quinta-feira, 27 de junho de 2019

A concha no oceano

Algumas impressões aos poucos vão se impregnando no meu ser, se tornando tão profundas que logo parecem confundir-se comigo mesmo. Estou a cada dia, a cada conversa, a cada relacionamento com o outro, mais convencido de que nós homens estamos condenados a vagar por essa terra vivendo em meio a confusão, sem nunca, jamais, conseguirmos alcançar a possibilidade do entendimento pleno entre as pessoas. 

Alguns poucos, eleitos quem sabe, podem até se compreender até determinado ponto. Alguns poucos partilham de uma visão semelhante de mundo, e graças a essa semelhança se entendem, ou aparentam se entender. Do que vi também aceito que as pessoas fingem se entender, revelando-se na verdade tão incompreendidas quando se livram das máscaras de compreensão e proximidade. 

Outros, no entanto, mais desafortunados, são condenados a incompreensão quase total, vivendo isolados em meio a multidão. Digo quase total pois a incompreensão total, ao meu ver, só seria possível num estágio avançadíssimo de privação dos sentidos, mas ainda assim, ao sermos submetidos a uma compreensão superficial apenas somos condenados ao desespero. Somos como cativos em grandes tanques de vidro e água, gritando loucamente aqueles que se encontram fora do tanque, mas estes por sua vez se encontram presos também em suas próprias consciências, ouvindo apenas os murmúrios estranhos uns dos outros. É desesperador. 

As pessoas compreendem os sons, ouvem as palavras, mas são incapazes de captar o significado por trás delas. Por mais carregadas de significação que estejam nossas palavras, ditas ou escritas, as pessoas captam apenas uma parte muito pequena e superficial delas. É como se fôssemos um oceano profundo, nossas palavras captam apenas o equivalente a uma pequena concha, e as pessoas compreendem apenas uma pequena gota do que dizemos, ficando portanto um oceano de incompreensão entre todos os seres. 

De que adianta vivermos nos esbarrando, como formigas, uns nos outros e sendo impedidos de comunicar aos outros o que queremos dizer? Essa perspectiva é tão assustadora que, há muitos dias, venho sentido medo de falar ao outro o essencial. A cada dia digo menos, e a cada dia continuo sendo incompreendido. Não importa o quanto tente, o outro não entende mais do que os balbucios erráticos de uma criança que tenta, ainda sem o vocabulário para isso, expressar o que sente. 

Nisso somos jogados a toda sorte de infortúnios e desgraças. De dentro desse tanque de água vemos os outros se afogando, enquanto nós mesmos somos levados pelas torrentes impetuosas de nossas próprias consciências. Esse limite, no entanto, é gigantesco. Me sinto vagando numa praia sozinho, ouvindo a música que toca longe, e as pessoas conversando também, mas sem nunca conseguir entender o que dizem e sem encontrar de onde vem aquela música. Cada um de nós anda por uma praia dessas. E as vozes e músicas são os sons dos corações daqueles que nos cercam e que nunca conseguimos encontrar realmente ou compreender verdadeiramente. O inferno são os outros. 

É a experiência humana do dizer sem fazer-se compreender. É simplesmente desesperador, ver-se rodeado de pessoas, gritar, pedir por ajuda ou tentar ajuda, e não conseguir fazer-se ouvir. A cada dia isso se marca mais profundamente no meu peito. A cada dia sinto menos vontade de falar com o outro. A cada dia sinto que deveria fechar-me em mim mesmo, afinal não há como expandir-me e alcançar o outro, talvez se voltar-me para mim consiga encontrar alguma das respostas que o outro não conseguiu me dar. 

terça-feira, 25 de junho de 2019

Declaração

Eu não quero mais, cheguei no que acredito ser o meu limite. Todos os dias eu me deito na esperança de dormir e esquecer o vazio que me sufoca, e todos os dias eu permaneço acordado, horas e horas, sem que o vazio me deixe dormir. Todos os dias, já perdi a conta de quantas vezes, eu tenho pensando em deixar essa existência, pois ver o mundo girar ao meu redor e eu não saber o que estou fazendo da minha vida, não saber o que esperar do futuro, não saber sequer quem eu sou, me deixa em desespero. 

Fiquei olhando o pé de goiaba pela janela da sala por alguns minutos, enquanto procrastinava a enfadonha tarefa de corrigir gabaritos, e deveria me encantar com a bela visão que tinha. O sol brilhava intensamente nas folhas verdes, o vento soprava fresco sob meu rosto... Mas nada disso me conquistou, eu apenas fiquei ali, olhando aquilo, sem entender em nada qual o meu propósito nesse mundo. Claro que não estou fazendo as perguntas certas. Ora, esperava encontrar o sentido da minha existência num pé de goiaba? Não, não esperava, mas esperava que, no mínimo, o pé de goiabas não me ofendesse por saber e fazer exatamente o que ele é e foi feito para fazer: dar goiabas!

Kierkegaard disse que “se é uma vantagem, por exemplo, poder-se ser o que se deseja, maior ainda é sê-lo, ou seja, a passagem do possível ao real é um progresso, uma ascensão.” Mas eu não sei o que eu desejo, não consigo expressar o anseio que grita desesperadamente do meu âmago. Não consigo compreender o que quero tão loucamente que sinto-me curvar sob o peso de minhas próprias aspirações.

Enquanto isso continuo buscando, em qualquer lugar, significado, e nada tenho achado além de desespero...

Escuto músicas, e elas me fazem chorar, pois tenho me identificado com qualquer drama humano agora. Já que não compreendo os meus dramas eu busco nos dramas dos outros algum significado. Mas essas lágrimas não dão conta de me fazer sentir melhor, tenho chorado quase todos os dias, seja sozinho, no meio da rua, na loja de copos ou do lado da minha mãe, e nada de me sentir aliviado. 

Tenho buscado satisfações, e nada. Estourei o limite do meu orçamento várias vezes, só pra me sentir ainda mais vazio quando olho para meu armário ou para a estante de livros e vejo que nada ali pode me completar. Durante as noites, me tornei uma fera luxuriosa, mas nem as companhias da noite tem me feito sentir essa completude. 

E eu sou tomado por esse vazio, e passo a crer que o nada existe, e não só existe como oprime todo meu ser. Há em mim um vazio, e esse vazio me angustia, me sufoca, me pesa como se fosse uma bola de ferro quente sob meu peito. Esse vazio me aterroriza desde o primeiro pensamento do dia até o último, antes de ser tomado pela exaustão do trabalho e cair num limbo sem sonhos, pois até meu sono se tornou vazio. 

A única coisa que tem me feito sentir vivo atualmente é a dor. Tenho provocado a dor pois se posso sentir dor isso significa que estou vivo. Isso explica os cortes em meus braços, que se multiplicaram nos últimos dias, quando em cada vez sentia que começava a desaparecer provocava dor para me lembrar de que estou vivo. Cada gota que escorria de meu corpo era como uma declaração de existência. Sangue é vida e, se ainda há sangue a ser derramado, pode ser que ainda haja vida em mim, em algum lugar do meu coração apodrecido pelo vazio de uma solidão silenciosa, tenebrosa e maléfica. Cada gota de sangue foi usada para escrever em declaração "eu sou, eu existo" mas nem mesmo assim eu me convenci disso, aliás, me expressei de maneira equivocada, sei e estou consciente de minha existência, mas não sei qual o significado dela, não sei qual a razão de estar existindo e, principalmente, existindo de maneira tão patética. 

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Do ser

Desânimo. 

Completamente sem forças para qualquer coisa. Olho ao meu redor e tudo o que vejo é o nada. Nada que me faça sequer ter o mínimo brilho da vida. A cada minuto a minha existência se torna mais pesada e mais dolorosa. Não vejo razão, não vejo futuro. A cada noite eu me deito pensando se haverá um amanhã, e uma grande parte da minha vontade gostaria que não houvesse. Isso porque não vejo razão no meu ser, não vejo motivos para essa existência, o mundo não me parece mais do que o caos quase absoluto, sendo que as coisas certas nele me incomodam profundamente.

Levantar cedo, trabalhar e encontrar pessoas absolutamente desinteressantes em todos os sentidos. Chegar cansado, tentar dormir um pouco antes de retomar as atividades, dormir cedo pois no outro dia o ciclo recomeça.  Não há nada de bom em mim. É só isso? Não é possível que a vida seja só isso. Mas é tudo que a vida tem me oferecido. Não me sinto capaz de compreender os outros, e nem os outros me compreendem.

Sinto como se meu coração tivesse sido moído, esmagado, estraçalhado, na esperança de que dele saísse algo, mas nada saiu de mim. Já não vejo graça nas reuniões dos amigos. Não vejo graça nas risadas gratuitas e nem nas mesmas musicas de sempre. Alguma música já se repete pela décima vez no player, e eu já não sei mais o que estou escutando. Não vejo graça, nem razão de serem, de ser. O mundo perdeu o brilho, tudo é cinza, cinza como o céu triste e frio que agora se mostra pela janela do meu quarto.  Não, isto está errado. Eu vejo muitas pessoas que enxergam a vida com todas as cores, eu é que perdi a capacidade de enxergar!

A cada dia me sinto menos homem e mais fera, a cada dia sinto que pertenço menos a esse mundo.  Não há espaço para mim aqui, nem mesmo no meu próprio quarto, nem mesmo em meu próprio corpo. Não há lugar no mundo para alguém como eu... Não me encaixo aqui, e nem em um outro lugar. Sou um vagante, sem rumo, sem destino e sem perspectiva alguma de futuro. 

É esse o sofrimento humano, o do vazio no âmago do coração do que nos assusta desde o primeiro pensamento? Talvez minha programação tenha sido corrompida, talvez eu tenha vindo com algum tipo de defeito pois não consigo me encaixar, não consigo ser na plenitude da palavra. Continuo sendo apenas uma casca, apenas uma figura de algo que talvez já tenha sido um dia, ou que deveria vir a ser... 

Mas o que eu deveria ser?
O que eu sou? 

Quem sou eu? 

Eu sou?

sábado, 22 de junho de 2019

Meus demônios

É sempre assim, eu me deito e as vozes em minha cabeça começam a falar todas ao mesmo tempo. Algumas sussurram, outras gritam, algumas ainda apenas sorriem. Todas elas concordam numa coisa: eu não sou nada, eu sou um imprestável, um lixo pior que toda a escória da humanidade. Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum. Mesmo cansado, sem voz depois de tanto ensaio, mesmo depois de ter dado meu melhor eu ainda sinto que não foi suficiente, ainda sinto que não é nada, ainda sinto que estariam melhor sem mim. E não me refiro somente aos colegas da banda, mas também a todos da Igreja que me esperam amanhã cedo para a missa e até aquelas pessoas que agora dormem no quarto ao lado do meu. Todos estariam melhor sem mim.

Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum. Não há abrigo neste mundo para mim. Incapaz. Insuficiente. Eu sou uma farsa. Um mentiroso. Um tolo que não sabe disfarçar sua ignorância do mundo.

Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum. Por isso eu mereço punição. Por isso o universo me condenou a uma solitária multidão. Mesmo quando não há ninguém ao meu lado, a minha cabeça se encarrega de produzir o barulho de uma torcida de futebol. É sufocante. Não consigo ouvir nada além de insultos, xingamentos, pessoas me dizendo que deveria morrer, que faria um favor a todos se desaparecesse, que seria melhor se nem tivesse nascido. Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum.

Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum. É como se não tivesse propósito na minha existência, como se meu nascimento fosse um erro, como se minha insistência em fazer algo fosse nada mais do que uma tentativa patética de me igualar aos outros, pessoas reais, plenamente humanas, e não apenas um animal de feições levemente antropomorfizadas. Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum.

As risadas, as piadas, os deboches, a zombaria, ninguém mais os escuta, mas basta eu fechar os olhos e lá estão eles. Eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum. Lá estão meus demônios me dizendo que seria melhor se entregasse de vez minha alma a eles afinal, que serventia há para alguém como eu andar no meio de humanos de verdade? Será mais uma noite longa, solitária, barulhenta, onde tentarei fugir das vozes de minha cabeça, dos meus demônios. Será uma noite agonizante, na minha própria alcova pois eu não faço parte disso. Não pertenço a lugar nenhum!

A lugar nenhum!

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Sombras

Cansado, ao extremo. Os dias após as grandes crises costumam seguir uma antítese cruel: o corpo é tomado por uma letargia semelhante a da morfina. Não sinto nada. Ao mesmo tempo, no entanto, a dor consome a carne como brasa. 

Estou perdido no tempo e no espaço. Achei que tinha dormido o dia todo hoje mais ainda não estamos nem na metade da tarde. Achava que era segunda, e que tinha perdido um dia de trabalho, mas olhei no celular e vi que ainda é sexta. Estou desorientado. 

Tentei levantar mas fiquei tonto e deitei novamente. Não como nada há mais de 24 hora, mas não sinto fome. Nem as marcas dos cortes dos meus braços parecem doer, eu também não as sinto. Sinto meu rosto inchado, acho que por causa da 3 ou 4 crises de choro que tive ontem. Parecia uma criancinha no colo de minha mãe, sem conseguir sequer dizer o que sentia. Balbuciava e soluçava. Os remédios que tomei para dormir não fizeram o efeito desejado, ainda estou aqui, tomando decisões com pessoas que não sei bem se querem o melhor para mim. Tentei ler, e emboras as palavras façam algum sentido, elas logo fogem da minha cabeça. É como se aos poucos estivesse desaparecendo...

E justo por sentir estar desaparecendo, por sentir que não faço diferença alguma, por sentir que, não sendo importante, deveria desaparecer. 

Não sei por onde estou andando. Provavelmente me aproximo do fim. Ontem cheguei a borda do abismo, e o fitei por tanto tempo que ele olhou de volta para mim. 

Já há tempos não me sentia assim. Essas grandes crises apenas estavam em minha memória, a espreita, como uma sombra ou um fantasma, sempre me ameaçando, sempre me rodeando com seus tentáculos gelados. De alguma forma ela ganhou força, e não tive tempo de fugir. Meus olhos ficaram fundos e vidrados, não conseguia responder e minha única reação a tudo era o desespero de fugir para algum lugar bem longe. 

Bem longe... A imagem do paraíso distante ainda me é agradável, a imagem de um lugar onde não possam me machucar. Mas e se essa sombra for junto?

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Do fim?

Estou cansado, irado, fatigado, profundamente ofendido. Mas preciso escrever, dizer alguma coisa, mas não sei o que dizer. Me sinto um idiota, absolutamente trouxa. A sensação de incapacidade é maior do que qualquer outra coisa. Me sinto irado, por não ser ouvido, por não ter espaço. Me sinto, acima de tudo, dispensável! Me tornei motivo de risadas, de piadas, não sou nada, não significo nada. Qual futuro melhor então para alguém como eu que o fim? E é por isso que optei. 

Estou cansado. De ser feito de besta, de ser ignorado, ser motivo de piadas pelo meu esforço. Se meu esforço não é suficiente, melhor que me retire então. Estou cansado, irado, fatigado, profundamente ofendido.

Talvez não acorde depois de hoje, quando os remédios fizerem efeito. Talvez amenizem a dor que estou sentindo, de ver que todos ao meu redor se entendem de alguma maneira e eu continuo o mesmo inútil de sempre. Sendo assim seria melhor que eu simplesmente desaparecesse. E dei o primeiro passo pra isso. Espero não mais acordar. Dormir um sono profundo, perene. E assim não mais incomodar. Não mais ser um fardo ou simplesmente alguém a ser ignorado. Estou cansado, irado, fatigado, profundamente ofendido.

Espero, de coração, que seja o meu fim pois, tudo retorna ao nada, tudo começa a desmoronar. E então não mais sentirei a dor de me relacionar com o outro, tão distante a minha carne e sangue quentes estão do céu e a terra. Não sei para onde vou, só sei que não aguento mais ficar aqui, preciso retornar ao nada, pois tudo retorna ao nada!

E isso depois de admitir que, meu único sonho era voar sobre a lua, e ver como são as estações em Júpiter e Marte. 

Em outras palavras, segurar são mão... 
Em outras palavras, meu amor, beijar seus lábios.

Antes que tudo retorne ao nada!

Ao nada. 

terça-feira, 18 de junho de 2019

A fúria do estranho

Já há tempo demais me sentindo sozinho. Completamente sozinho. Abandonado. Sem encontrar nada mais do que exílio, no mundo. Já há tempo demais me roubam a solidão sem antes me oferecerem a verdadeira companhia, e isso não me oferecem. Apenas me oferecem barulho, barulho esse que, embora abafe os gemidos inefáveis de minha alma, não consegue fazer sumir as ânsias de amor que inflamam essa mesma alma.

As pessoas são para mim estranhas, todas elas. Não consigo compreender seus corações em absolutamente nada e, mesmo depois de anos de convivência, elas ainda me assustam com a sua incrível capacidade de nunca entender nada, por mais que seja dito. As pessoas são incapazes de enxergar algo que está bem a frente de seus olhos, e tenho certeza que eu também o sou. 

Algo escapa a minha percepção. Há algo que não consigo captar e por isso minha perspectiva é tão turva, incompleta, encoberta pela névoa da consciência que nos torna todos como estranhos desconhecidos numa terra de irmão. Minha visão desse limite de consciência não é mais do que absolutamente negativo. É essa consciência, é essa separação entre o eu e o outro, que me faz sofrer, sentir dor, em contato com o outro. 

Todas as minhas relações são, no mínimo, fugidias. As pessoas vem e vão, entram e saem, deixam marcas e levam consigo um pouco de mim, mas isso é tudo muito caótico. No fim do dia não há sequer um vislumbre de compreensão, no fim do dia não outra impressão senão a da mais profunda solidão. É horrível olhar como a um estranho a pessoa que caminha ao seu lado, que passa horas e horas debaixo do mesmo teto e que ri das mesmas piadas. É horrível saber que, a qualquer momento,  posso ser morto simplesmente porque não compreendem a minha existência. E pior ainda é saber que posso eu ser o assassino, por não compreender a existência do outro. 

E as pessoas vem e vão. Entram a passam. E todos usam máscaras. E eu não consigo ver mais do que as camadas de cerâmica sobre as suas faces. Nenhum contato com as suas almas. Será que eles as têm? Não consigo ver, muitas vezes, sequer traços de humanidade nestes, senão que a cada dia mais me convenço de que sim, viemos dos animais mas, ao contrário do que pensam, não evoluímos tanto assim. senão que aprendemos, algumas vezes como o faço agora, a dizer o quão aflitivo é saber que o outro, embora do meu lado, não é mais do que um estranho que caminha comigo. Caminha comigo mas não está comigo. Caminha comigo mas não me conhece. Caminha comigo mas não se deixa conhecer. 

Já há tempo demais venho me sentindo sozinho, e não vislumbro, no horizonte distante, nada que possa aplacar a fúria dessa realidade cruel. 

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Sobre voar

O que estou sentindo?  - Perguntei a mim mesmo enquanto fechava os olhos num retorno movimentado dentro da cidade - Sinto vontade de dormir e de me perder em meio aquelas nuvens! - Disse sem pensar abrindo os olhos e olhando o céu aveludado que se abria sobre minha cabeça, iluminado pelas lâmpadas amarelas dos postes das ruas e das luzes das milhares de casas, que iam se unindo numa miríade de pontinhos que se perdiam na linha do horizonte. 

A música animada - RADWIMPS - no player não é suficiente para me despertar do torpor do cansaço. É incrível como os alunos conseguem me sugar até o tutano mesmo nas atividades mais simples. Chego cansado todos os dias, mesmo trabalhando apenas 4 horas pela manhã. Todas as tarde eu me deito esgotado, mas sequer consigo descansar por uma ou duas horas, já que quase sempre sonho com o colégio ou simplesmente não consigo dormir. 

Tenho me sentido distante. Em todos os sentidos possíveis. Distante de meus amigos, que parecem não se interessar mais pela minha amizade. Distante de minha família. Distante até mesmo de mim, já que em alguns dias eu me vejo no espelho e tenho dificuldade de reconhecer quem é aquele que me olha. Acho que me tornei outra pessoa, e não digo isso de uma maneira ruim, muito embora algumas coisas me incomodem. 

Sinto como não estivesse mais preso a tantas amarras que me prendiam, e a sensação de voar livremente me assusta um pouco. Acho que fiquei tanto tempo preso ao chão que me esqueci como era voar. É como aquele homem que, ao sair da caverna escura, se assusta com a luz do mundo e volta pra dentro dela, mas logo percebe que não consegue esquecer o mundo real e volta para lá, mesmo com a dor do mundo lhe cegando. É assim que me sinto. Voando pelo céu, ainda em lugares baixos, mas já livre das prisões que me fizeram crer com afinco que na verdade eu era apenas uma serpente. 

Quantas vezes eu me sentei aqui, de frente para o computador, e disse coisas horríveis sobre mim? Quantas vezes disse me sentir como uma cobra rastejando pelo chão e desejando voar pelos ares, quando na verdade apenas tinham cortado minhas penas? Agora que elas tornam a crescer eu já consigo saltar até voar. Tem sido difícil, e as marcas das correntes ainda doem, mas já não quero voltar pra lá só porque o chão me parece seguro: foi aquele chão que me fez crer ser incapaz de ver o mundo de cima, do céu!

E mesmo que esteja cansado de voar, porque ainda não me acostumei com a dor de ser outra pessoa, de ser eu mesmo, eu vou continuar voando. Posso parar para descansar, como hoje a noite, mas amanhã pela manhã tornarei a alçar voo para o céu, a fitar o sol do meu próprio coração. Sol real, não aquela aberração que via enquanto rastejava pelo chão. 

sábado, 15 de junho de 2019

Ser sufocante

Ei você, estranho, que tá lendo isso, você já se sentiu insuficiente pra alguém, tipo, pra qualquer pessoa? Já sentiu como se todo mundo fosse melhor do que você em todos os aspectos? Como se as pessoas pudessem ter parentes melhores, amigos melhores, namorados melhores? 

É assim que eu me sinto, cada minuto de cada dia de minha vida. Como se nada do que eu fizesse, desde o simples ato de me vestir até o de me aventurar no mundo da alta cultura filosófica, fosse bem feito, como se nada fosse suficientemente bom, como se nada fosse sequer digno de receber atenção humana. 

Tem dias que é sufocante ser assim. É olhar no espelho, passar horas pintando a cara com maquiagem e ainda se sentir incapaz de sair no mundo por não ter coragem de mostrar essa cara as pessoas, porque toda e qualquer pessoa merece mais do que ver alguém tão inferior, tão incapaz, tão insuficiente. É não ter coragem de conversar quando tudo que mais precisava era sorrir com alguém, ouvir uma ou duas palavras de carinho, mas acreditar não ser merecedor de nada disso.

É já não ter mais coragem de flertar, é olhar para alguém que goste e até mesmo ame e achar que qualquer outra pessoa, ou até mesmo ninguém, seria melhor na vida dela. É achar, saber e sentir, que ela pode encontrar alguém melhor, mais bonito, mais inteligente. É ter sido rejeitado tantas vezes que cheguei a conclusão que para algumas pessoas, ou simplesmente para mim, a solidão é a minha única companhia verdadeira. Que todos foram feitos para complementar seus pares, enquanto eu fui feito com um defeito grande demais para ser complementado. É não ter mais coragem de embarcar em nenhum relacionamento humano, por medo de ser insuficiente para qualquer pessoa. E é sufocante ser assim, cada minuto de cada dia da minha vida. 

As pessoas passam por mim, por minha vida, deixam marcas e levam consigo alguma coisa, mas tudo que consigo imaginar é o quanto todas sentem-se realizadas por se afastarem de mim, o quão é melhor pra todo mundo ficar longe de mim, o quanto sou vazio e desnecessário, ao ponto de, num encontro, precisarem chamar uma multidão porque a simples imagem de ficar sozinho comigo é uma coisa ruim demais para acontecer. Como se, tratando-se de mim, a distância fosse a melhor coisa.

Me sinto sujo, impuro e tão inferior que até ao olhar nos olhos das pessoas parece que me acusam de fazer algo impróprio. E tudo que eu queria era ser um igual, me sentir um igual, me sentir parte de alguma coisa grande de verdade, sem precisar competir por espaço, por status... Só queria não ser tão inferior, tão insuficiente, pra todo mundo. 

Só queria ser alguém. 

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Das existências medíocres

Uma pausa nas minhas obrigações para dizer algumas coisas que estão me incomodando, como uma pedrinha no meu sapato. Os livros estão abertos aos montes na minha frente, e preciso preparar minhas aulas, além de cumprir um monte de outras burocracias sem sentido do meu trabalho. No meio disso tudo eu fico absorto em pensamentos, sem conseguir seguir o fluxo sem me preocupar como fazem meus pares, e meu coração ainda se entristece, com esse sistema inteiro, onde parece-me que para continuar sendo gente tenho justamente de abandonar aquilo que me faz homem: a minha capacidade de pensar e de refletir um pouco mais a cada dia. 

Me entristece ter de me conformar com um sistema corrupto, preocupado sabe-se lá com o quê, pois ainda não entendi qual a preocupação das pessoas. Não creio que seja apenas dinheiro, pois até isso elas conseguem deixar de ganhar, absortas numa forma morta de serem elas mesmas. E isso que exigem de mim: que me adapte num mundo, num trabalho, numa universidade, onde buscam objetivos que desconheço e que ninguém nunca vai alcançar, porque ninguém delimitou qual o caminho que devemos trilhar. Ficam todos como baratas tontas, para lá e para cá, todos os dias, levantando cedo e dormindo tarde sem, no entanto, conseguirem conquistar com esse esforço hercúleo nada de substantivo. Acomodam-se na mais medíocre das existências. 

Esse acomodamento cega ao ponto de reduzir o intelecto humano a bestialidade. As pessoas falam e se comportam como humanos, mas pensam como animais, incapazes de compreender o mundo que as cerca, preocupados demais com a realidade de seu provincianismo, dentro das paredes de seus trabalhos fatídicos, metódicos e inúteis. Perdem a capacidade de admirar o belo, não conseguem mais compreender o significado da poesia e ignoram até mesmo os olhares de carinho e ternura, ocupados demais com suas metas estatisticamente definidas para alcançarem sabe-se lá que resultado. 

E no meio disso tudo me sinto incapaz. Incapaz de romper com essa roda infernal, com esse ciclo infinito onde apenas a infelicidade é garantida, e incapaz de me adequar a ele, incapaz de me fazer igual a todos, pois algo dentro de mim pulsa para que busque a verdade além das grades da escola onde trabalho. O que também tem me tornado infeliz pois, passado quatro dias praticamente dopado afim de me recuperar de um cansaço acumulado que parece nunca se esvair, percebo que estou cada vez mais distante tanto da libertação dessa corrente horrenda, quanto da adaptação, continuando sendo incapaz tanto de um, quanto de outro. 

domingo, 9 de junho de 2019

Alegrias vazias

Queria ficar sozinho hoje, sem barulho, sem sorrisos forçados, sem brincadeiras falsas. Queria aproveitar a companhia da minha própria letargia, ou melhor, a companhia de um sono profundo, bem distante de tudo e de todos, onde poderia voar por ares tão longínquos que minha existência sequer seria notada. 

Também queria sua companhoa hoje, mas não uma companhia como aquela que me oferecia tempos atrás, não. Uma companhia como a que nunca tive, companhia verdadeira. Gostaria que me abraçasse nesse dia frio e me fizesse esquecer de todos os corações frios que há por aí. Mas isso também não é possível, você é só mais um coração frio.

E eu sinto que essa frialdade, maligna e quase inorgânica, tem afetado também a mim. Meu coração não tem sangrado como antes, mas apenas rachado, como o gelo duro que aos poucos se parte. Não há mais sangue, como se a vida que houvesse em mim tivesse derramado-se toda, restando apenas a secura de uma alma triste. 

O que é então a tristeza? É a ausência daquela luz que vem de dentro. É olhar para uma rosa desfolhada e ver apenas uma rosa desfolhada, e não a poesia de uma beleza que se foi e que, como num ciclo, um dia voltará a florir. 

Queria ficar só, pois aqueles que me circundam não oferecem verdadeira companhia, apenas barulho, confusão, e de confusão a minha mente já está cheia demais. Não poderei, no entanto, fechar-me no recanto seguro dos recessos de minha mente, senão que terei de colocar mais uma vez uma máscara de felicidade e apresentá-la ao mundo. Esse mundo maldito, cheio de aparências e de alegrias vazias em si mesmas. 

sábado, 8 de junho de 2019

Sei lá

Há dias sem graça, assim, sei lá... 

Dias vazios, 
onde o sol brilha menos, 
as músicas tem menos encanto 
e até a comida menos sabor... 

Dias assim, sei lá... 

Dias vazios, 
de sorrisos, 
de abraços, 
de corações, 

dias sem brilho. 

Dias quando dormir é mais interessante
quando o benzodiazepínico é mais aconchegante
onde o torpor é dominante.

Poderá o clonazepam me acalmar
ou o bromazepam me levar a uma letargia
onde esqueça da solidão?

Minhas asas se fecharam
minhas lágrimas secaram

Me sento na cadeira de balanço
olhando o nada
contemplando o branco

As pessoas fazem barulho
A TV está no mudo
meu coração impuro

E as coisas continuam sem brilho nenhum
sem vida
sem graça, assim, sei lá.

Do fim do medo

Ontem eu senti medo, muito medo, de ficar sozinho. A tarde vinha caindo, o sol se pondo e sua luz se escondendo e eu fui ficando com medo. Não quero mais ficar sozinho a noite, a noite é fria e vazia . O medo foi crescendo, me sondando com seus tentáculos gelados, cada vez mais. Eu me deitei e chorei, na tentativa de fazer abafar o sibilar do medo com meu gemido, como se minhas lágrimas pudessem levar para longe tudo o que pode me machucar.

Temia os pensamentos que viam se prenunciando. Desde algumas semanas atrás... Um desejo crescente de desaparecer, de sumir, de largar todas as coisas e tentar a vida em outro lugar, onde a solidão quem sabe não me afetasse tanto. Mas a solidão iria comigo, não me abandonaria. Eu não queria pensar em nenhum momento em ficar sozinho com meus demônios interiores. Não queria o silêncio, mas ao mesmo tempo não queria o barulho de maneira alguma. Fiquei ali no escuro, ouvindo um piano bem longe, e sentindo essa luta, entre querer ficar só e o medo de ficar só. 

Pedi por socorro, pedi ajuda. Não podia ficar sozinho, ou morreria. É uma guerra que não poderia travar sozinho.

E a ajuda veio, não fiquei sozinho. Como o sol nasce lentamente da aurora eles foram surgindo, anjos de luz, com suas vozes preenchendo não só o ambiente mas também o meu coração. E eles começaram a voar ao meu redor, e me tiraram daquela escuridão em que estava e até mesmo a escuridão que havia no meu âmago se dissipou ante aquela resplandecência. 

Eu consegui rir e sorrir, ganhei um abraço. Aquela ameaça se silenciou. No fim da noite fui dormir com o coração quentinho e satisfeito. Já não tinha mais medo, já não me sentia mais sozinho.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Da companhia

Minha companhia não é o bastante. Eu sou insuficiente. Seja para você ou qualquer outro. Incapaz e insuficiente. Eu acho que sou um erro. Algo que deveria ter sido e não foi. Me falta algo. Algo que faça os outros quererem ficar ao meu lado de verdade, algo que faça os outros me entenderem. Eu sou um erro. Incompleto, insuficiente, incapaz. 

Minha companhia não é o bastante. Você teme ficar sozinho comigo. Ninguém quer caminhar a noite ao meu lado. Eu sou insuficiente para você, assim como fui pra ele e assim como sou para todos os outros.

Queria ficar a sós com você, mas essa possibilidade não o agradou. Ninguém se agrada com minha companhia. Sou uma ave que voa solitária pelo céu gelado. Não há bando em que me encaixe, todos foram em busca de terras mais quentes. Eu sou insuficiente, minha companhia não é o bastante. E, como não tenho mais nada a oferecer, a minha sina é ficar sozinho, apenas quieto, observando enquanto os outros, aqueles que são suficientes, vivem uns com os outros. Minha companhia não é o bastante, eu sou insuficiente.

Minutos depois:

Ainda sozinho, ainda insuficiente.

Mesmo com o efeito do álcool me desequilibrando, ainda me sinto excluído, por fora. Como se algo de fato faltasse em mim...

O que falta em mim? 
Donde me vem essa imperfeição? 
Não serei nunca como os outros: 

completo, 
feliz, 
realizado? 

quinta-feira, 6 de junho de 2019

O trabalho de Sísifo

Pensava que seríamos apenas eu e você, quem sabe passar a noite juntos, bebermos e sorrirmos juntos... Mas acho que não será possível. Acho que alguma coisa não quer que fiquemos juntos, não quer que nos aproximemos. Acho que nossas estrelas nunca deveriam terem se cruzado. Destinos apostos, vidas nas antípodas da existência. Eu só queria alguns momentos a sós com você, quem sabe te conhecer um pouco mais, ver um pouco além do véu que recobre sua face e esconde seu ser... 

Não sei por qual motivo insisto em ir contra os desejos daquele que plasmou nossos caminhos. Não deveria sequer pensar em ir contra esse oceano do destino que continua brincando com meus sentimentos, deveria apenas abaixar a cabeça e assentir silenciosamente e obsequiosamente ao fardo pesado que me é imposto: desejar sem nunca jamais poder tocar. Sou como Sísifo, aquele que foi forçado a carregar uma enorme pedra montanha acima, mas quando chego perto de meu objetivo ela é atraída novamente para baixo, invalidando totalmente meu trabalho. 

Eu, um condenado a um trabalho eterno, de nunca chegar ao fim, de nunca cumprir com meus objetivos. Eu, o novo Sísifo, condenado a sempre amar sem ser amado, condenado a amar sem sequer poder me aproximar do objeto amado, condenado a carregar um pesado fardo sem nunca ver findo o meu trabalho.

terça-feira, 4 de junho de 2019

Da admiração obsessiva

Sabe, eu queria que você pudesse me entender, que ao menos tentasse me compreender... Que olhasse para mim com atenção, que entendesse os pequenos sinais que há em nós... 

Você é uma das pessoas que mais admiro, detre todas as que conheço. E dentre todas poucas me fascinam tanto quanto você. Já me disse que não quer que eu tenha esse movimento em sua direção, mas como posso não me admirar com você se é sempre tão incrível em tudo que faz? 

Isso me deixa fascinado, te ver cantar, te ver liderar, ver a facilidade com que você supera as dificuldades... É encantador, e hipnótico, ver que perto de mim existe alguém tão incrível assim. Mas, além de ficar feliz com o seu progresso constante, também se revela um lado obscuro meu. Toda vez que vejo alguém incrível assim eu só consigo contrastas com a minha inferioridade absoluta. Toda vez que vejo alguém tão bom em tudo o que faz eu sinto como se não houvesse necessidade de mim ali.

Racionalmente eu sei que isso não é verdade. Não foram raras as vezes que percebi que estávamos em plena igualdade, mas ainda assim, algo em mim continua me empurrando constantemente pra baixo, sendo esmagado pelo peso das minhas obrigações que sou incapaz de cumprir com a mesma maestria que você. 

É sufocante... 
Humilhante...

Deveria correr atrás então da mudança, do meu progresso, mas será que conseguirei me igualar, há a possibilidade de ser tão bom quanto? Afinal, a vida é feita de pessoas quem vencem, de pessoas que perdem e de pessoas que cantam a tristeza, e que nem isso fazer direito...

Meu fascínio também se transporta para outras áreas de meu coração e, mesclando-se a carência, faz-me admirar mais do que apenas suas habilidades, mas também sua aparência, sua personalidade, o que me torna perigosamente vulnerável a outra desastrosa experiência amorosa de via única, onde tudo ocorre apenas na minha cabeça.

Deveria então fugir, correr e me esconder de você, mas algo em mim insiste em permanecer ao seu lado, em implorar pela mínima demonstração de afeto... 

Seria admiração ou o início de uma nova obsessão? 

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Na enxurrada

Não consigo olhar para frente, apenas fito meus pés no chão e sinto as lágrimas saindo de dentro de mim. Pés descalços no asfalto molhado. Corri até meu pulmão protestar em chamar, o gosto metálico na boca, o calor subindo em contraste com a chuva gelada. As gotas pesadas da chuva escorrem pela minha roupa já encharcada. De alguma forma eu consigo diferenciar as gotas da chuva de minhas lágrimas, ambas descem pelo meu rosto formando uma cascata em direção ao chão. Não sei bem mas acho que vi uma ou duas gotas de sangue se misturando e se perdendo na água, dos meus pés ou dos meus lábios, não sei ao certo. A vontade é de desaparecer como elas nessas águas, me perder em meio a essa imensidão, sem nunca mais dar sinal e nem notícia, afinal ninguém sentiria minha falta mesmo. Assim como aquelas gotas de sangue ninguém mais se lembraria de mim depois que me perdesse com o fluxo que passa. Minha vida seria como uma melodia curta que ninguém se dispôs a ouvir com atenção, ninguém se dispôs a entender sobre o que ela falava e, depois de esvaziada a sala de concerto, ninguém mais comentou sobre o que se passou. Assim sou eu, uma gota que se perdeu na enxurrada, indiferente ao rio onde deságuo. Essas águas terminam em lugares distantes, ninguém se preocupa em saber para onde ela vai, e assim seria comigo, gostaria de ir para qualquer lugar, desaparecer na terra e, quem sabe, ser útil para nutrir alguma vida já que fui inútil em viver a minha própria vida. 

Das próprias ilusões

Sou mesmo um grande bobo... Cientistas vieram aqui em casa e comprovaram: existe uma velocidade no universo maior do que a velocidade da luz. Chama-se "Velocidade em que o Biel se apaixona por qualquer menino fofo que sorria pra ele sem motivo aparente".

É IMPRESSIONANTE como eu consigo cometer sempre o mesmo erro, sempre me deixando apegar por pessoas que são educadas demais e com isso acabo achando que pode haver algum tipo de interesse por parte delas. E sempre acabo triste por ver que, na verdade, eu nada significo para elas. 

Isso porque eu sou apaixonado por sorrisos bonitos, isso porque tenho um fraco para olhares afetuosos, para demonstrações de carinho aparentemente gratuitas. Isso porque meu lado romântico e fantasioso se compraz em acreditar que alguém no mundo faria algo de bom para mim sem nenhum interesse, quando na verdade a educação dispensada a todos é apenas uma cortesia qualquer, não uma declaração de especialidade ou de afeto.

Seja um completo desconhecido no ônibus ou um colega da faculdade ou da igreja, basta um toque diferente, um abraço meio segundo mais demorado ou um sorriso um pouquinho mais amarelo... Pronto! Já é suficiente para eu começar a suspirar. E então tudo se pinta de rosa... Uma gota de chuva se torna um beijo do céu na terra, uma brisa qualquer se torna uma carícia do vento e a noite se torna um mar de veludo onde deitam-se os amantes...

E eu continuo sendo assim... Quando fecho os olhos ainda penso no sorriso doce, no olhar de afeto, e isso e faz ficar bem, ainda que quando eu abra os olhos tenha toda essa impressão destruída pela realidade...

Esse meu lado carente é o responsável por toda essa ilusão, é como se eu ficasse sempre suscetível a ser enganado, ainda que nem sempre queiram me enganar. Nem precisam querer me iludir, eu mesmo faço isso por eles... E assim eu sigo a vida, sendo iludido por sorrisos e olhares, sendo destruídos por verdades...  

Loucura

Corpo e mente debilitados. Infelizmente a profundidade da experiência humana por trás daquilo que sinto é tão grande que transcende e muito a minha capacidade de descrever, me restando apenas esboços disformes de impressões. 

Sinto como se eu tivesse sido agredido ferozmente por algozes sedentos de minha vida. Meus rins pulsam e protestam, como se tivessem colocado brasas ardentes dentro de mim. Minhas pernas não respondem bem aos meus comandos, como se tivesse corrido uma maratona inteira enquanto dormia. Minha cabeça está processando menos do que o normal e sequer consigo rastrear com precisão de onde vem tudo isso, esse tsunami de pensamentos desconexos, de impressões e de expressões de todo tipo. 

Sinto a tristeza de não conseguir fazer compreenderem meu amor pelo que é belo, justo e verdadeiro. Sinto a tristeza por ser incompreendido ao buscar a verdade. Sinto a tristeza por ver aqueles que amo buscando suas respostas na antípoda da verdade, preferindo o engodo e a mentira, a enganação... Me sinto como se fosse o idiota a quem ninguém da atenção. Me sinto excluído até mesmo das minhas relações mais íntimas, como se fosse absolutamente incapaz de compreender quem está ao meu lado, e como se quem está ao meu lado não conseguisse ver quem sou de verdade. 

Aquilo que busco o faço por conta própria, o meu amor é a verdade, mas os outros parecem se contentar com aquilo que lhes dá o prazer momentâneo. Ficam sujeitos a sugestão e ao transe e com frequência se alegram nas experiências de histeria coletiva. Se alegram no engano, se encontram na mentira. Como ainda busco eu mesmo sair desse mundo de aparências não posso trazer ninguém comigo, o que me lança numa solidão sem precedentes. Me refiro a solidão em meio a multidão, a solidão de estar rodeado por pessoas que são incapazes de me compreender. Talvez seja eu o responsável então por compreender a forma inferior de vida que essas pessoas levam, talvez eu é quem tenha a obrigação moral de aceitar que nem todos podem ver a verdade. 

Acho que daí vem as minhas crises. É o meu eu querendo enganar-se em confronto com o eu que busca a verdade. Esses dois lados batalham dentro de mim, um buscando o conforto da aceitação e o outro a constante inquietação da busca pela verdade. Daí as dores, a fadiga, os medos... Daí me sentir sempre um completo desconhecido, as vezes para mim mesmo, pois para aqueles que se encontram no engano, a verdade é apenas uma loucura diferente da deles. 

domingo, 2 de junho de 2019

Das raízes

Não consegui segurar as lágrimas desde o fim da Missa. Além da Ascensão de Nosso Senhor celebrávamos também o sétimo dia de falecimento de um colega da igreja. Me senti tocado e as lágrimas brotaram.

Já fazia algum tempo desde a última vez que deixei que me vissem chorar, mas não consegui conter, já era demais pra mim. Muito tempo guardando pequenas chateações, pequenas coisinhas que magoam e que ficam ali, se acumulando, se multiplicando até saírem assim, em lágrimas. 

E enquanto elas lavavam meu rosto, pingando pesadamente sobre minha face, eu ia pensando em cada coisa que me fazia chorar. Ia pensando nos atrasos, nas faltas de compromisso, nas piadinhas comigo, nos meus fracassos, nas minhas desistências... Ia pensando em como não pude fazer nada para consolar aqueles que sofriam pela perda. Ia pensando nos abraços que gostaria de receber. Ia pensando em todas as coisas que desejei e que nunca poderei conquistar, ia pensando nas coisas que perdi, nas dores que tive de suportar pra fazer o outro feliz, pra ver o outro sorrir mesmo chorando por dentro. Até mesmo agora, ao invés de viver esse momento de expurgo, tento ajudar o outro que me pede socorro.

Será que sou confiável a ponto de confiarem suas dores a mim? Será que sou mesmo aquele a quem devam buscar apoio? 

Não me sinto capaz de ajudar ninguém, por mais que queira. Não me sinto capaz de realizar nem a metade das coisas que aqueles que me cercam realizam. Não me sinto capaz, esse é o sentimento que me domina! E assim, com as lágrimas tornando a cair, eu me vejo deitado, na esperança de que amanhã eu possa acordar um pouco melhor. 

E assim eu sou, estou, sensível a chorar por qualquer coisa, sendo consumido pelas raízes de meu próprio coração, me sentindo a pior pessoa da face da terra e incapaz sequer de escrever algo mínimo de qualidade estética a se exigir. É tão patético ser assim que sequer consigo me olhar no espelho.