sábado, 12 de janeiro de 2019

A roseira ferida

Eu estava deitado quando senti um impulso de dizer algo, mas o cansaço me fez ignorar o que era. Fiquei quieto por mais um tempo, mas a sensação não foi embora. Talvez fosse a atmosfera propícia a reflexão, o dia nublado e o piano acompanhado pela voz da playlist que eu tenho ouvido nos últimos dias, mas o fato é que um ímpeto desabrochou dentro de mim e não pôde ser contido. 

Esperei por uma semana, exatamente, para que conseguisse entender um pouco melhor o que se passou comigo, e acredito que ter deixado minha mente decantar essa história num tipo de segundo plano foi a escolha certa. 

Consegui enfrentar uma grande batalha: encarar de frente o homem que amo, e dizer o que precisava ser dito, e ouvir o que ele precisava me dizer também. Chegamos num tipo de consenso, concordamos em nos afastar fisicamente, por um tempo, pois ambos estamos chateados e insatisfeitos com a nossa situação. Ele, triste com a forma como venho tratando-o, frio e distante, e eu triste por saber que não importa o quanto me esforce, nunca poderei fazer com que ele sinta o mesmo por mim. 

É uma situação que se tornou insustentável para ambos. Ele já não vinha mais a minha casa, já não alava mais comigo nem pelas redes sociais, nos tornamos praticamente estranhos. Eu já não conseguia mais encará-lo nos olhos, e sofria muito toda vez que sabia que iria encontrá-lo. Quantas vezes fiquei de cama, sem conseguir segurar sequer um copo com água ou vomitando sangue até sentir meu corpo se desfazer, só de pensar em vê-lo? A dor que senti no dia mesmo em que conversamos não pode ser descrita...

Eu não conseguia chorar, não conseguia falar, não conseguia fazer outra coisa senão me deitar e encarar um ponto fixo no teto do meu quarto. E fiz isso por muitas horas, preocupando minha mãe e meus amigos, até que ele chegasse e acabasse com isso. Meu corpo doeu tanto que chegou um momento em que já não conseguia distinguir o que era dor e o que era eu, me sentia uma massa disforme sobre a cama.

Foi difícil conversar, muito. Eu não conseguia falar direito, e minha voz não me obedecia. Quando dizia algo, não fazia sentido. Mais de uma vez eu tive de fechar os olhos e respirar fundo, para só então dizer algo que fizesse algum sentido.

Mas conversamos. Ele falou e eu escutei, eu falei e ele escutou, e decidimos que isso é o melhor para todo mundo, antes que algo acontecesse de mais grave, e os danos fossem ainda mais profundos e irreparáveis.

Por fim, quando ele foi embora, ao se despedir ele me abraçou. Os abraços dele sempre tiveram muito poder sobre mim, e constantemente me faziam pisar em meus próprios sentimentos, com medo de perder aquela sensação. Sempre desejei ficar ali para sempre. Mas dessa vez foi diferente, eu consegui me concentrar em qual era minha posição ali, de igualdade, e o contato me fez ficar acordado durante todo o tempo, sem cair no torpor que sempre me abatia quando ele me abraçava. Eu senti o calor que vinha do corpo dele, ouvi seu coração bater e sua respiração vacilar, enquanto o mesmo acontecia comigo, mas ainda consegui me afastar, ainda que escondendo meu rosto para que ele não visse minha expressão naquele momento.

E enfim acabou.

Acredito que tenha sido de fato a melhor decisão para nós dois. Não colocamos um ponto final na amizade, mas aparamos as arestas que vinham nos machucando.

E como me sinto com isso? 

A leveza de que falei dias atrás continua, e tenho adorado me sentir assim. Parte da minha disposição voltou, e tenho conseguido fazer coisas que antes não tinha a menor vontade. Também sinto que o meu sorriso se tornou mais verdadeiro, como se não precisasse usa-lo pra esconder um sofrimento que nunca diminuía... Mas diminuiu e, agora que consigo sorrir de verdade, tenho me sentido ótimo! 

Sinto que consegui finalmente abrir uma porta que estava fechada, e deixar ir algo que eu prendia junto a mim. Ambos estamos livres, ambos podemos voar, em direções diferentes, e isso é maravilhoso. Eu vi uma luz que há muito já não via, pois estava tão cansado de ficar preso no fundo de um buraco escuro, o buraco onde o prendi em meu peito. Eu, que sempre me vi como uma cobra a rastejar no chão, percebi que tenho asas para voar como águia. 

Claro que ainda me sinto triste, por não ter sido bom o bastante, mas já não me prendo tanto a isso. E custo a crer eu mesmo que consigo sentir tanta diferença em tão pouco tempo. Se não fosse eu mesmo aquele a sentir, não acreditaria. É uma dor que, sinto, vai se dissipar com o tempo, e que mesmo agota já me parece um pouco distante.

Eu me recordo agora de uma música que ouvi pela primeira vez há alguns dias, e que diz "quando alguém a podou a roseira chorou mas depois se vingou: deu mais rosas do que nunca!" E é com lágrimas nos olhos que eu agora me vejo como essa roseira, podada e ferida, mas que agora pode dar novas rosas e perfumar um novo jardim.

Não achei que pudesse me livrar de algo que me pesava tanto, que me oprimia tanto, que me machucava tanto. Sinto que isso me fez crescer, me deixou muito mais forte, e já me sentiria feliz em apenas constatar que apenas consegui sobreviver.

É tão bom, fechar os olhos e sentir que as lágrimas quentes que descem pelo meu rosto são de liberdade, são de uma dor que eu sei que vai passar. É tão bom, saber que o sol vai se abrir de novo, e que a noite escura um dia vai acabar. É tão bom, sentir que posso voltar a amar alguém de verdade, sem me machucar tanto com isso. É tão bom, sentir de novo o perfume e a alegria de viver que há muito eu já não tinha.

É tão bom...

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