sábado, 6 de fevereiro de 2021

O cinza dos olhos

Eis um dia atípico, em que fui envolvido por intensa melancolia antes mesmo que me deitasse, onde a cor e o brilho foram substituídos por uma realidade opaca, com cheiro daquele casaco guardado há tempos no fundo do armário. A chuva cai lentamente lá fora e, observando esse espetáculo, meu corpo reage protestando contra qualquer sinal de despertar e movimento. Os músculos dos meus braços estão retorcidos, doem e, num lamento, entoam sua própria marcha fúnebre, numa tentativa demente de permanecerem inertes até a completa atrofia.

Cheguei há algumas horas do cemitério, ocasião do velório da filhinha de uma conhecida da igreja, situação lamentável, uma família em prantos mas ainda assim convicta da vida eterna de uma das suas, essa parte foi reconfortante, a força daquelas mulheres é notável e cada uma delas, inclusive a que hoje foi enterrada, é uma grande guerreira. Claro que exéquias nunca são situações agradáveis, e o peso delas acaba se abatendo sobre as pessoas mais sensíveis, parece que corri uma maratona inteira. 

Não pude adormecer, como bem gostaria, pois estou ainda envolvido em algumas situações que exigem um mínimo de atenção. A notícia do falecimento do antigo bispo da diocese, a atenção dispensada as respostas que esse fato desperta nas pessoas, o evento que vai acontecer amanhã na paróquia e o cansaço físico e mental que isso significa. 

Ontem, não antes de muita reflexão, cheguei a conclusão de que, embora não aparente, eu estou funcionando no meu limite já há algum tempo, não sabendo quanto me resta ainda de combustível antes de um último suspiro e de acabar travado de vez, sem conseguir avançar e nem realizar absolutamente nada. 

Me senti horrível enquanto esperava o carro logo cedo pela manhã, enquanto a chuva caía com violência lá fora, a impaciência tomando conta e, quando achei que iria explodir, eu simplesmente a transcendi, sendo tomado por um súbito niilismo que me fez ter a impressão de que a entropia que me cerca entrava pouco a pouco em meu coração, me afirmando internamente que não havia nada de diferente, que as coisas de fato são assim, o mundo tendendo ao caos enquanto nossas vidas não são mais do que uma folha que se levantou com o vento, sendo levada sem controle ou direção. E assim se seguiu e tem sido durante todo o dia: uma sucessão de infelicidades que se amotinam e aglutinam sobre a minha carne, pesado meu ser mas, ao mesmo tempo, me trazendo a leveza do absoluto vazio que sinto ao constatar que a dor que sinto nos braços é sinal de que estou vivo. Mas o que isso significa senão que sou capaz de sentir dor?

O que eu sinto não é apenas um cansaço pelo esforço exercido, não, mas já se revela como um cansaço da própria existência, estou cansado da humanidade, do homem e, principalmente, de mim mesmo. Cansado da minha melancolia, da minha depressão constante, da minha falta de razão de ser, da minha forma de encarar a vida que aprece tão diferente dos outros... É com um cinza profundo no olhos já não mais castanhos, mas da cor do céu nublado, como a névoa matutina que entorpece os sentidos que eu fecho os olhos e adormeço, adormeço sem saber quando e nem se voltarei a acordar e, muitas vezes, desejando realmente sequer chegar a acordar.

"Apaga-te, apaga-te, chama breve! A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre ator que por uma hora se espavona e se agita no palco, sem que depois seja ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e barulho, que nada significa." (Shakespeare)

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