terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Canção de Beber da Tristeza da Terra

Das Lied von der Erde 
Gustav Mahler

1. Das Trinklied vom Jammer der Erde

Canção de Beber da Tristeza da Terra

Já o vinho vos acena na sua taça dourada,
mas não bebei ainda. Antes que vos cante uma canção!
A canção do desgosto
ressoa como uma gargalhada nas vossas almas.
Quando o desgosto sutura,
ficam desolados os jardins da alma,
esmorecem e morrem a alegria e os cantos.
Sombria é a vida, é a morte.

Senhor desta casa!
A tua cave está cheia de vinho dourado!
Aqui chamo meu a este alaúde!
Tanger o alaúde e esvaziar os copos,
São coisas que juntas ficam bem.
Uma taça cheia de vinho no momento certo
vale mais do que todos os reinos desta terra!
Sombria é a vida, é a morte.

O firmamento é de um azul eterno
e a terra longo tempo durará ainda
e florescerá na primavera.
Mas tu, homem, quanto tempo vives tu?
Não tens cem anos para gozar
de todas as caducas futilidades desta terra!

Olhem lá em baixo! Ao luar, sobre as sepulturas
acocora-se uma fantasmagórica figura!
É um macaco! Escutem como o seu uivo,
rasga o doce aroma da vida!

Agora, tomai o vinho! Agora é tempo, companheiros!
Esvaziai as vossas taças douradas até ao fundo!
Sombria é a vida, é a morte!

(Tradução: Ofélia Ribeiro)

Qual a alegria do homem nesta vida, senão beber e aproveitar dos prazeres, enquanto espera pela miséria que de qualquer maneira se abaterá sobre ele? Oh homens, aproveitai esta doce alegria enquanto podem, antes que a vida lhes tire com brutalidade até mesmo a graça que vês na embriaguez de tua juventude. 

A sobriedade desanuvia o horror, diante desse mesmo horror não há outra saída senão aproveitar a viagem que nos dá o entorpecimento dos sentidos. De que adianta a sobriedade, se é na ebriedade que o mundo torna-se aturável aos nossos olhos? De que adianta, se a todo momento querem nos matar, nos levar ao mais alto nível de loucura? 

O desespero humano é latente na orquestração violenta dessa passagem, ao passo que a voz nos mostra um homem sem esperança, a espera de seu fim, a espera da morte que lentamente se aproxima. Há algo na voz que mostra como sentem-se aqueles que já desistiram de lutar, que já se entregaram as garras malditas do destino.

É estranho como as vezes nos sentimos conscientes de nossa própria morte. É estranho como as vezes o desespero alcança níveis tão absurdos que não mais nos atingem, senão que nos paralisa, e o que resta é apenas uma voz engasgada, metálica. Uma voz que grita seu fim a plenos pulmões, e um alguém que se afoga, abraçando sua morte como uma velha amiga que lhe vem tirar da dor e da humilhação dessa existência.

Acusam-nos de covardes. Oh, se soubessem o quanto lutamos. Se soubessem o quanto suportamos em vida, quando amores nos abandonaram, quantos amigos nos traíram e apunhalaram pelas costas. Até que recai sobre nós a desesperança que apenas nos faz desejar uma fuga, seja no vinho, no ópio ou no benzodiazepínico que acalma a alma. Não somos covardes, apenas cansamos de lutar uma batalha que não pode ser vencida. 

Mas, é interessante notar que há algo de passageiro no gênero humano, sua vida fugaz, mas há também algo de eterno, seu sofrimento. Embora o homem individual morra, o sofrimento que se abate por sobre a humanidade é eterno. Esse nunca cessa, senão que passa a outro, e depois outro, levando todos, um a um, a loucura, a ebriedade, a morte. 

Aquele que vê a vida como se visse uma bela flor que cresce delicadamente no campo não conhece a vida. A vida é fome, dor, traição, solidão. A vida é tudo aquilo que lutamos para esquecer mas que insiste em nos aparecer a cada manhã, a cada palavra de ódio, a cada esquina que cruzamos com o assassino. A vida é o sol que brilha forte, que embeleza as pinturas dos artistas, mas que também queima impiedosamente a pele daqueles que trabalham na lavoura. 

Por isso, façamos um brinde a vida que pode ser esquecida, um brinde a esses breves momentos de alegria em meio a uma vida de sofrimentos. Um brinde aquilo que se anuvia, conforme vão-se perdendo os sentidos e esquecendo-se os espinhos. Enquanto lentamente se aproxima a morte, lenta demais.

Sombria é a vida, é a morte!

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