segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Histórias Para Onde Retornar

Amontoavam-se na saída e conversavam alegremente, eu mesmo distante, perto e hipnotizado por um sorriso especial, ainda conseguia distinguir algumas vozes, vozes que muitas vezes ouvi me dizerem palavras de conforto e de carinho. Mas essas vozes se calaram, de modo algum eu as escuto mais, por mais atento que esteja, e o carinho que tinham por mim se foi. Eu senti aquilo como uma moeda fazendo barulho ao cair no chão, um estalido repentino, mas quando ela chegou ao fundo não doeu, eu sabia que ao sair dali e entrar no carro silencioso eu tinha uma história me aguardando, e eu esperava ansioso não mais pela companhia dos outros no fim do dia mas apenas dessa história, era ela a companhia que eu queria. E as vozes que me acalmam nos momentos de pânico não são mais a de outros mas as deles, tão distantes física e culturalmente de mim, mas ao mesmo tão próximos e tão prontos a me ajudar a superar os terrores noturnos. São essas as vozes que eu agora escuto quando não quero, ou não posso, ouvir mais ninguém. São elas que me fazem companhia nessa vida solitária em busca de um sentido, elas têm sido meu único sentido. E então eu desci os degraus lentamente, sem olhar para trás, e entrei no carro, deixando a todos que, sorrindo, ainda conversavam, e voltei para minha história de amor. 

X

Mas, no fim das contas, as coisas não aconteceram como eu esperava, e nada foi capaz de silenciar as vozes dos demônios que me cercavam. As vozes das pessoas não funcionou no passado e as vozes de agora também não, só podem abafar por um instante a balbúrdia satânica que acontece no meu coração mas silenciar jamais, é uma tormenta que não cessa, não diminui a menos que ela queira me deixar em paz mas, se ela quiser, pode me fazer prostrar por terra, e foi o que eu fiz, prostrei-me ante o terror que me assombra à noite. E naquela noite eu temi não sair vivo de lá, como não saí de fato, senão que me sinto como morto caminhando apenas com uma casca vazia, uma concha donde não se pode ouvir o mar mas sim as risadas malignas daqueles que me cercaram para me destruir, e o conseguiram, pois o homem que se deitou aquela noite não era mais nada senão o que restou de mim, uma sombra do que fora um dia, destruído pelo pavor, a face do próprio desespero. E isso foi tudo. Não houve amor, e nem história que o contasse, que me tirasse daquele horror. Não havia asa onde pudesse me abrigar, apenas a setas das quais eu não podia me defender, os dardos inflamados do maligno a me perder. No fim não houve um lugar para onde eu pudesse retornar.

X

Deitei-me na cama depois de um dia mentalmente intenso, fechei os olhos por alguns instantes e deixei que os pensamentos fluíssem naturalmente, e então confuso, me perguntei o que eu sentia naquele momento. A resposta foi medo. Sentia medo de sair, medo do que poderia encontrar lá fora, medo do futuro e do que poderia me aguardar, do que posso ser obrigado a enfrentar. Medo do meu lar em ruínas e medo das ruínas que eu próprio me tornei. Medo do barulho e do silêncio. Medo do escuro. Medo dos olhares frios e das risadas de desdém. Medo do passado que não voltará jamais e que, no entanto, volta pra me aterrorizar. Medo dos pânicos noturnos, dos males súbitos, das mortes inesperadas, das tragédias anunciadas. Medo que as histórias cessem de fazer sentido, medo que eu nunca encontre um sentido. Medo dos meus medos, e do horror que eles me causam. E então, deitado ali os meus pensamentos me paralisaram, e eu tremi de medo, sozinho e consciente de mim mesmo nessa imensidão, e então eu percebi que tudo isso já estava aqui. 

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