sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Aceitação

Aceitar. É a palavra mais importante quando o assunto é a vida. Aceitar as verdades como elas são, apreender a estrutura da realidade como ela é. 

Aceitar. Aceitar que o universo é completamente indiferente a cada um de nós, e que não conspira contra ou a favor de ninguém, aceitar que a vida é sim uma sucessão de angústias, medos e dores que se revezam com breves momentos de gozo, de alegrias ou de simples resignação. Aceitar que alguns, quase todos, sonhos não se realizam, que aquela profissão dos sonhos talvez não seja mais pra você aos vinte e seis anos, e aquele papo de que nunca é tarde demais pra começar é papo furado, é conversa de gente que logo vai precisar tomar remédios. Aceitar que as pessoas são hipócritas e muitas vezes não fazem nenhum esforço pra esconder isso. Aceitar que é melhor se contentar em contemplar a beleza do outro do que esperar a própria beleza dar as caras. Aceitar que amigos se vão com a mesma facilidade com que chegam. Aceitar que nem tudo tem um sentido e que isso pode ser, antes de um desespero, uma libertação. Aceitar que paixões não vão em frente e que você nunca mais volte a ver aquela pessoa que conquistou seu coração. Aceitar que, às vezes, alguns casais dão certo porque se esforçam pra isso, mas talvez não seja o seu caso.

Quanto mais cedo aceitar isso, essas verdades cruas, quanto mais cedo livrar-se de sonhos bobos e idealizações, mais fácil pode tornar-se a forma como levamos a vida, mas note bem, a forma como a levamos, não quer dizer que vai ficar mais fácil, mas pelo menos não vamos piorar tudo com o sentimento de culpa, de incapacidade, de decepção. Quanto antes aceitar a verdade mais estaremos armados com ela quando a vida vier de frente pra nos destruir, pra nos destroçar. Mesmo que ela venha com um exército nós temos ao menos um pequeno punhal. 

É assim que levamos a vida, tentando aceitar, um dia de cada vez, as suas verdades cruéis, e ver o que dá pra fazer com isso. E às vezes teremos consolações, seja um chocolate quente num dia frio ou o cair da chuva no início da noite, coisas simples e pequenas, num mundo tão grande e que exige tanta aceitação. 

Parte da felicidade vem de ter aceitado a realidade como ela é, sem ir contra suas leis, sem achar que a própria vontade pode transformar o universo. Parte da felicidade vem em aceitar que temos controle sobre pouquíssimas coisas, sobre quase nada na realidade, e que se abrir a presença total do ser em todas as coisas existentes é estar de acordo com a realidade, é fazer como Hegel que olhava para uma montanha por longos minutos e depois chegava a conclusão: É, de fato é assim!

É, de fato é assim, e não temos como mudar. quase nada apenas com nossa própria vontade. Aceitar isso é primordial. Aquela pessoa não vai se apaixonar por você de repente, o emprego dos sonhos não vai surgir do nada, os problemas não vão desaparecer, ou talvez desapareçam, quem sabe. O fato é que não temos controle sobre nada e que as coisas vem e vão independente da nossa vontade, e a nossa vontade é pífia, tendo valor somente para nós. 

Por isso amizades acabam, pregadores se tornam hipócritas, amores acabam e flores murcham como se não fossem nada. Grandes cidades são cobertas pelas areias do tempo, tudo retorna ao nada e somos obrigados a lidar com as consequências de nossas decisões, ainda que elas nos deixem sozinhos, é uma solidão consciente, diferente daquela solidão quando todos faziam barulho ao seu redor ou quando todos te deixaram que você soubesse o motivo. E cabe a nós aceitar, aceitar que as coisas são assim. É a realidade. 

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