segunda-feira, 28 de junho de 2021

Durante a vigília

Eu pensei muito antes de começar a escrever, e pouca coisa me veio, muito embora eu sinta muito. Parece que cheguei naquele ponto do ser onde tudo torna-se indizível, onde as palavras já não conseguem tocar. Tudo o que tenho é a minha experiência individual, de um dia ímpar marcado pelo sono que me dominou, pelo tédio e pela crescente apreensão que toma conta de mim ao cair da noite. 

Eu me lembro bem quando era criança e temia o anoitecer porque tinha medo de dormir sozinho. Foram anos terríveis, o pavor me dominava completamente conforme o sol se punha e a escuridão ia se espalhando, também dentro do meu coração. Esse é o análogo que eu consigo traçar sobre o que sinto hoje, mas não é medo, estou sozinho nesse momento e já com sono, mas a apreensão, a sensação desagradável, o gosto amargo na boca, são iguais, e todos começam com o cair da noite...

Só eu sei o quanto me obrigo a sonhar antes de dormir, para não ser dominado pelos tentáculos gelados de um monstro que me leva pro abismo escuro do oceano, só eu sei que eu só queria um pouco de conforto, mesmo tendo o corpo quase morto. Só queria dormir sem uma preocupação, sem desejar comprar o que não posso pagar, sem desejar mais seguidores ou simplesmente sem desejar que uma criança malcriada morda os meus canudos...

Será um efeito colateral da medicação? A bula avisava que surtos psicóticos e crises de pânico são efeitos colaterais da medicação para transtorno bipolar e, coincidentemente, comecei a sentir isso poucos dias depois de voltar a tomar. De qualquer modo eu preciso lidar com isso, tento pensar em outra coisa que não as enxurradas de pensamentos dramático que me vêm, como a morte dos meus pais ou a minha mesmo, a fome, a solidão, o frio, futuros assustadores, o medo de crescer que ainda se dá na minha pequena mente distorcida. Tento ouvir música, me concentrar nos movimentos, nos acordes, tento me lembrar das histórias que acompanhei, tenho criar teorias sobre as séries que vejo e tudo funciona, por uma noite, já que no entardecer do dia seguinte lá está ela de novo, aquela sensação de morte iminente, me ameaçando surgindo ao longe conforme o véu azul escuro salpicado de estrelas se estende no céu. 

E assim eu termino, ou começo, mais uma noite, de luta para dormir sem os pesadelos que apavoram ainda durante a vigília. 

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