terça-feira, 22 de junho de 2021

Um mundo ideal

O que eu queria? Se parte de mim padece da quase absoluta falta de perspectiva de futuro, não tendo planos que movam o meu agir durante o dia, outra parte não se contém a entregar-se aos sonhos pouco antes de dormir, todas as noites, sendo lentamente levado ao sono por meio de um sonho ainda acordado.

Nesses sonhos eu vislumbro relances da minha vida ideal, de uma vida puramente onírica cuja realização só poderia dar-se por uma dúzia de milagres. E assim eu consigo me desligar desse mundo antes de entrar num completamente diferente, onde o impossível é parte do cotidiano, onde a minha vontade não está na antípoda do ser, mas dela confluem todas as coisas. Parece-me uma espécie de complexo de Deus, misturado com o mundo de Alice no País das Maravilhas. 

É um mundo onde eu não me preocupo com a morte dos meus pais, ficando desamparado com a perspectiva de me sustentar sozinho. É um mundo onde eu já conquistei a minha independência, onde minha vontade consegue ter o controle do que me cerca. Casa bonita, alguém ao meu lado, um belo pôr do sol, uma carreira de escritor, fama, vida organizada, saúde mental, um mundo só meu, onde todas as coisas não escapam a minha força diariamente. Talvez o meu sonho seja apenas esse: ter um pouco de controle sobre o caos que me cerca. 

Pois essa é justamente a impressão que eu tenho a cada momento do meu dia: a mais absoluta incapacidade de lidar com o mundo, visto que o caos é tamanho que me lança de um lado ao outro como um oceano revolto, com a mesma força implacável, com a mesma fúria, e eu, apenas tento sobreviver, impassível e catatônico a tamanha demonstração de superioridade. Vejo isso a partir das experiências mais simples: a incapacidade de tirar um foto decente com brilho, cor e foco, o anonimato em que me encontro, a feiura que me circunda e abarca sem que haja para onde fugir. Não há como lutar contra uma tempestade. E sinto que eu vivo constantemente sendo massacrado pelos ventos de uma tempestade. 

É errado sonhar com um mundo onde eu tenha controle de algo? Onde eu seja alguém menos patético? Onde tenha dinheiro, fama, felicidade? É errado sonhar em não precisar contar o dinheiro para sair com os amigos, ou não precisar se preocupar e como vou pagar a fatura do cartão no final do mês ou quitar aquele empréstimo? É errado sonhar com um mundo mais colorido, onde as coisas dão certo, onde as fotos saem bonitas sem o fundo esburacado e a cor sem indefinida da parede de minha casa e onde o estudo tem alguma recompensa? 

Eu só queria poder estar no controle, porque tudo me foge ao controle o tempo todo. Sei que isso é parte da condição humana mas eu queria, pelo menos no meu mundo, não ser humano, ser algo melhor, mais forte, com algum poder real e não apenas uma potencialidade adormecida que nunca se revela mais do que mera mediocridade. 

E isso é tudo o que vejo, mediocridade, do espelho aos que me cercam, todos pequenos e medíocres, sem controle algum, como náufrago à deriva, entregue a sorte na fúria do mar. 

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