quarta-feira, 30 de junho de 2021

Pensando

Pensando no anos que se passaram, na solidão que se prologa como o frio do inverno, numa força incontornável, num desejo insaciável, numa amargura implacável, numa ingratidão, num balbucio, numa eterna necessidade de companhia sempiterna. São rimas fracas, pobres, vazias, assim como me sinto, assim tão frágil, vazio e sem contorno conforme passam os dias e não tem um alguém a me abraçar, uma mão firme a me segurar, lábios doces a me beijar... Tem dias que a gente se sente sozinho, vazio, como quem partiu ou morreu. Tem dias marcados pelos momentos, que vão e vão sem parar, como o trem que partiu com gente que nunca mais vai voltar, mas algumas coisas ficam, e eu queria que elas se fossem, queria não sentir, queria nem me lembrar que me tomaram pela mão e me levaram onde queriam, queria apenas me esquecer: do sentimento de ser só, da dor de dormir só, da ingratidão, da eterna substituição. Tem dias que a solidão se lembra da pessoa solitária e a agarra com força, tem dias que seus tentáculos levam o homem para o escuro abismo, onde ele ao perder os sentidos sonha um sonho impossível, de voar o céu num limite improvável, tocar aquele inacessível chão dos campos Elíseos, quantos tentáculos que me sufocam como serpentes eu terei de vencer para conseguir andar, mas não andar sozinho? 

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Durante a vigília

Eu pensei muito antes de começar a escrever, e pouca coisa me veio, muito embora eu sinta muito. Parece que cheguei naquele ponto do ser onde tudo torna-se indizível, onde as palavras já não conseguem tocar. Tudo o que tenho é a minha experiência individual, de um dia ímpar marcado pelo sono que me dominou, pelo tédio e pela crescente apreensão que toma conta de mim ao cair da noite. 

Eu me lembro bem quando era criança e temia o anoitecer porque tinha medo de dormir sozinho. Foram anos terríveis, o pavor me dominava completamente conforme o sol se punha e a escuridão ia se espalhando, também dentro do meu coração. Esse é o análogo que eu consigo traçar sobre o que sinto hoje, mas não é medo, estou sozinho nesse momento e já com sono, mas a apreensão, a sensação desagradável, o gosto amargo na boca, são iguais, e todos começam com o cair da noite...

Só eu sei o quanto me obrigo a sonhar antes de dormir, para não ser dominado pelos tentáculos gelados de um monstro que me leva pro abismo escuro do oceano, só eu sei que eu só queria um pouco de conforto, mesmo tendo o corpo quase morto. Só queria dormir sem uma preocupação, sem desejar comprar o que não posso pagar, sem desejar mais seguidores ou simplesmente sem desejar que uma criança malcriada morda os meus canudos...

Será um efeito colateral da medicação? A bula avisava que surtos psicóticos e crises de pânico são efeitos colaterais da medicação para transtorno bipolar e, coincidentemente, comecei a sentir isso poucos dias depois de voltar a tomar. De qualquer modo eu preciso lidar com isso, tento pensar em outra coisa que não as enxurradas de pensamentos dramático que me vêm, como a morte dos meus pais ou a minha mesmo, a fome, a solidão, o frio, futuros assustadores, o medo de crescer que ainda se dá na minha pequena mente distorcida. Tento ouvir música, me concentrar nos movimentos, nos acordes, tento me lembrar das histórias que acompanhei, tenho criar teorias sobre as séries que vejo e tudo funciona, por uma noite, já que no entardecer do dia seguinte lá está ela de novo, aquela sensação de morte iminente, me ameaçando surgindo ao longe conforme o véu azul escuro salpicado de estrelas se estende no céu. 

E assim eu termino, ou começo, mais uma noite, de luta para dormir sem os pesadelos que apavoram ainda durante a vigília. 

Um modo de viver

É sempre a mesma coisa: as pessoas sempre vão trocar umas as outras de acordo com a sua conveniência. Somos essencialmente substituíveis, somos dispensáveis e não representamos a verdade para ninguém. Um homem sempre vai trocar o que quer que seja por uma mulher, seja amigos ou família, e é ali que se encontra sua fraqueza. Os homens são seres dignos de pena por se deixarem levar assim tão facilmente, inconscientemente por seus desejos e deixarem que eles lhes guiem a vontade. Os homens não passam de animais no cio, desprezando toda razão que lhe foi divinamente concedida em nome de seus instintos mais primitivos. 

Alguns vivem de compaixão, e conseguem isso bancando o mártir, a dor que ele anuncia ao mundo é a atenção que ele precisa, que o faz sentir-se vivo, carece de ser notado pelos outros, seja estampando sua dor ou uma vitória forjada nas fotos do Instagram. O homem é triste por isso, não conseguindo encontrar a razão de ser em si mesmo, é triste por depender do outro, o mesmo outro que ele tanto despreza a ponto de trocar por outro que lhe pareça melhor em dada circunstância. O homem é ingratidão, traição, e plasma essas coisas com sua vontade, pensando somente em si, como se somente ele fosse homem e os outros, apenas criaturas desprovidas de sentimento ou vontade que devem satisfazer os seus desejos. 

Trata-se de uma visão bastante pessimista, mas não vislumbro luz no homem senão que, nas raras vezes que o homem faz o bem a luz não vem dele. Um homem que só vive de lamentar-se em palavras enquanto se dopa de remédios para dormir e alterar sua consciência afim de conseguir extrair alguma palavra de sabedoria, mas que é incapaz de cuidar de si mesmo, de ajudar o seu próximo mais imediato, que limpa sua sujeira e faz a sua comida, nesse homem não há luz senão que há apenas a mais opaca escuridão, que o mantém num eterno estado de torpor, incapaz de agir, incapaz de ser o homem que deveria. É ou não a mais patética das constatações? É uma existência sem sentido, digna de pena e asco. 

sábado, 26 de junho de 2021

Resenha - Fish Upon The Sky

Atenção: contém SPOILERS, prossiga por sua conta e risco!

Para aqueles que, assim como eu, acompanham com assiduidade as produções da GMM TV sabe o quanto ficamos felizes ao ver aquele ator que não teve tanto destaque em tal série finalmente ganhar espaço e oportunidade pra mostrar um bom trabalho. Com Fish Upon The Sky não foi diferente, quando avisaram que Phuwin e Neo que foram um shipp em My Tee seriam protagonistas de uma nova série eu logo fiquei animado. Mesmo que aqui eles não seja um casal os dois fazem parte dos casais protagonistas então tá tudo certo!

Pois bem, a série conta a história de Pi, apelido de Patawee, que é interpretado pelo fofíssimo Phuwin Tangsakyuen (My Tee e The Gifted Graduation). Pi é um calouro de odontologia que se apaixona por um dos caras mais populares da faculdade, Mueang Nan (Mix Sahaphap, de A Tale of a 1000 Stars). Acontece que Pi é extremamente tímido e encontra em Mork, apelido de Sutthaya, (Pond Naravit) um possível rival, já que ele é o melhor amigo de Nan e está sempre com ele, dificultando a aproximação de Pi. Além disso, Mork tem o costume de sempre provocar Pi, o que deixa cada vez mais irritado, até o ponto em que ele percebe que as provocações dele são mais do que isso. 

A série explora então a tentativa de Mork de se aproximar de Pi a qualquer custo enquanto este tenta conquistar Nan, que enfrenta os próprios problemas. Pi tem sérios problemas de autoestima, e logo no começo da série passa por uma mudança drástica de aparência graças aos amigos de seu irmão Duean (Neo Trai, de My Tee). Duean é o cara mais engraçado da série, ele acabou reprovando uma matéria fácil no último ano e por isso foi obrigado a refazer com alunos mais novos que ele, o que o envergonha profundamente. Nas aulas ele conhece Meen (Louis Thanawin), um calouro ingênuo mas bastante inteligente que o ajuda num trabalho mas desde então não sai mais da cola do garoto, fazendo com que mais tarde ele comece a desenvolver sentimentos pelo mais novo. 

O ponto mais alto da série é o excelente equilíbrio entre comédia e romance que a direção conseguiu passar. A história é um pastelão na maior parte do tempo mas, em todo episódio, atinge um clímax dramático excelente, tornando o conjunto bem equilibrado e um ritmo gostoso de assistir. Os personagens vivem as situações mais esdrúxulas para no instante seguinte terem uma conversa séria e profunda, o que mostra um roteiro e uma direção muito bem desenvolvidos, tornando a série cativante e impossível de largar. 

Apesar de ser principalmente uma comédia romântica ela traz excelentes temas de discussão, como a excessiva exposição das pessoas na internet, bem como a invasão de privacidade e inconveniência daqueles que acham que podem fazer o que quiser com a imagem dos outros. Pi e Mork são perseguidos por páginas de fandom na internet que mais atrapalham do que ajudam. Outro ponto interessante é a profundidade da personalidade dos personagens. 

Pi é um garoto que cresceu sob a sombra do irmão do mais velho, bonito e inteligente, e sendo ele mesmo um garoto quieto e introvertido sempre foi tomado como esquisito, sofrendo bullying na escola e sendo negligenciado também na universidade, sendo praticamente invisível a todos que não precisam dele, que abusam de seu jeito gentil pra tirar vantagem de algum modo, como num trabalho ou algo do tipo. Acontece que isso fez dele uma pessoa extremamente insegura, e por isso ele se choca tanto ao ver sua vida estampada nas páginas de fofoca da internet, expondo sentimentos que ele nem mesmo entende muito bem. Ele logo começa a questionar o que realmente sente por Nan e Mork vai abrindo à força espaço em seu coração, que bate mais forte sempre que o veterano se aproxima e o provoca. Isso o deixa paranoico, nervoso e é possível até mesmo notar elementos de depressão nele, que não se acha bom o suficiente para ficar com alguém tão bonito e popular como Sutthaya.

Mork é outro personagem incrível, compreensivo e paciente ele elabora um longo plano para finalmente conseguir se aproximar de Pi, e mesmo quando eles ainda brigam pessoalmente ele dá um jeito de apoiar o outro por meio de um perfil fake na internet, que o aconselha e é, de certo modo, o único amigo verdadeiro de Pi na faculdade. Ele faz de tudo para cuidar do pequeno e, mesmo sendo rejeitado várias vezes, se esforça até o outro perceber que ele merece uma chance, que sentimento é verdadeiro. É extremamente romântico, conseguindo transformar qualquer situação para declarar seu amor. Ele foi o primeiro a notar Pi mesmo antes de sua mudança, já gostando do garoto por sua gentileza, e não aparência. Ele personifica aquela expressão "bondoso e paciente como era Jesus."

Duean é o irmão protetor e que, mesmo sendo maluco, tem um bom coração. Faz uma combinação estranha com Meen que é todo centrado mas também bem esquisitinho. Os dois são uma fofura juntos e a sua história é apresentada como sketches no meio da história principal. Um detalhe é que o tema principal da série é cantada pelo Louis, que faz Meen, e a musiquinha é simplesmente chiclete. A outra faixa da trilha sonora é do Mix, que está sensacional no MV. 

Aliás, a aparição de Mix como Nan não é muito grande mas é decisiva para todos os pontos de virada da série, além de que ele está simplesmente incrível, ainda aproveitando a fama conquistada em A Tale of a 1000 Stars que deu lugar a Fish Upon The Sky na grade do canal. 

Enfim, a série tem uma excelente direção, uma fotografia bonita nos padrões da GMM TV, uma boa trilha sonora e um perfeito equilíbrio entre comédia e romance, sendo uma excelente pedida para quando se quer ver algo leve e divertido, daquelas séries que te abraçam e fazem tudo ficar bem. 

Nota: 10/10



sexta-feira, 25 de junho de 2021

Veritas

Essa é a aquela verdade inconveniente, por trás das aparências, que todos conhecem mas fingem não conhecer. Essa é a aparência que há por baixo da maquiagem, das sombras, dos corretivos, dos ângulos da câmera e da iluminação. A verdade é feia, obscura, cheia de imperfeições, as mesmas que tentamos esconder a todo custo. A verdade não tem a sedosidade de uma pele macia e perfeita, não tem o brilho de um cabelo bem cuidado, não tem o sorriso espontâneo que forçamos ao ouvir o clique do obturador. 

A verdade é feia e eu tento a todo custo escondê-la, o que é inútil pois, não importa o quão maquiado esteja é essa verdade que eu vejo no espelho, é ela que me assombra os pesadelos, é ela que, na melhor das hipóteses, representa a alma putrefata, que pouco a pouco se desfaz na própria miséria, perdendo-se, como a beleza perdeu-se nas manchas, obscurecendo a claridade do olhar num ocre sem vida, quase negro, opaco e triste, as olheiras profundas gritam o descanso impossível de se alcançar, as linhas são testemunhas da depressão que grita como um cadáver. 

As inúmeras tentativas de ajustas essa ou aquela técnica, de usar uma cor aqui para disfarçar esse ou aquele ponto, tudo é inútil. E de que adianta o discurso de que deve-se aceitar como se é? Eu me recuso, pois o que sinto ao me olhar no espelho não é aceitável, é uma garatuja grotesca digna de ser escondida num porão para todo o sempre, era o que queria fazer comigo mesmo, entre as tentativas pífias de melhorar um pouco a coisa com fotos e montagens. 

E tudo isso nós tentamos encobrir, é nossa tentativa débil de lutar contra o que não se pode vender. Algumas pessoas vencem, algumas perdem, outras cantam em blues a sua tristeza. Não quer desejar ser mais bonito seja errado, mas o fato é que olhar para a verdade dói tanto que a nossa única reação é esconder-se, fugir de si mesmo, o que é uma obviedade impossível. 

O niilismo está cansado do homem, mas o niilista está cansado do próprio ser. Não sobrando outra opção cabe a nós cantar como na ópera: "Deixe que eu chore pela minha sorte, e que eu suspire pela liberdade."

Resenha - I Promised You The Moon

Atenção: o post a seguir contém SPOILERS, prossiga por sua conta e risco!

A continuação de I Told Sunset About You (que você pode conferir a resenha aqui) nem havia chegado e já tinha uma legião de fãs sedentos pela segunda parte da história que cativou tanta gente com sua fotografia impecável, roteiro e direção excelentes e atuação de elevadíssimo nível, e a Nadao continuou investindo pesado, seja na divulgação quanto nos mesmos aspectos que tinham sido o forte da série na primeira temporada. 

Após os acontecimentos da primeira parte da história nós acompanhamos Teh (Billkin Putthipong)  e Oh-Aew (PP Krit) se mudando para Bangkok, dando início a vida universitária pela qual eles tanto lutaram. Ambos estão firmes em seu relacionamento, e já se apresentam como namorados, mostrando um relativo amadurecimento de Teh, tão temente de seus sentimentos até então. Como prometida, a vida de universitários na capital não é nada fácil e eles logo precisam enfrentar os primeiros obstáculos. 

Teh já entra na faculdade se inscrevendo no clube de teatro e assumindo responsabilidades na peça que o grupo vem trabalhando, ocupado ele finalmente começa a explorar o mundo da arte que ele tanto admira, infelizmente às custas do tempo que antes era dedicado ao namoro. Enquanto isso Oh encontra dificuldades em se sentir à vontade nas aulas de atuação, e quando se sente ofendido quando um diretor pede que ele seja menos afeminado, decide trocar de curso, o que também causa um choque entre ele o namorado. 

Temos então a combinação delicada de um Teh que se sente seguro quanto a sua carreira mas começa a questionar o seu relacionamento, já que não se sente tão próximo de Oh como antes e incapaz de entender suas decisões. Oh, por outro lado, não tem certeza da sua carreira mas se dedica totalmente ao seu relacionamento, não tendo dúvidas do quanto ama Teh e do que é capa de fazer por ele. 

A relação de ambas, bem como a problemática, é construída então em cima das dúvidas e certezas de cada um, mostrando que pode ser bem complicado seguir, seja na carreira ou num relacionamento, sem a segurança do que se sente e sem estar aberto as mudanças que inevitavelmente vão acontecer. Trata-se de encontrar um equilíbrio entre o mutável que não se pode controlar e aquilo que está diretamente ligado a vontade individual. Quando essas coisas estão desalinhadas os problemas aparecem e só o tempo pode dar aos envolvidos a maturidade necessária para recomeçar. 

Muitas pessoas reclamaram que a temporada representaria uma regressão da maturidade alcançada sob duras penas na primeira parte, mas eu discordo. Acontece que os problemas aqui apresentados são compreensivelmente enfrentados por casais reais, o medo do novo, a dificuldade em se adaptar, em compreender a mudança. Isso não justifica os erros mas certamente os coloca sob um panorama de tensão que é uma experiência comum a todas as pessoas, especialmente numa fase de tantas transformações, muitas vezes complicadas demais para que saíamos delas ilesos. 

Uma adição super positiva foi a dos amigos de Oh-Aew, que ele faz quando decide conhecer novas pessoas além do namorado na nova cidade. Q (Ta Taninrat) e sua turma já se conheciam e, estando na mesma turma de Oh, acabam sendo para ele um porto seguro naquela cidade tão longe de casa. Os meninos são animados e sempre fazem tudo juntos, e Oh se torna parte dessa família.

Os amigos de Teh são um pouco mais complicados, e representam exatamente a inconstância de que ele tanto teme. Especialmente Jai (Oab Oabnithi), que mostra de forma até mesmo cruel a Teh que ele precisa se ater a algo fixo para não se deixar levar pelas ondas do destino. 

Mais uma vez a produção da Nadao foi primorosa. A trilha sonora, mais uma vez por conta de Billkin e PP também é maravilhosa, impossível não cantar junto a abertura Safe Zone ou não se emocionar com o tema Fake News. Muito embora não seja tão bela quanto a primeira temporada por não ter o elemento natural tão presenta a fotografia continua sendo bela, e enche os olhos de quem assiste. A mudança nos personagens pode ser percebida pelas suas atitudes mas também pela forma como eles se comportam e se vestem. Teh pouco a pouco vai se parecendo mais com um idol enquanto Oh prefere um estilo próprio, não limitado a peças masculinas ou femininas, mostrando o crescimento do personagem em se aceitar, algo que já havíamos vislumbrado lá atrás.

A história termina em Phuket, onde tudo começou e, trazendo de volta alguns personagens antigos faz uma ligação com aqueles sentimentos que eles experimentaram naquele pôr do sol tão significativo anos atrás. Teh e Oh tem um final digno e memorável, belo do início ao fim e cheio de dramas reais e impossível de não fazer o espectador se identificar.

Nota: 10/10

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Resenha - The Prince of Tennis ~ Match! Tennis Juniors ~

A nostalgia bateu forte quando comecei a ver a versão live action do anime que eu assisti quando era criança e, qual foi a minha surpresa, a série da Netflix conseguiu me prender, surpreender e emocionar ainda mais do que a versão animada que vi há tantos anos. 

The Prince of Tennis ~ Match! Tennis Juniors ~ conta a história de Lu Xia (Peng Yu Chang) um prodígio do tênis, filho de um famoso jogador que se aposentou misteriosamente. Ele é quieto e discreto, exceto quando se trata de jogar, onde se revela uma verdadeira fera capaz de rivalizar com os veteranos do time do seu novo colégio, o Yu Qing Xue. Embora seja tímido e caladão, Lu Xia é apaixonado pelo esporte por um motivo a princípio muito simples: ele deseja ser melhor do que o seu pai. Com o passar do tempo, no entanto, ele descobre a verdadeira razão para sua paixão e aos poucos encontra sua própria forma de jogar. 

O time do novo colégio é formado por veteranos dos dois últimos anos e formam uma seleção de verdadeira feras, a começar pelo capitão Mu Si Yiang (Xie Bin Bin), cotado para a seleção profissional nacional mesmo antes de se formar e que guia com pulso de ferro e paixão os seus colegas rumo ao campeonato nacional. Ele machucou o braço após esforço contínuo e por isso quase não é visto nas quadras, mas quando joga, é simplesmente sensacional.

Zhuo Zhi (Zhang Yi Jie) é considerado um gênio e sequer se esforça para vencer seus adversários, preferindo deixar os momentos emocionantes para seus colegas. Qiao Chen (Dong Li) é um veterano comilão que consegue fazer graça em todas as situações, ele tem uma rivalidade com Zhang Bai Yang (Wu Xu Dong) que tem uma baita força de vontade para superar seus limites, frequentemente fazendo treinamentos que exigem o máximo de seu corpo e mente. 

Yan Zhi Ming (Herman Li) é o cérebro por trás do time, capaz de coletar e analisar os dados de seus amigos e adversários e assim traçar as melhores estratégias para a vitória. He Xing Long (Fan Lin Feng) é um jogador bastante feroz, mas que tem uma personalidade cativante. Sendo filho de um chefe de cozinha ele reveza o tempo entre o treino de tênis e o restaurante onde o time sempre se reúne. Por fim, mas não menos importantes, a dupla de ouro: Tang Jia Le (Xu Ke) e Chi Da Yong (Zhu Zhi Ling) são os melhores nos jogos em duplas e receberam esse apelido por serem tão bem alinhados na quadra que são praticamente um só quando jogam juntos, mesmo sendo tão diferentes entre si: Jia Le é enérgico e falador, se distraindo facilmente, enquanto Da Yong é o vice capitão, centrado e esforçado, escondendo suas fraquezas para sempre apoiar o seu parceiro e colegas.

A série explora a amizade dos rapazes enquanto avançam nas eliminatórias da província que podem leva-los ao campeonato nacional. Lu Xia é o principal e usado para apresentar os outros personagens, mas as relações entre o time ganham espaço, mostrando diversas combinações enquanto os meninos lutam para superar os próprios limites. 

Com um equilíbrio muito bom entre o drama e a comédia a série consegue se manter nos quarenta episódios sem cansar ou perder o ritmo, a cada episódio o espectador fica mais e mais ansioso com o crescimentos do time e com os rivais que vão aparecendo, muitas vezes tão interessantes quanto os próprios protagonistas. Assim como num jogo de tênis ela brinca muito com a ansiedade e o fator inesperado conforme a história avança, por exemplo, o desentendimento entre Da Yong e Jia Le é muito bem explorado, mostrando como eles devem se apoiar um no outro para conseguirem sem manter como a dupla de ouro sem abandonar, no entanto, o crescimento individual no processo. O resultado é uma amizade bonita e personagens bem construídos por meio do contraste de suas personalidades dentro e fora das quadras chegando a emocionar realmente várias vezes.

Alguns personagens se destacam, claro, como Jia Le sendo um fofo toda vez que aparece mesmo nas cenas mais dramáticas e a pose de Zhuo Zi de gênio que nunca é quebrada mas complementada pelo carisma meigo de Zhang Yi Jie. Lu Xia é sério mas protagoniza as melhores cenas de comédia, com um jeitinho tímido que aos poucos vai fazendo parte do time de verdade.

As competições são excelentes e a forma como usaram efeitos especiais para demonstrar habilidades especiais, como no anime, foi bem feita de modo a deixar a coisa toda tão emocionante quanto um jogo real sem perder a expressividade comum da animação. O visual é colorido e a fotografia bem bonita, deixando tudo bem com a cara do ensino médio, onde todos tem animação pra vencer seus limites e superar barreiras. No fim a mensagem que The Prince of Tennis é a de que quando se faz o que se ama, dá-se um jeito em todas as adversidades que podem surgir. 

A obra é tão boa que a temporada passa rápido e ainda fica aquele gostinho de quero mais, dando margem pra uma possível segunda temporada com muito mais a ser explorado. 

Nota: 10/10 

terça-feira, 22 de junho de 2021

Um mundo ideal

O que eu queria? Se parte de mim padece da quase absoluta falta de perspectiva de futuro, não tendo planos que movam o meu agir durante o dia, outra parte não se contém a entregar-se aos sonhos pouco antes de dormir, todas as noites, sendo lentamente levado ao sono por meio de um sonho ainda acordado.

Nesses sonhos eu vislumbro relances da minha vida ideal, de uma vida puramente onírica cuja realização só poderia dar-se por uma dúzia de milagres. E assim eu consigo me desligar desse mundo antes de entrar num completamente diferente, onde o impossível é parte do cotidiano, onde a minha vontade não está na antípoda do ser, mas dela confluem todas as coisas. Parece-me uma espécie de complexo de Deus, misturado com o mundo de Alice no País das Maravilhas. 

É um mundo onde eu não me preocupo com a morte dos meus pais, ficando desamparado com a perspectiva de me sustentar sozinho. É um mundo onde eu já conquistei a minha independência, onde minha vontade consegue ter o controle do que me cerca. Casa bonita, alguém ao meu lado, um belo pôr do sol, uma carreira de escritor, fama, vida organizada, saúde mental, um mundo só meu, onde todas as coisas não escapam a minha força diariamente. Talvez o meu sonho seja apenas esse: ter um pouco de controle sobre o caos que me cerca. 

Pois essa é justamente a impressão que eu tenho a cada momento do meu dia: a mais absoluta incapacidade de lidar com o mundo, visto que o caos é tamanho que me lança de um lado ao outro como um oceano revolto, com a mesma força implacável, com a mesma fúria, e eu, apenas tento sobreviver, impassível e catatônico a tamanha demonstração de superioridade. Vejo isso a partir das experiências mais simples: a incapacidade de tirar um foto decente com brilho, cor e foco, o anonimato em que me encontro, a feiura que me circunda e abarca sem que haja para onde fugir. Não há como lutar contra uma tempestade. E sinto que eu vivo constantemente sendo massacrado pelos ventos de uma tempestade. 

É errado sonhar com um mundo onde eu tenha controle de algo? Onde eu seja alguém menos patético? Onde tenha dinheiro, fama, felicidade? É errado sonhar em não precisar contar o dinheiro para sair com os amigos, ou não precisar se preocupar e como vou pagar a fatura do cartão no final do mês ou quitar aquele empréstimo? É errado sonhar com um mundo mais colorido, onde as coisas dão certo, onde as fotos saem bonitas sem o fundo esburacado e a cor sem indefinida da parede de minha casa e onde o estudo tem alguma recompensa? 

Eu só queria poder estar no controle, porque tudo me foge ao controle o tempo todo. Sei que isso é parte da condição humana mas eu queria, pelo menos no meu mundo, não ser humano, ser algo melhor, mais forte, com algum poder real e não apenas uma potencialidade adormecida que nunca se revela mais do que mera mediocridade. 

E isso é tudo o que vejo, mediocridade, do espelho aos que me cercam, todos pequenos e medíocres, sem controle algum, como náufrago à deriva, entregue a sorte na fúria do mar. 

segunda-feira, 21 de junho de 2021

A Forma da Dor

"Existe um vazio bem no âmago de nossas almas. Uma imperfeição fundamental que tem assombrado todos os seres desde o primeiro pensamento. Em um nível primitivo, o homem sempre esteve ciente da escuridão que mora no núcleo de sua mente. Temos procurado escapar desse vazio e do temor que ele provoca, e o homem procura preencher esse vazio." (Hideaki Anno)

Há um tempo atrás havia um buraco em mim, uma falta de algo, alguém em algum lugar onde eu pudesse ter razão para viver. De certa forma a sua ausência era a única presença que eu tinha e, mesmo não tendo, esse era o ter que tinha de você: o saber que não o tinha, e mesmo assim você estava em meu pensamento. No entanto, já algum tempo se passou desde então, do dia que pedi seu coração, uma chance, um respirar que fosse, e você me disse 'não'.

Foi desde esse dia que você saiu de mim, deixando então não a presença da sua ausência, mas a completa ausência, não dor a mas a forma da dor, que já não era mais a sua forma, mas a forma de algo que, faltando em mim, é essencial mas não é você, é apenas ausência, uma ausência complexa demais para mim para que eu consiga expressar em outras palavras que não estas. Não é dor em si, mas a forma da dor, a potencialidade de voltar a sentir a dor que é não ter você ou outro alguém aqui, é essa a dor. É uma dor em potência que, no entanto, agora se apresentando como vazio já prenuncia a sua incômoda existência. 

Já não sinto mais a sua falta, mas sinto que, assim como queria preencher com sua presença o meu vazio, esse vazio permaneceu, largando espaço para que outros sejam motivo da minha dor no futuro, não fosse o meu medo, não fosse o meu temor em permitir que outro ouse transpor os umbrais dessa minha residência, não fosse a ressalva que tenho em deixar qualquer um tomar o lugar de tentar preencher o vazio, já que eu o coloquei agora no profundo do meu, num lugar tão distante que nem mesmo eu tenho mais acesso, para que não cause mais danos, que não seja mais dor e sofrimento pois cada vez que o vazio se tornava maior ele me corroía por dentro, me matando pouco a pouco, em fazendo crer que não há futuro ou esperança, e me enchendo de desamor próprio, já que me fazia crer ser não merecedor de amor. 

Há uma vazio bem no âmago do meu coração, mas eu já quero preenchê-lo, pois a cada tentativa fracassada ele aumentava ainda mais. Esse vazio permanecerá lá, no Tártaro do meu ser, até o dia que algum guerreiro ouse desbravar o meu Hades, conseguindo então desfazê-lo, como quem desfaz um grande male que tenha se abatido sobre a humanidade, com a diferença que sou apenas um homem a sofrer a condenação da solidão. 

Já não restou muito de ti em mim, a não ser os recessos de tua presença em minha memória, mas eles logo serão desfeitos como poeira ao vento, eles logo desaparecerão no horizonte como fumaça, e o que restou guardado comigo foi apenas o espaço onde deveria haver um brasão, um brasão de eternidade, um brasão que ainda não foi sequer forjado e nem empunhando por cavaleiro algum. 

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Julgamento da Verdade

Quanto já foi dito por mim sobre a solidão? A quantidade de palavras que eu já usei pra descrever o que sinto sobre a solidão são suficientes pra publicar num volume do tamanho da Bíblia. Mas essa ainda, mesmo depois de tudo isso, ainda é uma experiência tão viva na minha alma que muito mais poderia dizer sem nunca esgotar-se o que sinto, sem nunca chegar ao fundo, senão que, como também já o disse, as palavras apenas tocam a superfície desse oceano de impressões, sendo apenas uma gota aquilo que eu consigo expressar. 

A divergência de opinião pode significar a separação do homem entre os seus? A divergência de opinião é apenas um sintoma de uma divergência interior, mais profunda, que se dá num ponto essencial, do qual não há como fazer concessões, como as fazemos no plano da mera opinião. 

Okay, quando um prefere azul e o outro rosa há apenas uma divergência sobre algo bobo, que não tem assim tanta importância, mas quando a diferença está no campo das coisas mais importantes do ser o cenário muda completamente. Amizade é querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas, diziam os escolásticos. Como ser amigo de alguém que diverge não apenas das opiniões mas também das convicções mais profundas ou que, antes disso, sequer as compreende antes de divergir? Isso porque todos somos confrontados o tempo todo com um universo que exige de nós um senso de proporções, que é o que dita as nossas prioridades mais básicas até aquelas opiniões mais e mais superficiais. 

A expressão verbal, seja da convicção profunda quanto da opinião simples é sempre a mesma, se dá no âmbito da comunicação e, embora contenha sim tanto a profundidade de uma quanto a superficialidade da outra, não consegue, no entanto, se dar no mesmo plano. O que quero dizer é que, a verdade mais profunda da alma de um homem, ao ser recebida por um outro que só consegue expressar as banalidades da sua vida em meras opiniões vai tomar aquela verdade também como opinião. Sendo assim a comunicação já não é mais possível: não estão mais falando sobre a mesma coisa. 

Com isso nos fechamos no nosso mundo, de convicções e opiniões, enquanto tentamos, em vão, dizer algo disso aos outros. Mas esse é um espetáculo patético, realmente digno de pena. Os homens não podem se entender. 

Vivemos então a experiência da solidão em sua totalidade. Estamos sozinhos, em nossa mente, em nossa pele, e isso não pode se transpor. Estamos dentro desse Campo de Terror Absoluto que é a nossa consciência, nos levando pouco a pouco a loucura, que lentamente transborda também em palavras, estas por sua vez travestidas de belas opiniões, levando assim a loucura aos outros tantos que nos cercam. Daí o sentimento de que vivemos em tempos de loucos, todos estão mais ou menos mergulhados num oceano de insanidade que expressão com a convicção as suas opiniões mais torpes, absurdas em sua maioria, convencidos de que é um posicionamento real quando não passa da expressão imediata de um sentimento, dos mais banais muitas das vezes. Daí a loucura ter se instalado no meio de nós. Daí a sensação geral de que todos estão em plena histeria coletiva, o tempo todo, seja numa conversa casual entre amigos ou nas redes sociais lá está ela, a loucura vestida de opinião. E as convicções? Ficaram excluídas nos círculos intelectuais que poucos se aventuram a entrar e, quando uma delas consegue chegar aqui, é tomada como loucura, como se a loucura não fosse exatamente o que nos faz jugar a verdade assim. 

O oposto da beleza

Minha autoestima está destruída. Há dias que me incomodo de me olhar no espelho porque não gosto do que vejo. Nada dessa visão me agrada. Por mais que eu insista em cremes e séruns a minha pele ainda está feia, sem viço, cansada. Minhas olheiras estão profundas, mesmo dormindo bastante, meus lábios ressecados e rachados, mesmo cuidando com vários produtos específicos.  Talvez um reflexo de pouca ingestão de água, ainda que me esforce pra beber sempre mais, da alimentação desequilibrada ou de algo pior. Parece que a depressão, se não afeta diretamente meu metabolismo deixando a minha pele assim acaba afetando minha percepção, das duas uma ou ambas. O fato é que tenho odiado os espelhos, e me sinto péssimo sempre que olho pra um. 

E isso em contraste com o fato de que eu vejo, todos os dias, os homens mais bonitos do mundo nas redes sociais, acaba tendo um impacto enorme no que eu sinto. Claro, qualquer um ao ler isso diria que a culpa é justamente desse padrão de beleza que eu impus a mim mesmo, mas na realidade esse é só um discurso medíocre que as pessoas inventaram para se sentirem melhores consigo mesmas. A beleza é objetiva, não subjetiva como pensam, até uma criança sabe dizer isso ao sorrir vendo uma pessoa bonita e chorar quando alguém se veste de monstro na frente dela. A beleza ela é algo que o toca o homem na sua essência e, com isso, transforma-o por dentro. Eu sinto isso o tempo todo mas, ao olhar o meu exterior, vejo que ele apenas pode afastar aqueles que me rodeiam, pois é grotesco. 

Fico então a invejar, aquelas peles lisas e perfeitas, os olhares marcantes, lábios rosados, cabelos alinhados. Em comparação com eles eu sou uma aberração apenas, um arremedo de homem que sequer deveria ser considerado humano. 

Podem dizer que estou sendo cruel comigo mesmo, o que não seria necessário se eu tivesse alguma qualidade que compensasse isso, ou não seria necessário se eu fosse realmente belo, se pudesse cativar, tornar os outros felizes simplesmente por me ver, encantar como outros me encantam apenas com um sorriso. Mas, no fim do dia, ao ver aquela pele acinzentada e olhos cansados eu só consigo sentir nojo de mim mesmo, e de pensar como seria melhor se eu nem mesmo existisse.

Do ser e sua existência

 A razão da existência. A razão que permite a alguém ser.

A razão, misteriosa, que paira de modo perene sob as nossas cabeças, no sobrecéu, no hiperurânio inalcançável ao homem que vive na imperfeição da realidade terrena. A razão que permite alguém ser, que o guia com uma luz mais clara que a do meio-dia. que não permite que ele desvie o olhar de seu objetivo, de sua obstinação. A razão que permite alguém cruzar um caminho de que deseja encontrar e algum lugar as respostas para as suas perguntas mais íntimas, aquilo que dá total sentido a sua existência. Tal coisa existe? Se existe pode ser alcançada? 

Viver sem rumo, sem saber o que se quer. Realização pessoal advinda da aprovação externa? Aprovação pessoal advinda da realização de algum objetivo bem delimitado que fora alcançado. Mas e quando não se sabe que objetivo é esse? A resposta mais óbvia seria tentar então descobrir, mas não me parece tão fácil.

Inicio as minhas investigações com base nos meus interesses: conhecimento, verdade, correção dos erros mais comuns de percepção que me incomodam, que geram nos outros a reação imediata e sentimental que inviabiliza a discussão verdadeira.

Não me entenda errado, eu tenho aspirações intelectuais, respostas a serem alcançadas, questões que preciso de respostas com urgência, e que, no entanto, convivem em harmonia com o fato de que preciso de tempo e paciência para seguir, mesmo sabendo que o conhecimento total é impossível, exceto para Deus. 

Mas isso me preocupa. O que eu tenho? Buscado formar laços? Mas eu tenho fugido de relações mais profundas, tenho fugido do outro, tenho fugido das perguntas. Isso porque meu interior já me traz impressões demais para serem analisadas, o que me torna impaciente em se tratando das experiências exteriores que me apresentam como a mais pura amostra da simplicidade. E eu não busco, intelectualmente a simplicidade, mas apenas a verdade, por mais complexa que seja e por que eu não consiga absorvê-la ou transmiti-la. 

O problema é que isso também gera um vácuo existencial pois, enquanto os outros avançam em seus projetos eu me dedico a estudar coisas que ninguém mais tem interesse. O que me dá a profunda sensação de inutilidade, de ser um grande imprestável, pensando em coisas abstratas demais para que compreendam, muito embora o enfoque do meu estudo seja especialmente compreender, na medida do possível, a realidade. É um amalgama de ser e não ser, conhecer e ignorar, uma batalha constante entre a razão que permite a alguém e o nada. 

Você ta mentindo! Você é idiota? Você sabe muito bem que faz isso por você mesmo! Você só ta inventando desculpas como sempre faz!

- Eu faço isso?

 - Fingindo que ta se sacrificando pelo bem dos outros é só outra desculpa. Bancar o mártir te faz se sentir especial. 

- Eu não sei se isso é verdade...

 - Está se sentindo solitário e isolado, só isso!

- Estou?

 - Claro que está! Você vive de compaixão e consegue isso com seu EVA Shinji!

- Isso pode ser verdade...

 - Você adora que os outros dependam de você e isso satisfaz sua pequena mente distorcida!*

Eu queria ser útil a esse ponto. Salvar a humanidade, realizar grandes feitos, ter pessoas que dependam de mim e ser responsável por elas. Mais importante: ser forte a ponto de conseguir proteger. Queria que meu vazio fosse preenchido da gratidão dos outros por mim. 

Mas quanto sofrimento eu posso suportar? Uma fração infinitesimal, o que não é nada diante do todo. Fraco demais, covarde demais, depressivo demais.

Quando o sofrimento do outro toca o meu coração eu já não quero pensar em mim, mas apenas no que fazer para ajudar. Quando o sofrimento do outro toca, é hora de abandonar-se e ir ao encontro dele. Eu queria ser útil, entrar num robô gigante e salvar um mundo. Queria ser um escritor que, lido por muitos consegue deixar sua marca na alma de tantos homens e mulheres que nunca tiveram contato comigo mas que, no entanto, pensam com base naquilo que disse. 

A busca por essa razão que permite a alguém ser é pavorosamente dolorosa. É, de fato, uma grande noite escura de amor em vivas ânsias inflamada!

~

*Nota: Texto em itálico retirado de Neon Genesis Evangelion, episódio 25. 

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Sem ser

Parece que meu defeito era maior, era uma imperfeição fundamental, e agora seus danos parecem maiores. Já não sinto mais as palavras se conectarem dentro de mim, como antes, quando elas conseguiam capturar algo do ser que me machucava e transportava-o a este mundo temporal, me fazendo ver a forma que tinha o monstro que me atingia por dentro. Os danos agora são ainda maiores, eu já não vejo a fera, apenas a sinto me corroer por dentro. Já nada se conecta, parece até que eu sou um estranho para mim mesmo. 

Se tudo o que dizia era fruto do meu relacionamento com o outro, agora que reduzi esse relacionamento ao mínimo possível ainda terei algo a dizer? Sou de tamanha superficialidade? E o que sinto agora, não me serve também de base para elaborar melhor a minha própria existência? 

A perspectiva do outro que vejo nas obras de arte tem me ocupado o espaço que antes era do outro real, assim eu me conecto com o ser do homem, mas quase não me relaciono mais com o homem em si. Tenho me sentido com medo, e cansado demais para seguir em frente nisso. 

Me recordo que, não muito tempo atrás, eu era um homem com boas iniciativas, conseguia me aproximar das pessoas com facilidade se o quisesse. Sempre me acharam simpático, educado, e eu gostava disso, significava que era fácil em fazer amigos. Ultimamente, no entanto, venho encontrando dificuldade até para manter as amizades que já tenho. 

Acontece que esse contato me exige uma força que não tenho mais. Eu não consigo mais manter uma conversa longa, não consigo sorrir alto, eu não consigo encontrar assuntos nas mais diversas banalidades. Tudo isso é de extrema complicação, me deixa zonzo só de imaginar no esforço necessário para uma conversa de algumas horas. Tenho sido muito mais afeito a ficar quieto em silêncio, assistindo ou meditando, ouvindo música, dormindo... Tem sido mais fácil me voltar a mim mesmo e contemplar o vazio do meu interior do que ouvir a projeção do vazio de outros. 

Tenho dificuldade em suportar as vozes altas, que para mim não são mais do que uma projeção do medo que as pessoas sentem de si mesmas e que elas usam para abafar os gritos do próprio interior. Tenho dificuldade em suportar a alegria das crianças, que só são alegres porque são estúpidas demais para entender o horror que é a vida mas me inspiro nelas para fugir para um mundo onde as coisas são melhores, onde elas obedecem à máxima da minha criatividade, onde a realidade não é assim tão dura quanto esta em que vivemos. 

E essa fuga tem sido meu refúgio. Já me encontro próximo do estado catatônico, já sem esboçar muitas reações, apenas  reagindo momentaneamente a alguns estímulos, mas até isso vem diminuindo com o passar dos dias. O único momento em que sinto algo verdadeiramente é com o cair da noite, ainda que seja apenas de passagem, eu sinto medo, eu sinto insegurança, como quando era criança e tinha medo do anoitecer porque tinha medo de dormir sozinho. Mas isso logo passa, o sono é maior, um cansaço inexplicável, uma vontade de desaparecer que só dormindo vem... Tudo isso me faz esquecer e abafar o medo, que logo se perde em meio ao torpor da minha existência, e nada mais diz, até o anoitecer do dia seguinte. 

E assim tem sido os meus dias, uma existência sem forma e sem contorno, quase um vapor que flutua sem rumo, por aí, sem se apegar a nada. 

Não teria forças pra voltar, não teria de onde tirar forças pra fazer o que eu fazia antes. Eu finalmente parei no ponto em que estou: no ponto de uma casca vazia e ressequida caída no chão. Não espere grandes feitos de mim pois já não sobrou ser o suficiente para fazer nada. Não me espere, porque eu não volto logo, eu já nem sei se volto, eu não sei mais nada, não sei nem mesmo quem eu sou ou quem serei quando acordar amanhã...

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Remissão

Eu achava que tudo o que eu precisava era de alguns dias descansando, que logo estaria melhor, que logo teria a mesma força de uma pessoa normal, sem depressão, logo estaria bem pra fazer o que quer que fosse. Mas parece que as coisas não são bem assim, parece que nem tudo acontece da forma e rápido como queremos, talvez eu esteja mais quebrado do que parecia e vá precisar de ainda mais tempo se quiser me sentir bem. 

O que acontece é que tenho me sentido desanimado, não cansado mas simplesmente sem forças, sem conseguir pensar em algo pra fazer, sem ter ainda um objetivo ou um simples caminho pra trilhar. O que acontece é que eu não tenho uma perspectiva de futuro, de algo que eu queira de modo tão ardente que seja meu norte, que seja minha luz no fim do túnel, que seja algo que eu queria desde o amanhecer até o deitar. Eu só quero isso, alguém, algum lugar, que seja uma razão para ser, que consiga aplacar esse vazio, essa solidão, essa desilusão. 

O que move as outras pessoas? O que elas desejam que as faz seguir em frente, acordar dia após dia e ter uma razão para levantar, para continuar, sem desistir de si mesmo, de tudo, da vida, do ser. O que move as pessoas, por qual razão elas não desistem? Como podem ainda acreditar no futuro, em si mesmas? Como podem não desaparecer, como um adágio lamentoso, sumindo no horizonte, pouco a pouco, até extinguir? 

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Dias e dias

E qual não foi a minha surpresa ao perceber que, depois da queda da temperatura, também havia começado a chover? E como não dormir ainda melhor com a melhora considerável da umidade e com esse canto de acalanto batendo na janela, perfumando o ambiente com o cheiro de terra molhada e uma calma que esses dias sempre trazem? 

Dias nublados são um presente dos céus: são mais tranquilos, como se a preguiça se instaurasse no cosmos, e o sono é mais profundo, só isso já deveria ser mais do que o bastante para fazer desses os melhores dias. É quase possível esquecer do desconforto dos dias quentes, seja pelo calor do sol ou de algo que venha tornar o nosso interior tão inquieto a ponto de incomodar também aqui fora. 

É tão estranho, saber que vivo no meio desse dicotomia entre o calor e o frio, entre os belos dias nublados, tranquilos, e os dias em que o desespero toma conta de mim, como o sol queimando a todos com sua luz inconveniente. Entre dias que sou eu mesmo e dias que sou um monstro na frente do espelho, que já não consigo mais me reconhecer. Entre dias assim eu me vejo como alguém que fita o mar de um farol na praia, observando a tempestade que se aproxima ao longe mas não podendo fazer mais do que fugir dela, ou ainda pior: por mais que fuja eu sei que nunca poderei ser mais rápido ou poderoso do que uma tempestade, a fúria do oceano e do tornado são imbatíveis, tudo o que se pode é tentar de algum modo suportar a tempestade e torcer pra ainda existir algo de pé quando ela passar. 

Claro, em dias em que me sinto de pé eu só posso esperar pelo quê há de me derrubar mais uma vez, e talvez seja apenas para isso que existem os bons dias, os dias nublados, apenas pra colocar de pé e esperar ser mais uma vez derrotado pelos dias de sol. 

domingo, 13 de junho de 2021

Dos reflexos da solidão

Acho que descobri o que tem afetado o meu humor nos últimos dias. Com a mudança na minha rotina, me afastando das minhas responsabilidades na igreja, seria inevitável que eu não ficasse cada vez mais sozinho, e pode ser isso que tem despertado os fantasmas em mim. 

Tenho passado muito tempo sozinho, estudando, e isso claro que me deu mais tempo para pensar ou deixar os pensamentos vaguearem, mesmo aqueles que habitam no escuro da mente profunda. O contato com a perspectiva da morte piorou tudo, me dando muitos motivos para ter pesadelos, para perder o sono e a fome, para ser assustado pelos fantasmas do passado e do futuro. 

Essa porta aberta deu passagem para esses fantasmas, que agora colocam ao meu redor os seus braços gelados, me fazendo enrijecer a espinha e acabando com meu brevíssimo momento de tranquilidade. Como sempre disse parece que meu futuro é não ter paz, e a minha única alegria é aquela que liga dois momentos de intenso sofrimento. Agora, além da depressão soma-se outra crescente onda de dores, as dores da possibilidade de um futuro catastrófico, e a cada dia os pensamentos se tornam mais e mais assustadores. 

Parece que a toda do destino começou a girar mais uma vez, e a espada foi lançada, cravando em minha alma a sua lâmina de aço frio, rasgando não só a minha carne mas também todo o meu ser. 

Será a solidão a responsável por isso? Teria ela se disfarçado de esperança para me fazer crer que eu finalmente tinha conhecido a tranquilidade? Parece que foi apenas eu dormir um pouco feliz alguns dias para que ela se livrasse de seu manto verde e agora vestisse a nudez do desespero, do medo que paralisa como a chuva fria chapinhando contra o corpo, como os ventos de um deserto trazendo a voz daqueles que morreram no passado. 

Como falar do horror que simplesmente reler essas palavras já causa na minha alma? E então custo imaginar que em alguns dias mais do que algumas mas todo o sentimento aqui aludido se faz presente no meu ser de tal modo que eu já não posso mais ser eu mesmo, senão que me desfaço ante a esse terror. É como se as palavras tivessem se tornado veneno e tornassem a me atingir quando, aos poucos, voltava a mim. Aquele era mesmo eu? Já não sei mais pois a minha essência se perdeu há muito tempo na confluência de tantos sentimentos, na dicotomia de tantas fases, de tantas depressões, de tantas ansiedades. Como posso me reencontrar senão na suspensão de crença no meu próprio eu que há nas artes? 

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Pesadelos

Estou em vias do que parece ser uma terrível crise de ansiedade e, passadas algumas horas do seu início, eu me sento de frente ao computador para tentar, de algum modo, exorcizar os fantasmas que aparecem nesse exato momento, me assustando de tal modo que o certo seria dizer que estão eles a roubar o ar que eu respiro, me deixando apenas a sensação de pânico advinda daí.

Hoje foi um dia atípico já que passei a maior parte dele em um estúdio de tatuagem, ouvindo o barulho irritante daquela máquina, e o resto do dia foi na cama, sonolento por ter acordado um pouco mais cedo e incomodado pelo ardor localizado da nova arte na minha pele. 

Alguns dias atrás eu ouvi o meu pai se queixar do fato de gastar o dinheiro dele numa coisa como uma tatuagem para mim, acontece que eu queria marcar esse momento da minha vida, como tantos outros já estão marcados, e infelizmente das sete pessoas que moram aqui em casa ele é o único com uma renda fixa e bem, é isso. Pensar naquela cena me fez entrar numa espiral de possibilidades assustadoras: o que nós faríamos se não fosse por ele? E se ele morrer amanhã, como vamos sobreviver? Nenhum de nós tem a menor perspectiva de trabalho, alguns nem estudo tem, e isso significa que teríamos que passar por grandes dificuldades, talvez até fome, para conseguir sobreviver. E essa seria a palavra, sobreviver, pois não haveria tempo para algo realmente vivido, senão que seria uma existência ainda menos significativa e muito mais sufocada pelas obrigações do comer e do vestir do que agora. 

Essa perspectiva catastrófica tem encontrado em mim espaço fértil nas últimas semanas, especialmente depois que eu dei início ao curso de auxiliar em necropsia, sob a tola justificativa de que ter contato com a ideia da morte seria algo de cristã virtude, já que pensar na morte é fugir as ocasiões de pecar e até mesmo meus estudos filosóficos são guiadas pela inspiração de Sócrates que filosofar seria aprender a morrer. No entanto agora eu me pergunto: será que alguém com meu histórico de depressão deveria estar assim tão em contato com a morte? 

Não posso fingir que os primeiros casos já mexeram comigo. Especialmente um que se tratou de um suicídio e cujas imagens de sangue estão estampadas em minha mente com uma vivacidade assustadoramente impressionante. É, ela realmente mexeu comigo ao ponto de eu até já ter tido quase pesadelos com ela. Quase porque eu não estava completamente adormecido ainda, embora estivesse sob efeito das drogas antidepressivas. 

Fica a pergunta séria: eu deveria ter tanto contato com a morte? 

Pensar em ter de lutar por meus próprios medos é algo que me assusta. Muito. E pensar que pra isso eu posso ter de precisar passando meses num curso e o resto da minha vida em contato com a morte de outros é algo que me assusta ainda mais. Pensar na morte dos meus pais então, seja do meu pai trabalhador e que nos mantém alimentados sem que nada falte ou da minha mãe, preocupada desde o momento que eu acordo, me lembrando que preciso comer, até a hora de dormir se obrigando a ficar na sala quando o cansaço das tarefas do dia são demais e pesam os olhos, ou a gentileza de me perguntar sobre a dor depois da tatuagem... Pensar nisso me faz voltar a sensação de asfixia e, dessa vez, traz consigo o enjoo do desespero, a ânsia que escapa da minha boca e me impede de comer, aumentando com a fome a minha fraqueza a predisposição a uma crise prolongada de ansiedade que sabe-se lá onde vai terminar. 

Parece que ao olhar ao meu redor eu só consigo imaginar as tragédias que podem vir de todo lugar, me tornando incapaz de vislumbrar sequer uma só boa possibilidade de futuro. É assustador ter uma mente que me sabota dessa maneira. E eu deveria ao menos ser capaz de conseguir engolir essa ânsia de qualquer jeito e me forçar a conseguir um emprego, onde quer que fosse, e assegurar, pelo mínimo, a minha subsistência. 

É, esse texto tem um gosto muito ruim, amargo, e acompanhado de um ânsia já citada porém indescritível, e um medo do futuro ainda maior, que me esmaga como a água escura de um oceano profundo esmagaria uma única pessoa, perdida naquela infinidade gélida e poderosa que esmaga o peito e o ser como esmagaria a uma formiga.  

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Pecado e Projeção

Eu não quero que esse texto seja triste, mas eu não posso me furtar a registrar algumas reflexões que vieram justo quando eu pretendia dormir, me fazendo levantar em plena noite fria apenas que para evitar que essas palavras fiquem perdidas nos recessos oníricos da minha mente. 

Fiquei pensando, após os delírios molhados de sempre, de onde será que vem essa necessidade que temos do outro. Quando Aristóteles definiu o homem como um animal social ele já havia percebido essa necessidade, que é óbvia desde o primeiro instante de vida, mas parece ser algo tão óbvio que nunca foi exatamente respondido de fato porque talvez seja a fórmula mais básica e essencial do homem mesmo, e já é assim desde há tanto tempo que já nem se lembram mais de se perguntarem de onde vem isso. 

Será que fomos concebidos naturalmente para viver ao lado de alguém, como se a Divindade tivesse realmente concebido o homem para andar ao lado de outra pessoa, e que não era bom para ele que estivesse sozinho? Isso é a forma mesmo do homem ou uma condenação, por um pecado tão primitivo que já não nos lembramos dele mas cuja marca ainda se mostra geração após geração, como se tivéssemos sido punidos pelos deuses por sermos poderosos demais e assim vivemos em busca daquela contraparte que há de nos completar de algum modo misterioso e sublime?

Não somos capazes de ficar só nem mesmo em nossos pensamentos, donde temos a necessidade tão grande que nos faz idealizar alguém nem que seja pra satisfazer alguma necessidade noturna urgente. O homem sozinho parece triste e incompleto, ao unir-se carnalmente parece encontrar no outro o que falta em si mesmo. 

Isso me parece, ao mesmo tempo, a verdade primeira e mais óbvia do homem e a maior de todas as injustiças. Não é bom que o homem esteja só mas é horrível a dificuldade que se passa para não estar só, e é horrível não ser capaz de dormir apenas por não ter alguém ao seu lado, por desejar companhia tão desesperadamente que parece ter sido aberto um buraco bem no âmago do nosso ser, e que esse vazio só pode ser completado com o vazio de um outro alguém. É horrível estar só mas não me parece sermos capazes de mudar isso, ao passo que esta soa mais como condenação por algum pecado esquecido do que uma projeção inicial e ideal, ao passo que, realisticamente parece ser ambas as coisas. 

domingo, 6 de junho de 2021

Pena

Gosto da tranquilidade desses dias, tenho realmente me sentido leve, e não consigo imaginar forma melhor de descrever isso. É com imenso prazer que digo isso: leveza, uma palavra que vem como brisa, soprando neste fim de tarde, simples, sem dor, sem mancha, leve como uma pena ao vento. Não me lembro quando foi a última vez que me senti assim, não me lembro sequer se alguma vez já me senti assim. 

Tudo parece melhor: a comida mais saborosa, o sono realmente descansa, as manhãs passam mais devagar e a noite não tem aquele peso, aquela ameaça, não há aquele medo constante... É, realmente é muito bom sentir isso. 

Uma pena que as coisas boas não me rendam tantas linhas quanto a dor e o sofrimento que, passando por uma elaboração, são ditos de diversas formas, mas a leveza sequer precisa de tais subterfúgios poéticos, ela se mostra por si sem precisar de analogias e metáforas, a leveza se mostra e é justamente a presença total que não pode ser dita senão que pode ser contemplada e vivida, é apenas isso. 

Claro que isso não significa que todos os meus problemas tenham se resolvido, mas ao menos agora eu sinto que há uma forma de resolver ou, pelo menos, deixar para lá, coisa que, até uma semana atrás era impensável. 

Ainda sinto certo vazio, a carência continua presente, mas até mesmo ela, antes tão brutal e assustadora, agora é apenas um incômodo constante, mas nada que se compare aquele carrasco que ateava fogo as minhas entranhas. Até mesmo ela se desfalece ante a leveza que sinto agora.

Só faço votos de que isso se mantenha por tanto tempo quanto seja possível. Só desejo poder ficar assim um pouco mais, até me recuperar completamente, sentir que há algo vivo em mim de novo, sentir que ainda há luz onde antes eu apenas enxergava trevas. 

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Recomeçar

Ontem foi o dia decisivo em que, após tantos esforços, eu finalmente consegui me afastar das minhas atividades com o objetivo de focar um pouco mais em cuidar de mim mesmo. Os últimos dias foram terríveis, e eu passei mal várias vezes, apreensivo, com medo de que tudo desse errado, com os nervos à flor da pele, sem conseguir dormir ou comer e me machucando muito. Mas eu consegui, após a missa e procissão de Corpus Christi eu me despedi do conselho paroquial e efetivamente me retirei de todas as atividades, e então, finalmente depois de várias semanas, eu consegui dormir, dormir profundamente. 

Acordei hoje com o corpo cansado, mas não aquele cansaço de antes, apenas aquele que resta quando um fardo pesado demais é tirado de cima das costas. Eu dormi o dia todo, e precisava disso, precisava me recuperar, precisava conseguir dormir sem ter que preocupar desesperadamente com detalhes mínimos que sempre me tiraram o sono. Não é como se meus problemas tivessem acabado, mas é um passo importante para, como disse, focar um pouco em mim mesmo. 

Como me sinto? Estranhamente leve... E pensar que ainda ontem eu tremia de medo, a ansiedade em picos elevadíssimos me fazia ter vontade de vomitar e eu claramente perdi muito peso nas últimas semanas. Agora é pensar no daqui pra frente. 

Quero estudar um pouco mais, poder me dedicar à Verdade e quem sabe até outras coisas. Me inscrevi num curso de necropsia e perícia criminal, uma oportunidade de aprender coisas novas, um novo mundo, quem sabe. E isso me agrada bastante. Vou poder maratonar mais séries, e ver com alegria e sem preocupações as que eu já comecei a ver, e isso me agrada bastante mesmo. 

Sinto como se eu visse o sol nascendo, é algo bom, algo novo. Fazia muito tempo que eu não conseguia aproveitar algo simples como dormir ou sentir a brisa no meu rosto, fazia muito tempo que eu não tinha preocupações a perder de vista, fazia muito tempo que eu não sabia o que era descansar de verdade. E agora eu pude, deitar e sentir todo aquele peso deixar o meu corpo, deixar tudo ir, tudo desaparecer, e finalmente me sentir um pouco leve. 

Claro, deixar a pastoral que tanto amo e a qual me dediquei com tanto afinco por anos foi sem dúvida a decisão mais difícil que já tomei, mas essa dor é algo necessária para que eu possa, um dia, voltar e conseguir caminhar de uma maneira mais saudável. É como diz a música:

"A dor do fim vem pra purificar, recomeçar..."

terça-feira, 1 de junho de 2021

Meu fim

Ultrapassei todos os meus limites, físicos e mentais, eu não tenho a menor condição de suportar mais nada, nenhuma mensagem, nenhum problema, eu não consigo mais, eu simplesmente não aguento mais. Eu já não consigo sequer ler uma mensagem sem cair no choro e as pessoas continuam jogando problemas e mais problemas em cima de mim se eu fosse o único capaz de resolver mas eu não sou, não mais, eu não sou mais nada, eu não sei mais nada, eu não sei flutuar, eu não estou mais nem mesmo sobrevivendo, eu estou apenas existindo, vagando sem rumo, sem saber o que estou fazendo e repleto apenas de inseguranças, medos e a única certeza possível de que eu sempre vou falhar. Isso porque sempre que eu faço algo, algum detalhe sempre dá errado, e me cobram por isso como se fosse a coisa mais fácil do mundo, mas eu não consigo mais prestar atenção, eu não consigo mais, se tornou muito além das minhas capacidades. E todos ainda esperam que eu consiga preparar a missa de Corpus Christi daqui há dois dias, sem nenhum defeito, e eu sei que muitas coisas vão dar errado, eu sei porque por mais que eu venha tentando preparar tudo, algo vai escapar do meu planejamento e isso vai significar o meu fim. O meu fim porque eu não sei se consigo nem mesmo chegar até lá. Já venho dobrando a quantidade de calmantes há dias e ainda estou em péssimo estado. Meu braço está repleto de cortes, que eu fiz sangrar para conseguir alguma reação do meu corpo, e nada, eu só consegui me sentir ainda pior. Eu estou desesperado e alguns ainda dizem que eu preciso dividir o fardo, mas como eu posso fazer isso se no fim das contas sou eu quem precisa resolver o problema da reunião que começou fora do horário sendo que eu nem estava presente, se sou eu que preciso ir comprar as coisas quando outros vão nos mesmos lugares e sabem das mesmas necessidades? Como eu posso dividir se todos os problemas dão uma volta ao redor de si e retornam pra mim? E eu já não aguento mais isso, senão que entrei no completo frenesi da loucura, em desespero pelos próximos dias, ao mesmo tempo temendo e desejando a morte, um modo de tudo isso acabar e eu não sentir mais nada. Eu só queria conseguir me anestesiar por completo, só queria poder apagar, sem me preocupar se a costureira vai ou não conseguir entregar as coisas com tempo, se a outra vai conseguir fazer as peças de acordo, se o padre vai ficar feliz com a forma, se eu vou conseguir cantar direito amanhã a noite, mesmo sozinho, eu só queria poder parar de me preocupar com tudo isso, porque cada uma dessas coisas é um golpe de martelo pesado sobre as minhas costas, é uma trombeta que anuncia o fim do mundo, é um celeuma, é um desespero que se manifesta no meu corpo com dores, tremores, lágrimas e linhas de sangue que escorrem pelo meu braço, numa tentativa de materializar a dor e, dessa forma, obter algum tipo de controle num transe psicótico. E eu só consigo dizer isso: estou além do meu limite, eu não consigo mais, se alguém não em ajudar eu vou morrer, eu vou colocar um fim em tudo isso, eu não tenho mais condições de continuar insistindo em viver dessa forma. Eu não consigo mais. Eu não aguento mais. Não há mais poesia, não há mais filosofia, há apenas dor, escuridão, desespero. É o meu fim. Eu não consigo mais, eu não aguento mais.