quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Esbravejando

Me encontro num estado de furor, tomado de súbita onda de raiva, com o pensamento a esbravejar violentamente contra o destino, numa ânsia de vandalismo desperta do profundo do meu ser, aliada a episódios de devaneios onde me perco numa perspectiva de futuro, praticamente impossível de um dia ser alcançada.

Não aguento mais a busca por uma casa, desde que o proprietário pediu que saíssemos daqui. Acontece que não achamos nada que fosse minimamente adequado a nós. Somos muitos, e temos muitas coisas, o que inviabiliza morar numa casa sem espaço. Não que aqui não tenha espaço, nós já moramos apertados, e eu não aguento mais isso. 

Aqui atualmente a sala foi improvisada no corredor enquanto a sala é usada como quarto por ser maior. É patético, miserável. Todas as casas que olhamos são pequenas, descuidadas, disformes, e são obviamente resultado de uma mentalidade tipicamente brasileira de que fazer qualquer coisa de qualquer jeito porque qualquer coisa serve. As pessoas se contentam sempre com o qualquer coisa, não se preocupam com conforto, dignidade e muito menos beleza. Aliás beleza é algo que a sociedade desconhece por completo. São todos cegos pela necessidade usual que culmina numa realidade feia, opressiva, que adoece a todos sem que essas pessoas sequer percebam que a fonte de sua angústia é o coeficiente de paredes descascadas e cerâmicas coloridas. Não passam de barracos e casebres sem as mínimas condições de uma vida digna. 

E eu não suporto mais imaginar que, ao sair daqui, serei obrigado a continuar vivendo dessa forma. Com um improviso atrás do outro. Uma tomada improvisada, uma janela que não abre direito, uma sala abarrotada de móveis que não combinam entre si porque foram garimpados de um ou outro brechó, quando não foram pegos na rua mesmo, abandonados porque ninguém mais queria aquela porcaria e acabaram vendo algum proveito nele. Proveito de transformar a casa num verdadeiro lixão, um lugar onde fazemos o que dá pra fazer, nunca o melhor, nunca visando um mínimo que fosse de dignidade. Isso me irrita profundamente.

Imaginar que a mudança, tão cansativa por si só, vai resultar em nada mais do que outra casa como essa, improvisada, me deixa depressivo, me faz querer sumir, porque eu não aguento mais essa realidade feia, opressiva, de um mundo sem senso estético, sem proporções, onde acham aceitável que se coloque pedaços de madeira embaixo de um móvel pra ele ficar mais alto ao invés de se ter algo já planejado para ser belo e funcional. E o que mais me irrita é que isso é aceito com normalidade, pois a mediocridade se tornou a regra máxima da minha casa, sendo que, para qualquer um com o mínimo de bom senso das proporções seria nada menos do um verdadeiro escândalo, uma ideia que sequer deveria ser cogitada, quem dirá levada a cabo. 

E as coisas seguem assim. Tudo é muito caro, a frase que eu mais odeio em toda a minha vida, o dinheiro não é suficiente para pagar as contas e o resultado, ao invés de buscar uma forma de melhorar as pessoas se contentam em diminuir o já baixíssimo padrão de vida. E acham que ainda está tudo bem mas NÃO ESTÁ TUDO BEM, está tudo um caos, estamos chafurdando num lamaçal, contentes com o nada, incapazes de desejar o mínimo que seja e incapazes mesmo de perceber que eu estou prestes a enlouquecer por causa disso, preso nesse quarto com nojo de dar um passo sequer para fora. 

O descontrole se expande então para todos os aspectos da minha vida, com uma libido descontrolada que encontra picos e desaparece completamente, sentimentos conflitantes por rapazes que jamais olhariam para mim, uma carência crescente e inabarcavel, um devaneio permanente que não me permite sair da catatonia que criei para me refugiar desse mundo horrendo.

Agora me responda, como não entrar em depressão? Como viver nesse mundo sem desenvolver a mais absoluta falta de esperança? Como não se deixar enojar pela miséria humana que nos torna incapazes de desejar algo grande e bom, ao invés de mediocridade de sempre? Parece que algo nesse mundo não quer que vivamos com o mínimo de dignidade, sempre condenados a viver numa cidade empoeirada, de pessoas de mente fechada, em casas que não deveriam ser usadas nem mesmo por animais. 

E como não pensar na morte? Como não pensar que seria melhor deixar de existir do que continuar vivendo dessa forma? Como não pensar que seria melhor uma boca a menos nessa casa, que seria melhor não viver até amanhã para ver qual será a próxima gambiarra a ser feita, qual o próximo jeitinho a ser dado? 

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