sábado, 19 de fevereiro de 2022

Gemidos Inefáveis



"Quien habla solo espera hablar a Dios un dia." 
Antônio Machado

Espero um dia ser ouvido, que meus balbucios se tornem palavras diante do Rex Tremendae e que não sejam vãs. Que, quando eu for reduzido à minha essência, ela seja um perfume agradável e assim me apresente diante d'Ele. Pois, por enquanto, ainda sou muito baixo para me colocar em sua presença, muito cheio de pecados para me fazer ouvir, o som que sai de mim é meu testemunho contra minha própria existência. 

Mas, enquanto pareço falar sozinho, do alto de minha montanha solitária, espero encontrar ouvidos atentos as minhas preces, pois tudo o que digo, no fundo, são preces onde imploro por não ser engolido pelos fantasmas desse mundo. A solidão, o orgulho, a luxúria parecem abafar todas as outras vozes mas eu clamo ser ouvido dentre elas, que meus gemidos inefáveis sejam audíveis ao único juiz do castigo, que minha voz não se perca entre as multidões. 

X

Prefere estar sozinho ou rodeado de pessoas? 

Por mais reconfortante que a solidão possa ser em sua liberdade, ela não me parece certa, apenas naqueles momentos que realmente precisamos do vazio e do silêncio para nos recompor. Mas estar rodeado de pessoas é o normal, é com o barulho dos outros que abafamos o barulho da nossa própria mente, seja do mais erudito ao mais tolo todos o fazem, variando apenas o grau de consciência com que fazemos isso, com que fugimos do pavor que é estar só, sentir-se só, com medo, absolutamente desamparado em toda sua vulnerabilidade. 

Que fantasmas se escondem na sua solidão? Que demônios habitam a escuridão dos recessos da sua mente distorcida? O pavor pode dobrar até a mente mais sólida como se não fosse nada, e ele chega pra todos em algum momento. 

E algumas vezes assumimos o posto de Fera, mantendo a Bela em cativeiro, com medo de que nos revelemos realmente bestiais em nossa solitária fortaleza. Assumimos a Fera na esperança de que a Bela encontre algo além dessa criatura dentro de nós mesmos, porque quando olhamos no espelho não vemos mais do que a fera, uma fera que grita e urra e seus desejos mais primitivos, uma fera que é a personificação da alma solitária em toda sua extensão. 

Sou fera, sou monstro, sou atormentado constantemente pelo demônio, sou impulso e ao mesmo tempo calmaria, tempestade e brisa leve, uma equação irredutível demais, não posso, não consigo e não quero me encaixar. 

Estou sozinho mas não é assim que queria estar, não é assim que as coisas deveriam ser, não me parece certo. 

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