. 

Com a mesma intensidade com que sempre amei. Aquela intensidade que sempre me fez suspirar. Aquela intensidade que sempre me fez arder dentro dessa chama viva de amor, cuja ferida não se cura, senão sem a presença e a figura. 

Figura. 

Figura forte. 
Figura altiva. 
Figura que passa segurança, mas que também intimida.

Mas figura que também acalenta.

Gentil.

Abraço gentil. 
Toque gentil.
Sorriso gentil.

Abraço apertado.
Toque aveludado.
Coração apressado.

Quem sabe eu não consiga, insistir. 

Quem sabe eu consiga, não desistir da gentileza. 
Da esperança. 
Do Amor. 
Da vida. 

Talvez eu não desista.
De ver a vida cor de rosa.

domingo, 20 de janeiro de 2019

Sol cruel

Cansaço. 

O calor dos últimos dias não tem sido fácil de lidar, o sol cruel nos ataca impiedosamente desde as primeiras horas da manhã até quase o anoitecer completo que, aliás, tem sido bem tarde esses dias, graças ao amado e detestável horário de verão. 

No entanto, se o o sol brilha forte e vigorosamente durante todo o dia o mesmo não acontece comigo, que fico mole, zangado e excessivamente deprimido. 

Talvez seja efeito do sol cruel, mas os últimos dias tem sido difíceis, um pouco mais difíceis do que eu imaginava que seriam. Me sinto oprimido, não só pela temperatura nada amena, mas também por todo o mundo. É como se uma força invisível me empurrasse para baixo, e ela é imensuravelmente mais poderosa do que eu. 

O sentimento que tenho é de incapacidade. A cada dia me sinto cada vez mais incapaz de fazer qualquer coisa, o que quer que seja ela. Vejo, ao meu redor, todos tão inteligentes, fortes, capazes, e eu aqui, um pária, 

A cada dia sinto que não nasci para ser um líder. Não gosto dessa posição, é demais para mim. Não sou a pessoa certa para criar nos outros a força de querer vencer, não sou otimista, nem tampouco sou bom, para que me usem como exemplo. 

Não sou nada. 

Acho interessante notar que, muito embora use a palavra incapacidade para descrever como me sinto, essa incapacidade é diferente daquela que tantas vezes descrevi aqui. 

Aquela incapacidade dizia-se a respeito de uma pessoa específica, a quem era incapaz de fazer compreender ou enxergar meu amor tal qual ele é. Agora me sinto incapaz perante um mundo, que se abre ante meus olhos e me assusta, ao confrontar-me com a realidade que eu nada sei. 

E então eu elevo meus olhos ao céu, e vejo o quanto o sol cruel brilha, e me vejo desejando aquele poder. Poder que faz os outros se abaixarem, penitentes, frente a tão grande majestade. Mas ao que me parece eu sou apenas mais um a curvar-se perante o sol. Mais um a abaixar a cabeça. Mais um a reconhecer a sua imensa pequenez. 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Sem sonhos

Quanto tempo ainda conseguirei me manter acordado? Por quanto tempo vou conseguir fugir de meus próprios sonhos, que ousam me perseguir como tentáculos gelados a rodear minha mente?

Se eu fechar os olhos sei que consigo imaginar, sei que consigo ver o quanto ainda sou capaz de amar. Mas também sei que se fechar os olhos, o mundo que verei ali não será mais do que uma versão muito bem montada dos desejos mais carentes que habitam os recessos de minha mente.

Não quero dormir, não posso fechar os olhos. 

Um sonhador que só sabe sonhar e esquece de encarar a realidade não é outra coisa senão um prisioneiro de sua próprias necessidades. Não é liberdade sonhar e perder-se num mundo que só existe dentro de uma única mente.

Ainda que a vigília seja cansativa, é melhor do que a solidão de viver perdido num jardim onde, embora tudo esteja florido, não há cheiro de verdade, onde tudo é mentira.

A mentira é convidativa, mas aprisiona, nos prende, e nos corta as asas. Não vale o sacrifício de um sorriso que é ver o sol de verdade nascer e iluminar um mundo inteiro que, embora com suas dores e sombras, ainda é o mundo do real.

Quero manter meus olhos abertos, e me concentrar no momento, permanecer com a mente limpa. Não quero me deixar cegar pelos devaneios, e nem pelos sonhos descabidos. Não quero mais a cegueira. Ainda que o sol machuque meus olhos, é melhor do que viver na escuridão da minha própria ilusão...

Fulgor divino

Sinfonia n.° 9 em ré menor, op. 125, Coral
Ludwig van Beethoven

I. Allegro ma non troppo, un poco maestoso

O sol surge lentamente na linha do horizonte, tingindo de dourado e clareando aos poucos o véu de veludo azul que recobria a noite. As trombetas dos anjos anunciam a chegada do rei, que vai aos poucos tocando a todas as criaturas com seus raios, levando calor e abraçando a tudo quanto existe. Sua luz chega até os cantos mais remotos da terra e todos, homens, plantas e animais sentem o calor do astro os tocar.

Depois de uma noite fria, o toque morno do sol acaricia delicadamente a pele de quem dorme. Entrando pelas frestas das janelas, ou através das cortinas abertas que voam sob a brisa fresca da manhã as pessoas recebem esse beijo de luz, que toca os corações e acorda as almas para um novo dia. 

Despertando de seu sono olhos se abrem aqui e ali, e ouve-se o bocejar de crianças. Camisolas de seda e camisas de linho caem por sobre ombros ainda dormentes e pendem por bustos que acabam de acordar. Braços se erguem, músculos retesados se esticam, enquanto Apolo cruza os céus anunciando a todos que um novo tempo chegou.

O que esse dia nos reserva? Suspense...

Os pássaros cantam aqui e acolá, e acordam as galinhas em seus poleiros. No bosque, pequenos animaizinhos correm e pululam de alegria, o farfalhar delicado das folhas secas no chão e dos arbustos dão nos conhecer que muitos ali acordaram. 

Uma vez no centro do mundo, o astro rei impera gloriosamente sobre todas as criaturas, e uma vez mais reafirma sua soberania, dando a todos um riso de terna confiança: mais um dia, uma nova esperança! Todos se ajoelham diante dele, e a ele prestam culto vivendo, trabalhando, sorrindo laboriosamente  sob o olhar atento de tão majestoso monarca. 

O sorriso daqueles homens que na terra cantam é a paga que ele recebe pelo seu serviço. O suor derramado com paixão, a alegria dos homens é a alegria que preenche a terra, como o calor do sol preenche o mundo, preenchendo o coração de todos com uma força inimaginável. Essa alegria, esse calor, vai penetrando a pele até o tutano, e transborda num grande sorriso, eis o poder do sol, a alegria!

II. Scherzo

No ritmo diário os homens continuam a sua labuta. No ritmo diário, em meios as vicissitudes da vida os homens continuam sorrindo em meios as tempestades, e elas não conseguem dominá-los. A alegria que preenche seus corações é a calmaria que abafa o som de qualquer trovoada. 

Marchando rapidamente pelos becos iluminados, pelos corredores das fábricas, pelos campos floridos e recheados de frutas as pessoas sorriem. Sorriem pois a vida lhes sorriu primeiro, sorriem pois um novo dia nasceu, uma nova vida nasceu. Sorriem pois na varanda de uma antiga casa uma senhora rodeada pelos seus netos lhes conta histórias engraçadas da juventude, de sua mocidade virginal. Numa rua próxima soldados caminham rapidamente, a guerra acabou! Verão suas esposas e abraçarão novamente as suas crianças, consolando suas mães aflitas.

Os cães brincam com os gatos no quintal. Correm entre as roupas que secam no varal. As alvuras são manchadas pelas patas rápidas que cruzaram o pasto. As mulheres não se deixam abater pela rotina pesada. Cuidam dos filhos, das casas, das hortas, mas percebem que o que fazem o fazem por amor, e por isso o sorriso em seu rosto manchado pelo suor. 

Somos transportados pelas mais belas paisagens, nos altos montes onde o sol brilha com mais força, por campos de tão grande tamanho que chegam a perder de vista. A relva verdinha, da cor da esmeralda, as flores de todas as cores, amarelas, rosas, vermelhas, brancas, brilhando delicadamente. A água de um regato, cristalina e fresca, refletindo a figura daqueles que sobre ela se debruçam para aliviar a sede. As borboletas que voam por todo lado, junto com as abelhas e os pequenos pássaros, que preenchem o ar com seu doce canto.

Onde quer que se olhe está a alegria. As cores, a delicadeza, a magia...

III. Adagio molto e cantabile

Uma alegria diferente recai por sobre alguns. É a companhia, que torna as lutas mais brandas e as rotinas mais doces. 

Uma alegria diferente se deita sobre alguns. É o amor, do amado e do amante, que tinge de rosa o entardecer e cruza o horizonte como uma estrela cadente, indo de um extremo a outro em poucos instantes. 

O cor de rosa enche o mundo, outrora repleto do dourado apolíneo, de uma ternura sem igual. É o toque delicado de uma mão por sobre o ombro, um abraço sincero, um tocar dos lábios na testa ou uma simples troca de olhares. 

Os dois se deitam, lado a lado, as mão segurando-se firmemente. Os olhos se fecham num sorriso. O mundo todo poderia caber ali, entre aqueles dedos entrelaçados. O amor toma conta do mundo, a ternura recobre a tudo de uma delicada fragrância. Seria o cheiro de rosas? Oh não, isso meus amigos, é o amor!

Mas lá no andar debaixo uma marcha militar os convida: os amigos chegaram! As núpcias tem de esperar, é hora de compartilhar as alegrias com os convivas. E dessa, não apenas os homens participaram, mas toda a criação veio para contemplar, contemplar a verdadeira alegria!

IV. Recitativo

Descendo as escadas, os amigos se encontram vigorosamente num rompante. O calor do sol invade novamente a face ruborizada daqueles ali presentes. As risadas também se unem, e por fim, descendo as escadas, o amor que lá em cima ficou. 

Todos estão aqui. Comecemos a celebrar: a alegria!

Não há na terra alegria que se possa comparar. O coração se inflama, a alma se rejubila, tamanha a força desse sentimento que transborda dentre os homens. Ouvimos novamente o lento despertar do dia, a magia das cores e o carinho do amor que cativa.

E finalmente termina a alegria dos homens, para que eles então conheçam a alegria dos céus. Maior, perfeita. Ela começa lentamente, lá no horizonte, como o sussurrar de pequenos anjos que aos poucos se aproximam. 

É o Apocalipse? Decerto que esse mundo não pode suportar aquilo que de mais perfeito há nos céus. Mas a destruição não tem lugar aqui, não, antes disso o todo é preenchido pelo ressoar das primeiras notas do paraíso. O mundo já não existe mais, mas algo ainda melhor surge a nossa frente. 

Grandiosos portões de ouro puro, mansões e salões, tudo repleto de miríades e miríades de pedras preciosas das mais belas cores. O céu não é apenas um azul salpicado de branco, senão que abriga o rosa, o dourado, o verde, numa profusão perfeitamente pintada pelo mais talentoso dos serafins. 

Conduzidos por uma grandiosa estrada, pavimentada de diamantes, os anjos os levam aos pés de um grande trono. 

Os homens são, pouco a pouco, preenchidos pelos amor, já não se dão conta mais de estarem na terra, senão que flutuam como se estivessem nas nuvens, até que explode o coro dos anjos, tomando a todos num arrebatamento idílico. 

Eis que finalmente fomos levados a mais alta das virtudes: a beatífica visão do mundo perfeitamente repleto de alegria. Os campos elíseos onde todos gozam das alegrias mais doces. Tomados então pela mais perfeita criação divina eles, os homens, as mulheres, as crianças, os santos, os anjos, entoam este canto:

Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais agradável
E cheio de alegria!

Alegria, mais belo fulgor divino,
Filha de Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Teus encantos unem novamente
O que o rigor do costume separou.
Todos os homens se irmanam
Onde pairar teu vôo suave.
A quem a boa sorte tenha favorecido
De ser amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma doce companheira
Rejubile-se conosco!
Sim, também aquele que apenas uma alma,
possa chamar de sua sobre a Terra.
Mas quem nunca o tenha podido
Livre de seu pranto esta Aliança!
Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos dá beijos e as vinhas
Um amigo provado até a morte;
A volúpia foi concedida ao humilde
E o Querubim está diante de Deus!

Alegres, como voam seus sóis
Através da esplêndida abóboda celeste
Sigam irmãos sua rota
Gozosos como o herói para a vitória.

Abracem-se milhões de seres!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos! Sobre a abóboda estrelada
Deve morar o Pai Amado.
Vos prosternais, Multidões?
Mundo, pressentes ao Criador?
Buscais além da abóboda estrelada!
Sobre as estrelas Ele deve morar.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Estocolmo

Sinto saudades. Daquele toque, daquele abraço, mesmo que desajeitado. Daquele sorriso no meio da missa, daquela implicância. Sinto falta.

Sabia que isso ia acontecer. Sabia e fingia não saber. Mas uma hora eu teria que sentir, que a corrente que tanto me aprisionou também era minha companhia. Sinto saudades agora que o adeus foi oficial, mas não devia, afinal o adeus já havia se dado muito antes disso. 

É engraçado, antes de acabar, tudo o que eu queria era que acabasse, mas agora que acabou a minha mente romantiza todo o sofrimento que passei, como se houvesse motivo pra sentir falta. 

Mas do que eu deveria sentir falta? De me dedicar completamente a alguém que não dá a mínima pro que faço? Ou de desejar alguém com todas as minhas forças, a ponto de exaurir o meu corpo, enquanto ele sequer tinha olhos para mim? 

Acho que mereço tudo o que me aconteceu. É tudo culpa minha. Por me apaixonar, por não perceber os sinais, por alimentar algo tão grandioso que se tornou tão doentio e obsessivo dentro de mim. Estou recebendo apenas a paga devida pelo meu desvario. 

E ainda assim, depois da toda a dor, depois de tantas lágrimas, eu ainda fecho os olhos e vejo as nuvens, e de lá de cima olho o mar, com suas águas verdes com de esmeralda, que me lembram os olhos dele, lugar para onde adorava viajar. 

Mente maldita, romantiza teu sofrimento como se não fosse a mesma a sentir a dor que ele lhe causou. Como se não sentisse os surtos onde termina inconsciente sobre uma cama, sem lembrar de anda além de seu próprio nome, sem se reconhecer no espelho, sem conseguir erguer uma mão sequer. 

Portanto para de sentir falta, mate esta saudade, viva como se estivesse sozinho, pois embora os outros estejam ao teu redor, nenhum deles pode entrar para preencher o vazio que ele deixou em seu coração.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

A Despedida

Das Lied von der Erde 
Gustav Mahler

6. Der Abschied

A Despedida

O sol desaparece por trás das montanhas.
Em todos os vales desce o anoitecer
com as suas sombras plenas de frescura.
Oh, vede! Como um barco de prata a pairar,
a lua eleva-se no mar azul do céu.
Sinto o sopro de uma brisa delicada
atrás dos pinheiros sombrios!

O ribeiro canta harmoniosamente na escuridão.
As flores empalidecem no crepúsculo.
A terra respira do fundo do sono e do silêncio,
todo o desejo se transforma agora em sonho.
Os homens cansados voltam para casa,
para no sono reaprenderem
a felicidade esquecida e a juventude!
Os pássaros acocoram-se em silêncio nos seus ramos.
O mundo adormece!

Há um sopro fresco na sombra dos meus pinheiros.
Eu estou aqui e espero o meu amigo;
eu espero o seu último adeus.
Eu anseio, ó meu amigo, desfrutar ao teu lado
da beleza deste anoitecer.
Onde ficaste? Deixas-me muito tempo sozinho!
Vagueio, para cá e para lá, com o meu alaúde,
por caminhos de erva macia e entumecida.
Ó beleza! Ó mundo ébrio de amor e vida eternos!

Ele desceu do cavalo
e estendeu-lhe a bebida da despedida.
Ele perguntou-lhe para onde ele iria
e por que razão teria que ser assim.
Ele disse, a sua voz estava velada:
“Ó meu amigo,
a felicidade não foi amável para mim neste mundo!

Para onde vou? Eu vou, eu vagueio nas montanhas.
Eu procuro repouso para o meu solitário coração.
Eu caminho para a minha terra, o meu lugar.
Eu nunca mais vaguearei na distância.
O meu coração está tranquilo e aguarda a sua hora!”

Em toda a parte a amada terra
floresce na Primavera e torna a verdejar!
Em toda a parte, eternamente, resplandece
o azul no horizonte!

Eternamente...    eternamente...

(Tradução: Ofélia Ribeiro)

O dia despede-se lentamente. O Sol que imperiosamente reinou absoluto recolhe-se cansado. Cansado também se encontra o homem, que já não quer mais lutar, que já não quer mais andar, que já não quer mais viver...

Numa lonjura ele ainda observa uma figura que anda, quase indistinta a escuridão que se aproxima. Uma silhueta de homem, que quase se perde em meio as folhas das árvores a beira da estrada. Um homem que se vai, se olhar para trás.

Ele chora? 

O abraço de despedida ainda parece vivo no corpo do que ficou. O calor do último toque. Algo engasgado no peito. As mãos e pernas já não tremem mais. A despedida é mais fácil do que a dor de seu anúncio. O prenúncio da despedida é mais dolorido do que a partida. Observar seu amado ir para longe é algo que ele sempre temeu, e agora se cumpriu.

Ele chora. 

Na estrada aquela figura desaparece, e com ela as últimas chamas do sol se escondem de uma vez por todas atrás do veludo azul que cobriu o mundo. 

Uma marcha fúnebre é cantada pelos pássaros, eles percebem a infelicidade do coração do homem. Tudo se encontra em harmonia, tudo está conectado. A primavera sabe que suas cores não são suficientes para trazer o amor de volta a vida. Uma vez morto, não há ressurreição. 

A brisa sopra fria. 

Leva algumas folhas para lá, será que ela também poderia me levar? O que me aconteceria se fosse com a brisa, a flutuar? O Sol já quase não se vê, e a lua lentamente começa a brilhar, com sua chuva de prata, lá em cima.

Aqui, atrás da escuridão de um longo pinheiro também há prata, escorrendo pela mão. A loucura que dominou o coração. Ele se recosta ali mesmo, a espera de alguém, ou de alguma coisa. A visão do amigo é uma ilusão, ele não fala com outro senão que consigo mesmo, na penumbra de um bosque, próximo a cidade que está prestes a abandonar. O amigo imaginário é um confidente, lhe abre o coração e conta-lhe as coisas profundas da alma. O amigo imaginário lhe desperta sentimentos, lembranças, e a nostalgia o abraça confortavelmente, inebriando-o de morte. Ele então se desvencilha, e volta pro seu caminho. Anda em direção oposta, para o outro lado do mundo. 

Seus caminhos vão voltar a se cruzar?

Um sentimento toma conta do seu ser. A desesperança é a única coisa a lhe preencher. A prata que saíra dele fora a última gota de sua antiga virilidade. Agora não passa de uma criatura, a vagar sem rumo, em busco de algum sentido.

Todos tem um lugar para onde retornar, até os pássaros que cantavam se recolheram em suas tocas, mas ele não. Ele não tem um lugar para retornar pois em nenhum lugar há alguém a lhe esperar. E por isso ele anda.

Anda por vales e montanhas, se recosta embaixo de árvores e açucenas, e se refresca com o leque de dos pinheiros e dos abetos. A beleza das coisas até que é capaz de fazê-lo perder-se. Mas já nem se recorda dos motivos que o fez partir de lá. Apenas sabe que não há na terra lugar para ficar, e por isso ele anda, para lá, para cá, atrás de alguma coisa... Talvez ele ande apenas para esperar o tempo passar, talvez ele ande querendo algo encontrar, talvez ele nem saiba que continua andando. 

Em toda sua viagem, viu formas e figuras, cores e alvuras, ouviu cantos e silêncios, tropeçou, se machucou, se afundou, correu, percorreu, alçou, alcançou e até mesmo uivou, mas não encontrou, sabe-se lá o que estava procurando...

sábado, 12 de janeiro de 2019

A roseira ferida

Eu estava deitado quando senti um impulso de dizer algo, mas o cansaço me fez ignorar o que era. Fiquei quieto por mais um tempo, mas a sensação não foi embora. Talvez fosse a atmosfera propícia a reflexão, o dia nublado e o piano acompanhado pela voz da playlist que eu tenho ouvido nos últimos dias, mas o fato é que um ímpeto desabrochou dentro de mim e não pôde ser contido. 

Esperei por uma semana, exatamente, para que conseguisse entender um pouco melhor o que se passou comigo, e acredito que ter deixado minha mente decantar essa história num tipo de segundo plano foi a escolha certa. 

Consegui enfrentar uma grande batalha: encarar de frente o homem que amo, e dizer o que precisava ser dito, e ouvir o que ele precisava me dizer também. Chegamos num tipo de consenso, concordamos em nos afastar fisicamente, por um tempo, pois ambos estamos chateados e insatisfeitos com a nossa situação. Ele, triste com a forma como venho tratando-o, frio e distante, e eu triste por saber que não importa o quanto me esforce, nunca poderei fazer com que ele sinta o mesmo por mim. 

É uma situação que se tornou insustentável para ambos. Ele já não vinha mais a minha casa, já não alava mais comigo nem pelas redes sociais, nos tornamos praticamente estranhos. Eu já não conseguia mais encará-lo nos olhos, e sofria muito toda vez que sabia que iria encontrá-lo. Quantas vezes fiquei de cama, sem conseguir segurar sequer um copo com água ou vomitando sangue até sentir meu corpo se desfazer, só de pensar em vê-lo? A dor que senti no dia mesmo em que conversamos não pode ser descrita...

Eu não conseguia chorar, não conseguia falar, não conseguia fazer outra coisa senão me deitar e encarar um ponto fixo no teto do meu quarto. E fiz isso por muitas horas, preocupando minha mãe e meus amigos, até que ele chegasse e acabasse com isso. Meu corpo doeu tanto que chegou um momento em que já não conseguia distinguir o que era dor e o que era eu, me sentia uma massa disforme sobre a cama.

Foi difícil conversar, muito. Eu não conseguia falar direito, e minha voz não me obedecia. Quando dizia algo, não fazia sentido. Mais de uma vez eu tive de fechar os olhos e respirar fundo, para só então dizer algo que fizesse algum sentido.

Mas conversamos. Ele falou e eu escutei, eu falei e ele escutou, e decidimos que isso é o melhor para todo mundo, antes que algo acontecesse de mais grave, e os danos fossem ainda mais profundos e irreparáveis.

Por fim, quando ele foi embora, ao se despedir ele me abraçou. Os abraços dele sempre tiveram muito poder sobre mim, e constantemente me faziam pisar em meus próprios sentimentos, com medo de perder aquela sensação. Sempre desejei ficar ali para sempre. Mas dessa vez foi diferente, eu consegui me concentrar em qual era minha posição ali, de igualdade, e o contato me fez ficar acordado durante todo o tempo, sem cair no torpor que sempre me abatia quando ele me abraçava. Eu senti o calor que vinha do corpo dele, ouvi seu coração bater e sua respiração vacilar, enquanto o mesmo acontecia comigo, mas ainda consegui me afastar, ainda que escondendo meu rosto para que ele não visse minha expressão naquele momento.

E enfim acabou.

Acredito que tenha sido de fato a melhor decisão para nós dois. Não colocamos um ponto final na amizade, mas aparamos as arestas que vinham nos machucando.

E como me sinto com isso? 

A leveza de que falei dias atrás continua, e tenho adorado me sentir assim. Parte da minha disposição voltou, e tenho conseguido fazer coisas que antes não tinha a menor vontade. Também sinto que o meu sorriso se tornou mais verdadeiro, como se não precisasse usa-lo pra esconder um sofrimento que nunca diminuía... Mas diminuiu e, agora que consigo sorrir de verdade, tenho me sentido ótimo! 

Sinto que consegui finalmente abrir uma porta que estava fechada, e deixar ir algo que eu prendia junto a mim. Ambos estamos livres, ambos podemos voar, em direções diferentes, e isso é maravilhoso. Eu vi uma luz que há muito já não via, pois estava tão cansado de ficar preso no fundo de um buraco escuro, o buraco onde o prendi em meu peito. Eu, que sempre me vi como uma cobra a rastejar no chão, percebi que tenho asas para voar como águia. 

Claro que ainda me sinto triste, por não ter sido bom o bastante, mas já não me prendo tanto a isso. E custo a crer eu mesmo que consigo sentir tanta diferença em tão pouco tempo. Se não fosse eu mesmo aquele a sentir, não acreditaria. É uma dor que, sinto, vai se dissipar com o tempo, e que mesmo agota já me parece um pouco distante.

Eu me recordo agora de uma música que ouvi pela primeira vez há alguns dias, e que diz "quando alguém a podou a roseira chorou mas depois se vingou: deu mais rosas do que nunca!" E é com lágrimas nos olhos que eu agora me vejo como essa roseira, podada e ferida, mas que agora pode dar novas rosas e perfumar um novo jardim.

Não achei que pudesse me livrar de algo que me pesava tanto, que me oprimia tanto, que me machucava tanto. Sinto que isso me fez crescer, me deixou muito mais forte, e já me sentiria feliz em apenas constatar que apenas consegui sobreviver.

É tão bom, fechar os olhos e sentir que as lágrimas quentes que descem pelo meu rosto são de liberdade, são de uma dor que eu sei que vai passar. É tão bom, saber que o sol vai se abrir de novo, e que a noite escura um dia vai acabar. É tão bom, sentir que posso voltar a amar alguém de verdade, sem me machucar tanto com isso. É tão bom, sentir de novo o perfume e a alegria de viver que há muito eu já não tinha.

É tão bom...

O Bêbado na Primavera

Das Lied von der Erde 
Gustav Mahler

5. Der Trunkene im Frühling

O Bêbado na Primavera

Se a vida não passa de um sonho,
porquê, então, a fadiga e o tormento?
Eu bebo até não poder mais,
todo o santo dia!

E quando não posso beber mais,
porque garganta e alma estão cheios,
então cambaleio até à minha porta
e durmo maravilhosamente!

Que ouço eu quando acordo? Escuta!
Um pássaro canta na árvore.
Pergunto-lhe se a Primavera já chegou,
para mim é como um sonho.

O pássaro chilreia: “Sim!
A Primavera chegou, veio durante a noite!”
Em profunda contemplação, eu escuto,
o pássaro que canta e ri!

Encho de novo o meu copo
e esvazio-o até ao fundo
e canto, até a lua brilhar
no negro firmamento!

E quando não posso mais cantar,
então durmo de novo.
Que me importa a Primavera?
Deixai-me com a minha embriaguez!

(Tradução: Ofélia Ribeiro)

Ah meu amigo, não queira me dar definições de acordo com seu cientificismo soberbo. Tu te perdes em tuas verdades científicas e eu me perco em meus amores. Ambos nos matamos, cada um a sua maneira. 

Caminho despreocupadamente, esperando não do mundo a realização, ou as respostas para as muitas perguntas que me cercam. Não. Ando pelo mundo esperando dele que apenas não me incomode. Não me venha com seus conceitos, e nem com suas demonstrações. Eu falo de amores, vivo de decepções.

E por isso mesmo eu bebo, e contribuo ao mundo com minha embriaguez. De nada me importam os pássaros a cantar, as flores a pintar as paisagens, se no final o amor que elas dizem simbolizar vai morrer, ou pior, me matar. 

De que valem todas as cores, todas as alegrias, todos os amores, se quando trata-se deste pobre homem tudo isto lhe é negado? Por isso bebo, ao menos assim o prazer se encontra ao alcance do próximo copo, e não a distância de uma outra vida. Tudo não passa de um tormento, os homens apenas sorriem pois estão inconscientes de suas desgraças.

Quando não se tem a flor que se deseja, todo o jardim perde a sua cor. E por isso mesmo a primavera não tem senão outro significado do que um monte de flor, que vive por aí espalhando seu perfume e esplendor, mas nenhuma delas é a minha flor.

Ah meu amigo não me venha com repreensões. Deixe-me perder em meio as minhas pobres convicções. Eu ando por aí, como um vendaval sem rumo, como um não sei quê sem prumo. Encosto minha cabeça onde estiver mais próximo, busco esquecer meu amor ao menos até o próximo raiar do dia. E que me importa o que tem o mundo a me oferecer? 

Não pode me dar o que desejo. 

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Da Beleza

Das Lied von der Erde 
Gustav Mahler

4. Von der Schönheit

Da Beleza.

Jovens raparigas colhem flores,
colhem flores de lótus na margem do rio.
Entre arbustos e folhas estão sentadas,
juntando flores nos seus regaços e interpelando-se
umas às outras e divertindo-se.

O sol dourado tece as suas formas,
reflectindo-se na água luminosa.
O Sol reflecte os seus esbeltos membros,
os seus ternos olhos,
e o Zéfiro levanta e acaricia
o tecido das suas mangas,
conduzindo a magia dos seus perfumes pelo ar.

Oh, vede! Quem serão estes jovens rapazes
ali à borda do rio, em soberbos corcéis,
ao longe brilhando como raios de sol;
já entre os ramos dos verdes salgueiros
aproximam-se a trote os vigorosos rapazes.

O cavalo de um deles relincha alegremente
assusta-se e parte subitamente;
sobre as flores e as ervas estremecem os seus cascos
pisando, em brusco turbilhão, as flores que se abatem.
Ei! Como se agitam as suas crinas em alvoroço,
e fumegam os seus quentes narizes!

O sol dourado tece as suas formas,
reflectindo-se na água luminosa.
E a mais bela das raparigas dirige-lhe
longos olhares de desejo ardente.
A sua orgulhosa postura é só um disfarce.
No brilho dos seus grandes olhos,
na escuridão do seu olhar apaixonado,
vibra penosamente a exaltação do seu coração.

(Tradução: Ofélia Ribeiro)

Das muitas coisas que os jovens tem em seu coração, uma em especial é inesgotável fonte de inspiração: a paixão.

Paixão que arde em desejo, paixão que até mesmo encontra na natureza sua realização. As flores florescem como um presente de amor aos homens, as arvores crescem como membros altivos a espera de suas amadas a despertar-lhes o gozar. Tudo o que o sol toca é capaz de amar. 

Os jovens enamorados se entreolham, e em seu olhar há todo o desejo de seus corações, que em seus corpos há de transpirar. A beleza é o catalisador dessa paixão. 

Num campo iluminado por poderosos raios de sol um homem cavalga em seu alazão, seus cabelos dourados refletem aquela luz do astro lá do céu. A camisa branca se estende grosseiramente pelo peito forte, os braços duros como aço seguram as rédeas e as veias saltam como se fossem explodir. Os lábios vermelhos como sangue, a pele clara um pouco avermelhada pelo sol, ou seria pela luxúria?

Do outro lado, o linho delicado desliza pelas costas, deixando a mostra uma faixa de pele tentadoramente convidativa. Delicadas mechas deslizam por um rosto avermelhado pelo esforço. Lábios se contraem, músculos se tornam tenros e a respiração um pouco mais forte. 

A visão daquele homem no cavalo é de uma beleza sem igual. Uma vez que seus olhos se cruzam, azul e castanho, a paixão fora arrebatada. Não há mais o que fazer.

Naquele campo, iluminado pelos poderosos raios de sol o amor canta então a sua doce canção, acompanhado pelo ritmo dos gemidos e suspiros, o compasso marcado pelo farfalhar delicado da grama. Mãos que se apertam, lábios que se mordem e ruborizam como sangue, lascívia, amor. Tudo se encontra em perfeita harmonia. 

A natureza em sua beleza se une aquela beleza do amor. 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Da Juventude

Das Lied von der Erde 
Gustav Mahler

3. Von der Jugend 

Da juventude

No meio do pequeno lago
está um pavilhão de porcelana
verde e branca.

Como as costas de um tigre
arqueia-se a ponte de jade
de encontro ao pavilhão.

Na pequena casa, amigos estão sentados,
bem vestidos, bebem, conversam;
alguns deles escrevem versos.

As suas mangas de seda deslizam
para trás, os seus bonés de seda
travessamente recolhidos no fundo da nuca.

Na calma superfície do
pequeno lago, tudo se reflecte
singularmente, como num espelho.

Tudo está às avessas
no pavilhão de porcelana
verde e branca;

a ponte é como uma meia lua,
com o seu arco invertido.
Amigos, bem vestidos, bebem, conversam.

(Tradução: Ofélia Ribeiro)

Um doce sorriso toma conta dos amigos que se reúnem. Quando se está com quem se ama, esquece-se, ainda que momentaneamente, as dores da vida. 

Até aqueles que são constantemente visitados pelos fantasmas do passado conseguem se perder em meio as risadas, as taças de vinho e as músicas que brotam naturalmente do coração. A alegria doce de uma amizade é talvez a mais pura recompensa do homem que vive. Poucas coisas o fazem feliz como um amigo com quem se pode contar. 

Ali, no meio daquele laguinho, um homem melancólico consegue libertar-se de suas amarras dramáticas, e por um breve instante aproveita com delicadeza aqueles que o cercam. Com gratidão ele canta a beleza dos corpos que o cercam, dos sorrisos que tilintam no ar, das brisa leve que os rodeia. As vestes deslizam, a musica ressoa, a alegria contagia. 

As pétalas das rosas pintam o céu com suas cores, delicadas, e enchem o coração deste pobre homem que encontra uma alegria fugaz em meio aos seus amigos. Algumas lágrimas surgem em sua face, ao ver esse pequeno espetáculo particular, que só tem lugar em seu coração, e que, embora todos os homens ignorem, nele encontra um significado profundo e eterno: gratidão!

Se esses momentos se estendessem pela eternidade os homens saberiam reconhecer a felicidade? Ou será que é apenas no contraste com a melancolia de cada que a alegria encontra significado? Será que a alegria é como um vaso de argila, que embora seja reconhecido pelo tangível, só encontra valor no intangível? 

Não há respostas para a alegria, nem sequer para um sorriso sincero da juventude, mas não importa. A juventude não espera por respostas, apenas quer sorrir, e cantar e dançar, enquanto suas vestes de seda deslizam no ar, abrindo-se para o amor, abrindo-se para a própria juventude.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

O Solitário no Outono

Das Lied von der Erde 
Gustav Mahler

2. Der Einsame im Herbst

O Solitário no Outono

A névoa azulada de Outono flutua sobre o lago,
cobrindo de geada cada lâmina de relva;
dir-se-ia que um artista espalhou pó de jade
sobre as delicadas florações.

O doce perfume das flores desvaneceu-se;
um vento frio curva as suas hastes.
Em breve, as murchas folhas douradas
das flores de lótus, partirão nas águas.

O meu coração está cansado.
A minha pequena lâmpada extinguiu-se com um estalo;
convencendo-me a dormir.
Venho até ti, caro lugar de repouso!
Sim, dá-me descanso, necessito de conforto!

Choro muito na minha solidão.
O outono prolonga-se demasiado no meu coração.
Sol do amor, não voltarás tu a brilhar,
e as minhas lágrimas amargas ternamente secar?

(Tradução: Ofélia Ribeiro)

A solidão é, parece-me, uma companheira fiel. Um homem contempla a superfície de uma lago, que não se move senão pelas folhas amareladas a alaranjadas que caem por sobre o cristal negro de suas águas. Ele levante o seu olhar, e o vento sopra delicadamente sobre sua face. Ele volta a olhar a olhar a água, que quase não se mexe, e sua mente o leva para longe... Longe daquele laguinho azul, rodeado de bambu, o amor o deixou. 

Um violino solitário acompanha a voz solitária. A melancolia toma conta do ser. O coração já não quer mais chorar, e também não quer consolo, pois seu amor já não existe mais. Sozinho ali, naquela paisagem de beleza extraordinária ele não consegue sentir-se feliz. Sente apenas um enorme vazio no seu coração.

As lembranças lhe são numerosas. Talvez sejam em maior número do que as folhas que caem. E ele se lembra de sorrisos, e então sorri, e depois chora. Ele se lembra dos abraços, e então sorri, e depois chora. Ele se lembra das promessas, e então chora...

Prometeram-lhe amor eterno, e partiram na semana seguinte. Prometeram-lhe a vitória, e o derrotaram no dia seguinte. Prometeram-lhe que andariam lado a lado, e o deixaram na manhã seguinte. Promessas...

Pediram que ele prometesse nunca amar. Pediram que ele prometesse não odiar. Pediram que ele prometesse sinceridade. Pediram que ele fizesse promessas que não poderia cumprir. E ainda assim, aqueles que lhe pediram, o fizeram amar, o fizeram odiar e o fizeram acreditar em mentiras. Promessas...

As promessas foram vazias, e a sua frente abre-se um lago profundo. Aqueles que lhe prometeram e o fizeram prometer deveriam se jogar nessas águas, e deixarem-se lavar na morte do horror que o fizeram. 

E mesmo depois de toda essa crueldade, eles se foram. Deixando-o sozinho, acompanhado somente pelas folhas que caem no outono, mostrando que talvez já seja a sua hora de também partir, como elas o fazem, deixando-se levar pelo vento, para terras distantes. Teria seu amor também levado por algum vento para terras distantes?

Sentado na relva ele já não sente mais suas pernas, seu olhar perdeu o foco, e enquanto seu cabelo voa, sua alma se desprende de seu corpo. Começa a cair a noite, e o laranja das folhas começa a perder-se em meio a negritude do véu que se abriu no céu. O lago escuro agora brilha e reflete a lua, como um diamante negro a refratar a luz. 

Uma última lágrima fria escorre em seu rosto, e cai no chão brilhando por um instante quase imperceptível. Aquela mínima estrela dourada se apaga no mesmo segundo em que se acendeu, e para o lado cai o homem abandonado. 

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Canção de Beber da Tristeza da Terra

Das Lied von der Erde 
Gustav Mahler

1. Das Trinklied vom Jammer der Erde

Canção de Beber da Tristeza da Terra

Já o vinho vos acena na sua taça dourada,
mas não bebei ainda. Antes que vos cante uma canção!
A canção do desgosto
ressoa como uma gargalhada nas vossas almas.
Quando o desgosto sutura,
ficam desolados os jardins da alma,
esmorecem e morrem a alegria e os cantos.
Sombria é a vida, é a morte.

Senhor desta casa!
A tua cave está cheia de vinho dourado!
Aqui chamo meu a este alaúde!
Tanger o alaúde e esvaziar os copos,
São coisas que juntas ficam bem.
Uma taça cheia de vinho no momento certo
vale mais do que todos os reinos desta terra!
Sombria é a vida, é a morte.

O firmamento é de um azul eterno
e a terra longo tempo durará ainda
e florescerá na primavera.
Mas tu, homem, quanto tempo vives tu?
Não tens cem anos para gozar
de todas as caducas futilidades desta terra!

Olhem lá em baixo! Ao luar, sobre as sepulturas
acocora-se uma fantasmagórica figura!
É um macaco! Escutem como o seu uivo,
rasga o doce aroma da vida!

Agora, tomai o vinho! Agora é tempo, companheiros!
Esvaziai as vossas taças douradas até ao fundo!
Sombria é a vida, é a morte!

(Tradução: Ofélia Ribeiro)

Qual a alegria do homem nesta vida, senão beber e aproveitar dos prazeres, enquanto espera pela miséria que de qualquer maneira se abaterá sobre ele? Oh homens, aproveitai esta doce alegria enquanto podem, antes que a vida lhes tire com brutalidade até mesmo a graça que vês na embriaguez de tua juventude. 

A sobriedade desanuvia o horror, diante desse mesmo horror não há outra saída senão aproveitar a viagem que nos dá o entorpecimento dos sentidos. De que adianta a sobriedade, se é na ebriedade que o mundo torna-se aturável aos nossos olhos? De que adianta, se a todo momento querem nos matar, nos levar ao mais alto nível de loucura? 

O desespero humano é latente na orquestração violenta dessa passagem, ao passo que a voz nos mostra um homem sem esperança, a espera de seu fim, a espera da morte que lentamente se aproxima. Há algo na voz que mostra como sentem-se aqueles que já desistiram de lutar, que já se entregaram as garras malditas do destino.

É estranho como as vezes nos sentimos conscientes de nossa própria morte. É estranho como as vezes o desespero alcança níveis tão absurdos que não mais nos atingem, senão que nos paralisa, e o que resta é apenas uma voz engasgada, metálica. Uma voz que grita seu fim a plenos pulmões, e um alguém que se afoga, abraçando sua morte como uma velha amiga que lhe vem tirar da dor e da humilhação dessa existência.

Acusam-nos de covardes. Oh, se soubessem o quanto lutamos. Se soubessem o quanto suportamos em vida, quando amores nos abandonaram, quantos amigos nos traíram e apunhalaram pelas costas. Até que recai sobre nós a desesperança que apenas nos faz desejar uma fuga, seja no vinho, no ópio ou no benzodiazepínico que acalma a alma. Não somos covardes, apenas cansamos de lutar uma batalha que não pode ser vencida. 

Mas, é interessante notar que há algo de passageiro no gênero humano, sua vida fugaz, mas há também algo de eterno, seu sofrimento. Embora o homem individual morra, o sofrimento que se abate por sobre a humanidade é eterno. Esse nunca cessa, senão que passa a outro, e depois outro, levando todos, um a um, a loucura, a ebriedade, a morte. 

Aquele que vê a vida como se visse uma bela flor que cresce delicadamente no campo não conhece a vida. A vida é fome, dor, traição, solidão. A vida é tudo aquilo que lutamos para esquecer mas que insiste em nos aparecer a cada manhã, a cada palavra de ódio, a cada esquina que cruzamos com o assassino. A vida é o sol que brilha forte, que embeleza as pinturas dos artistas, mas que também queima impiedosamente a pele daqueles que trabalham na lavoura. 

Por isso, façamos um brinde a vida que pode ser esquecida, um brinde a esses breves momentos de alegria em meio a uma vida de sofrimentos. Um brinde aquilo que se anuvia, conforme vão-se perdendo os sentidos e esquecendo-se os espinhos. Enquanto lentamente se aproxima a morte, lenta demais.

Sombria é a vida, é a morte!

Diálogo

- Ei, por que você estava tão bravo esses dias?

- Como assim?

- Você, estava nitidamente bravo esses dias.

- Eu não lembro de estar bravo com nada em particular. Aconteceu muita coisinha chata aqui e ali, mas nada que eu já esteja acostumado

- Pois pareceu ser bem sério.

- Hmmm, mas sério, não lembro de nada ruim pra me chatear a esse ponto!

Bom, tem só uma coisinha que estava me chateando que você precisa saber mas já tá resolvendo, pelo visto, que é nossa comunicação. Mas pelo menos eu acho que tá de boa.

- Como assim?

- Você estava muito distante.

- Eu estava distante porquê você estava distante e não queria invadir. Você estava preferindo ele, eu não ia ficar indo contra isso.

- Nada a ver. Você se afastou porque quis, eu não te pedi pra parar de ser meu amigo em momento algum.

- Eu sei que não, mas também não quero ficar parecendo que estou competindo.

- Você sabe que isso não faz sentido nenhum né? Eu nem estou falando tanto com ele, nem vendo também, afinal ele não tá indo mais para as reuniões. E você sabe o porquê, e até acho melhor assim.

- Não sei, porque ele também não me diz nada. Eu só tenho palpites

- Dê um que eu confirmo. Embora vocês que tenham que falar a respeito.

- Ele acha que o grupo não quer ele por perto.  Mas também tem um motivo pra isso.

- Acertou. Mas não é só isso. Ele tá sentindo a mesma coisa que eu estava sentindo a cada mês que se passava: exclusão, falta de relevância. Aquele dia na Fátima foi a gota d'água, pra nós dois. Quase que a gente saiu do ministério, eu só não sai antes do fim do ano porque me pediram. Eu ia só na cantata e não ia dar mais as caras, mas toda vez que eu estou mal parece que todo mundo sente e fica tudo maravilhoso. No ensaio da cantata eu me senti tão bem, quanto nunca antes. Mesmo você estando fechado comigo eu consegui me sentir bem, e foi aí que decidi ficar até quando desse pra mim. Mas ele não. Ninguém odeia ele isso eu sei.

- Engraçado que ele sente a mesma coisa que eu, mas no meu caso é frescura! Claro, porque pra ele eu sou ninguém!

- Mas ninguém dá a mínima se ele fica ou sai. Eu não tenho poder de decisão de nada. Mas eu não quero que ele fique. Pelo bem dele mesmo. Eu só fico preocupado com uma coisa, por isso eu não falo pra ele nem o que eu penso, porque a decisão tem que partir dele

- Que coisa?

- A coisa é você, obviamente. Sua sanidade e seu bem-estar. Pois parece que não tem escolha. Ou ele fica e você pira, ou ele vai embora e você perde o sentido da vida. Eu não vou falar nada pra não ter culpa no que vier a acontecer

- Que sanidade? A que eu estou vomitando desde 10h da manhã? A sanidade q me fez parar na emergência três vezes nas últimas duas semanas? Ou a que fez o pessoal ir pra minha casa de madrugada porque eu me tranquei no quarto e estava cortando meu braço? Pra ele pegar o estilete e fazer piada no dia seguinte?

- Exatamente. Você não tem praticamente nenhuma mais. Mas sendo A ou B parece que as consequências serão as mesmas. Eu só quero entender o porquê de tudo.

- Porque eu criei necessidade dele, necessidade absoluta de falar com ele o dia todo, de vê-lo toda semana, e ambos decidimos nos afastar, eu porque estava me sentindo mal e ele por causa da... enfim.

- E eu estou decidido a superar isso, nem que tenha que me matar pra isso.  E ele está se sentindo excluído pois eu não dou conta de fazer o que eu fazia antes.

- Como você tem coragem de falar isso pra mim?

- Porque é a verdade, e eu prometi não mentir pra você.

- Então a verdade é que você prefere jogar tudo que eu senti, fiz e sofri por você no lixo por isso?

Minha dor não tá nem um pouco perto da sua, eu reconheço isso. Eu não desejo isso pra ninguém mas isso é cruel.

Eu ainda não entendi por que eu entrei na sua vida e nem sei até quando vou insistir em entender o porquê.

É a mesma merda que você está sentindo, pena que você não tem o devido controle sobre isso como queríamos que tivesse. Mas eu sei que isso não é insuperável. Não é, tem outra opção, OUTRA ALÉM DE ARRUINAR O DOM QUE DEUS TE CONCEDEU POR AMOR.

- Eu não quero jogar nada no lixo, eu só não aguento mais. De que adianta, conservar isso, uma existência patética, enquanto machuco você e machuco ele? É tudo minha culpa, por não ser suficiente pra nenhum de vocês, nem pro grupo.

-  Adianta que você é capaz de muita coisa e não precisa de porra nenhuma além de si mesmo. E que você precisa acabar com isso de colocar as pessoas erradas no centro da sua vida. Ninguém merece estar nesse posto além de você mesmo e Jesus. Você precisa batalhar de todas as formas possíveis e derramar o seu sangue, mas da forma correta. Por si mesmo, pelo seu bem e consequentemente dos que estão ao seu redor.

- Preciso, preciso sim. Eu preciso de cada um de vocês. Eu preciso de cada um que na naquela noite largou o que estava fazendo pra me impedir de fazer o que eu ia fazer.

- Quais opções você já considerou até agora tirando essa?

- Eu considerei gritar, manda-lo embora. Considerei me mudar pro Sul ou pro DF. Fui pra casa da minha tia, que me ofereceu um quarto lá quando voltei do hospital, mas voltei chorando no mesmo dia. Porque eu não consegui ficar longe. Mas o que aconteceu? Estamos longe do mesmo jeito, e eu fico desejando-o por perto, mas quando ele está perto eu só quero correr pra bem longe. Isso é um inferno! Ele disse que quer conversar, e eu sei que é isso, um adeus e eu não sei se vou estar vivo quando isso acontecer, e seria melhor se não estivesse mesmo.

- Não seria. Não é só você que precisa da gente!

- Eu sei q cada mensagem dessa é uma ferida q eu faço em você também.

- Você vai destruir a vida de cada um de nós se nos deixar. Eu não sei o que serei capaz de fazer também. Não quero te pressionar, eu só quero que você perceba a sua importância pra mim e pra todo mundo.

E eu já sei como posso acabar com minha vida agora mesmo, mas por você eu vou fazer isso. Eu te prometo e quero que você me prometa, que não vai me deixar. Nunca!

Não vou deixar o medo me prender. Porque esse medo não é nada comparado ao de perder alguém tão importante pra mim.

Confia em mim, não desista por favor. Eu te imploro com todas as minhas forças!

Encontre o amor pela sua vida e por todas as coisas maravilhosas que você fez e faz por cada um que já esteve perto de você.

- Eu só estou insistindo ainda porque esse grupo não me deixou ir, porque quando ele me deu as costas e achei q não tinha importância pra ninguém, eles me mostraram o contrário. E é por isso q eu não fiz, eu estou em dívida e não sei como pagar. Estou em dívida com você também.

- Eu prometo, eu te juro que mesmo que ele vá embora, eu vou me esforçar ao máximo possível pra preencher o vazio que ele deixar. Assim como tentei fazer antes, e agora eu sei que vou conseguir. Eu acredito, eu tenho fé que eu vou te salvar com o meu amor. Que ao contrário de todos os que já pisaram nos seus sentimentos e não o retribuíram [o meu amor] é real e sincero, e não se importa nem se é recíproco, só preza pelo seu bem.

Vou sair aqui do trabalho pra chegar mais cedo aí.

- Eu, não sei o que dizer, eu...

- Não quero que diga nada. Eu só quero que você sente a bunda na cama, assista alguma coisa divertida e espere eu chegar. Esse ano vai ser diferente pra todos nós, e Deus há de nós guiar para o caminho que ele escolher para nós

- Obrigado. 

Eu... 

Ta bom! Eu vou te esperar. 

Não consigo dizer mais nada.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Sobre evoluir

Preciso ser melhor. Se antes não acreditava ser capaz de fazer nada direito, se antes não acreditava ser bom em alguma coisa, hoje acredito que posso sim, superar os meus limites e quebrar as barreiras que se colocam entre mim e o que posso ser. 

E que barreiras são essas? As que eu mesmo crio. Vejo alguém com mais habilidades, e estou cercado de pessoas incríveis, e ao invés de me sentir impelido a fazer algo bom também. 

Olho para os meus amigos, e vejo o quanto cresceram em técnica (vocal, no caso, pois me refiro aos amigos da banda). Deveria me sentir incentivado a dar meu melhor e buscar melhorar, mas não, apenas me fecho no que já sei, e admito saber pouco, e me sinto deprimido, por não conseguir acompanhá-los. 

Mas isto está erradíssimo. Não posso deixar de crescer, não posso deixar de querer ser melhor, não O melhor, mas melhor do que sou agora. Não posso, com essa atitude, incentivar minha própria mediocridade. 

Eu preciso melhorar, crescer, evoluir. Estudar mais e com mais afinco. Literatura. Filosofia, aristotelismo, tomismo, platonismo, política. Preciso melhorar. Técnica vocal, teoria musica, regência. Inglês, latim, alemão. Preciso ser melhor, ou ficarei para trás. Preciso evoluir, entender que o amor só se encontra no outro quando há também dentro de mim mesmo. Preciso amadurecer, e aceitar que mesmo em duras batalhas eu posso continuar de pé a lutra, apesar das feridas abertas. 

Preciso ser melhor. Se antes não acreditava ser capaz de fazer nada direito, se antes não acreditava ser bom em alguma coisa, hoje acredito que posso sim, superar os meus limites e quebrar as barreiras que se colocam entre mim e o que posso ser. 

A cura do Amor

Antes era "Eu te amo". 
Hoje parece ser só "Eu te amo".

Agora parece algo dito de forma automática, sem a convicção profunda que nasce do coração e que transborda nas vibrações do ar que levam ao coração do amado as palavras sinceras do amante.

Parece-me que a palavra Amor pode se esvaziar de seu significado, mas qual seria esse significado?

O amor é a pura manifestação do coração que desejar o bem de outro coração. O amor é sentimento maior até do que aqueles que o sentem, e estes movidos pelo amor são impelidos a viverem partilhando esse sentimento que brota a transborda. Essa partilha com o outro é a manifestação do amor, imagem daquele amor maior que nos infundiu a vida. Quando o 'eu te amo' é dito com a sinceridade do âmago da alma, as borboletas que habitam nosso estômago dançam de alegria, o sorriso é estampado nos céus e iluminado pelos raios do sol. Mas quando é dito automaticamente, como algo que por hábito se tornou banal, apenas evoca a sensação de uma sala vazia, pintada de um cinza triste, e nada mais.

Mas, parece-me que a fonte pode secar, ou ao menos diminuir seu fluxo, e então quando isso acontece, a palavra Amor pode perder o simbolismo, e uma vez que isto acontece, a palavra já não evoca mais o que antes lhe era próprio. O Amor, quando dito repleto de seu significado e pleno de seu poder, traz a vida. Quando vazio, traz a indiferença. E uma vez que tenha se esvaziado, o amor pode ser repetido, de lábios em lábios, em centenas de canções e poemas, sem nunca evocar o seu significado real, sem nunca despertar aquilo que antes despertava no coração. Perde a cor e o sabor, torna-se insípido, sem graça, monótono.

O amor precisa ser redescoberto a cada dia, e a cada dia deve iluminar a face dos amados. O amor não pode morrer, precisa ser alimentado, com a presença, o carinho, a sinceridade, a compreensão. Quem disse que o amor não pode morrer? O amor pode morrer, e ouso dizer que quando isso acontece, nada é capaz de trazê-lo de volta a vida. Mas ele antes disso empalidece, adoece, e enquanto não morreu, pode ser curado, e pode voltar mais forte do que antes. O amor também adoece, e como a anemia empalidece o corpo, o amor doente empalidece a alma.

Como curar o amor?

Ele é como um quadro, pintado pelas mãos de um artista talentoso, que em cada canto de sua obra escondeu um detalhe que muda toda a perspectiva geral. A cada descoberta o quadro geral muda. Assim somos nós, os amantes e amados. A cada dia precisamos encontrar novos detalhes, que nos façam perceber a totalidade da coisa que nos impressiona. Precisamos mudar a perspectiva, mudar a forma como vemos e até mesmo o que vemos. As vezes um pequeno detalhe muda todo o conjunto.

O amor precisa ser alimentado, como o disse. O carinho deve ser incentivado, a presença, a compreensão. É horrível quando num relacionamento alguém sente-se mais solitário do que quando estava solteiro.

Amor é partilha. Do que se tem de melhor e pior. Amor é companhia na alegria e na tristeza, nos dias de chuva, triste sob a coberta e nos dias de sol, correndo alegremente nos parques da paixão. O amor é compreensão. Compreensão de que o outro tem limites, tem necessidades, tem medos e defeitos, mas que até mesmo essas coisas fazem parte do conjunto, e se o conjunto desperta amor, essas coisas passam a conviver de forma equilibrada com o que se há de melhor.

O amor precisa ser nutrido com a confiança e temperança. Nada demais faz bem. Quando se obriga o amor, quando se exige algo dele, ele morre. Mas quando o amor é deixado livre, ele voa alegremente no céu de nosso coração, e sempre pousa nos ombros daqueles que o libertaram.