domingo, 28 de fevereiro de 2021

Por saber

Odeio me sentir apaixonado, odeio a vulnerabilidade latente que isso provoca, fazendo com que eu aceite qualquer coisa, que veja coisas onde não existem, odeio sentir que estou perdendo a razão em nome de algo que simplesmente apareceu na minha mente, odeio sentir que não sou mais do que um simples escravo de desejos, de uma carência tão profundamente arraigada no meu ser que já nem sei dizer se sou capaz de viver só. 

Queria conseguir ir mais a fundo disso, entender donde vem essa carência, essa constante necessidade do outro, entender por qual razão eu não consigo viver só, por qual motivo estou sempre procurando alguém que possa preencher o meu vazio, que possa me dar uma razão para viver, que faça valer a pena os meus dias, do acordar até o anoitecer. Eu só queria conseguir entender isso. 

E vejo nos grandes idols da internet, nos meus amigos, nos estranhos que passam na rua, e fico imaginando o tempo todo se algum deles é quem eu tanto busco, se algum deles consegue me responder ao que busco saber. Mas se ao que busco nenhum deles me responde, por qual razão eu ainda os sigo por aí, ainda que mentalmente, imaginando que as tais respostas estejam escritas de algum modo nos músculos fortes e nas mãos firmes ao tocarem o meu corpo, que eu possa entender de algum modo transmitido pelo toque de nossos lábios, pela conexão de nossos corpos?

Mas algo em mim só saber de encontrar algo no outro, um alguém perdido no tempo ou na história, alguém que consigo dar sentido ao meu ser. Essa parte em mim grita e geme numa ânsia perpétua por um amor, num adágio lamentoso que nunca termina, uma eterna busca por alguém que sequer sei que existo, mas que ainda assim faz meu ser girar completamente ao seu redor, como se dela emanasse minha força e como se minha única razão para existir fosse encontrar e me conectar com ela. 

Por isso me vejo amando, novamente apaixonado, por um amigo, um irmão, alguém que me faz sentir bem em sua presença, cujo abraço me faz esquecer esses questionamentos. E então minha carência me faz crer que ele é o escolhido, ele é quem procurei por todo esse tempo. Mas a verdade é que não é ele, e eu sei disso, mas não consigo me desvencilhar dessa verdade e, mesmo sabendo ainda sofro como se fosse verdade. E é horrível estra dividido dessa forma, sabendo a verdade mas ainda sofrendo como se não soubesse, ou talvez esteja sofrendo exatamente por saber, fazendo com que meus olhos reflitam essa confusão numa opacidade entorpecida, numa cadência deprimida que se apaixona por cada pequeno detalhe e se decepciona por detalhes menores ainda.

Eu me encanto com um sorriso, com um abraço apertado que seja, com um carinho descontraído no dorso da mão. E me entristeço quando vejo a distância no olhar, a indiferença, ou quando percebo que a mente está a vagar para longe de mim, para o lado de uma outra pessoa, uma pessoa que jamais serei, que sequer posso copiar, uma pessoa que toma de mim, mesmo sem saber, tudo aquilo que mais quero. 

E a minha sorte é essa, viver entre desumanidades e nunca amar ninguém, vivendo com o mesmo sem vontade com que rasguei o ventre de minha mãe, pegando emprestadas as palavras do poeta. Buscando em todo canto, do outro lado da plataforma do trem, em alguma janela na rua, que você esteja lá, mesmo sabendo que você nunca estaria num lugar como esse. 

sábado, 27 de fevereiro de 2021

O que mais agora?

"Não sei quanto às outras pessoas, mas quando me abaixo para colocar os sapatos de manhã, penso, Deus Todo-Poderoso, o que mais agora?" (Charles Bukowski)

Terminei o texto de alguns dias atrás com a mesma citação com que inicio este. Acontece que, depois de finalmente conseguir algum descanso da correria dos últimos dias, eu pude também sentir se abater sobre mim o peso daquela mesma depressão que antes estava apenas em meus olhos. Ela não havia me abandonado, isso é certo, mas estava apenas se preparando para me agarrar com ainda mais força, enrolando sobre meu pescoço os tentáculos gelados de sua malícia e torpor.

Me vejo agora prostrado sobre a cama, sem conseguir me levantar e com a mente vagante, nublada, bastante confuso. Me cansa pensar na bagunça que ainda está lá fora, e me cansa ainda mais ser obrigado a ver, com requintes de crueldade, a completa incapacidade da minha família de sonhar com coisas grandes. Eles tudo resolvem com a praticidade que lhe vem a mente, criatividade que sequer deveria existir, não fosse a necessidade que eles acham que existe de resolver todas as coisas com remendos e encaixes sem a mínima preocupação estética ou qualquer outra preocupação que seja. 

Afogam-se, eles mesmos e a mim, num oceano de horrores indescritíveis. Somos obrigados a olhar para armários remendados, pisos com diversas cores e paredes cheias de buracos e fios indecentes, numa expressão máxima de toda vulgaridade possível. E a isso eles chamam de vida. 

Acontece que cada rachadura, cada reparo, cada pedaço de madeira usado como prateleira como se fosse a melhor das instalações é um golpe violento sobre o meu senso estético. É como se enfiassem braseiros quentes em meus olhos. 

Isso porque, embora seja um pretexto aparentemente bobo e superficial, isso só revela uma mentalidade latente muito mais profunda do que eu mesmo poderia sondar: a imensa mediocridade em que está inserida a mentalidade brasileira. A minha família não é outra coisa senão um reflexo do brasileiro médio que se contenta com qualquer coisa, que está tão acostumado com tudo dando errado que já não se incomoda em mudar o que de fato está errado mas em fazer remendos e reparos, sacrificando no expediente a própria sanidade. E acumulam para isso milhares de ideias, de coisas velhas que algum dia quem sabe podem ser usados em algum outro remendo, e ainda se irritam, quando veem algo bonito e valioso, se sentem incomodados quando alguém mora numa casa grande e organizada, que não é uma exceção, mas deveria ser a regra buscada por todos. 

Não estou dizendo que deveria dar um jeito e enriquecer e pronto, mas existe uma diferença abissal entre não ser rico e, na simplicidade buscar a dignidade de uma organização decente, e de não ser rico e encher a casa de coisas de gritam a plenos pulmões que aquelas pessoas não tem absolutamente nenhuma preocupação com o belo. Como deveria ser óbvio também, a destruição do belo não vem senão acompanhada da destruição de toda noção do bom, justo e verdadeiro. Daí a indolência da minha família em aceitar qualquer comportamento como normal, por mais imoral e absurdo que seja. Daí a incapacidade deles de enxergar verdades óbvias, restando apenas um recesso mental animalesco, que enxerga num armário remendado o ápice de realização do conforto humano. 

Acho que é desnecessário dizer o quanto isso me causa nojo. E me causa mais nojo ainda de mim mesmo, saber que eu não sei por onde começar, não conseguindo sequer sair dessa cama, para conseguir viver sozinho, com o mínimo de dignidade. Mas parece que eu fui condenado a viver assim. Diferente deles isso me incomoda. Diferente deles isso aqui não me parece nada com vida, ao contrário, é uma prisão de miséria espiritual sem tamanho. Diferente deles eu sinto desespero, um desespero até a morte que brota do profundo abismo do meu ser, numa voz frígida e metálica que sussurra a todo momento as formas com eu deveria acabar com esse sofrimento, para fechar os olhos e não mais ver nada de feio, o feio que é a causa de toda malícia. E é por essa razão que, desde o instante em que acordo eu olho ao meu redor e me pergunto: "Deus Todo-Poderoso, o que mais agora?"

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Criatura de Hábitos

Tenho um hábito de ser sempre muito afetuoso com todos ao meu redor. Me lembro daquele conselho, acho que de Santa Terezinha, de que o interior é meu e merece sofrer (mortificar-se) mas o exterior é do outro e merece sorrir. Mesmo que eu não consiga sorrir de verdade atualmente, eu ainda me esforço para fazer os outros felizes, piadas, histórias e músicas. Com meus amigos mais próximos, sempre ficamos juntos e brincamos muito, ainda que nos piores dias eu só queira morrer, ainda consigo, de algum modo, esconder.

Mas tenho também um outro hábito bastante comum, que é o de ser talvez um pouco afetado demais. E a frase anterior mostra um pouco da tensão que isso significa. Eu trato meus amigos com expressões como "amor, paixão, bebê, mozão, anjo" e coisas do tipo. Por um lado eu realmente uso isso de modo a demonstrar o carinho genuíno que tenho por elas. Eu sou carinhoso e gosto de demonstrar isso, gosto de abraçar, segurar a mão, encostar a cabeça no ombro, enfim, ter contato. Contato humano, que aproxime coração a coração. 

No entanto eu percebo que, muitas vezes, esse carinho é reflexo de algo mais profundo. Percebo que uma mensagem como "Bom dia amor" possa sim ter a conotação afetuosa que é meu objetivo, mas será que ela não reflete apenas uma carência latente que tenta, por meio de demonstrações de carinho atrair alguém? Será que posso estar sendo egoísta a ponto de tentar usar minha amizade como pretexto para sanar a minha carência habitualmente contida? Essa é uma tensão se solução. 

Eu sei que sinto amor, sinto afeição o suficiente pra continuar agindo como sou, mas também sinto que muitas vezes algumas palavras e gestos refletem esse meu outro lado. 

Isso gera algumas situações desagradáveis, como amigos que mentem para mim pra evitar situações de ciúmes, e eu vejo isso nitidamente graças a uma habilidade meio sensitiva, amadora é verdade, mas bem útil, o poder da observação, muito embora eu não tenha coragem de sair dizendo o que vejo, e sempre guardo para mim. 

Me entristeço também com o rumo que essas amizades tomam: muitas vezes eu termino por confundir as coisas, o afeto que me dão de volta se parece muito com amor, com um carinho que seria algo além da amizade. Isso me confunde. Acabo me iludindo com facilidade e, tristemente, quando me dou conta, a pessoa aparece interessada em alguém ou namorando e eu preciso lidar com os ciúmes latentes que sequer tenho direito de expressar, por alimentar sozinho um sentimento que, racionalmente ao menos, eu sabia ser impossível. No entanto, embora a parte racional tenha consciência disso, é ainda a parte volitiva que toma conta das minhas ações. 

Preciso aprender a lidar melhor com isso, colocar as coisas no seu devido lugar e graduar bem os meus sentimentos, de acordo com as potências da minha alma e um justo senso das proporções e, feito isso, seguir a essas categorias como a um imperativo categórico, evitando dor e descontentamento aos meus. 

Mas, por fim, quero deixar claro: o meu afeto é genuíno. O limite de como ele se demonstrará depende do outro. Há que se olhar para o outro que habita em mim, e o eu que habita o outro. E dessa dialética afetiva, vamos construindo um relacionamento mais equilibrado e feliz para ambos. Por fim, nesse ínterim, talvez encontre aquilo que busco. 

"Meu ardente coração quer dar-se sem cessar, 
ele precisa demonstrar sua ternura. 
Há quem há de compreender meu amor, 
que coração quererá corresponder? 
Mas em vão procuro, essa resposta..." 
(Santa Terezinha do Menino Jesus)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Teto não familiar

No auge de todo cansaço físico possível. Dias de mudança exigem um forte espírito, bem como um corpo saudável, para enfrentar a maratona que só termina depois de alguns dias. É preciso desmontar, encaixotar e depois transportar, montar tudo e guardar de novo. É demais. 

Se considerarmos, principalmente, que aqui em casa somos 7 pessoas, a quantidade de coisas que temos é inacreditável. Ainda hoje a entrada está quase inacessível de móveis ainda atravancados, sem conseguirmos dar a eles um lugar certo antes de ajeitar tudo aqui dentro. Estamos então andando entre caixas e sacolas mil, entre coisas que já estão no lugar e outras ainda sem destino certo. 

Acordei hoje com o corpo todo dolorido, sem conseguir sequer andar direito. Estranhei o quarto, a posição em que dormi, mesmo a cama e as músicas sendo as mesmas. Juntei alguma disposição de um ponto ainda desconhecido da minha alma e desfiz algo entre 10 e 12 caixas. Depois passei o dia entre a casa antiga e a nova, em várias viagens carregando o resto das coisas. Temo agora que parei, pelo cansaço que vai chegar de uma vez. 

Mas mudança ainda é inevitavelmente um tempo de reflexão. Não há como evitar as nuances e a ironia intrínseca da existência, observar o que foi vivido ali naquela casa, dois anos de mudanças intensas, de extremos de alegria e tristeza. Ainda me lembro daquela noite horrível, em que tivemos uma conversa definitiva e coloquei um fim ao sofrimento de tanto tempo. Ainda me lembro da cozinha animada e das tardes alegres, pouco a pouco diminuírem, e lentamente voltarem a se encherem de alegria. Não sei bem o que vem agora, mas nossa, quanta coisa eu vivi lá. 

Claro, não é por isso que eu estou com saudades, de forma alguma, sempre detestei aquela casa, e com certeza não gosto dessa também, ainda é muito longe daquilo que eu chamo de casa e que poderia chamar de lar, mas, é um sinal de que as coisas continuam em permanente mudança, se não é interna, algo que preciso findar ou começar dentro de mim ou que seja algo externo, completamente alheio às minhas forças. 

A pior parte, talvez, seja uma pessoa com uma baita crise depressiva, que há dias sequer tomava uma banho decente, ter de se movimentar a todo custo. Em vários momentos eu senti o meu corpo se movendo sozinho, sem que eu realmente prestasse atenção ao que estava fazendo, não por automatismo, mas por simples torpor que não pôde ser quebrado nem mesmo com a movimentação física. Uma mente distorcida não pode ser colocada nos eixos somente com o corpo em ação, aprendi isso com uma lição gravada a fogo no meu corpo, e a dor que eu sinto é prova disso, meu olhar e meu semblante em nada se alteraram, e tudo o que consegui foi uma imensa infelicidade ao constatar a quantidade de coisas inúteis que temos, um sinal da inumerável quantidade de coisas simplórias e desprezíveis da minha vida. 

Continuo observando o mundo através de uma lente cinza, com o soturno olhar de descrença e uma desesperança habitando meu coração.

"Não sei quanto às outras pessoas, mas quando me abaixo para colocar os sapatos de manhã, penso, Deus Todo-Poderoso, o que mais agora?" (Charles Bukowski)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Border

A sensação permanente de sentir-se insuficiente, de dar o seu melhor na frente do espelho, tentar parecer com qualquer outra pessoa que não seja você e terminar ainda mais parecido com o absoluto fracasso estampado no reflexo. É assim que me sinto ao tirar uma foto, mesmo postando como se me sentisse satisfeito o resultado, eu a uso na verdade como um troféu, um lembrete da minha falha estrutural, daquele meu defeito primitivo: meu próprio ser. A minha existência revela-se como nada mais do que um erro sem explicação do universo, um arremedo de ser humano, alguém que quase chegou a ser mas nunca foi, um abortivo. É isso que vejo em meu próprio reflexo, é isso que está estampando nos meus olhos, é isso que as vozes me dizem todos os dias, a todo momento, quando me lembram que eu sou completa e inquestionavelmente insuficiente para que qualquer pessoa possa se interessar por mim. 

E é bem esperado que eu sinta isso ao olhar para mim mesmo, já que eu vejo o corpo humano com uma devoção quase angélica. É com imensa admiração que eu observo os homens de corpos fortes, como se fossem esculpidos por sílfides. Os músculos firmes, os peitos torneados, cabelos perfeitamente alinhados. Eu sempre admiro. São como anjos andando entre nós, de uma beleza tão inacreditável que sequer parecem existir de verdade num mundo tão feio. Mas quando me vejo no espelho eu não consigo, simplesmente não consigo ver esse reflexo de anjos, eu me vejo como animal, com todos os defeitos possíveis, até mesmo quando, depois de muito esforço, consigo me preparar de algum modo. Isso é o que há por trás das minhas fotos, maquiado, produzido, o que na opinião dos outros poderia ser quase aceitável, eu acho simplesmente horrendo, me dói sequer olhar. 

Cansado de fazer as coisas darem errado por puro desespero, cansado de estragar tudo quando as coisas finalmente começam a se encaminhar. Cansado de ser assim, de viver sempre no limite, de sempre estar prestes a explodir, sempre prestes a colocar tudo a perder, cansado desse jeito border de ser. Cansado de sempre me deixar aproximar, de sempre começar a sentir, e depois não conseguir mais voltar atrás, de me deixar escravizar por ímpetos e hormônios, por uma potência tão baixa da alma que a figura animal que eu vejo não é senão reflexo da fera que há dentro de mim, que adormece apenas por alguns dias, para novamente tornar a sair de sua toca, do fundo de seu buraco, procurando a quem devorar. Vários dias adormecido, entorpecido, em meio a névoa matutina, apenas convivendo com meu fracasso habitual e contínua raiva reprimida, mas de tempos em tempos as correntes se rompem e ele sai, sem se importar com quem vai machucar, ainda que no fim de tudo seja sempre eu o mais ferido por ficar sozinho, sendo ainda pior por saber que eu mesmo provoquei isso. 

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Resenha - Manner of Death

Contém alguns SPOILERS, prossiga por sua conta e risco.

Pouco antes da entrada das Filipinas no cenário BL as pessoas estavam um pouco incomodadas com os temas recorrentes das séries desse gênero, que sempre se passavam no colégio ou na faculdade de engenharia, com o manjado plot do veterano e do calouro que se detestam até perceberem que na verdade se gostam. Não que eu ache ruim, na verdade eu amo um clichê, mas admito que a nova onda com apostas inovadoras também tem tudo pra dar certo, e Manner of Death veio justamente pra ser um grande diferencial no meio BL, com um romance investigativo. 

Além de ser diferente da maioria esmagadora das histórias essa série também conseguiu a atenção de muita gente por aqui por causa do casal protagonista, MaxTul, que dispensam apresentações, sendo consagrados como parte da realeza BL depois de cenas hot fortíssimas nas séries que já protagonizaram e também fora das telinhas, já que eles elevaram o nível do fanservice para patamares inalcançáveis, aliás, a galera não iria se surpreender em nada se um dia eles aparecessem namorando oficialmente. 

A série conta a história de Dr. Bun (Tul Pakorn, de Together With Me), um médico legista que retorna a sua antiga cidade depois de se frustrar com a forma como as investigações eram levadas nos grandes centros urbanos. Mas, ao chegar na aparentemente pacata Viangpha Mork ele precisa lidar com o caso de assassinato de Jane, sua amiga de infância, bem como a corrupção da polícia e da justiça local em fazer vista grossa para um possível caso de tráfico de menores. Ele logo cruza o caminho de Tan (Max Nattapol, também de Together With Me), um professor que era íntimo de Jane e um dos principais suspeitos, e que insiste em se tornar próximo de Bun. 

O elenco da série, além do casal prota, é cheio de nomes de peso, como a Mint Nutwara (Jane), cujo assassinato é o gatilho pra fazer Bun se dedicar a investigação sobre o que realmente acontece na pequena cidade. Ele ocasionalmente conta com a ajuda do seu colega, o Dr. Oat (MD Nutthapong, de My Engineer) e do fofo Sorawit (Putter Dechphisit) que resolve ajudar o doutor depois que uma de suas amigas começa a agir de modo estranho e dar sinais de abuso sexual e de uso de drogas. A polícia, no entanto, não parece nada disposta a colaborar com eles e frequentemente interrompe a suas investigações, com o Inspetor M (Great Sapol, o novo galã da Tailândia e dono do meu coração) insistindo em classificar o caso de Jane como suicídio e não ir atrás do culpado. Também tem Tat (Bhu Bhudis), que frequentemente implica com Sorawit e parece estar envolvido com coisas erradas. 

A temporada gira em torno de várias descobertas, traições e inimigos que se tornam aliados, sendo uma excelente aposta da WeTV. Mesmo que o enredo propriamente investigativo não seja muito complexo, com várias resoluções fáceis demais, ainda assim ele consegue prender a audiência em todos os episódios, principalmente conforme vai avançando a história e vamos descobrindo que os podres da cidade se espalham por todo o alto escalão e nem tudo é o que parece ser, com as maiores vítimas sendo na verdade capazes de crimes terríveis. Os primeiros episódios são mais focados na parte do trabalho do Bun como legista, então temos vários termos médicos e suposições profissionais que dão um tom bem sério pra série, outro diferencial. 

O romance, embora fique em segundo lugar, é bem construído. MaxTul dão um show de química em tela, com personagens cativantes e com uma boa razão para serem como são. Bun é um idealista, e sempre faz o que considera a coisa certa a se fazer, tendo um forte senso de justiça e não aceitando de forma alguma que um caso de assassinato seja encoberto apenas para dar segurança a grandes pessoas que possam ter envolvimento. Ele demora começar a confiar em Tan, que é misterioso e não se incomoda de lidar com os problemas a seu próprio modo. Tan convence Bun a morar com ele depois que sua casa foi invadida numa tentativa de silencia-lo e demovê-lo da investigação, e daí os dois começar a se aproximar. Bun é irreverente e brutalmente sarcástico, enquanto Tan, mesmo sendo misterioso, se apaixona rápido e é mais romântico. Aliás, essa pode ser a última série dos dois juntos, já que Tul vem para a América fazer um mestrado em Arquitetura e enquanto isso claro que a carreira de ambos pode ir para lugares bem distantes, mas fica gravado o nome deles na história, bem como a esperança de mais um trabalho desses ícones. Os vários anos trabalhando juntos culminaram numa atuação bem mais madura por parte de ambos, com cenas de ação até aceitáveis se o espectador fizer abstração e aceitar que essa não é uma produção de ação nos moldes americanos. 

Putter e Bhu também conquistaram o coração dos fãs. Eles formam uma dupla e tanto, com Sorawit sendo bobo e alegre enquanto Tat é nervosinho e metido com todo tipo de gente, mas não resistindo e tendo que cuidar do outro o tempo todo. Com eles a série equilibrou bem as cenas românticas de MaxTul, as tensas envolvendo a investigação e as revelações e um alívio cômico na medida. 

Aliás esse é um aspecto bem interessante a ser notado, como a Tailândia atualmente é governada por uma junta militar que conta com o apoio da monarquia local, a polícia é claramente um retrato do exército, que detém poderes quase absolutos no país, o que dá margem para os protestos que vêm acontecendo lá com frequência. 

Como disse, a história chega a ser muito oportunista em vários momentos, com problemas se resolvendo com o simples propósito de darem continuidade numa investigação mais profunda, e as soluções de verdade acabam sendo muito convenientes no fim das contas, mas isso não tira, de modo algum, o mérito da série em inovar com um plot intenso, romântico e que realmente prende o espectador, seja pelos crimes investigados ou pela simples presença de MaxTul e o gato do Great em cena. Simplesmente uma obra obrigatória que já faz parte de uma nova era de BL's sobre gangues ou investigativos que começou com arco Trapped de HIStory e vai continuar logo mais com KinnPorsche - The Series, Not Me de OffGun e o filme estrelado por Perth e Bas, Tell The World I Love You. 

Nota: 9,5/10



domingo, 21 de fevereiro de 2021

Happy Mew And Win's Day!

Eu havia me esquecida que estava próximo do dia do meu aniversário, isso até ter que reenviar uma das escalas no grupo da paróquia. Isso porque eu não costumo dar muita importância a esse dia, não vejo como pode haver algo de bom no fato de que estou envelhecendo numa velocidade galopante e, ainda por cima e apesar disso, continuo estagnado sem conseguir crescer ou evoluir. 

Coincidentemente faço aniversário no mesmo dia que dois atores que eu admiro e acompanho: Win Metawin, de 2gether e Mew Suppasit, de TharnType. Ambos são homens bonitos que ganharam bastante espaço na mídia, ambos como protagonistas de duas das séries BL mais famosas do meio e cantores, o Mew também como compositor e produtor. São grandes. Eu até gostaria de ter os seguidores que eles têm nas redes sociais, mas para isso eu também deveria fazer algo que chamasse atenção, algo grandioso. 

Por isso aniversários são um dia de reflexão ruim para mim, eu só me lembro o tempo todo que estou ficando mais velho, as cobranças sobre mim aumentam e eu estou cada vez mais travado em mim mesmo, seja numa longa crise depressiva na cama, que os outros praticamente não percebem, ou quando a hipomania não me permite ver as coisas claramente e eu acabo tendo ataques como gastar demais o que já não tenho ou cair no desespero que é olhar ao meu redor e não conseguir enxergar nenhuma possibilidade de crescimento, nenhum caminho que possa me levar a grandeza. Me sinto dominado até o tutano pelo ambiente de mediocridade que me cerca, onde a miséria moral  e intelectual é a única soberana. 

Não é um feliz aniversário, ao menos não para mim, e eu não fico triste quando a maioria das pessoas esquece isso, mas talvez seja feliz para homens como o Mew e o Win, que hoje receberão centenas de milhares de mensagens de afeto, além de caixas e mais caixas de presentes de fãs apaixonadas que pensaram neles com todo o carinho, de toda parte do mundo, mostrando a eles que seus anos têm sido produtivos, que a eles o destino reservou a grandeza dada à poucos, e que as coisas são assim, alguns ganham, alguns perdem e alguns cantam blues, já dizia a música. 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Pelo menos uma vez

A saga da mudança começa oficialmente! Depois de mais de um mês procurando a casa ideal nós finalmente encontramos uma, que vai servir bem, mas que está longe de ser ideal. Pela quantidade de pessoas que moram aqui as coisas se ajeitarão bem, e isso é bom, mas as condições do local não são das melhores.

Como não poderia deixar de ser, na rua tem casas muito bonitas, inclusive as que estão de um lado e outro da que vamos alugar. Infelizmente a nossa é a mais feia possível. O valor é exorbitante, as paredes estão todas descascadas e, em grande parte, mofadas. Tem muitas portas faltantes e não teremos nenhuma condição de fazer uma reforma, o que seria necessário. O orçamento ficará ainda mais apertado de agora em diante, já que apenas meu pai está trabalhando aqui em casa. Além disso, como um bônus, a vizinha tem o hábito de ouvir louvor no volume máximo diariamente, já fomos informados. 

Estou cansado de encaixotar tantas coisas, só meus livros renderam dez caixas, e isso não é nem metade do que eu tenho para guardar. Serão semanas até tudo se organizar. O que mais me incomoda é saber que, depois de tanto esforço, ainda seremos obrigados a ficar numa casa que não é boa, além de que logo nos mudaremos de novo, pois minha família tem planos de sair do estado. 

Tudo que eu queria era morar numa casa com um pouco de dignidade. Com tudo arrumadinho, uma boa iluminação, uma fachada bonita, uma casa que fosse aconchegante e grande o bastante pra caber todas as nossas coisas sem que fiquemos tão apertados quanto aqui. Aliás, depois de tanto tempo espremido tudo o que eu queria era morar com um pouco mais de tranquilidade, sem a necessidade de dividir o banheiro ou de precisar controlar o que converso com meus amigos pois todos os cômodos são próximos demais.

Agora tem de empacotar o resto das coisas, até quarta, desmontar móveis, colocar tudo no caminhão e descarregar mais uma vez, um trabalho caótico e extremamente cansativo. As coisas ficam esparramadas por dias e não conseguimos achar nada sem ter que, antes, revirar dez caixas e sacolas. É muito esforço e eu já estou apelando para doses altas de remédios pra dormir desde essa semana e nos próximos dias isso será ainda pior. 

Pra relaxar eu deitei e fui assistir um pouco de série. Embora elas sejam ótimas para me distrair eu acabo ficando um pouco mais pensativo, as cenas românticas acabam me deixando desconfortável. Agora mais do que nunca eu sei que essas coisas só existem na ficção, mas agora mais do que nunca eu também desejo que fossem reais, e que acontecessem comigo. Que as coisas dessem certo, pelo menos uma vez...

Mais uma vez

Eu sinto que estraguei tudo mais uma vez, deixando minha guarda baixa, interpretando de morro errado as demonstrações da carinho e afeto, transformando em pétalas de rosa as frases que caíam em meu coração. Eu me esqueci dos espinhos que poderiam haver nesse jardim, e nele entrei, reclinando meu rosto sob a perspectiva do amor. Mas eu só estava me iludindo, uma vez mais. 

Todo o horror e a desesperança que diariamente sou obrigado a ver me fazem, ainda que inconscientemente, buscar o amor, mesmo que consciente e racionalmente eu saiba que isso não existe em lugar algum, tampouco donde sequer me veio uma promessa, mas que no meu íntimo ela se apresentou, como um momento de suspensão de toda dor. Mas não era verdade, tudo o que estava fazendo era me deixando iludir, pouco a pouco é verdade, mas ainda assim me deixei levar, e só percebi quando estava com ciúmes, quando me vi pensando nele de forma que não devia, como já fiz tantas e tantas vezes. 

E torno a me odiar por ser assim, tão fraco, tão passível de ser iludido por mim mesmo, por ainda acreditar, de algum modo, que possa existir amor e felicidade nesse mundo. Não Gabriel, estas coisas não existem senão na nossa mente, em mentes distorcidas incapazes de enxergar a realidade. A realidade é apenas fria e empoeirada, ela não nos dá companhia, senão que apenas nos mostra, dia após dia, que os homens nunca serão capazes de se entender, que as pessoas não podem se amar, antes disso, apenas podem viver sob um acordo não declarado de busca conjunta por prazer e algo de proteção que os impeça de sentir o absoluto terror que há nos recessos da mente, no recanto mais obscuro de nossas consciências.

O ser humano é um animal triste e sozinho, e toda sua vida consiste em criar formas de tentar amenizar e esquecer que essa é sua verdade primordial, essa é a razão que permite o homem ser, e é essa a realidade que assusta o homem desde seu primeiro pensamento. 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Esbravejando

Me encontro num estado de furor, tomado de súbita onda de raiva, com o pensamento a esbravejar violentamente contra o destino, numa ânsia de vandalismo desperta do profundo do meu ser, aliada a episódios de devaneios onde me perco numa perspectiva de futuro, praticamente impossível de um dia ser alcançada.

Não aguento mais a busca por uma casa, desde que o proprietário pediu que saíssemos daqui. Acontece que não achamos nada que fosse minimamente adequado a nós. Somos muitos, e temos muitas coisas, o que inviabiliza morar numa casa sem espaço. Não que aqui não tenha espaço, nós já moramos apertados, e eu não aguento mais isso. 

Aqui atualmente a sala foi improvisada no corredor enquanto a sala é usada como quarto por ser maior. É patético, miserável. Todas as casas que olhamos são pequenas, descuidadas, disformes, e são obviamente resultado de uma mentalidade tipicamente brasileira de que fazer qualquer coisa de qualquer jeito porque qualquer coisa serve. As pessoas se contentam sempre com o qualquer coisa, não se preocupam com conforto, dignidade e muito menos beleza. Aliás beleza é algo que a sociedade desconhece por completo. São todos cegos pela necessidade usual que culmina numa realidade feia, opressiva, que adoece a todos sem que essas pessoas sequer percebam que a fonte de sua angústia é o coeficiente de paredes descascadas e cerâmicas coloridas. Não passam de barracos e casebres sem as mínimas condições de uma vida digna. 

E eu não suporto mais imaginar que, ao sair daqui, serei obrigado a continuar vivendo dessa forma. Com um improviso atrás do outro. Uma tomada improvisada, uma janela que não abre direito, uma sala abarrotada de móveis que não combinam entre si porque foram garimpados de um ou outro brechó, quando não foram pegos na rua mesmo, abandonados porque ninguém mais queria aquela porcaria e acabaram vendo algum proveito nele. Proveito de transformar a casa num verdadeiro lixão, um lugar onde fazemos o que dá pra fazer, nunca o melhor, nunca visando um mínimo que fosse de dignidade. Isso me irrita profundamente.

Imaginar que a mudança, tão cansativa por si só, vai resultar em nada mais do que outra casa como essa, improvisada, me deixa depressivo, me faz querer sumir, porque eu não aguento mais essa realidade feia, opressiva, de um mundo sem senso estético, sem proporções, onde acham aceitável que se coloque pedaços de madeira embaixo de um móvel pra ele ficar mais alto ao invés de se ter algo já planejado para ser belo e funcional. E o que mais me irrita é que isso é aceito com normalidade, pois a mediocridade se tornou a regra máxima da minha casa, sendo que, para qualquer um com o mínimo de bom senso das proporções seria nada menos do um verdadeiro escândalo, uma ideia que sequer deveria ser cogitada, quem dirá levada a cabo. 

E as coisas seguem assim. Tudo é muito caro, a frase que eu mais odeio em toda a minha vida, o dinheiro não é suficiente para pagar as contas e o resultado, ao invés de buscar uma forma de melhorar as pessoas se contentam em diminuir o já baixíssimo padrão de vida. E acham que ainda está tudo bem mas NÃO ESTÁ TUDO BEM, está tudo um caos, estamos chafurdando num lamaçal, contentes com o nada, incapazes de desejar o mínimo que seja e incapazes mesmo de perceber que eu estou prestes a enlouquecer por causa disso, preso nesse quarto com nojo de dar um passo sequer para fora. 

O descontrole se expande então para todos os aspectos da minha vida, com uma libido descontrolada que encontra picos e desaparece completamente, sentimentos conflitantes por rapazes que jamais olhariam para mim, uma carência crescente e inabarcavel, um devaneio permanente que não me permite sair da catatonia que criei para me refugiar desse mundo horrendo.

Agora me responda, como não entrar em depressão? Como viver nesse mundo sem desenvolver a mais absoluta falta de esperança? Como não se deixar enojar pela miséria humana que nos torna incapazes de desejar algo grande e bom, ao invés de mediocridade de sempre? Parece que algo nesse mundo não quer que vivamos com o mínimo de dignidade, sempre condenados a viver numa cidade empoeirada, de pessoas de mente fechada, em casas que não deveriam ser usadas nem mesmo por animais. 

E como não pensar na morte? Como não pensar que seria melhor deixar de existir do que continuar vivendo dessa forma? Como não pensar que seria melhor uma boca a menos nessa casa, que seria melhor não viver até amanhã para ver qual será a próxima gambiarra a ser feita, qual o próximo jeitinho a ser dado? 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Existência e Fracasso

Devo estar sendo insuportável aos outros esses dias. Sendo sincero nem mesmo eu estou me suportando e, se pudesse, fugiria de mim mesmo para nunca mais voltar. Tomado por um sentimento de profundo amargor, banhadas estão as minhas faces do pranto que corre a noite toda. Eu já não conseguia sentir muita alegria em nada, já há muito tempo, mas agora não tenho conseguido sequer manter contato com outros, parece que a animação, a afetação, ou a simples presença do outro, me incomoda, não pela presença em si, mas pela minha falta de capacidade de me alegrar com ela. É como se estivesse doente e, na realidade, me sinto mesmo muito doente. 

Hoje a tarde eu me esforcei muito para conseguir sair daquele torpor em que me encontrava desde que acordei. Procurei uma imagem de inspiração e decidi fazer uma maquiagem, algo que pudesse tirar um pouco a minha expressão cansada e entediada. Não deu certo, o resultado não só foi péssimo como me senti ainda pior quando terminei e tentei registrar numa foto. Não consegui conter a fúria que irrompeu em pesadas lágrimas, nem a vergonha que me fez esconder a face ferida da remoção dos produtos de modo abrasivo no meio das cobertas e da penumbra das cortinas. 

As redes sociais têm feito eu me sentir ainda pior. A todo momento eu sou bombardeado com milhares de fotos de homens perfeitos, de pele clara e cabelo liso e brilhante, maquiagem sempre perfeita, sorriso doce e cativante, altivos e sensuais em sua própria beleza asiática, tão inalcançável. E assim me sinto cada vez mais para baixo, com um sorriso quase macabro, percebendo ser em vão todo os esforço e gastos empreendidos em melhorar a pele e o cabelo. Parece que o que mais queria seria a aceitação, o desejo, proveniente de uma boa aparência. E, se olhar pessoas perfeitas já me deixa assim, conviver com outras pessoas me deixa ainda pior. 

Isso, somado a essa profunda desesperança para com a existência, me deixou num estado quase catatônico, onde não consigo pensar em coisas para dizer e nem me preocupar com nada. Alguns inclusive já me perguntaram o que tem acontecido comigo, qual a razão dos meus olhos fundos e opacos, e eu simplesmente desconversei, culpei o cansaço, apenas porque sei que não conseguiria explicar e, ainda que conseguisse, não iriam entender. 

E então me vejo chateado, com tudo, lamentando e suspirando pelos cantos. Reclamando das pessoas que me ignoram e ignorando tantas outras por não ser capaz de responder. Cansado por apenas levantar e ir ao banheiro, com os olhos pesados como se não dormisse há vários dias, mesmo dormindo mais de dez horas todos os dias. E não vejo nenhuma saída para isso. Como explicar a eles a desilusão, a desesperança no futuro? Como explicar a eles que para este pobre homem a mera existência já é, por si só, um fracasso?  

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

À Prova de Fogo

"Erra muito menos quem, com olhar sombrio, considera esse mundo uma espécie de inferno e, portanto, só se preocupa em conseguir um recanto à prova de fogo." (Schopenhaeur) 

Eu não consigo entender o que a letra da música diz, não entendo uma só palavra de alemão, mas é um ciclo de canções bem tristes, esse de Schubert. Um barítono acompanhado por um piano melancólico entoa notas pesadas, como um longo adágio lamentoso, que combina bem com a atmosfera escura do meu quarto, levemente iluminado de verde por conta da pouca luz que passa pelas cortinas. Também combina a chuva que cai lá fora, já há um bom tempo. Gosto muito desse clima, ameno, em contraste com o calor desagradável e seco da maior parte do ano. Ao meu ver poderia ficar assim o tempo todo.

Mas esse tempo chuvoso também é complicado em alguns aspectos: no momento aqui em casa estamos sem carro, o que praticamente inviabiliza o transporte, já que passamos a depender de aplicativos ou de transporte público, o que é uma lastima. Como no momento não estou trabalhando eu ainda posso me permitir sair apenas quando necessário, mas quando conseguir um emprego eu já imagino o sacrifício que será, levantar cedo todos os dias para me espremer num ônibus. 

Há sempre um lado negativo, e esse é um forte aspecto gnóstico que hoje, durante a aula, eu notei na minha personalidade. O pessimismo tantas vezes niilista do meu ser é facilmente identificável, mas eu nunca tinha notado a fortíssima influência gnóstica que isso significa. Ignorava-a, simplesmente. 

Aquela impressão profunda de que apenas o retorno a uma única existência sem divisões das diversas consciências humanas, a constatação de que esse universo é tão hostil que a existência da humanidade é absolutamente inviável, isso é uma marca indelével em mim que, por alguma ignorância quase invencível, eu não percebia ser pura gnose. 

Mas como superar isso? Sei bem que o cristianismo em mim também é forte, e Deus quando viu toda sua criação disse que aquilo era bom, mas eu, no entanto, não consigo ter essa mesma visão, senão que me tornei incapaz de enxergar qualquer coisa boa nesse mundo. Daí minha completa dificuldade em me relacionar com o outro. Sempre desconfiado, sempre me irritando com pormenores, sempre vendo no outro um reflexo da miséria humana que muitas vezes enxergo em mim mesmo. 

Tomo um exemplo de minha vida: Já há uns bons anos eu me dedico a cantar na igreja. Começou quase como uma brincadeira, mas aos poucos eu fui assumindo essa responsabilidade com seriedade. Estudei, me formei e tentei até o último dia melhorar, um pouquinho que fosse. Aprendi centenas de músicas, sem exagero, testei vários arranjos, novas possibilidades, organizei um número incontável de missas. Mas sempre me via sozinho nessa missão, por mais que houvessem várias outras pessoas comigo. 

Sempre encarei a liturgia como um serviço de excelência, não porque tudo deva ser executado perfeitamente, e deve, mas que devemos sempre buscar executar com excelência, afinal a liturgia é sempre orientada a Deus. Por isso a minha atenção para as regras, para aquilo que era ensinado e não simplesmente para aquilo que eu mesmo queria. Mas nunca entenderam isso, e sempre tentaram transformar numa ação pessoal, que refletisse não o que deveria ser, o que já fora previamente estabelecido oficialmente e que é nossa única garantia de retidão, mas sempre um reflexo das preferências de cada um, e apenas isso. O lúdico, o puramente sentimental tomava o lugar do correto. E eu nunca me consegui fazer entender. 

Isso mostra a incapacidade de tantos para com observarem uma verdade objetiva, de a cobrirem com um véu da própria subjetividade, onde o que eu sinto é mais importante do que o que me pedem, independentemente de os outros sentirem ou não, ignorando completamente o fato de que nosso trabalho ali não é fazer os outros sentirem o que sentimos, mas fazer sentirem aquilo que propõe a liturgia, e que frontalmente diferente do que sentimos. 

Viver isso durante tantos anos me trouxe um profundo descontentamento para com esse serviço. Não seria exagero dizer que agora me incomoda sequer pensar nesse assunto. Não porque tentei pouco ou porque criei preguiça, mas porque estou tão convencido da maldade do coração do homem e da sua vontade de fazer sempre o que lhe pareça melhor sem levar em consideração nenhuma outra realidade ou necessidade objetiva que eu não acredito que exista uma forma de mudar, não acredito que as coisas possam melhorar. Se chegamos no ponto de que uma pessoa sugere que se cante uma música da umbanda na missa sem que isso causasse espanto e horror, é porque qualquer senso das proporções dentro das pessoas morreu e já não há nada que se possa fazer. 

E em quantos outros aspectos isso não se aplica? A minha família que não percebe o futuro promissor da minha irmã na vida do crime, que apenas começou quando aceitaram uma criminosa condenada para morar dentro de casa sem nenhuma obrigação a cumprir e sem nenhum questionamento da sua moral. Ou a indolência em mudar de vida, em nome de uma humildade irreal que não nos torna humildes, mas que apenas nos sacrifica em nome de uma paciência vazia e frívola. 

Essas ideias se impregnaram em mim de tal modo que eu já nem sei mais como se combina essa gnose ao cristianismo que há em mim. Essa tensão, essa contradição interna do meu ser, é com essas forças contraditórias que tenho convivido, e talvez seja essa constante batalha, pelo controle do absoluto niilismo ou pela supremacia do mundo que é bom, que eu me vejo exausto. Claro, eu me tornei um resultado da estranha dialética entre ambos. Alguém que não vê mais razão para nada mas que ainda assim continua seguindo em frente, mesmo que sob passos módicos. 

E isso não é nada mais do que um inferno. Ser obrigado a ver essas coisas todos os dias, encarar uma existência que exige posicionamento, que exige conviver com toda a sorte de desgraçados, eu não vejo como isso pode dar certo, e talvez seja tarde demais para perceber que esse gnosticismo já está marcado profundo demais em mim. 

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Valentine's Day

"Palavras não são suficientes para expressar o que eu sinto" Disse Mico estendendo a mão com um post-it amarelo em branco para Xavier. E havia muitas coisas que ele sentia e que não podia dizer, mas que seus olhos, marejados, e seus lábios trêmulos diziam. Isso porque o que sentimos transcende imensamente aquilo que podemos dizer, por isso um abraço apertado, aquele beijo apaixonado depois de tantas incertezas, uma lágrima sobre o rosto... Tudo isso contém a verdade de um sentimento tão grande que jamais poderia caber no universo semântico de nenhum de nós.

É dia de São Valetin, e eu resolvi terminar esse domingo longo e melancólico com um filme que há muito esperava lançar. Hello Stranger - The Movie, continuação da série homônima que fez um sucesso gigantesco ano passado, em meio as séries gravadas na pandemia. 

Ontem também assisti ao filme de Wish You, que chegou na Netflix, mesmo já tendo visto a série, e admito que essa versão em longa metragem me agradou bem mais do que a dividida em oito episódios de alguns minutos. 

O que ficou marcado em mim foi a profundidade dos sentimentos dos personagens de ambas as obras. Sang-i tímido mas apaixonado e disposto a tudo para realizar o sonho do seu ídolo, se aproximando lentamente e conquistando-o com seu carisma e talento. Eu simplesmente fiquei encantado como a personalidade doce dele cativou In-su de tal modo que modificou completamente a forma como ele via sua relação com a música. Se antes ele só queria provar o seu valor para o seu pai, agora ele apenas quer fazer música com o Sang-i, que tornou-se a sua estrela guia, a razão que ele tinha para continuar a cantar, não para impressionar, mas para deixar-se tocar pelos sentimentos do outro que ele conseguia exprimir naquelas notas. 

Assim como Mico e Xavier tiveram de aprender a se aceitar e perdoar, como Sang-i se esforçou para mostrar seu valor a In-su, o amor se prova com uma força indubitável. Ele é não só autoevidente, mas se prova com uma força que não pode ser ignorada. Quando damos as costas para ele, somos acometidos de lágrimas, abandonos, dor... A frialdade do coração que sofre por amor é seu pior destino.

Mas aqueles que foram abençoados pelo amor vivem alegremente, vivem uma realidade diferente da nossa. Esses são o que hoje, em meio a sorrisos, declarações de amor e rosas, comemoram o Valentine's Day ao redor do mundo, transformando essa realidade cinza em algo um pouco mais cor de rosa. 



quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

De frente ao espelho

É tão estranho olhar para um pessoa e constatar que ela desistiu da própria vida, ver que seus dias são apenas uma rotina diminuta onde ela faz apenas aquilo que consegue pois já não tem forças de fazer mais nada. Ela passa a maior parte de seus dias na cama, ouvindo aulas e tentando exercitar sua atenção, que muitas vezes se dispersa, se perde em devaneios sem rumo algum. Ela pouco se cuida, toma banho ou corta o cabelo quando já não é mais possível tornar a adiar, come qualquer coisa, já não sente gosto ou sequer algum prazer em comer o que quer que seja. Já não se reconhece ao olhar-se no espelho, engordou e seu rosto está coberto de pelos. E é ainda mais estranho notar que essa pessoa sou eu. 

Ou pelo menos parece ser eu. Ela se move como eu no espelho e esse é o único indício que tenho de que essa criatura que me observa sou eu. Mas ele é apenas uma fera, disforme, com olhos fundos e a face escondida por um emaranhado de barba e cabelo desgrenhado. Esse realmente sou eu? 

Me peguei pensando agora no quanto eu gostava de cozinhar, e de como o gosto das coisas era diferente. Agora não, tudo tem o mesmo gosto, com algumas poucas exceções. E quanto mais eu me sinto apático, entorpecido, mais as coisas se tornam sem gosto algum, mais eu como apenas para não me sentir ainda mais fraco e indisposto. E mesmo assim a indisposição é recorrente, tão presente quanto o pensamento. Andei alguns quarteirões hoje e me sinto exausto o suficiente para dormir por dias.  Já estremeço em pensar no compromisso de amanhã, no de depois de amanhã, no do dia seguinte. Mesmo que fique no máximo 3 ou 4 horas fora de casa isso ainda é um esforço excruciante demais. Ir até a cozinha já é algo que eu gostaria de evitar.

Isso porque qualquer coisa fora das paredes do meu quarto só aumentam ainda mais o sentimento de profundo descontentamento que eu tenho para com todas as coisas. Saber que moro numa casa apertada com outras seis pessoas, dividindo o mesmo ar e o mesmo banheiro, isso já é suficiente pra me deixar enjoado por dias inteiros. Ser obrigado a sair e dar de cara com essas pessoas é ainda pior, e eu sequer consigo descrever o que sinto, somente dizer que estar caminhando na beira de um grande precipício e, ao mesmo tempo, sentir medo e atração por toda a escuridão que há no fundo desse abismo.

E em dias assim é comum eu querer me afastar de todos. Mas, quanto mais tento fazer isso, mais sinto necessidade do outro perto de mim, e sinto os músculos do meu corpo se retorcerem por um abraço, por sentir o toque e o calor de outro, ao passo que outra parte de mim quer apenas se esconder no profundo da minha mente e adormecer, fugir para longe de tudo e todos, e só acordar quando não mais me sentir assim, somente acordar quando a luz não machucar os meus olhos, quando os alimentos voltarem a ter sabor ou quando as paredes voltarem a ter cor. 

Quando será que essa casa terá mais espaço? Quando será que as coisas não estarão sempre à beira de um colapso? Quando será que as coisas começaram a dar certo? 

Não me exija uma postura otimista diante de tudo isso. Se é que já ouve um lado otimista em mim ele se foi há tanto tempo que sequer me lembro dele. Ao que me parece só o que me restou foi essa capacidade idiota de ver afeto no outro, de enxergar no outro alguma consideração por mim, de continuar esperando que alguém se apaixone, que alguém se interesse. Essa é a única parte de mim que ainda nutre algo de esperança, e é mais uma parte de mim que pretendo extinguir, pois é essa mesma esperança causa de tanta dor, de tanto desentendimento. 

Esperar amor é um dos ímpetos que há em mim e que eu mais detesto. Isso porque nesses anos tudo o que eu consegui foi me decepcionar, foi ver os outros se interessando, dia após dias, por outros e outros, e me odiando cada vez mais. E ainda não consigo identificar o que em mim causa esse afastamento, se é algo que eu seja ou, o que provavelmente responde a essa pergunta, algo que eu não sou, a absoluta falta das qualidades que os outros buscam nas pessoas e que faltam em mim. 

E essa é a sensação mais aflitiva de todas: a de que algo falta em mim, que sou um homem incompleto, que possuo algum defeito intrínseco que me afasta de todos os outros, que me torna tão incompreensível e capaz de despertar ojeriza nos que me cercam. Há algo de tão errado em mim que u sempre torno a me olhar no espelho, e mais uma vez chego a conclusão de que não sei quem é esse que me olhar. Não sei quem é esse ser que sequer tem aparência humana. Tudo o que eu sei sobre ele é que sinto, no profundo do meu ser, o seus desejos mais primitivos, e que algo nele me assusta, e me faz pensar que eu também fugiria, se me fosse permitido fugir de mim mesmo. 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Resenha - My Bromance 2: 5 Years Later

Bem, antes de começar a resenha é preciso explicar algumas coisas antes. Essa série de 9 episódios produzida pela Wayufilm é continuação do filme de mesmo nome que foi lançado em 2014. Esse foi um dos primeiros filmes tailandeses que eu vi e conta a história de Bank e Golf que, após o casamentos de seus pais, precisam aprender a conviver como irmãos mesmo sendo tão diferentes. Os dois acabam se apaixonando e despertando o desafeto da família que acaba obrigando os dois a se separarem. Após um tempo eles se reencontram mas ambos foram obrigado a seguir com a vida, inconformados com esse destino eles se desentendem no meio de uma e sofrem um grave acidente de carro. Após complicações Golf doa um de seus rins para o irmão e acaba falecendo, pondo um fim a essa história de amor. 

Ou pelo menos era o que pensávamos. No ano seguinte ao lançamento do filme foi colocado na internet um curta chamado Reunion, onde os amigos de Bank e Golf se encontravam com o irmão que todos havíamos pensado estar morto, e descobrimos que na verdade era tudo uma farsa e que no tempo que Bank ficou no hospital a sua família usou para construir a história da morte de Golf. Esse curta deveria ter a função de atrair investidores para a continuação do filme.

Como o plano não deu muito certo a continuação foi sendo adiada, e passou por várias reformulações até finalmente conseguir vir ao ar. Cinco anos depois estreou então My Bromance 2: 5 Years Later, contando como termina a história de amor dos dois. 

Fluke Teerapat (de SOTUS) e Fluke Natouch (de Until We Meet Again) reprisaram os papéis de Golf e Bank, respectivamente. Após a formatura de Bank, ele descobriu que seu irmão estava vivo, o que colocou em cheque os sentimentos que ele tinha, confuso por amar o outro e ainda mais pelo luto após o sacrifício de seu irmão para salvá-lo depois do acidente. Bank seguiu sua vida e já está num outro relacionamento, com Arm (Kokliang Parinyia, de TharnType). Como ficará seu coração ao rever o seu amor, que pensara estar morto por cinco longos anos? 

A volta de Golf é conturbada, como não poderia deixar de ser, e Bank percebe que seus sentimentos não mudaram muito, mesmo depois de todo esse tempo. Nós também somos apresentados a outros casais, como Henry e Maykah (Oak Puwanart e Film Worawit, ambos de NightTime), também irmãos de consideração como o casal principal. Os dois não se dão muito bem mas acabam se aproximando quando Henry pede ao outro para que lhe ensine a nadar. Eles descobrem um carinho especial e vão explorando esse sentimento novo. 

Também temos Nuea e Tar (Mon Hatsawatchon, de My FriendshipKim Worakamon, de SOTUS) um garoto altista com sérios problemas em casa que aproxima de desconhecidos em aplicativos para suprir a sua carência afetiva e o outro um dos amigos de Golf e Bank que se torna seu professor particular. Ambos não gostam muito da ideia de estudarem juntos mas acabam se entendendo e se aproximando, descobrindo um amor inesperado ali. 

A produção da série foi adiada muitas vezes e nós acompanhamos apreensivos seu desenvolvimento. Parece que foi só depois da popularidade que Fluke Natouch conseguiu em Until We Meet Again que eles conseguiram patrocínio suficiente pra série decolar. Aliás, ele gravou em meio a participações em outros programas e sua própria turnê com o Ohm Thitiwat, além de estar cursando mestrado. O próprio Ohm mostrou bastante dos bastidores pois os dois faziam vários trabalhos aproveitando as locações e os intervalos das gravações e ele sempre mostrava Fluke estudando entre um take e outro. O outro Fluke correu atrás de boa parte se tornando produtor, bem como muitos fãs ajudaram com campanhas para as gravações. Não obstante a pandemia de COVID-19 também atrapalhou, adiando ainda mais o lançamento.

O Fluke Natouch foi, sem dúvidas, o ponto alto da série. Se destacando como um dos atores mais incríveis da geração toda a carga emocional do filme terminou nas suas costas, e ele soube levar isso de forma incrível, mais uma vez impecável.

Infelizmente o roteiro não foi feliz o bastante para dar prosseguimento no mesmo nível e, com exceção do primeiro episódio, o drama foi resolvido com relativa facilidade por todas as partes. Bank chorou e saiu com raiva mas logo aceitou se encontrar com o irmão e esclarecer tudo. Embora isso tenha se dado no meio de muitas lágrimas, ele aceitou tudo com facilidade demais. Depois teve o drama com Arm, afinal Bank já estava em outro relacionamento mas o cara simplesmente entregou o outro de bandeja. Aliás, a forma como terminaram o plot do Arm foi simplesmente covarde, eles mataram o personagem, apenas se livrando de dar um final decente pra ele. Mas assim, se eles esperaram até o último episódio pra dizer isso num card, poderia muito bem ter dito qualquer outra coisa, ou não ter dito nada também, não precisava matar o bichinho. 

Os outros casais foram mais ou menos. Nuea e Tar tiveram um final bem sem graça, sem muito peso também. Poderiam ter ficado juntos, já que a carga dramática da separação deles não chegou a convencer. Henry e Maykah ficaram juntos, mas convenhamos que ninguém achou isso grande coisa. Os outros casais nem se falam... Foram fofos, okay, mas tinham zero relação com o casal principal e pareciam serem histórias completamente aleatórias que colocaram ali justamente porque não tinham mais coisas dos protagonistas para mostrar. 

Bank e Golf se reencontravam com frequência para conversar e, aos poucos, redesenhar a amizade e o companheirismo que tinham perdido com o tempo. Golf explicou que foi obrigado pela família a fazer o que fez e depois de muitas lágrimas Bank aceitou recomeçar, sabendo que  se depois de cinco anos os sentimentos pelo outro ainda eram tão fortes, não adiantaria resistir agora. Ele deixou-se levar e finalmente teve a chance de ser feliz ao lado do homem que ele ama de verdade. Os pais de ambos já fizeram o bastante com esse drama todo, é melhor que nem apareçam em tela mesmo. 

O baixo orçamento não permitiu grandes primores na produção, mas eles ainda se saíram muito bem. A fotografia é simples e lembra muito a do filme, o que é um ponto positivo pois realmente nos sentimos no mesmo mundo. A trilha sonora é quase inexistente e só deu as caras no último episódio. Apesar da atmosfera de drama ser pesada o tempo todo o drama que os personagens vivem não condiz com isso, o que acaba soando como exagerando várias vezes. A fraqueza do roteiro também pesou, com os diálogos sendo substituídos por cenas dos personagens se abraçando em slow motion mais vezes do que seria necessário. 

Mas essa é uma série que apenas se pretendia dar um final para o filme, um fechamento pra história que emocionou tanta gente. Eu mesmo choro até hoje quando revejo e o filme ainda é um dos meus favoritos de todos os tempos. Fluke arrasou, como sempre, mas sequer deram um roteiro que fosse capaz de deixar ele fazer tudo sozinho. As muitas histórias adicionais não acrescentaram em nada além de tomar tempo de tela em tramas que ninguém estava esperando. No mais o fechamento que os dois mereciam foi bonito, eu realmente fiquei feliz em saber do final feliz deles, após tanto sofrimento. Mas isso poderia ter sido feito em bem menos episódios e talvez só com Nuea e Tar como casais secundários, sem matar o pobre Arm. 

No mais, a série é uma homenagem a comunidade LGBTQ e foi feita com o intuito de agradar esse público especificamente, diferente de muitas produções BL que tem como público alvo mulheres. O fato de ter atore assumidamente gays (Fluke Natouch e Prince Naradon) na produção também é sinal de que esses artistas estão ganhando espaço na mídia. Ponto pra eles!

Nota: 05/10

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Da mente que rejeita

A mesma solidão que machuca e assusta, que oprime e sufoca, também pode ser aquela que acolhe, que faz o dia valer a pena, sendo o único momento de paz após uma longa jornada, sendo a calmaria após a intensa tempestade lá fora. Há momentos que só a solidão pode permitir que encontremos algum significado no ser, em que somente ela parece capaz de nos trazer de volta à realidade, olhando o mundo com calma e tranquilidade, como um rio solitário fluindo lentamente, em seu próprio tempo, sem pressa para chegar a lugar nenhum. 

É uma segunda triste, e eu chorei o dia todo com a chuva melancólica que caiu do céu, mas agora, meu coração se encontra em paz, uma paz sonolenta, que pouco a pouco foi devolvida ao meu coração, e que aproveito na companhia de um chocolate quente e de uma história de amor na televisão. Essas histórias são uma das poucas coisas nas quais ainda encontro prazer. A emoção que sinto ao começar uma nova história, em aguardar ansioso pelo lançamento de um novo episódio, sentindo a mesma alegria dos personagens que descobrem o amor muitas vezes inesperado... Parece uma cena simples, doce e séries de romance tailandesas, mas é para esses momentos que tenho vivido, é por causa do sorriso bobo, das músicas e declarações sinceras, que eu tenho vivido. E talvez a alegria não seja mais do que uma realização encontrada nas pequenas coisas. 

Em contraposição a essa alegria singela e doce me vem o horror do mundo que somente me faz querer mentir e fugir. Nesse exato momento há uma verdadeira legião de monstros perseguindo uns aos outros por causa de opiniões, buscando decidir qual grupo tem a melhor opinião fútil e qual deve ser destruído em nome do respeito e da justiça. Nesse exato momento pessoas procuram por mim, mas eu não sei se é querem que eu estenda a mão ou se deixe o peito livre para ser transpassado por uma espada. Talvez ambos. 

Acontece que o pessimismo tomou conta de mim de tal forma que eu já não consigo ver nada de bom no mundo ao meu redor, senão que apenas todas as coisas se mostram intrinsecamente más e que todas as pessoas, ao menos as que me cercam, estão condenadas a essa visão pequena e limitante do mundo que já não enxergam o mundo, senão que apenas veem a si mesmas e lançam essa visão no mundo. Contudo trata-se de uma visão deficiente, não conta com a tradição milenar, é apenas algo repetido por uns tantos cegados por um movimento revolucionário, humanista, materialista... E enquanto isso não acabar vai continuar sendo um festival de besteiras sem tamanho ou limite, que não enxergam uma verdade transcendente sequer nem no próprio ser mas querer enxergar algo maior em todas as relações humanas, colocando-se no lugar da própria ordem cósmica, julgando a todos do alto de uma cátedra que eles mesmos montaram para julgar o mundo e o próprio Deus com toda a sua miséria espiritual. 

Um outro aspecto que me vem chamando atenção ultimamente é a minha queda no risco dos divertimentos banais. Uma vez mais eu me vejo me distraindo com coisas tão triviais que, antes de me servirem como válvula de escape acabam se tornando um peso mais tarde. Isso porque quando damos abertura a qualquer tipo de coisa num momento como esse acabamos por nos expor, e nossa alma se torna tábula rasa de toda sorte de pensamentos errados que se possa ter. O resultado é que o divertimento se torna fonte de erros para a vida de trabalho e estudo, acabamos por jogar no lixo tudo aquilo que julgávamos ser a parte mais importante, e fazemos isso sem perceber. Muitas vezes a coisa se torna tão ruim que esses momentos tomam completamente o lugar que antes era da alma racional, se tornam a única razão de ser da pessoa, e que razão de ser baixa, aquela que se deixa mover pela potência concupiscível e nada mais.  

O fato é que eu cheguei num estágio de minha vida que me recuso a fazer muitas das coisas que antes eu me obrigava a fazer por simples medo de, com isso, não ser aceito e acabar sendo rejeitado pelos que eu amava. Mas, agora, eu já não penso em outra coisa senão a minha própria tranquilidade ao colocar a cabeça no travesseiro antes de dormir. Já não tenho coragem de me obrigar a virar a noite em rodas de conversas intermináveis sobre assunto nenhum, já não tenho coragem de me esforçar além da conta simplesmente por uma obrigação que eu inventei ter comigo e com os outros. Agora o meu descanso é minha única prioridade. É uma decisão deveras egoísta, mas eu já não me importo que pensem isso de mim também. Prefiro estar e descansado do que andando me segurando pelos cantos, caindo de exaustão, sempre à beira de um colapso. Eu quero uma vida tranquila, apenas isso, minha mente já experimentou o cansaço por tempo demais para eu ainda me obrigar a viver isso novamente. 

sábado, 6 de fevereiro de 2021

O cinza dos olhos

Eis um dia atípico, em que fui envolvido por intensa melancolia antes mesmo que me deitasse, onde a cor e o brilho foram substituídos por uma realidade opaca, com cheiro daquele casaco guardado há tempos no fundo do armário. A chuva cai lentamente lá fora e, observando esse espetáculo, meu corpo reage protestando contra qualquer sinal de despertar e movimento. Os músculos dos meus braços estão retorcidos, doem e, num lamento, entoam sua própria marcha fúnebre, numa tentativa demente de permanecerem inertes até a completa atrofia.

Cheguei há algumas horas do cemitério, ocasião do velório da filhinha de uma conhecida da igreja, situação lamentável, uma família em prantos mas ainda assim convicta da vida eterna de uma das suas, essa parte foi reconfortante, a força daquelas mulheres é notável e cada uma delas, inclusive a que hoje foi enterrada, é uma grande guerreira. Claro que exéquias nunca são situações agradáveis, e o peso delas acaba se abatendo sobre as pessoas mais sensíveis, parece que corri uma maratona inteira. 

Não pude adormecer, como bem gostaria, pois estou ainda envolvido em algumas situações que exigem um mínimo de atenção. A notícia do falecimento do antigo bispo da diocese, a atenção dispensada as respostas que esse fato desperta nas pessoas, o evento que vai acontecer amanhã na paróquia e o cansaço físico e mental que isso significa. 

Ontem, não antes de muita reflexão, cheguei a conclusão de que, embora não aparente, eu estou funcionando no meu limite já há algum tempo, não sabendo quanto me resta ainda de combustível antes de um último suspiro e de acabar travado de vez, sem conseguir avançar e nem realizar absolutamente nada. 

Me senti horrível enquanto esperava o carro logo cedo pela manhã, enquanto a chuva caía com violência lá fora, a impaciência tomando conta e, quando achei que iria explodir, eu simplesmente a transcendi, sendo tomado por um súbito niilismo que me fez ter a impressão de que a entropia que me cerca entrava pouco a pouco em meu coração, me afirmando internamente que não havia nada de diferente, que as coisas de fato são assim, o mundo tendendo ao caos enquanto nossas vidas não são mais do que uma folha que se levantou com o vento, sendo levada sem controle ou direção. E assim se seguiu e tem sido durante todo o dia: uma sucessão de infelicidades que se amotinam e aglutinam sobre a minha carne, pesado meu ser mas, ao mesmo tempo, me trazendo a leveza do absoluto vazio que sinto ao constatar que a dor que sinto nos braços é sinal de que estou vivo. Mas o que isso significa senão que sou capaz de sentir dor?

O que eu sinto não é apenas um cansaço pelo esforço exercido, não, mas já se revela como um cansaço da própria existência, estou cansado da humanidade, do homem e, principalmente, de mim mesmo. Cansado da minha melancolia, da minha depressão constante, da minha falta de razão de ser, da minha forma de encarar a vida que aprece tão diferente dos outros... É com um cinza profundo no olhos já não mais castanhos, mas da cor do céu nublado, como a névoa matutina que entorpece os sentidos que eu fecho os olhos e adormeço, adormeço sem saber quando e nem se voltarei a acordar e, muitas vezes, desejando realmente sequer chegar a acordar.

"Apaga-te, apaga-te, chama breve! A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre ator que por uma hora se espavona e se agita no palco, sem que depois seja ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e barulho, que nada significa." (Shakespeare)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Na borda

Sempre fui muito atento aos relatos de experiências de pessoas com depressão, sempre achei terrível como elas se tornam praticamente incapazes de fazer qualquer coisa que dê algum sentido a própria existência, e me lembro bem de como isso mexeu comigo, de como achei isso tão tremendamente triste que sentia uma gosto estranho me subir pela garganta. Como deveria ser a vida de uma pessoa que já não consegue mais cuidar de si mesma, que já não conseguem levantar da cama ou que vivem numa escuridão completa após um ou dois dias tranquilos. 

Não imaginava, quando os relatos mexiam comigo, que chegaria o dia em que me identificaria com eles na minha própria carne. Que seria eu a me olhar no espelho, descuidado, e chegar a única conclusão possível de que eu não tenho forças pra me cuidar, que sair da cama para comer exige um esforço sobre-humano e que muitas vezes é melhor só dormir e esperar que a fome passe do que levantar e preparar alguma coisa. Aliás, é melhor dormir do que fazer qualquer coisa, o corpo parece ter sido coberto de chumbo, a cama exerce uma atração magnética, o sono é como uma névoa que impede a visão e torna todas as coisas cinzas e pesadas, ficar aqui é melhor do que sair. 

E assim mais uma dia vai passando... Quando eu conseguir me levantar, as pessoas, inclusive as que moram aqui, só vão conseguir ver que eu engordei um pouco, que eu estou seguindo alguma moda deixando a barba crescer e vão me perguntar se fui dormir tarde, quando virem meu rosto sonolento. E isso é tudo. 

Ninguém consegue perceber que, na verdade, eu mal consigo me movimentar sozinho. Ficar fora de casa por duas horas para a missa já exige um esforço que me cansa por dias... Fingir que estou interessado em qualquer interação social é um suplício tremendo e, por mim, ficaria sozinho ouvindo música ou alguma aula de boas por vários dias...

Quem me roubou de mim? Quem roubou a minha alegria? Espero que possa me devolver no final de algum dia, espero que ela ainda exista de algum modo, não apenas uma memória distante de um tempo que, não sei se vivi ou se inventei ter vivido para amenizar o fato de que sempre vivi sem uma razão de ser, de que vivi sempre sem nenhuma alegria. 

Tudo o que eu consigo me lembrar é desse vazio, desse nada do qual eu surgi, e me lembro do medo que eu senti quando percebi o vácuo que havia dentro de mim. Tentei preencher esse vazio com amor, busquei esse amor, eu busquei o outro, eu tentei realmente me tornar um só com o outro, tentei encontrar nele o que pudesse preencher a parte que falta em mim. E quando busquei preencher esse vazio eu me desesperei ainda mais, e as almas que se afobaram para preencher esse vazio não era o suficiente. E o vazio aumenta cada vez mais, me consumindo, fazendo com que eu acabe retornando ao nada. 

E é tudo vazio, sem contorno, e  o outro parece a única realidade palpável, e eu desejo essa forma de existência, algo que não seja tão evanescente quanto meu ser, eu desejo ser mais do que apenas um dia após o outro, eu desejo ser alguém mas parece que sozinho eu não sou ninguém. 

Quem sou eu? Apenas o conjunto das relações entre eu e o outro? Mas isso já supõe um eu que seja capaz de se relacionar com o outro. Um eu histórico? Pensante? Tudo supõe que exista um eu capaz disso tudo. Existe então um Eu por trás disso tudo. Mas o que eu posso fazer se não me sinto eu, ou melhor, se me sinto e sinto que isso não quer dizer nada? Como posso enxergar a totalidade da minha existência sem ser em relação ao outro? 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Mosaico

Um pouco de ironia faz bem ao coração, segundo dados coletados pela revista Vozes da Minha Cabeça. Acontece que encarar a realidade com puro realismo e se deixar afetar por todos os aspectos entrópicos do ser é demasiado difícil e pode exigir do homem doses altamente preocupantes de ansiolíticos e álcool. Por isso, no mais das vezes, o bom e velho sarcasmo é o melhor realismo que há. 

Esperei muitos meses por esses dias, em que a casa ficaria vazia e eu poderia me deleitar da minha própria companhia ou, de alguma companhia um pouco mais interessante, se é que me entendem...

Mas, como não poderia deixar de ser, o destino tinha planos diferentes pra mim. Passei a maior parte do dia esperando pela assistência técnica da agência de energia elétrica, que caiu ontem durante um temporal e só foi reestabelecida hoje. Calor e tédio foram os meus companheiros próximos no dia de hoje, além é claro da companhia agradabilíssima das muriçocas que insistem em cantar no meu ouvido sucessos quase tão horríveis quanto os da música sertaneja contemporânea. Se me serve de algum consolo estou com o ventilador ligado há menos de um metro de mim agora. 

Não consegui companhia, e não me recorri aos aplicativos de encontro, o que significa que as próximas noites serão de uma solitude ímpar e os meus hormônios que lutem! A verdade é que tudo o que eu queria era companhia, no sentido bíblico da coisa mesmo. 

E, acho que encerro a ironia aqui, me sinto péssimo por sentir isso nessa intensidade. Eu bem sei o quanto os hormônios podem ter poder sobre nós mas, para alguém que passa tanto tempo estudando é um tanto quanto incômodo perceber que o meu ser recebe tanta influência do apetite concupiscível assim, não me tornando muito diferente de um animal quando, queria eu, estar em posse de toda minha potência racional. 

Neste momento, enquanto tocam blues antigos no player e a chuva cai lá fora, me deixando numa mescla de melancolia e ânsia luxuriosa, a minha vontade se biparte, ou melhor, se fragmenta num mosaico difícil de compreender. 

Tenho vontade de fugir, fugir dos meus desejos como fugiria do próprio diabo, senão que tenho certeza ser que me atiça a carne para ficar em brasas assim, perdendo até mesmo a consciência do meu sentido de dever. Tenho também vontade de ficar e enfrentar esses desejos, me entregar completamente a eles como a presa que desistiu de lutar e se deixou devorar pelo predador. É como se me lançasse diretamente para as chamas do grandioso vulcão, cujo intenso rompimento térmico faria evaporar todo meu ser, desaparecendo com todo e qualquer vestígio da minha existência. 

E me sinto horrível por não ter com quem partilhar essa noite de ânsias, ao mesmo tempo que aproveito a solitude, aproveitando um silêncio e quietude que me são normalmente tirados de mim. Também é bom, ouvir a chuva caindo, sozinho, também é bom e, mesmo que isso seja apenas uma parte de mim tentando convencer todo o restante, eu realmente acredito nisso.