quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

O Solitário no Outono

Das Lied von der Erde 
Gustav Mahler

2. Der Einsame im Herbst

O Solitário no Outono

A névoa azulada de Outono flutua sobre o lago,
cobrindo de geada cada lâmina de relva;
dir-se-ia que um artista espalhou pó de jade
sobre as delicadas florações.

O doce perfume das flores desvaneceu-se;
um vento frio curva as suas hastes.
Em breve, as murchas folhas douradas
das flores de lótus, partirão nas águas.

O meu coração está cansado.
A minha pequena lâmpada extinguiu-se com um estalo;
convencendo-me a dormir.
Venho até ti, caro lugar de repouso!
Sim, dá-me descanso, necessito de conforto!

Choro muito na minha solidão.
O outono prolonga-se demasiado no meu coração.
Sol do amor, não voltarás tu a brilhar,
e as minhas lágrimas amargas ternamente secar?

(Tradução: Ofélia Ribeiro)

A solidão é, parece-me, uma companheira fiel. Um homem contempla a superfície de uma lago, que não se move senão pelas folhas amareladas a alaranjadas que caem por sobre o cristal negro de suas águas. Ele levante o seu olhar, e o vento sopra delicadamente sobre sua face. Ele volta a olhar a olhar a água, que quase não se mexe, e sua mente o leva para longe... Longe daquele laguinho azul, rodeado de bambu, o amor o deixou. 

Um violino solitário acompanha a voz solitária. A melancolia toma conta do ser. O coração já não quer mais chorar, e também não quer consolo, pois seu amor já não existe mais. Sozinho ali, naquela paisagem de beleza extraordinária ele não consegue sentir-se feliz. Sente apenas um enorme vazio no seu coração.

As lembranças lhe são numerosas. Talvez sejam em maior número do que as folhas que caem. E ele se lembra de sorrisos, e então sorri, e depois chora. Ele se lembra dos abraços, e então sorri, e depois chora. Ele se lembra das promessas, e então chora...

Prometeram-lhe amor eterno, e partiram na semana seguinte. Prometeram-lhe a vitória, e o derrotaram no dia seguinte. Prometeram-lhe que andariam lado a lado, e o deixaram na manhã seguinte. Promessas...

Pediram que ele prometesse nunca amar. Pediram que ele prometesse não odiar. Pediram que ele prometesse sinceridade. Pediram que ele fizesse promessas que não poderia cumprir. E ainda assim, aqueles que lhe pediram, o fizeram amar, o fizeram odiar e o fizeram acreditar em mentiras. Promessas...

As promessas foram vazias, e a sua frente abre-se um lago profundo. Aqueles que lhe prometeram e o fizeram prometer deveriam se jogar nessas águas, e deixarem-se lavar na morte do horror que o fizeram. 

E mesmo depois de toda essa crueldade, eles se foram. Deixando-o sozinho, acompanhado somente pelas folhas que caem no outono, mostrando que talvez já seja a sua hora de também partir, como elas o fazem, deixando-se levar pelo vento, para terras distantes. Teria seu amor também levado por algum vento para terras distantes?

Sentado na relva ele já não sente mais suas pernas, seu olhar perdeu o foco, e enquanto seu cabelo voa, sua alma se desprende de seu corpo. Começa a cair a noite, e o laranja das folhas começa a perder-se em meio a negritude do véu que se abriu no céu. O lago escuro agora brilha e reflete a lua, como um diamante negro a refratar a luz. 

Uma última lágrima fria escorre em seu rosto, e cai no chão brilhando por um instante quase imperceptível. Aquela mínima estrela dourada se apaga no mesmo segundo em que se acendeu, e para o lado cai o homem abandonado. 

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