segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Segunda de Carnaval

"Este mundo tem suas noites, e não são poucas." 
Johan Huizinga

É uma segunda de carnaval atípica, sonolenta. O calor incomoda e como que paira sobre a gente numa cama desagradável de suor sobre a pele. Tentei estudar assim que acordei mas fui vencido pelo sono, e cá estou eu agora esperando os remédios fazerem efeito para eu dormir o resto do dia todo. Já desde ontem eu tinha planos pra dormir hoje e me senti feliz a chegar a essa decisão, pois os dias de sono ainda são os melhores pra mim. 

Não consegui me concentrar suficientemente na leitura, algo na história não me prendeu, tenho experimentado esses dias um completo desinteresse por quase tudo. Embora esteja em hipomania identifico sinais de um episódio misto pois a antiga lente sépia sobre todas as coisas tem sido a única forma que eu vejo o mundo. 

As músicas continuam sendo minha companhia, mas não na ordem que eu as concebi, elas vêm numa aleatoriedade que me anima um pouco, me dão um pouco de alegria em acordes ascendentes e vozes pronunciando palavras desconhecidas do meu idioma. 

Elas são meu refúgio, elas e o sono irresistível, e eu já nem sei quantas vezes falei sobre isso aqui mas, se é verdade que a boca fala daquilo que o coração está cheio eu estou certo em me repetir. Por isso eu falo de como dormir é bom e de como o mundo me inunda de desesperança, deixando meu coração num luto permanente pela própria existência, vivendo um dia após o outro sem conseguir enxergar a luz, como se tudo fosse uma eterna noite escura.

Mas nessa noite há também inflamações do coração, uma história de amor ou uma música especial, que transformam as noites escuras, que às vezes até mesmo pode diminuir os terrores noturnos, que tornam as coisas um pouco mais agradáveis. Mas, ainda assim, continuam sendo noites escuras, mesmo de amor em vivas ânsias inflamadas. 

Enquanto isso os outros seguem suas vidas, enquanto eu estou paralisado. Meus pais não param um segundo sequer, meus vizinhos saem cedo e chegam tarde e eu continuo aqui, observador passivo da desordem do mundo, buscando um fundo de verdade em cada experiência humana. A voz melodiosa me deixa cheio de melancolia. Parece que o mundo se resume a isso, correria de um lado e melancolia do outro. Não muito além disso. 

Por mais que eu não tenha dormido como queira o dia foi marcado por uma sonolência pesada, olhos fechados e calor intenso. O calor era tanto que me impediu de dormir, e acho isso um saco. 

Fiz alguns planos para a noite, de ouvir uma sinfonia, daquele jeito, com muita atenção a cada pequeno detalhe, já faz algum tempo que não faço isso e acho que mereço um tempo assim. 

Procuro agora um encerramento para esse texto, o que tem me custado muito porque eu simplesmente fui colocando as coisas aqui, sem nenhuma pretensão de estilo ou coisa do tipo, mas agora a finalização exige de mim um arremate que lhe dê sentido, mas, se a própria vida de que falo aqui não tem sentido algum, por qual razão um texto sobre ela teria? 

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Ilusão

É como uma tempestade. 

Ela se anuncia com nuvens grossas e pesadas que transformam qualquer paisagem com uma lente cinza e quando chega, o faz com uma violência tal que ninguém pode se eximir de sentir os impactos da sua presença. E ela tudo abala, sopra ventos que lançam com violência coisas aos ares, os raios e trovões cada vez mais pertos e altos dão testemunho de sua força esmagadora. Num clarão e num estrondo o mundo todo para e levanta os olhos ao céu, para sentir as gotas pesadas baterem com força contra janelas e peles descobertas, é como se a ira do mundo se derramasse por sobre casas e ruas. 

Não há como fugir dela, uma tempestade sempre alcança. Só o que posso fazer é esperar, por longas noites, que ela passe e dê lugar novamente ao céu claro e límpido, ao sol que faz as gotículas de água lentamente desaparecerem.

É a quarta vez essa semana que eu recorro a eles. É como se não quisesse mais viver e tivesse vontade apenas de dormir, para não ver o mundo, não ver o outro. É como disse no outro dia, eu não sou um pessimista, sou um realista de luto, alguém que já desistiu de tentar, já desistiu até mesmo de observar o mundo. Tudo o que me toma a atenção agora são breves instantes de lucidez entre uma música e outra, antes que o próximo remédio faça efeito. Antes que meus sentidos comecem a anuviar-se e eu pouco a pouco perca a consciência mergulhando no delicioso oceano do sono profundo, abraçado por Hypnos, segurando sua mão enquanto ele me leva para o profundo domínio dos sonhos. 

Queria ser mais, explorar até os últimos limites as minhas potencialidades. Quantas línguas eu poderia falar hoje? Que emprego bem sucedido poderia fazer cair muito dinheiro na minha conta? Quantas experiências, quantas pessoas eu poderia conhecer?  Uma vida inteira que poderia ter sido e que não foi. Potencial desperdiçado, apenas isso. Tempestades que destruíam o porto donde deveriam partir as minhas viagens. E cá estou, no porto destruído, vendo a próxima tempestade que se aproxima, e sem saber se vou sobreviver a ela também. 

O sono já me entorpece os sentidos, é hora de partir, de me entregar, de sonhar com um mundo onde eu consiga me realizar, de sonhar com algo melhor do que essa realidade fria. Sonhar mas um sonho impossível. Iludido por Morfeu. 

As palavras dos livros não têm conseguido me prender esses dias, uma espécie de ressaca literária, eu leio e as palavras não se fixam completamente, minha mente vaga para longe dali. As palavras baixas dos contos eróticos parecem prender mais a minha mente, mas até elas evanescem logo. E parece que minha mente tem problemas pra se fixar em coisas reais, está sempre flutuando no mundo das ideias platônicas, nunca no mundo real. Mesmo quando eu me deito no sofá ou na cama e me incomodo com o calor a minha mente logo se põe a viajar, ela não se detém. E então eu viajo, sem que consiga usar como roteiro o livro que comecei agora à tarde, sem que eu possa seguir um sonho acordado dirigido. É como se apenas meu corpo vivesse preso as leis desse mundo, mas a minha mente, meu espírito, vagasse livremente por outras realidades, onde eu não sou apenas eu, mas onde eu sou mais e melhor. Trata-se de outra ilusão. 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Trombetas

Nós conversamos, mas amizade não voltou, eu não pude ignorar tudo o que aconteceu, não pude fingir que tudo aquilo não tinha se passado entre nós. É uma constatação a qual eu chego no escuro, sozinho, numa noite de sexta-feira, quando a solidão bate a porta e vem se deitar ao meu lado, para ficar até o domingo. 

Foi um dia longo e entediante, assisti a três longas horas de um documentário mas sinto que não aprendi nada, tampouco consegui passar mais do que alguns minutos lendo, em alguns dias a mente simplesmente não funciona, ou talvez seja eu exigindo demais dela mesmo sabendo que o que retive está dentro dos limites aceitáveis, é bem da minha natureza reclamar mesmo quando tudo vai bem. 

Bem, não é como se eu fosse um pessimista sempre, me considero um realista de luto, luto pela vida inteira que poderia ser e não fui, por todos os talentos desperdiçados e oportunidades perdidas, luto pelas amizades que se foram e pelos amores que fracassaram. É com um sorriso de profunda ironia que eu penso que em nenhum aspecto da minha vida eu fui feliz, até mesmo na igreja onde poderia  dizer-se que fui importante pra minha comunidade eu sei que não fiz mais do que qualquer um com o mínimo de boa intenção faria. 

O que me restou então foi essa profunda sensação de desânimo, um desespero velado que pouco a pouco se revela, que vem se aproximando lentamente com seus tentáculos gelados e me envolve, me levando para águas mais profundas, donde não há escapatória. Essa é a imagem que tenho numa sexta à noite: a de um fim que nunca chega mas que nunca cessa de se prenunciar com trombetas fulgurantes, impedindo qualquer vida com um desespero sempre crescente. 

Assim é o mundo para mim, assim é na minha pequena mente distorcida. As imagens de luz e cor que eu vejo não são mais do que o mero reflexo das músicas que eu escuto, que me permitem vaga fuga, apenas isso. 

Por isso meu sorriso é assim, tímido, apenas um esboço, pois reflete a descrença do meu coração num mundo melhor pois, entre guerras e epidemias, nosso melhor é a morte. 

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Perdido


“A vida oscila, como um pêndulo, de um lado para o outro, entre a dor e o tédio.” 
Arthur Schopenhauer.

Acordei, mas preferiria ter continuado dormindo e sem o conhecimento de todas as obrigações para o dia de hoje. Mensagens e mais mensagens com cobranças, e eu só queria um pouco da paz, de silêncio. As pessoas perderam completamente a noção da importância do silêncio, para onde quer que eu olhe sou bombardeado por todo tipo de informação. A paz que eu tanto quero é agora uma sombra pálida de um sonho distante. 

Eu não sei lidar muito bem com um número grande de informações, me sinto perdido, por isso me sinto incomodado quando recebo muitas mensagens, quando muita gente fala ao mesmo tempo, não consigo processar tudo de uma vez, minha cabeça dói e tudo o que eu quero é sair dali. 

Mas os outros parecem não entender isso, parece que o caos é desejável. Eles se comprazem na loucura dos dias. Eu só consigo enxergar um niilismo nesses dias de Baco. Eu não vejo beleza nessa loucura, apenas o horror de ser sem saber quem se é, de não conseguir ouvir o próprio coração. Eu sei que eles não querem se ouvir, mas eu preciso, preciso ouvir e sondar aquilo que há no meu núcleo. Pouco me importa se todos querem ignorar a própria voz e fazem isso reverberando seus gritos desesperados, eu tenho a minha própria voz e preciso ouvi-la. 

Não quero desperdiçar o meu tempo e o pouco de sanidade que me resta em conversas vazias, em frivolidades, em coisas tão passageiras como o soprar do vento. Eu quero me deter na realidade, ao mesmo tempo que quero fugir dessa realidade de mentiras, desse ambiente artificial, onde as pessoas fingem ser o que não são, onde só há miséria moral para onde quer que se olhe, onde os grandes valores se perderam, diluídos numa atmosfera de egoísmo e mentes fechadas. 

As pessoas não entendem que eu quero lidar com essas grandes coisas, continuam me obrigando a ver essa realidade feia, repleta de nada travestido de valores, mas esses valores de nada valem, são vazios, tão vazios quanto as vozes que me obrigam a ouvir. Só fazem barulho e abafam os valores de verdade e justiça. 

Estou cansado de catástrofes, hecatombes, cansado de um mundo de caos onde preciso lutar pra enxergar a ordem por debaixo das coisas. 

Enquanto o mundo se aquece em disputas internacionais as minhas caixas de remédio se empilham cada vez mais, e eu nem consigo entender o que está acontecendo. Me sinto perdido, e enjoado. O que está acontecendo? Não consigo me situar, para onde quer eu olhe só vejo o caos, não deveria haver um fundo de ordem por trás de tudo isso? Me sinto engolido por um oceano de águas negras, afundando cada vez mais, me fechando cada vez mais, sem esperança de voltar a luz da superfície. 

E o mundo se destrói no seu caos, e eu me perco no meu próprio caos. Vagando no vazio, sem rumo, sem destino. E quanto mais tento enxergar uma saída, menos entendo o que está acontecendo. Onde estou? Nem para esta pergunta eu tenho resposta... E a cada dia eu acordo com essa pergunta presa na garganta, e a cada dia eu durmo sem saber a resposta. Completamente perdido. 

Vejo então o mundo ansioso com uma possível guerra, e muitas pessoas ansiosas em dar opiniões, e eu perdido, sabendo que ainda preciso estudar mais pra conseguir sequer entender o que se passa. Eu olho para minhas prateleiras de livros, repletas de muitos conhecimentos que eu ainda preciso adquirir, esperando por mim. Mas imaginar tanta coisa é também um pouco paralisante. 

Eu sei que não deveria ser assim, que não há necessidade nenhuma de querer saber tudo agora, que eu hei de aprender o que for preciso no momento certo, mas é também verdade que ficar frente a frente ao meu horizonte de ignorância é um pouco assustador. Me sinto pequeno, e sei que essa sensação é, na realidade o meu lugar no mundo, modesto lugar, num mundo gigantesco. Mas então, como prestar atenção a verdade quando ela paralisa?

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Seguir ou não

Não é como se pudesse dizer que eu não tentei. Terminei de ler um livro, O que aconteceu com Annie de C.J. Tudor, e o final me decepcionou. Li uma entrevista do meu professor para uma repórter romena sobre alguns aspectos do pensamento dele, o que foi bem impressionante. Assisti a vários episódios de séries durante a tarde toda, sorri com algumas cenas bobas em Semantic Error e me encantei com as fofuras de Jeff Satur e Gameplay em Ingredients, mas não foi o suficiente.

Muito embora meu coração tenha sido alimentado por essas coisas ainda ficava em mim uma sensação de querer sumir, de que não valia pena continuar desperto, um desejo intenso pelo sono profundo. 

Talvez sejam as brigas aqui em casa, ou a minha completa descrença quanto aos sonhos de futuro dos meus pais, seja qual for o motivo ele me deixa cansado, me faz querer sumir. Porque eu não acredito, não acredito que esses sonhos possam nos levar a algum lugar, não acredito que o futuro seja muito diferente do que á agora. E é com os olhos opacos e cinzas que eu digo isso. 

Talvez o que eu precise é de uma boa história de amor pra acalmar o meus ânimos e voltar a crer em algo belo novamente. Eu preciso disso se quiser seguir em frente.

Seguir em frente, rumo ao quê?

Eu não sei dizer, mas ficar parado me parece errado, por isso eu tento seguir em frente. Não que tenha grandes esperanças de futuro, eu já desisti disso, mas apenas não consigo ficar parado, enquanto em outros momentos, como agora, tudo o que quero é ficar parado, e é o que farei a seguir, ao terminar essas palavras. 

É que tem dias que uma música é suficiente pra tornar meu dia melhor, e tem dias que só o sono profundo pode me dar paz, e hoje fico com a segunda opção. 

"Não há dor que o sono não consiga vencer."
Honoré de Balzac

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Feras, abismos e flores

E já nem sei mais o que significa cuidar de mim, não tenho tido vontade para cuidar de nada, os afazeres se acumulando e eu lutando para que eu não tenha que fazer nada, porque simplesmente não há de onde tirar forças para fazer, não há como forçar. 

E a cada dia a imagem que vejo no espelho está ainda pior, e a cada dia cuido menos dela, entrei num ciclo de autodestruição e parece que esse tem sido meu único objetivo.  Já não me reconheço mais, embora o ser que me olha repita os mesmos gestos que eu não consigo me ver nessa fera que me encara. 

"O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera", disse o poeta Augusto dos Anjos, e assim eu me sinto, transmutado em fera, quimera que não tem mais forma humana, que a cada dia se aproxima mais da bestialidade completa. Não tem mais seus lábios vermelhos e seus cabelos desgrenhados gritam a alucinada verdade de sua mente. 

Uma música, que vai na antípoda do que tenho dito alguém, tenta me salvar. My Cutie Pie, do NuNew, age como a beleza que salva, que me resgata do profundo abismo em que entrei e que agora me encara com seus olhos negros como a própria escuridão encarnada. É o que me impede de cair no completo desespero. 

Mas não é capaz de me fazer ir além, apenas me resgatou do oceano escuro e me deixou na praia, mas aqui eu ao menos consigo ver as estrelas e a lua, me deixar levar por essa luz que me guia com mais clareza que a do meio-dia. Mas ela me salvou, foi o resgate de hoje. E de volta a minha casa eu vejo novamente o espelho e, olhando pra fera, ela olha de volta pra mim. Fera que não mais busca a quem devorar, que já desistiu, eu já desisti. E o mais que faço não vale nada. 

A santa e doutora disse que "há almas nesta terra que buscam a felicidade em vão, mas é justo o contrário, para ela alegria habita em seu coração. E sua alegria é amar o sofrimento." E eu tomo essa premissa como minha a partir desse momento. "Sim minha alegria é amar o sofrimento, e eu sorrio mesmo entre lágrimas vertendo, aceitando com agradecimento os espinhos que entre rosas vou colhendo." (Sta, Terezinha do Menino Jesus)

Abismo. 

Fera. 

Resgate. 

Espelho. 

Sofrimento. 

Aceitação. 

Flores. 

Alegria. 

O caminho que devo seguir. Encarar o abismo e a fera que nele habita, permitir-se ser resgatado pela beleza, ressignificar o sofrimento pela beleza, aceitar como parte integrante do ser e, finalmente, aceitada essa verdade, encontrar alguma alegria na resiliência, na aceitação de as coisas são assim.

Por trás de todo esse caos há certa ordem, você consegue levantar o véu e enxergar a verdade? 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Apenas isso

Hoje, por mais incrível que isso possa parecer, o sono me escapou por entre os dedos. Seja pela fina dor de cabeça ou pela carga de energia que as minhas séries me deram agora a noite eu estou agora no meu eu desperto dentro dos recessos da minha mente. Já tive uma súbita consciência de mim mesmo, uma ou duas vezes, já pensei em verdades eternas e em mentiras fugazes, minha mente se detém nas primeiras enquanto passo rapidamente pelas segundas. Uma parte de mim quer dormir e deseja que amanhã tudo possa amanhecer bem melhor, outra parte, a mais realista delas, sabe que isso não vai acontecer e que os dias da minha hipomania atual devem estar no fim. 

Deveria voltar a me exercitar, me ajudava com as crises e me mantinha um pouco mais ocupado, mas eu não tenho coragem pra isso atualmente. Tenho me incomodado com meu corpo mas isso não é o bastante para me fazer encarar uma academia, na verdade seria um lugar que devastaria a minha autoestima. 

É já meu aniversário, escrevo durante a madrugada, e é com um profundo descontentamento que eu faço o balanço de mais um ano sendo um pária, sem encontrar um lugar no mundo, sem ter achado uma razão para existir e ainda insistindo numa existência medíocre, vazia e sem nenhum significado mais profundo. E é apenas isso, a vida é tristeza intercalada por mínimos momentos de alegria, e parece que todos os anos são apenas uma longa constatação dessa verdade, como se eu ainda não tivesse aprendido a lição. 

Queria poder parar no tempo, não envelhecer mais a pele e apenas acumular sabedoria e inteligência, assim algum dia eu poderia ser um pouco melhor do que sou hoje. É uma infelicidade pensar assim, eu sei, mas é o que temos pra hoje, a ácida verdade jogada na minha cara como um bolo gorduroso demais. 

A cada dia que passa eu me dou mais conta da nossa fraqueza, da forma como passamos rápido, e isso por si deveria bastar para que as coisas tivessem sua beleza e que me fizessem querer desfrutar da vida o máximo possível mas a verdade é que essa constatação me deixa apenas paralisado. Parece que a humanidade apenas acumula encontros fugazes e sentimentos ruins, sendo que as coisas boas se perdem por entre nossos dedos, passam.

Só consigo desfrutar da vida numa música que toca no player baixinho, numa história de amor que me arranque suspiros, apenas isso. 

Mas o mundo não é uma história de amor, é apenas barulho, barulho por toda parte. E esse barulho é insuportável, porque viver é insuportável, é incômodo atrás de incômodo e parece que nunca cessa, nunca chega a um fim, é apenas barulho e mais barulho, sem propósito, sem sentido. E parece que ninguém se importa ou percebe. 

Como eles podem não se incomodar com isso? Como pode isso ser insuportável apenas para mim? Eles estão todos surdos? Esse mundo, essa vida, não pode ser insuportável apenas para mim mas parece que ao meu redor ninguém se deu conta disso ainda, e isso é ainda mais desesperador. Eles todos parecem gostar de todo esse barulho, parecem gostar desse mundo de desespero. 

Se isso não é motivo pra desistir eu nem sei o que pode mais ser... No que diz respeito a mim eu já desisti há muito tempo atrás. 

"De que adianta falar de motivos? Às vezes, basta um só. Às vezes nem juntando todos." 
José Saramago

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Gemidos Inefáveis



"Quien habla solo espera hablar a Dios un dia." 
Antônio Machado

Espero um dia ser ouvido, que meus balbucios se tornem palavras diante do Rex Tremendae e que não sejam vãs. Que, quando eu for reduzido à minha essência, ela seja um perfume agradável e assim me apresente diante d'Ele. Pois, por enquanto, ainda sou muito baixo para me colocar em sua presença, muito cheio de pecados para me fazer ouvir, o som que sai de mim é meu testemunho contra minha própria existência. 

Mas, enquanto pareço falar sozinho, do alto de minha montanha solitária, espero encontrar ouvidos atentos as minhas preces, pois tudo o que digo, no fundo, são preces onde imploro por não ser engolido pelos fantasmas desse mundo. A solidão, o orgulho, a luxúria parecem abafar todas as outras vozes mas eu clamo ser ouvido dentre elas, que meus gemidos inefáveis sejam audíveis ao único juiz do castigo, que minha voz não se perca entre as multidões. 

X

Prefere estar sozinho ou rodeado de pessoas? 

Por mais reconfortante que a solidão possa ser em sua liberdade, ela não me parece certa, apenas naqueles momentos que realmente precisamos do vazio e do silêncio para nos recompor. Mas estar rodeado de pessoas é o normal, é com o barulho dos outros que abafamos o barulho da nossa própria mente, seja do mais erudito ao mais tolo todos o fazem, variando apenas o grau de consciência com que fazemos isso, com que fugimos do pavor que é estar só, sentir-se só, com medo, absolutamente desamparado em toda sua vulnerabilidade. 

Que fantasmas se escondem na sua solidão? Que demônios habitam a escuridão dos recessos da sua mente distorcida? O pavor pode dobrar até a mente mais sólida como se não fosse nada, e ele chega pra todos em algum momento. 

E algumas vezes assumimos o posto de Fera, mantendo a Bela em cativeiro, com medo de que nos revelemos realmente bestiais em nossa solitária fortaleza. Assumimos a Fera na esperança de que a Bela encontre algo além dessa criatura dentro de nós mesmos, porque quando olhamos no espelho não vemos mais do que a fera, uma fera que grita e urra e seus desejos mais primitivos, uma fera que é a personificação da alma solitária em toda sua extensão. 

Sou fera, sou monstro, sou atormentado constantemente pelo demônio, sou impulso e ao mesmo tempo calmaria, tempestade e brisa leve, uma equação irredutível demais, não posso, não consigo e não quero me encaixar. 

Estou sozinho mas não é assim que queria estar, não é assim que as coisas deveriam ser, não me parece certo. 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Entre a solidão e a solitude

Eu estava tentando me concentrar num conferência sobre o niilismo e o romantismo, tentando me esquecer do pânico crescente que sentia se aproximar, e que sinto também agora, quando uma pergunta desencadeou uma série de pensamentos sobre os quais eu não tinha o menor controle. Minha mãe não poderia imaginar, é claro, mas aquela pergunta me fez voltar para tão profundamente dentro de mim que naquele mesmo momento eu já não escutava nada além do meu próprio pensamento. 

E meu pensamento rodopiava velozmente, em torno de si mesmo, e eu sabia que não havia resposta para aquela pergunta. Isso porque nunca estive eu tão sozinho e isolado quanto agora, e sequer consigo conjecturar a possibilidade de encontrar companhia neste mundo, para mim. Eu me fechei, sem nem saber, e afastei o meus amigos mais chegados que hoje olham pra mim senão com desprezo, e então eu busquei encontrar na solidão o meu lugar. 

É verdade que a solidão, por mais que eu me acostume com ela, jamais parece certa. Isso porque o homem é um animal social, busca sempre no outro algo que falta em si mesmo, busca companhia, busca afeto, busca contato. E eu me privei dessas coisas, minhas relações são todas quase profissionais, e meus amigos mais chegados falam comigo através de uma distância geográfica intransponível. Muito embora os estime o afeto físico ainda falta a essas relações, o que as coloca indelevelmente num grau que ainda se encaixa na solitude. 

A verdade é que estou sozinho, me tornei um animal solitário, que não consegue imaginar o que pode ser feito para transpassar os umbrais dessa condição e voltar a ter contato humano, eu simplesmente não sei. Não tenho resposta então para a pergunta de minha mãe, não sei se alguém ao meu lado poderia me ajudar no meu estado atual, ainda convalescente, e tampouco sei como fazer para conseguir alguém ao meu lado. 

Minha experiência é a do náufrago, me vejo sozinho e isolado, incapaz de me relacionar com o outro. Tenho medo e tenho preguiça, e essas coisas, ambas, me impedem de qualquer passo. A verdade é que eu nunca fui atrás de nenhuma amizade, elas se apresentaram a mim, e eu as acolhi, mas hoje parece-me que meu círculo se fechou de tal modo que eu já não sou mais optável, senão que me tornei odioso aos olhos dos outros. Já não tenho mais forma humana aos seus olhos e por isso passam direto por mim. 

A única alternativa que me restou é a de me contentar com a solidão e o desprezo, mesmo que, uma vez já habituado ao silêncio dessa condição, ainda sinta que ela guarda algo de intrinsecamente errado. 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Equilíbrio

O que sentimos merece certa elaboração, as palavras nem sempre jorram como as águas de um rio mas, muitas vezes, se escondem atrás das pedras e dos galhos do nosso jardim interior, esperando que sejam achadas para então vir a superfície, trazendo um pouco de luz nosso interior obscuro. 

Tanto a alegria quanto a tristeza merecem certa atenção, merecem que sejam cultivadas como uma flor de modo a trazer à tona toda sua beleza. Sim, há beleza mesmo na tristeza, e isso não é uma romantização, mas quando elevada aos píncaros pode dar origem a belas obras, muito embora seu conteúdo não seja nada belo mas, antes disso, horrendamente desolador, ainda pode dar frutos saborosos aos sentidos. Digo isso com uma série de músicas "tristes" que vão desde baladinhas genéricas até grandes movimentos sinfônicos onde a tristeza encontra o ápice de sua expressão e ali, de modo belo, nos coloca diante de uma realidade triste, sim é verdade, mas que ainda é digna de contemplação. 

Há quem viva apenas dos extremos, e não os culpo pois muitas vezes me encontro dentre eles, e cultivam o máximo que podem de seus sentimentos, se entregam a melancolia e as alegrias com a mesma intensidade com que se dão aos vícios. Se entregam até que transbordem, são os artistas, que transbordam em suas obras toda a intensidade de suas experiências. Sinto isso ao ouvir uma música ou ver certas obras de arte, a dor, a tristeza, e algumas vezes até a alegria chegam a ser quase palpáveis. Oh, como é belo quando o homem consegue transformar seus piores dias numa bela obra. Eu, infelizmente só consigo escrever, mas penso que isso pode servir algum dia para alguém tão triste quanto eu. 

É a terceira vez que estou repetindo esse álbum hoje, e a primeira que paro pra realmente ouvir uma de suas faixas, e não simplesmente me obrigar a entrar num estado de letargia e voltar a dormir. É como se eu quisesse absorver dele alguma coisa que eu sei que não vou conseguir, há limites pra música mais popular, a potência sugestiva nunca é tão grande quanto a de uma música clássica. Mas ainda há o que aproveitar. O timbre doce de Yang Yoseop ecoa em meus pensamentos agora e eu começo a imaginar uma série de cenas coloridas, como se fossem lembranças, mas eu nunca vivi nenhuma dessas coisas, trata-se da idealização banal de sonhos bobos que eu sei que nunca se tornarão realidade. É o que essa música me traz, e até isso merece certa elaboração. 

Nossos sonhos dizem coisas sobre nós, e se pessoas grandes tem sonhos grandiosos os meus são bem singelos, desejo uma vida tranquila ao lado de uma pessoa igualmente tranquila. E eu o vejo entrar pela porta de um pequeno café de decoração colorida onde pedimos algumas fatias de bolo e a bebida menos doce do cardápio pra equilibrar. Equilíbrio, esse sonho é o que se encontra no centro das minhas experiências, não é particularmente feliz e nem triste, apenas é, tranquilo, equilibrado, algo que um bipolar como eu só pode sonhar em ser. 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Raro Momento

Experimentando um raro momento de lucidez, numa pausa de uma longa crise depressiva, e gostando da sensação de até mesmo não ter sobre o que escrever, não por me sentir vazio, mas por ser tocado por tal tranquilidade que até meu coração se aquietou e arrefeceu-se por um instante. É bom que as coisas sejam assim, preciso respirar ares melhores do que o eterno ar úmido e quente do meu quarto solitário. 

Me ocorrem pensamentos alegres, coisa que há muito eu já não tinha, e até me vêm ideias de reconciliação, ao que preciso frear meus impulsos para não tomar decisões das quais posso me arrepender depois. Assim como a depressão os períodos de hipomania também oferecem perigos, pois me torno impulsivo demais, o que é sempre arriscado. 

É com gratidão que acolho essa tranquilidade, mesmo sabendo que ela é temporária, é um descanso merecido que meu corpo merece, depois de tantas noites assustadoras e tantos dias de silêncio insuportável. Uma melodia doce é tocada ao longe, me parece um desfile ou uma procissão, e eu fecho o livro sobre meu colo, tomo um gole da taça de vinho e fecho os olhos, vivendo o momento. É, com efeito, um raro momento que eu preciso aproveitar. 

Meus olhos agora enxergam com uma lente colorida, tudo ganhou um pouco mais de vida, as flores não são mais símbolos da morte e sim da vivacidade, o perfume tornou a trazer um significado, ainda que singelo, aos meus sentidos. 

Mas qual foi a minha surpresa ao ser acometido por uma crise de pânico nessa mesma noite em que me sentia tão bem. Foi como estar acordado num pesadelo, o ar faltando, alguma coisa esmagando meu peito, como se fosse empurrado pra baixo, e o pescoço imóvel, o rosto repuxando numa careta bizarra enquanto os dentes batiam com violência. Nenhum pensamento anormal, no entanto. A hiperventilação começou do nada, sem nenhum gatilho que eu tenha identificado. E se prolongou, por duas longas horas, até me lançar nas trevas de um cansaço equivalente a uma catástrofe natural, o corpo dolorido de tanta pressão, acabei ficando na cama mais do que devia, cansado demais pra reagir. 

E, no entanto, o meu pensamento continua claro, muito embora eu já pressinta a chegada da névoa uma vez mais. Planejo dormir um pouco essa tarde, assim talvez eu descanse mais e, como não tenho nada melhor pra fazer na realidade, possa esquecer um pouco o que me aconteceu ontem a noite. 

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Gotas

Eu não quero mais falar sobre essas coisas, sempre as mesmas coisas. Não quero falar do medo que me assombra todas as noites, não quero falar de como me sinto sozinho e incompreendido, não quero falar de como não encontro nenhum significado na minha vida. Não quero falar disso. 

Mas é o que há no meu coração, é o que tem me afligido e, por isso, é só o que tenho a dizer. Infelizmente a minha experiência humana se limita a essas breves realidades de dor e sofrimento, pequenos se comparados com a dor e o sofrimento de tantos, mas ainda assim são a minha dor e o meu sofrimento, é o meu sangue derramado. Por isso eu não consigo falar sobre outra coisa, pois conquanto escrevo me derramando completamente, é o meu sangue que pinta essas letras, gota a gota. 

E cada uma dessas gotas contém minha experiência, elas dão testemunho do imenso vazio que me consome, dos dias parados e das noites tenebrosas, dos anseios e dos pavores que me derrotam dia após dia, que me reduzem a cinzas, dos meus renascimentos e de volta as cinzas, num ciclo interminável, na roda do destino que nunca para de girar. 

E a roda da fortuna começa a girar novamente, eu sou lançado a um dos reinos de existência, e cruzarei todas as seis existências em um dia, sendo deus, sendo demônio, sendo homem, sendo animal, sendo fantasma, num inferno. 

Experimento todas as existências, abomino o destino de estar preso a essa roda de sofrimento como abomino a minha aparência de besta no espelho, como abomino os meus apetites animalescos mais baixos, como abomino as guerras intermináveis que me destroem cada dia mais, destruindo até o átomo, não deixando nada, e a cada novo dia eu renasço para morrer novamente, depois de cada existência. E cada uma delas é uma gota no ser, apenas uma gota no imenso oceano desconhecido do ser. 

Onde estarão os devas para me resgatar? Mas de que adianta se lá eu posso tornar a cair em qualquer um dos reinos novamente? Não há patrono que me possa resgatar. E eu, pobre, que farei, a quem invocarei quando tudo já foi chamado a juízo e o justo Rei já decidiu o meu castigo, que parece ser a eterna repetição dos meus ciclos?

De repente cessou a erupção
fez-se silêncio no seu coração
calou-se a multidão
e o tudo retornou ao nada

Silêncio e vazio por toda parte

E um dia inteiro se passou

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Meus Dias Favoritos

Dias assim são, de longe, os meus favoritos. São dias de paz, dias em que eu consigo me sentir verdadeiramente tranquilo, com o coração se palpitar e sem inflamar-se, me sinto plenamente em paz. Eu me deito com os olhos tapados, a música lenta em altura ideal, a cama quente num dia frio como hoje, e adormeço. Adormeço profundamente por várias horas, levado ao outro mundo por altas doses de remédios pra dormir. Lá naquele lugar, que eu não me lembro onde é de tão profundo em mim, não chega o pânico, não chega o terror noturno, eu não sinto ansiedade e nem medo do futuro, não sinto nada, e isso é o melhor. Acordo revigorado, inteiro, como se nada faltasse, como se esse sono fosse, e é, o ponto alto da minha vida. Não consigo nem sequer encontrar outras palavras para descrever a paz desse estado, a tranquilidade dessa minha dopada candura, desse sono reparador que e devolve aquilo que o mundo me tirara. Naquelas horas eu recupero o que o barulho do mundo tirou de mim de modo covarde. Eu não sinto o vazio, é como se ele não existisse, e eu não sinto medo, é como se tudo se desfizesse numa nuvem que se torna cada vez mais densa e agradável, que vai abraçando e me levando pela mão até o paraíso. Acordo então, no fim do dia, ou às vezes no dia seguinte, completamente revigorado. 

X

Eu nunca tive uma boa autoestima, sempre fui muito crítico, e muitas vezes até mesmo injusto, comigo mesmo. Mas, desde que me dei conta do quanto eu engordei eu tenho me odiado num nível jamais visto. Queria muito poder usar aquele discurso de aceitação dos corpos como eles são mas a verdade é que eu acho lindo quem se aceita mas eu não consigo me aceitar assim, o meu ideal de beleza é real e praticamente inalcançável mas é ele que pauta o que eu quero, o que eu acho belo. Mas quando eu me olho no espelho e vejo que a cada dia estou mais distante desse ideal, me sinto um lixo, me sinto incompetente, me sinto absolutamente insuficiente. E isso é horrível. Olhar-se e se odiar por não ser como gostaria de ser. Eu só queria ser melhor e não que todos os aspectos da minha vida estivessem cada vez piores, e minha autoestima só piora tudo, jogando ainda mais lenha na fogueira em que eu mesmo me lancei. Por isso eu não quero me ver, não quero fazer uma maquiagem e tirar fotos, não quero me olhar no espelho nem mesmo quando escovo os dentes, quero fingir que não existo e, quem sabe, um dia eu deixe mesmo de existir. 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Forma

Em busca de algo que possa me consolar, ainda que nada tenha acontecido pra me deixar triste, algo que possa me completar embora eu não saiba o quê falta em mim, algo que preencha esse vazio. Será alguém, alguma coisa, alguma experiência? Não sei dizer. O que eu sei é que há essa imperfeição fundamental, esse vazio que encontro bem no âmago do meu se e que me assusta desde meu primeiro pensamento. Há sempre esse medo a me espreitar, sempre essa sensação de que algo me falta, esse gosto amargo na boca. E eu não sei o que fazer. Fico perdido sem conseguir reagir. Não posso simplesmente ignorar e não consigo enfrentá-lo de frente também. Que inimigo é esse que me cerca por todos os lados e não me dá oportunidade sequer de enxergá-lo, eu o enfrento sem saber que forma tem, e as vezes penso que ele tem a minha forma, que sou eu mesmo a parte que falta em mim e apenas não me dei conta disso ainda. Que inimigo é esse que me faz apaixonar para apenas me cravar uma adaga de prata no peito expondo o vazio que há ali? É um vazio quase palpável, é esmagador e assustador. É tão grande que parece se materializar e tomar forma, uma forma que eu não consigo descrever, mas eu o sinto se espalhar ao meu redor, depois de transbordar do meu coração. Ele se espalha e me abarca e transcende infinitamente, um vazio sem fim, um abismo que olha pra mim no fundo dos meus olhos escuros, escuros como esse mesmo abismo. O que poderá me preencher, me corresponder, me completar? O que nesse mundo será a resposta para as minhas questões? Onde está a verdade que eu tanto busco? Haverá essa verdade em algum lugar? Haverá mais do que decepções e fracassos? Mais do que o terror noturno e a peste? Mais do que dormir para fazer os dias passarem mais rapidamente? Haverá vida de verdade como vejo nas redes sociais e como estampam as celebridades nas belas capas de revista? Haverá mais do que a minha mente confusa, meu coração partido e meu orgulho ferido? 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Histórias Para Onde Retornar

Amontoavam-se na saída e conversavam alegremente, eu mesmo distante, perto e hipnotizado por um sorriso especial, ainda conseguia distinguir algumas vozes, vozes que muitas vezes ouvi me dizerem palavras de conforto e de carinho. Mas essas vozes se calaram, de modo algum eu as escuto mais, por mais atento que esteja, e o carinho que tinham por mim se foi. Eu senti aquilo como uma moeda fazendo barulho ao cair no chão, um estalido repentino, mas quando ela chegou ao fundo não doeu, eu sabia que ao sair dali e entrar no carro silencioso eu tinha uma história me aguardando, e eu esperava ansioso não mais pela companhia dos outros no fim do dia mas apenas dessa história, era ela a companhia que eu queria. E as vozes que me acalmam nos momentos de pânico não são mais a de outros mas as deles, tão distantes física e culturalmente de mim, mas ao mesmo tão próximos e tão prontos a me ajudar a superar os terrores noturnos. São essas as vozes que eu agora escuto quando não quero, ou não posso, ouvir mais ninguém. São elas que me fazem companhia nessa vida solitária em busca de um sentido, elas têm sido meu único sentido. E então eu desci os degraus lentamente, sem olhar para trás, e entrei no carro, deixando a todos que, sorrindo, ainda conversavam, e voltei para minha história de amor. 

X

Mas, no fim das contas, as coisas não aconteceram como eu esperava, e nada foi capaz de silenciar as vozes dos demônios que me cercavam. As vozes das pessoas não funcionou no passado e as vozes de agora também não, só podem abafar por um instante a balbúrdia satânica que acontece no meu coração mas silenciar jamais, é uma tormenta que não cessa, não diminui a menos que ela queira me deixar em paz mas, se ela quiser, pode me fazer prostrar por terra, e foi o que eu fiz, prostrei-me ante o terror que me assombra à noite. E naquela noite eu temi não sair vivo de lá, como não saí de fato, senão que me sinto como morto caminhando apenas com uma casca vazia, uma concha donde não se pode ouvir o mar mas sim as risadas malignas daqueles que me cercaram para me destruir, e o conseguiram, pois o homem que se deitou aquela noite não era mais nada senão o que restou de mim, uma sombra do que fora um dia, destruído pelo pavor, a face do próprio desespero. E isso foi tudo. Não houve amor, e nem história que o contasse, que me tirasse daquele horror. Não havia asa onde pudesse me abrigar, apenas a setas das quais eu não podia me defender, os dardos inflamados do maligno a me perder. No fim não houve um lugar para onde eu pudesse retornar.

X

Deitei-me na cama depois de um dia mentalmente intenso, fechei os olhos por alguns instantes e deixei que os pensamentos fluíssem naturalmente, e então confuso, me perguntei o que eu sentia naquele momento. A resposta foi medo. Sentia medo de sair, medo do que poderia encontrar lá fora, medo do futuro e do que poderia me aguardar, do que posso ser obrigado a enfrentar. Medo do meu lar em ruínas e medo das ruínas que eu próprio me tornei. Medo do barulho e do silêncio. Medo do escuro. Medo dos olhares frios e das risadas de desdém. Medo do passado que não voltará jamais e que, no entanto, volta pra me aterrorizar. Medo dos pânicos noturnos, dos males súbitos, das mortes inesperadas, das tragédias anunciadas. Medo que as histórias cessem de fazer sentido, medo que eu nunca encontre um sentido. Medo dos meus medos, e do horror que eles me causam. E então, deitado ali os meus pensamentos me paralisaram, e eu tremi de medo, sozinho e consciente de mim mesmo nessa imensidão, e então eu percebi que tudo isso já estava aqui. 

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Do Ser

Um dedilhado lento ao violão, uma voz de fundo, quase inaudível. Eu já não consigo mais falar como antes, o brilho daquela noite se perdeu na vasta escuridão do véu de Nix, minha voz se calou e meu corpo cessou de reagir, como que possuído por espírito paralisante, o terror se aproximando das minhas narinas, me fazendo sentir o fétido odor. Sim o mundo é bonito, mas nem sempre eu consigo contemplá-lo, em algumas vezes é como se estivesse de olhos fechados, e tudo o que vejo é essa escuridão sem fim. 

Humano demasiado humano, minha condenação, de volta à minha cela, sem luz e sem guia, o coração que ardia prestes a se apagar. A música no fundo é a única coisa viva nesse claustro, eu apenas existo numa forma inferior de ser. Aquilo que existiu por ínfimo instante não cessa de existir jamais na história do ser, mas eu sinto como se fosse lentamente desaparecendo, como se, não sendo mais eu fosse apagado da história do ser. 

E, não sendo mais do que sou, o que eu serei então quando parece que deixo de ser? 

Não parece que eu sou o mesmo que ontem à noite era aquele que sorria e bebia, mas eu já pressentia a chegada dela. E ela sempre vem. E eu sempre me desfaço, me perco. E não há nada que eu consiga fazer. 

A única coisa que me conforta é saber que as noites escuras sempre passam, por mais que demorem. 

Aqui a poesia perde sua rima, as flores perdem as pétalas, é inverno, é noite e ao longe todos festejam, mas aqui é apenas como se estivesse em companhia da morte, do silêncio e da solidão. É como se estivesse no ato final da tragédia, prestes a ver as cortinas se fecharem de uma vez. 

Eu estou mesmo desaparecendo, pouco a pouco, minha personalidade se desfazendo como cinza, e em breve eu retornarei ao nada. 

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Aceitação

Aceitar. É a palavra mais importante quando o assunto é a vida. Aceitar as verdades como elas são, apreender a estrutura da realidade como ela é. 

Aceitar. Aceitar que o universo é completamente indiferente a cada um de nós, e que não conspira contra ou a favor de ninguém, aceitar que a vida é sim uma sucessão de angústias, medos e dores que se revezam com breves momentos de gozo, de alegrias ou de simples resignação. Aceitar que alguns, quase todos, sonhos não se realizam, que aquela profissão dos sonhos talvez não seja mais pra você aos vinte e seis anos, e aquele papo de que nunca é tarde demais pra começar é papo furado, é conversa de gente que logo vai precisar tomar remédios. Aceitar que as pessoas são hipócritas e muitas vezes não fazem nenhum esforço pra esconder isso. Aceitar que é melhor se contentar em contemplar a beleza do outro do que esperar a própria beleza dar as caras. Aceitar que amigos se vão com a mesma facilidade com que chegam. Aceitar que nem tudo tem um sentido e que isso pode ser, antes de um desespero, uma libertação. Aceitar que paixões não vão em frente e que você nunca mais volte a ver aquela pessoa que conquistou seu coração. Aceitar que, às vezes, alguns casais dão certo porque se esforçam pra isso, mas talvez não seja o seu caso.

Quanto mais cedo aceitar isso, essas verdades cruas, quanto mais cedo livrar-se de sonhos bobos e idealizações, mais fácil pode tornar-se a forma como levamos a vida, mas note bem, a forma como a levamos, não quer dizer que vai ficar mais fácil, mas pelo menos não vamos piorar tudo com o sentimento de culpa, de incapacidade, de decepção. Quanto antes aceitar a verdade mais estaremos armados com ela quando a vida vier de frente pra nos destruir, pra nos destroçar. Mesmo que ela venha com um exército nós temos ao menos um pequeno punhal. 

É assim que levamos a vida, tentando aceitar, um dia de cada vez, as suas verdades cruéis, e ver o que dá pra fazer com isso. E às vezes teremos consolações, seja um chocolate quente num dia frio ou o cair da chuva no início da noite, coisas simples e pequenas, num mundo tão grande e que exige tanta aceitação. 

Parte da felicidade vem de ter aceitado a realidade como ela é, sem ir contra suas leis, sem achar que a própria vontade pode transformar o universo. Parte da felicidade vem em aceitar que temos controle sobre pouquíssimas coisas, sobre quase nada na realidade, e que se abrir a presença total do ser em todas as coisas existentes é estar de acordo com a realidade, é fazer como Hegel que olhava para uma montanha por longos minutos e depois chegava a conclusão: É, de fato é assim!

É, de fato é assim, e não temos como mudar. quase nada apenas com nossa própria vontade. Aceitar isso é primordial. Aquela pessoa não vai se apaixonar por você de repente, o emprego dos sonhos não vai surgir do nada, os problemas não vão desaparecer, ou talvez desapareçam, quem sabe. O fato é que não temos controle sobre nada e que as coisas vem e vão independente da nossa vontade, e a nossa vontade é pífia, tendo valor somente para nós. 

Por isso amizades acabam, pregadores se tornam hipócritas, amores acabam e flores murcham como se não fossem nada. Grandes cidades são cobertas pelas areias do tempo, tudo retorna ao nada e somos obrigados a lidar com as consequências de nossas decisões, ainda que elas nos deixem sozinhos, é uma solidão consciente, diferente daquela solidão quando todos faziam barulho ao seu redor ou quando todos te deixaram que você soubesse o motivo. E cabe a nós aceitar, aceitar que as coisas são assim. É a realidade. 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Um dos piores

 "O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas vivem até suas mortes. A maioria das mortes das pessoas é um engano. Não sobrou nada para morrer." (Charles Bukowski)

Hoje foi, sem a menor sombra de dúvida, um dos piores dias da minha vida. E nem aconteceu nada extraordinariamente ruim, só uma profunda depressão que veio com força, me deixando prostrado, completamente rendido pela sua força avassaladora. E essa melancolia fez tudo ficar superlativamente ruim, sejam as brigas em casa ou o incômodo dos outros. Transformou tudo num vendaval que saiu destruindo as moradas por onde passou. Estou absolutamente destruído, sem forças para mais nada. Não sobrou nada para morrer. 

Eu já estava morto desde a hora em que acordei, e continuei morto enquanto gritavam impropérios e maldições, e ainda estava morto quando não me deixavam em paz com obrigações que não eram minhas. Não me restaram forças nem mesmo para continuar a escrever, senão que emprego minhas últimas gotas de ser nessas palavras, e o mais que faço não vale nada. Ou melhor, não faço mais nada.  

Hoje foi um dos piores dias da minha vida, e não sei como cheguei ao fim dele com vida, se é que pode-se chamar essa última centelha de vida, senão que é apenas o que um dia já foi uma brasa viva. Que posso mais dizer? Ontem meu coração estava ardente, hoje sobraram apenas as cinzas. Do que eu era antes não sobrou mais do que o pó, o nada.

E assim recomeça o ciclo, e assim gira a roda da vida mais uma vez, onde cairá a espada do destino?

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Melancolia


De repente me veio a falta de alguém, alguém que me abraçasse, que me tocasse com delicadeza, que me beijasse a testa como a brisa do mar beija meu rosto. Alguém que segurasse firme a minha mão, afastando os demônios que me cercam e me deixando consciente da minha própria presença, não querendo afastar a presença do ser como agora. Alguém que me ame, de verdade, que não me apunhale pelas costas na primeira oportunidade. Alguém que correspondesse ao meu coração ardente. De repente me vem essa falta de alguém e às vezes ela fica, e se instala no meu peito e cresce como uma erva daninha, me sufocando, me apertando, aos poucos me matando de vontade de ter alguém. 

E essa vontade, que vai crescendo cada vez mais, transborda em lágrimas, na constatação de eu estou absolutamente sozinho nesse quarto escuro e que nada pode afastar os demônios que me cercam. Esse medo de que eles me matem me dói, essa constatação da minha solidão me dói, dói de verdade, dói aqui fora e não só como figura de linguagem. Ser triste e sozinho dói.

De repente veio ela, a melancolia.

E eu vejo que há sabedoria nessa melancolia, os antigos gregos já tinham percebido isso, não é um mérito meu, mas ela vem acompanhada dar dor que é carregar essa sabedoria. É como se eu pudesse ver mais, com efeito muitas vezes eu sinto que vejo mais do que outros conseguem, que vejo de modo mais amplo, mais cru, mas ao mesmo tempo isso tem um custo: sacrificar a própria felicidade. Ver as coisas como elas são, por mais que eu fuja disso, é dolorido. Ver a verdade é desistir da felicidade. A vida não passa de uma sombra ambulante, dizia Macbeth (eu acho). E o melancólico é aquele que dar-se conta dessa sombra. Enquanto os outros olham para si mesmo o melancólico olha também pra baixo e vê sombra. O problema da melancolia é que ela paralisa. Ela nos impede de ir adiante. Eu olho pra mim e vejo potencial, mas um potencial desperdiçado em cima de uma cama. Essa é a minha sombra. 

E fico na sombra, sozinho, desejando que alguém pudesse vê-la comigo. 

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Desconexo

Sinto que eu posso ser mais, na verdade que eu poderia ser mais, e esse não é um discurso vitimizante em que eu digo que posso fazer o que eu quiser apenas se eu desejar de verdade, não, isso é bobagem, mas o que eu sinto é que nunca dou totalmente de mim em nada. 

Eu olho pros livros na minha estante, e nos que estão em cima da minha cama, e eu sei que poderia ter lido todos eles na metade do tempo. Eu penso no meu emprego e sei que poderia ter distribuído mais currículos do que já distribuí, que poderia ir mais longe e tentar emprego em outras cidades também. Eu poderia fazer mais, e não faço. 

Tem algo que me puxa pra baixo, e eu sei bem o nome dela, que me deixa aprisionado, que me faz preferir tomar remédios e dormir como se isso fosse resolver o problema quando na realidade eu só o adio e já venho adiando mais do que deveria. Os anos vem passando, e os vejo correr bem diante de meus olhos como um pássaro que voa rapidamente rasgando o ar e nada o detém. 

Mas eu estou detido, e impedido de seguir em frente, dopado, entorpecido, andando na mesma frequência da minha trilha sonora irregular que vai desde a música sacra ao pop japonês passando por uma infinidade de outros ritmos e estilos como o indiano tradicional e o popular tailandês. E o que tudo isso revela sobre mim? Que estou perdido, absoluta e completamente perdido, no tempo e no espaço. Pareço estar em Neverland mas estou em lugar nenhum, ou melhor, sinto que não estou e que não pertenço a lugar nenhum, 

Mas se é assim o que me impede de ir embora e tentar a vida no sul como quer minha família? Medo, pura e simplesmente medo. Eu não pertenço a lugar nenhum mas estou preso aqui, e essa é a contradição em que vivo. Será isso, no entanto, vida de verdade? 

X

Não posso dizer que não sinto falta, isso seria uma grande mentira. Estar em um grupo me dava a distração necessária pra afastar alguns demônios que agora me atacam sem medo. Eu não sentia que pertencia aquele lugar, mas algo deles ficou em mim e eu deixei um pouco de mim também, eu me entreguei por inteiro. Hoje a solidão me faz companhia. Isso porque o que eu ganhei foi o oposto do que dei, ao lugar de amor eu só fui usado e descartado, já sem valor algum. Sinto falta sim, mas é um passo que eu dei e que não posso voltar atrás. 

X

E todo dia é uma lamúria permanecer de pé, o mundo me parece chato, tedioso, e só quando estou dormindo pareço encontrar prazer verdadeiro. Ficar acordado é uma tortura que eu não consigo descrever e cada momento assim o meu ser implora, desde cada fibra até o tutano, para que eu durma, que eu durma e esqueça, na minha doce alcova, dessa existência miserável. Seria tão melhor se eu pudesse dormir pra sempre, essa seria a plena realização. Mas eu não posso, e preciso me distrair então com livros, músicas, pessoas, tudo isso não passa de uma distração pra que eu não fique cara a cara com o imenso vazio que há em mim. E, nos poucos momentos despertos em que ele espreita minha consciência eu me dou conta, do quão vazia é essa existência.

X

O dia passou lentamente, como se estivesse se arrastando. Antes do meio-dia eu já havia assistido uma aula, lido várias páginas, comido e ainda estávamos na metade do dia. Tive de fazer muito pra conseguir chegar ao fim. Assisti ao exageradamente longo episódio de uma série, li mais um pouco, assisti outra aula, dormi, escrevi, e finalmente anoiteceu, ainda tendo tempo sobrando. Isso é insuportável. Eu sei que um emprego resolveria facilmente esse problema mas isso não é uma solução, é outro problema. 

A preguiça agora me domina, eu só queria dormir, é o que mais anseio nesse momento e, no entanto, prometi a mim mesmo que aguentaria mais tempo acordado, ainda que isso signifique o tédio absoluto de viver num mundo no qual eu simplesmente não quero viver. Nem mesmo posso dar a esse texto um acabamento decente, sendo ele um reflexo dos pedaços em que estou, desconexo e tedioso. Frágil, vazio e sem contorno. Quisera eu poder adorná-lo com uma bela armadura de prata, mas tudo o que consigo fazer é despejar aqui o que já não cabe mais no meu coração, por mais feio que seja,