terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Mosaico

Um pouco de ironia faz bem ao coração, segundo dados coletados pela revista Vozes da Minha Cabeça. Acontece que encarar a realidade com puro realismo e se deixar afetar por todos os aspectos entrópicos do ser é demasiado difícil e pode exigir do homem doses altamente preocupantes de ansiolíticos e álcool. Por isso, no mais das vezes, o bom e velho sarcasmo é o melhor realismo que há. 

Esperei muitos meses por esses dias, em que a casa ficaria vazia e eu poderia me deleitar da minha própria companhia ou, de alguma companhia um pouco mais interessante, se é que me entendem...

Mas, como não poderia deixar de ser, o destino tinha planos diferentes pra mim. Passei a maior parte do dia esperando pela assistência técnica da agência de energia elétrica, que caiu ontem durante um temporal e só foi reestabelecida hoje. Calor e tédio foram os meus companheiros próximos no dia de hoje, além é claro da companhia agradabilíssima das muriçocas que insistem em cantar no meu ouvido sucessos quase tão horríveis quanto os da música sertaneja contemporânea. Se me serve de algum consolo estou com o ventilador ligado há menos de um metro de mim agora. 

Não consegui companhia, e não me recorri aos aplicativos de encontro, o que significa que as próximas noites serão de uma solitude ímpar e os meus hormônios que lutem! A verdade é que tudo o que eu queria era companhia, no sentido bíblico da coisa mesmo. 

E, acho que encerro a ironia aqui, me sinto péssimo por sentir isso nessa intensidade. Eu bem sei o quanto os hormônios podem ter poder sobre nós mas, para alguém que passa tanto tempo estudando é um tanto quanto incômodo perceber que o meu ser recebe tanta influência do apetite concupiscível assim, não me tornando muito diferente de um animal quando, queria eu, estar em posse de toda minha potência racional. 

Neste momento, enquanto tocam blues antigos no player e a chuva cai lá fora, me deixando numa mescla de melancolia e ânsia luxuriosa, a minha vontade se biparte, ou melhor, se fragmenta num mosaico difícil de compreender. 

Tenho vontade de fugir, fugir dos meus desejos como fugiria do próprio diabo, senão que tenho certeza ser que me atiça a carne para ficar em brasas assim, perdendo até mesmo a consciência do meu sentido de dever. Tenho também vontade de ficar e enfrentar esses desejos, me entregar completamente a eles como a presa que desistiu de lutar e se deixou devorar pelo predador. É como se me lançasse diretamente para as chamas do grandioso vulcão, cujo intenso rompimento térmico faria evaporar todo meu ser, desaparecendo com todo e qualquer vestígio da minha existência. 

E me sinto horrível por não ter com quem partilhar essa noite de ânsias, ao mesmo tempo que aproveito a solitude, aproveitando um silêncio e quietude que me são normalmente tirados de mim. Também é bom, ouvir a chuva caindo, sozinho, também é bom e, mesmo que isso seja apenas uma parte de mim tentando convencer todo o restante, eu realmente acredito nisso.  

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