terça-feira, 31 de maio de 2022

Resenha: What Zabb Man!

Sempre gosto de dar um pouco de atenção para aquelas séries que poucas pessoas comentam mas que frequentemente me surpreendem, seja pela simplicidade ou pelo carisma que elas transmitem. 

What Zabb Man! conta a história de Poon (Peter Chonpachara, de Hidden Love), um jovem trabalhador que luta pra sustentar ele e seu irmão vendendo comida numa daquelas barraquinhas de rua bem comuns na Tailândia, em muitos lugares aqui do Brasil também. Ele acaba tendo um encontro desagradável com Tian Athip (Boss Thawatchanin, também de Hidden Love), dono de um grande hotel e um famoso restaurante de comida tailandesa. Depois de descobrir irregularidades em sua cozinha e demitir o seu Chef ele procura alguém para substituí-lo, ao que seu amigo recomenda Poon, sem saber que eles já se conheciam. A princípio eles logo começam a se estranhar, mas Poon acaba aceitando a proposta do emprego para provar a Tian que sua comida é boa, o que surpreende o arrogante empresário. 

Também temos a história do estiloso Mayom (Bank Toranin, de Gen Y) que trabalha no restaurante do hotel e recebe uma crítica não muito boa de Tengnueng (Bonus Tanadech, também de Gen Y), um youtuber especializado em críticas gastronômicas. Depois de se desentenderem por isso eles acabam se encontrando de novo por acaso e Mayom livra o outro de uma perseguição, o que acaba por aproximá-los. Mayom não demora a gostar de Tengnueng mas ele já tem um namorado, Thaenkhun (Jet Bundit, de My Mate Match) que, apesar de namorarem há 5 anos, ainda insiste em manter seu relacionamento em segredo.

A história gira então em torno desses dois núcleos, com Tian logo se apaixonando e decidido a conquistar Poon, muito embora eles ainda soltem faíscas quando se encontram, e Mayom tentando chamar a atenção de Tengnueng, o que não é muito difícil já que ele vive sendo machucado pelo namorado.

Tian é arrogante e prepotente e isso causa logo um choque com a personalidade forte e orgulhosa de Poon, que se sente responsável pelo irmão e faz de tudo para cuidar dele. Os dois demoram a baixar a guarda um com o outro mas é inevitável que novos choques aconteçam o tempo todo. O convívio, no entanto, vai revelando um lado de ambos que eles escondem: a doçura de Tian e a fragilidade de Poon que sente responsabilidade demais sob suas costas, e é aí que as coisas começam a andar.

A série pode não ter o plot mais empolgante de todos, mas é bem divertida, sendo uma comédia leve, nada que chegue ao nível de um pastelão. As cenas dramáticas não convencem muito mas ainda assim o clima romântica é até agradável. Tian coloca de lado sua postura séria e arrogante pra ir com tudo pra cima de Poon, que não cede com facilidade e deixa claro desde o início que só um homem gentil pode ter seu coração. 

Mayom também não desiste e fica ao lado de Tengnueng quando ele mais precisa, mostrando ao outro aos poucos a gentileza dos seus sentimentos, e isso toca o rapaz que ainda tem assuntos inacabados para resolver.

Mesmo não sendo revolucionária ou super empolgante como tantos outros lançamentos desse anos a série cumpre seu papel: é leve e divertida, indo bem numa maratona, prometendo um clima fofo e aconchegante. Infelizmente não há muitos pontos a serem destacados, tudo na obra é mediano, desde o roteiro até a direção, passando pela atuação dos protagonistas. Essa inclusive é a segunda série em que Boss e Peter são protagonistas e um casal, o que coloca neles uma responsabilidade maior, embora eles tenham química um com o outro faltou um pouco mais de aproximação e os beijos, por exemplo, foram bem sem graça para dois atores que já se conheciam e trabalharam juntos. 

Bonus e Bank por outro lado continuam esbanjando a química que já tinham em Gen Y, e aqui conseguiram reproduzir um pouco daquela tensão sexual toda que tinham na outra série, embora a proposta em What Zabb Man! não seja tão ousada. Terminaram sem um beijo, mas pelo menos juntos e felizes.

Por fim, não é a melhor série do ano, mas mostrou uma história bonitinha até, e fica longe de decepcionar, valendo a pena dar uma chance quando se estiver procurando algo fofo para assistir.

Nota: 08/10

Lembranças do Tofu

Na noite escura o sono me abandonou, e olhando algumas coisas, eu acabei me lembrando daquele sorriso meigo, do jeitinho doce e inocente daquele rapazinho que não sabia como virou humano. Eu me vi mais uma vez lembrando do Tofu, o ursinho que virou menino por um milagre para ensinar ao seu dono o que era o amor. E me venho a mente a imagem dos seus momentos mais célebres, ele que representou tanta virtude, tanta força, tanto amor e que aprendeu logo que ser humano é ser complicado e repleto de dores, mas também é ser capaz de levar amor e conforto ao outro, é poder ficar ao lado de quem se ama e, num abraço apertado, juntar os caquinhos em que se desfizeram o coração de alguém que tanto sofreu que já não acredita mais ser capaz de amar ou ser amado. E então ele, com seu jeito espontâneo, foi ensinando isso a todos ao seu redor. Ele se dedicou a cuidar, amar, a levar um pouco de esperança pra quem já havia se conformado a viver numa realidade cinza e fria, ele trouxe de volta as cores que antes haviam se tornado opacas. Tanto carinho, tanta ternura, tanta inocência mesmo em meio a tanta angústia, mesmo em meio ao medo de não saber qual seria seu futuro, mesmo quando ele entendeu qual deveria ser sua última missão para devolver de uma vez por todas a vida e o amor aqueles que ele amava. 

Eu aprendi muito com aquele ursinho, e pode parecer exagero da minha parte escrever mais uma vez sobre ele, mas a verdade é que nunca antes um personagem havia me marcado tão profundamente. Eu penso nele, na sua jornada, no seu sorriso, todos os dias e todos os dias eu ainda me emociono ao lembrar do seu sacrifício, ao me lembrar de como ele conseguiu reerguer aquela casa que estava destroçada pelos fantasmas do passado, em como ele conseguiu fazer o seu amado voltar a sorrir mesmo vendo tudo ao seu redor desmoronar sem que ele pudesse fazer muito para mudar isso. Não tem como eu não me emocionar, e as lágrimas insistem em retornar, ao me lembrar das lições que ele me ensinou. Não tem como eu me tornar indiferente a essas demonstrações de tão elevado valor. Valores que eu já não conseguia enxergar, esperanças que eu mesmo já tinha visto se extinguirem, e que ele me ensinou a voltar a acreditar. E acho que essa é, talvez, a lição mais importante que o ursinho tenha me ensinado: voltar a acreditar, voltar a ter esperança.

Ele que não deixou de acreditar que podia fazer o Nut feliz, que não deixou de acreditar que Nut podia e queria ajudar sua mãe porque ele a amava realmente e, por mais que doesse, ele ainda queria o seu bem. Ele não deixou de acreditar que Nut era capaz de amar e de ser feliz, superando as dores do passado. Ele não deixou de acreditar nem mesmo diante do seu fim, diante do veneno, porque sabia que a sua morte traria a vida de volta ao Tharn e que isso era maior do que a sua própria existência: não roubar a felicidade do outro mas sim trazê-la de volta. Ele que não se deixou levar pelo egoísmo, mas que fez da esperança o brilho dos seus olhos, e que encheu todos ao seu redor de um calor aconchegante, porque ele era todo amor, e só conhecendo o amor foi isso que ele entregou a todos. 

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Esquecido

Olhares, vários deles, demonstrando cada um ao seu modo uma nuance distinta. Alguns não sabiam muito bem do motivo de estarem ali, mas estavam, e estavam felizes pelos risos e brincadeiras com outros colegas, aqueles que você vê numa missa ou algum evento mas nunca conversou e, de repente tem a chance de descobrir algo sobre essa pessoa que você não sabia antes, e assim dar início a um laço que, (quem poderá dizer?) pode ser muito significativo no futuro. Às vezes inícios tímidos podem resultar em amizades que transcendem o tempo, criamos amigos que ficam ao nosso lado nas maiores tempestades, e tudo isso pode nascer desse encontro onde todos imperfeitos vão, aos poucos, trabalhando para melhorar, e isso é belo de se ver.

A Beleza, mais uma vez, faz o seu papel de nos levar ao que é bom, justo e verdadeiro. E há muita beleza num sorriso amigo, num abraço desajeitado mas sincero, num toque de afeto. Essa beleza transcende e nos encaminha pra uma beleza superior, para os valores supremos que ela simboliza. As virtudes que ela consegue transmitir chegam a nós por meio de pequenos gestos assim, e é bom ver que as coisas estão se encaminhando. 

Eu sorri quando os vi todos juntos, mas eu não estava ali. Nem sequer fora convidado, e tudo bem, eu já me afastei de todos há muito tempo e agora já me preparo para me despedir definitivamente. Vou embora pro outro lado do país, e provavelmente nunca mais voltarei. E não pretendo olhar para trás, o que faço agora é apenas a avaliação do meu tempo aqui para me permitir refletir sobre o que eu vou fazer daqui pra frente, quando chegar nunca cidade nova onde não conheço nada. 

Eu não estava naquela foto porque já não faço mais parte daquele grupo. Tomei um caminho distinto. Agora o que ocupa a minha mente são os pensamentos da Filosofia Escolástica, do Tradicionalismo Guenoniano, da Unidade Transcendente das Religiões de Schuon, coisas assim. Tenho me dedicado a leituras simbólicas das coisas que me cercam, tem sido esse meu ponto de atenção. 

Mas fico feliz que eles venham tentando resgatar a espiritualidade da juventude, que os esforços tenham renascido depois de praticamente terem sido extintos pela tibieza. É causa de grande júbilo numa comunidade tão pequena que precisa de tanto pra crescer e se desenvolver. 

No entanto esse não era bem o ponto que eu queria tocar. Acontece que, ao ver aquelas fotos, eu me dei conta do solitário caminho que tomei. Eles estavam sorrindo, eu me encontro muitas vezes com o semblante fechado de preocupação pela elevação das coisas que eu estudo. Eu já não tenho motivos pra rir ou sorrir, não tenho momentos, como antes, que tinha amigos que me abraçavam e beijavam, sou apenas eu no meu quarto e alguns livros. A distância entre o que eu faço agora e o que eles estão começando a fazer nem sequer pode-se comparar: não são espécies do mesmo gênero. 

Não posso mentir e dizer que não fiquei triste, por não ter sido chamado, por ficar sabendo sempre por último. A constatação da solidão é por vezes mais dolorida do que a própria vivência da solidão em si. A verdade, e eu preciso sufocar o meu orgulho pra dizer isso, é que eu sinto muita, muita falta daquele ambiente alegre, das conversas despretensiosas, de falar sobre os problemas da paróquia, de brincar com os acontecimentos engraçados, de ficar num ambiente leve mas ainda assim amarrado por laços de virtudes. Eu sinto falta de não estar tão solitário. E digo estar porque eu já me sentia solitário antes, já que ninguém entendia o que é importante pra mim, mas ao menos o som do outro abafava os gemidos inefáveis do meu coração inquieto. 

E se aproxima cada vez o dia da partida, depois da qual eu não verei mais nenhum de seus rostos. Não vou mais ver o jovem bonito e tímido mas de sorriso lindo por quem eu suspirava toda vez que passava por mim. Conversamos tão pouco, distante como dois estranhos que passam a mesma faixa de pedestres em direções opostas. Mas eu não pude deixar de notá-lo. E eu não faço a menor ideia do que ele pensa sobre mim, se é que pensa em algo, e ele não imagina o que seu sorriso significa pra mim. 

Vejo os rostos amigos que passaram tantas e tantas noites sorrindo comigo, quantas conversas partilhamos, quantas dificuldades, quantas músicas, aplausos, agradecimentos. Quando choramos porque o padre estava descontente com nosso encontro e disse que não nos ajudaria em nada, quando sorrimos ao ver aquela foto de todos abraçados juntos numa noite de música na praça. Momentos que não voltam mais, laços que, em algumas ocasiões se desfizeram e que em outros casos permanecem, mas cada vez mais próximos do rompimento. 

Essa seja talvez a verdade que eu devo aprender aqui: aceitar o grande ciclo de morte e renascimento que é a vida. Estou em plena morte do meu ciclo atual, mas prestes a entrar numa nova vida, prestes a girar em 180° toda minha existência. 

Fico triste por não estar na foto, por ter sido praticamente esquecido, fico triste porque não verei muitos daqueles sorrisos, e que nunca sentirei o abraço dele. Fico triste sim, pelo tempo que passou e que não voltará, mas eu preciso seguir o meu caminho, e aceitar, aceitar que as coisas são assim, um ciclo eterno do qual dificilmente se escapa. Este é meu ciclo de solidão e conhecimento. 

domingo, 29 de maio de 2022

Do mar infinito

Noite ansiosa, vislumbres do passado se chocam com perspectivas de um futuro incerto, a sensação de olhar para um oceano de possibilidades é um pouco assustadora, na verdade é como se eu fosse ser engolido por aquela imensidão azul, símbolo do infinito. 

De repente o sono foi espantado para longe e eu me peguei pensando em como será tudo daqui pra frente, quando entrar naquele ônibus para não voltar nunca mais, chegar numa cidade que eu nunca sequer visitei e construir ali o que eu não consegui construir aqui. Tem o peso de todo um futuro que deverá ser e de um passado que já devia ter sido e não foi. Sinto que vou sepultar o que vivi aqui e que, de algum modo, das minhas cinzas renascerá uma nova vida que eu terei de viver lá. Por um lado isso é excitante, mas outro é também muito assustador, pois eu não sei bem o que esperar. 

Mas, na realidade, não estamos todos nessa mesma situação. Mesmo que a maior parte das pessoas não esteja fazendo uma mudança tão drástica assim todos estão sujeitos a mesma experiência de desconhecer o futuro, absolutamente todos. Qualquer um pode acordar com algo que mude completamente sua vida, que deixe tudo de cabeça pra baixo, essa é uma das características mais brutais da realidade: não tenho quase nenhum poder de atuação sobre ela, estamos todos passivos ao cosmos, insetos na palma da mão de um deus. 

Quem sabe eu consiga me encontrar lá de algum modo, bom eu vou ter de me adaptar de um jeito ou de outro, mas espero que eu consiga encontra lá o que eu tanto lutei pra achar aqui, ainda que esteja dentro de mim e eu ainda não consiga ver. Quem sabe uma mudança drástica de ares possa me ajudar a ver coisas que hoje estão turvas pela fumaça do cotidiano, de uma rotina já cansada e pessimista, e isso é o que pode estar me aprisionando e me impedindo de evoluir. 

Quem sabe eu consiga ver um horizonte, pois aqui eu já estou completamente perdido em meios as tempestades, buscando braços que possam me acalmar, mas quanto mais eu corro em meio a tormenta mais perdido eu me vejo. 

Bom, a verdade pura e simples é que eu não sei o que me aguarda. Mas eu também não sei qual pode ser meu futuro aqui, e francamente não enxergo futuro nenhum, então, como bem dizem, qualquer caminho serve pra quem não sabe onde quer chegar, e eu não me envergonho de me confessar perdido, em busca de uma estrela que me guie, então só posso me abrir ao possível, entrar no mar do infinito, e não olhar pra trás onde já sei que não posso mais caminhar. 

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Resenha: Star and Sky - Star In My Mind

Contém SPOILERS!

Histórias sobre amores, supostamente, não correspondidos sempre geram muita dor e sofrimento, e custam aos personagens, e a gente que tá assistindo, conseguir respirar aliviado ao final de tudo e ver que as coisas deram certo. Essa é bem a proposta de Star and Sky: Star In My Mind, projeto da GMM TV que vai conta duas histórias de amor ligadas por alguns pontos em comum. 

Daonuea (Dunk Natachai) era apaixonado por Khabkhluen (Joong Archen, de 2Moons2) no colégio e se declarou para ele no seu último dia antes de viajar para a Alemanha onde terminaria o colegial, sendo gentilmente rejeitado com apenas uma frase de "faça uma boa viagem". Um ano depois ele volta e, ao entrar na faculdade e no concurso de Luas e Estrelas (a tradicional competição de Miss e Mister do campus) descobre que vai precisar dividir o quarto com seu antigo crush, o que obviamente faz seus antigos sentimentos aflorarem mais uma vez.

Acontece que dessa vez, mesmo continuando sendo um cara completamente frio e indiferente, Kluen está estranhamente tentando se aproximar de Daonuea de algum jeito, o que acaba por confundir os sentimentos do pobrezinho, já que até então todo mundo sabe que Kluen namora uma garota desde o colégio. 

A história gira então dessa aproximação entre Daonuea e Kluen (me recuso a ficar escrevendo esse nome enorme completo) e os sentimentos de ambos, que parecem difíceis de expressar. E então chegamos ao ponto central da série: como a comunicação, ou a falta dela, pode complicar a vida de pessoas que se gostam e acabar machucando muita gente. 

Kluen tem uma dificuldade extrema de dizer o que sente, só conseguindo demonstrar em pequeninos gestos e ainda assim deixando a coisa toda bastante ambígua. No caso do Daonuea ele já tinha deixado seus sentimentos claros antes, mas agora ele se vê confuso e sem saber como interpretar o comportamento do outro, que às vezes parece querer desesperadamente se aproximar e outras vezes o afasta e o joga pra cima de outros pretendentes. 

Aliás, uma pequena pausa aqui, é deixado bem claro que Daonuea é extremamente popular entre meninos e meninas na universidade, inclusive partindo o coração de dois deles no processo, e ele poderia muito bem escolher alguém que o fizesse feliz, mas o sentimento quando é forte não tem como fugir, ele gosta é de Kluen e pronto, e percebeu isso logo no primeiro momento que reviu o antigo amor. 

Praticamente toda a temporada gira em torno dessa relação confusa, com os amigos de ambos tentando ajudar, mas ainda assim eles batem muita cabeça e derramam muita lágrima até conseguirem finalmente se acertar. 

O nosso sofrimento é, por vezes, estendido demais pro meu gosto e fica uma sensação de que eles não serão felizes nunca no ar, um sentimento de insegurança, que é justamente o que os protagonistas sentem, como esse era o objetivo do roteiro posso dizer que eles acertaram em cheio em cumprir proposta, mesmo que isso tenha desagradado muita gente que preferia ver eles se acertando sem precisar de tanto esforço. 

Vários pontos positivos podem ser citados, como a bela direção do New Siwaj (Studio WabiSabi) que mais uma vez entregou uma boa leva de cenas lindas, a atuação de Dunk e Joong que superou expectativas, e aqui mais uma pausa pra defender o Joong que entregou um personagem que, a princípio, parece raso e vazio, mas que na verdade esconde nuances muito bonitas e complicadas de retratar, ficando então por conta de pequenos detalhes como olhares e gestos simples pra demonstrar toda uma gama de sentimentos que o personagem reprimia. Dunk por outro lado entregou uma atuação super expressiva, chorando em quase todos os episódios e fazendo a gente se doer mesmo, e em outros momentos um personagem fofo, que suportou muita coisa e ainda assim demonstrava suas fraquezas. 

Dunk e Joong tem muita química juntos, e entregaram muitas cenas lindinhas e também umas que só pela misericórdia viu, de tanto sofrimento. Tudo compensado nos dois últimos episódios, onde é só amor e carinho. 

Ponto super positivo também para a ost, principalmente a faixa cantada pelo próprio Joong, My Starlight, mas também a outra interpretada pelo Louis Thanawin ficou linda. 

A fotografia é maravilhosa e a GMM TV tem se superado a cada produção, entregando cenas belíssimas em todos os episódios. 

E então é isso, temos uma história sofrida que, de fato, não é a melhor que já vimos, mas que também está longe de ser ruim. Super vale a pena encarar numa maratona e rever cenas lindas e chorar um pouquinho também. Agora é esperar a continuação, Sky In Your Heart, que vai contar a história do irmão de Daonuea, o pegador Fah (Mek Jirakit, de The Player) que vai trabalhar numa aldeia do interior e acaba se aproximando do professor Prince (Mark Jiruntanin).

Nota: 08/10

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Na cama

Não saí da cama hoje, preferi ficar deitado o dia todo, sem ânimo pra ver gente ou fazer qualquer outra coisa. Até a aula eu precisei ouvir três vezes e ainda não sei se consegui entender. As mensagens se acumulam e eu não sei quando vou ter disposição para responder. Embora a onda de frio da última semana já tenha passado ainda está fresco o suficiente para que eu fique embaixo das cobertas, me escondendo do mundo. 

Meus pés estão gelados, e parece que há um vazio entre meus braços, eu queria o abraço de alguém, assim essa cama não pareceria tão grande assim. Queria um abraço apertado, ouvir o coração do outro batendo enquanto minha cabeça repousa sobre seu peito, sentir o seu cheiro mais uma vez, entrelaçar nossos dedos. Mas não há ninguém, eu estou sozinho aqui, e isso é tudo. 

Parece que esse espaço nunca será preenchido, e eu deveria fechar meus braços, mas eu faço isso sem nem mesmo perceber, e quando percebo estou de braços abertos esperando alguém que sei que nunca vai chegar. Meus braços precisam se envolver ao redor de alguém, e eu sei que é patético ser carente a esse ponto mas infelizmente é o que há de desejo em meu coração. E é também com um sorriso irônico que eu contemplo minha própria miséria em, conhecendo tantas verdades superiores, ainda desejar ao meu lado um homem, a mais patética e digna de pena das criaturas. 

Além tem o despertar da besta, que assume a minha forma enquanto vou me consumindo em chamas lascivas, cada vez mais destrutivas, e a besta ameaça devorar tudo o que vê pela frente, e somente descansa quando faz inúmeras vítimas, cravando bem fundo as suas garras e presas, deleitando-se na carne e sentindo o sabor quente e doce do sangue daqueles que padecem diante de sua fúria. Uma vez desperta eu sinto-me dominar por esse demônio que só guia-se pelos seus instintos mais primitivos. 

Em dias assim eu já não me reconheço mais como homem, me torno fera que destrói tribos, demônio que se liberta das amarras na prisão profunda do coração, besta que não pensa mas apenas deseja, caça e abate. 

Como posso fugir desse monstro se ele é apenas uma versão de mim? Por ventura posso eu fugir de mim mesmo? É o que venho tentando fazer, não apenas fugir mas sufocar essa fera, lançar nela as setas de verdade e prudência que me são necessárias para a vida correta e justa e novamente feri-la a ponto de conseguir aprisiona-la de novo no profundo tártaro do meu peito. 

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Destruição

O mundo virtual foi criado para destruir a inteligência e, se não pudesse ser usado para ter acesso a conteúdos relevantes poderia muito bem ser essa uma verdade irrefutável. Acontece que o uso que fazemos dos meios de comunicação impactam diretamente na nossa capacidade de penetração da inteligência nas coisas. 

As últimas semanas foram marcadas por um longo episódio misto e, com isso, eu passei muito mais tempo conectado que o habitual. Acabei pegando o costume de ficar horas passando de um vídeo para outro e, de conteúdo cada vez mais esparso, fazendo com que minha concentração diminuísse drasticamente, e isso no espaço de umas poucas semanas, destruindo o que levei anos para conseguir erguer.

Tenho dito dificuldade para ler, muita dificuldade, e nem me refiro a livros complexos de filosofia ou mística cristã, mas até mesmo simples artigos de polêmica jornalística ou política tem sido de difícil digestão, eu simplesmente leio e nada fixa e só com muito custo eu consigo atinar com o que está sendo dito, não raramente o conteúdo se mostrando simples quando me obrigo a ler pela quarta ou quinta vez. 

E enquanto isso multiplicam-se as dancinhas, as edições com cenas de séries e trechos de música, coisas banais que, podem até servir como distração num momento onde não há absolutamente nada melhor para fazer, mas que jamais deveria ocupar tanto tempo assim. O mesmo da vertiginosa carga de besteiras escritas sem nenhum propósito maior do que o de expressar as impressões mais banais, superficiais e temporárias, num volume absurdamente infinito que é o Twitter. Tudo bem usar para partilhar aquelas opiniões quando vejo uma série ou outra mas, passar o dia acompanhando discussões inúteis é absurdamente prejudicial a minha inteligência. 

Pelo menos consegui me dar conta disso depois de alguns dias, e posso pouco a pouco trabalhar para reverter essa situação. Não demora, por exemplo, ao volume de informações congestionar o meu pensamento, que precisa processar tanta coisa de pouquíssimo ou nenhum valor. 

Por isso reconhecer essa dificuldade já é o primeiro passo para retomar a uma vida intelectual equilibrada, concentrar os meus esforços naquilo que de fato é importante, e forçar a minha vontade a se voltar para onde eu posso encontrar a Verdade, e não para a miríade de coisas criadas com o único propósito de tirar o meu espírito do reto caminho. 

O espírito precisa constantemente ser guiado de volta para a luz, como disse S. João da Cruz, a luz que guia com mais clareza que a do meio dia. Ele precisa se apartar dos muitos espíritos que o assolam na noite escura e retornar para a clareza da Verdade, esquecer a casa deixando a sossegada e entrar no jardim secreto onde habita o Amado. Para isso é necessário voltar ao deserto, passar pela secreta escada disfarçada, subir o monte. 

É também momento de uma prece, como diz o canto que eu tantas vezes puxei em alta voz: "volta meu povo ao teu Senhor, e exultará teu coração, ele será teu condutor, tua esperança de salvação."

Meu coração se desviou do caminho, tomei outra direção, e me perdi pela estrada, agora preciso voltar meu olhar ao céu e tomar como guia a estrela da sabedoria, a única que pode me devolver alguma esperança real, que pode me fazer ter um objetivo a alcançar.   

segunda-feira, 23 de maio de 2022

Castelo de Areia

Os poetas quase sempre têm do seu lado a razão, eles quase sempre conseguem descrever com uma exatidão crua a realidade que os cerca, e aquelas experiências comuns a todos nós, mas que nem todos conseguimos descrever, eles as eternizam em poemas e linhas que se perpetuam e nos ajudam a entender a natureza das nossas próprias vivências. 

Vês então? De fato ninguém é tão importante a ponto de ser insubstituível, muito pelo contrário, o que alguém significa na vida de outro pode, depois de algum tempo, ser ressignificado a ponto de não significar mais nada além de uma lembrança distante, algo que foi um dia e que hoje já não é mais. É verdade que muitas vezes podemos deixar marcas na vida do outro, mas muitas vezes também essas marcas somem como algo que escrevemos na areia e que logo desaparece quando a menor das marés avança sobre a praia. Essa é a tensão que há entre o eu e o outro. 

Vês? Também é bem verdade que ninguém além da ingratidão é nossa companheira inseparável. Os versos de Augusto dos Anjos poderiam muito bem ser tatuados no meu corpo, mas nem é necessário já que diariamente a vida me faz recordar da brutal veracidade desses termos. As nossas quimeras, nossas ideações, aquilo que criamos ao nos apegar ao outro, são brutalmente destruídas pelo próprio avançar da existência, mas apenas a solidão permanece constante, sempre a nossa espero depois de dias cheios e noites animadas. No fim somos lançados na ladeira da memória, esquecidos, e facilmente esquecidos. 

Não somos nada, do pó viemos e ao pó voltaremos, tudo o que passa dessa constatação é arrogância e prepotência que a vida faz questão de destruir como destrói a nossa carne, apodrecendo, retornando ao nada. 

A vida nada mais é do que esse período breve e incômodo, entre sair e voltar ao nada. Somos pequenos castelos de areia esperando pela próxima onda, somos erguidos apenas para voltar a cair. 

domingo, 22 de maio de 2022

Penumbra

Começou em meu sonho e, quando acordei, não me reconhecia, de repente era um outro a tomar conta do meu ser. Minha visão foi tomada por uma lente, eu não via mais com clareza, e passei apenar a enxergar as chamas luxuriosas e bruxuleantes de um mundo obscuro e úmido. Ouvia gemidos baixos, mas intensos, e então percebi que escapavam dos meus lábios. Minha respiração ficava mais rápida e eu sentia como se algo entrasse em meu corpo, o calor se intensificando e as imagens na minha cabeça mais e mais claras. 

É como se sentisse a mão dele no meu corpo, e podia ouvir claramente a sua voz dizendo sacanagens em meu ouvido, tanto desejo não confessado, naquele campo, em meio algumas árvores e plantas mais altas, onde ninguém além da gente podia ouvir os meus gemidos, cada vez mais altos, que eu tentava abafar mordendo meu lábio com força até o derradeiro momento. 

Lentamente, quando acabou e aos poucos eu retomava a respiração habitual, a minha visão retornava  e não via mais o campo, nem aquele olhar de desejo, mas voltava para a escuridão do meu quarto, para a realidade fria, enquanto percebia que tudo aquilo não passou de um sonho acordado dirigido para aquela cena impossível. Ele se foi então, como fumaça, e eu fiquei sozinho na penumbra, uma vez mais, e conscientemente de mim mesmo, do que acabara de acontecer. 

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Mercúrio

Sei que isso é culpa da minha instabilidade, é por esse motivo que eu estou sozinho. É por isso que meus amigos foram embora, um a um, porque eu demandava demais de cada um deles, exigia de todos o mesmo que exigia de mim. Eu sempre fui um peso, pra todos. Eu ainda sou um peso para os meus pais e para os amigos que ficaram, eu ainda tenho altos e baixos e não tenho todas as respostas de que eles precisam. 

E isso porque eu sou assim, um descontrole só. Demoro a me irritar mas quando me irrito tomo decisões impulsivamente e não consigo voltar atrás e isso vai me deixando cada vez mais sozinho. Vou vendo as pessoas indo embora, partindo, como se eu vivesse numa estação de trem e a cada dia alguém entrasse num daqueles vagões para nunca mais voltar. Ás vezes vejo um ou outro rosto conhecido do outro lado da plataforma ou passando rapidamente pela janela de um vagão que começou a andar e que pode nunca mais voltar...

É assim que me sinto quando penso em todos que se foram, quando me disseram que a dificuldade que eu tinha de manter relações constantes vinha das minhas mudanças de humor por causa do Transtorno Bipolar e eu achei que conseguiria superar isso, mas na verdade eu só não queria aceitar que as pessoas já estavam indo embora da minha vida há muito tempo e eu não estava era percebendo o motivo. Eu fico parado vendo as pessoas irem embora, passo a passo e, de verdade, eu tô esgotado. E elas continuam me dando as costas, e eu não sei mais o que posso fazer pra mudar isso, é algo fora de meu poder, mas ainda dói, dói demais cada vez que vejo alguém virar as costas e desaparecer. 

Eu sinto como se estivesse perdendo tempo, e eu o vejo passar ante meus olhos sem que eu consiga contê-lo entre meus dedos. Imagino o mundo lá fora, tantas pessoas e tantas possibilidades, e eu fechado aqui, dopado, dormindo por dias inteiros com medo do que pode acontecer se colocar os pés pra fora. Imagino se o meu príncipe não pode estar por aí e eu só não o encontro porque estou trancado em mim mesmo aqui. E parece que jogaram a chave do cadeado fora...

Não parece que sentem a minha falta, mas o que eu esperava? Ninguém é insubstituível. Esperar que alguém sinta minha falta é apenas um grito desesperado do meu orgulho mais profundo. Por outro lado eu, oficialmente, sinto falta de algumas pessoas, alguns abraços. Sinto falta de caminhar segurando sua mão, de deitar em seu peito florido, de ouvir histórias sob a luz da lua...

É uma noite de sexta, e estou sozinho no quarto, esperando o sono chegar. Já sinto a melancolia retornando, e sei que amanhã provavelmente vou dormir o dia todo. Vi a foto de um antigo conhecido mais cedo, ele cresceu e está lindo, ver seus olhos de novo me fez sorrir e querer me aproximar dele de algum jeito, mas então eu sorri novamente e me fechei sabendo que isso não vai me levar a lugar nenhum, ele não é pra mim, ninguém é. 

Pra mim tudo se tratava de algo como o destino e as escolhas de cada um, caminhos que naturalmente se afastam. Mas hoje eu sei que não é assim, a culpa é minha por ser tão volátil, por mudar da água ao fogo tão rapidamente, por reclamar de tudo. E apenas uma vez eu queria ficar estável, conseguir ser como os outros, que não mudam tanto assim, que não acordam dispostos apenas para querer voltar a dormir quando chegar a tarde. Mas eu não tenho poder nenhum sobre isso, quando menos vejo já mudei e já estou me sentindo como outra pessoa, já estou me transmutando, eternamente mercúrio, passivo de todas as transformações.

É como se universos inteiros fossem continuamente criados e destruídos dentro de mim, numa eterna sucessão que nunca finda, sempre preso em algum ciclo, sempre acorrentado a existência, sempre em algum dos mundos, sempre tentando recomeçar. Samsara. Inferno. Ourobouros. 

“ (..)Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo (..)”

Fernando Pessoa

Sobre suportar

Tenho me sentido livre, leve, como há muito, muito tempo não me sentia. Eu estava incomodado que nos últimas semanas, desde a Semana Santa na verdade, me sentia pressionado a ser uma coisa que eu não consigo ser, que eu deveria e que esperavam que eu fosse algo que não podia ser. Eu não costumo prestar muita atenção nas pessoas mas até eu pude notar os olhares de julgamento, o descontentamento com a minha presença, a frieza no trato. E mesmo já estando bem acostumado com tudo isso, afinal são anos e anos ignorando absolutamente tudo o que pensam de mim, eu decidi que era hora de me fazer sentir falta. Era hora de ver como as pessoas reagem a minha ausência. Num surto autorreferencial eu decidi que era hora de ver como eles se comportam sem mim.

Não que espere reações exageradas ou pedidos de desculpas, nada disso, mas é que eu carreguei tanta coisa nas costas durante tanto tempo que quero ver como eles conseguem resolver tudo isso sem a minha interferência. E eu sei bem que eles vão conseguir mas, no processo, talvez entendam um pouco do que eu tive de carregar sozinho e aprendam a valorizar aquilo que poucos vêm mas que é de grande importância para o que é visto. 

Acontece que para uma celebração acontecer, alguém precisa chegar horas antes e arrumar uma série de coisas, passar toalhas, limpar objetos, conferir leituras e orações, ensaiar músicas, e as pessoas não costumam dar valor a isso, nem mesmo aquelas que também chegam antes e que conhecem um pouco dessa realidade. Eu nunca reclamei de perder noites de sono ou dias inteiros preparando uma celebração, mas me incomodei profundamente quando percebi que isso incomodava os outros, então se o que eu faço é um incômodo, é simples, eu vou fazer o que me pedirem pra fazer, e apenas isso. 

Queria conseguir levar a virtude mais adiante. Sofrer resignadamente, exercitar a paciência, amar o sofrimento. Queria mesmo poder dizer que suportei todas as coisas por amor, mas infelizmente eu não sou tão virtuoso assim, e é com tristeza de verdade que digo isso. Eu queria mesmo ter sido capaz de me calar e suportar, de abaixar a cabeça simplesmente. Mas eu não consegui, a minha arrogância e o meu orgulho falaram mais alto e não fico feliz por nada disso, não fico feliz por fazer o contrário daquilo que, por tanto tempo, eu mesmo preguei e tentei viver. 

Isso me dá uma amostra a mais da experiência humana, da fraqueza do coração fechado em si mesmo. Percebo uma vez mais o que é ter a vontade arrastada pela lama. Me conto entre aqueles que lutam contra a própria natureza, entre prostitutas e adúlteras que sucumbiram as paixões, entre aqueles que traíram e tramaram contra os seus, que se deixaram levar pelo pecado e que tentam, lentamente, erguer-se da lama. 

É só o que posso fazer, seguir em frente e tentar melhorar um pouco que seja, e suportar mais na próxima. 

terça-feira, 17 de maio de 2022

Indigno

Eu só tentei ajudar, no meu cansaço, imerso em indisposição, mesmo assim eu me coloquei para ajudar, para tentar ser útil em alguma coisa. Era só isso. Pediram a minha ajuda e eu não quis que as pessoas tivessem ainda mais problemas do que eu sei que já elas já têm. Mas parece que não sou bom o bastante. 

Isso não me surpreende, embora machuque muito. Mas não me surpreende. Eu sempre soube que não era bom o bastante, que era indigno, e que deveria apenas me recolher a minha insignificância. Pois bem, é isso que vou fazer. A partir de agora eu serei apenas mais um sentado em silêncio no banco, quieto e imperceptível no último lugar, já que ninguém briga por ele. 

É o que posso fazer, me afastar em silêncio, se é isso que é pedido de mim, se é o que posso fazer. São espinhos que nasceram na minha roseira, e eu devo sorrir com agradecimento por haver espinhos pois há também rosas. 

Isso é o que eu recebo por toda a minha arrogância, por todo meu orgulho, por achar que poderia ensinar. Meu erro foi pensar saber alguma coisa quando eu sou todo ignorância. 

Mas isso cessou, de agora em diante o silêncio falará em meu lugar. E apenas ele. 

Perdi o sono, perdi a fome. Aquelas palavras ásperas continuam vindo e vindo de novo, não me deixam desligar, não me deixam pensar em mais nada. Só consigo me sentir um lixo, me sentir humilhado. Só consigo pensar no quão desprezível eu sou aos olhos de todos, no quanto de nojo há no olhar deles para mim. 

Que mais poderia ter feito, onde foi que eu faltei?

Eu dei meu sangue, meu suor, minha vontade quando tudo mais em mim havia morrido. Quando eu não conseguia mais viver para mim eu conseguia viver para os outros, e nem isso foi o bastante. Mesmo assim fui descartado, jogado fora como se não fosse nada. E verdadeiramente agora vejo que é isso que sou: nada. Do alto da minha arrogância e prepotência eu fui lançado ao chão, e tudo retorna ao nada. 

Sou tomado, portanto, do mais absoluto desânimo. Não consigo mais ver o horizonte, só consigo meditar a tristeza que há no meu coração. Saturada de males se encontra minha alma. Enfim, busquei a felicidade em vão, mas nada pode me encantar na terra, a verdadeira felicidade não se encontra aqui.

"Tornei-me objeto de opróbrio para todos os inimigos, zombaria dos vizinhos e pavor dos conhecidos. Fogem de mim os que me vêm na rua." (Sl 30)

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Resenha - Secret Crush On You

Contém SPOILERS!

Pegando a onda dos BLs com propostas inovadoras essa produção encabeçada pelo ícone Saint Suppapong (nosso eterno Pete de Love By Chance) Secret Crush On You chega apresentando uma série de plots inesperados que, a princípio estranham um pouco mas que acabam por cativar, seja pela curiosidade de ver onde essa história vai parar ou pela vergonha alheia que ela causa, ambas claramente intencionalmente colocadas pelos responsáveis para diferenciar essa série de todas as outras.

Essa obra, que conta com 14 episódios de mais de 1 hora cada, conta a história de Toh (Seng Wichai), fotógrafo e estudante de Artes, e sua paixão secreta pelo veterano Nuea (Billy Patchanon). Toh é apaixonado por ele mas o admira em segredo, acontece que ele tem a peculiar mania de colecionar tudo que o outro toca, guardando como recordação já que ele nunca vai ter coragem de se declarar. 

Ele conta com a ajuda de seus amigos, Jao (Surprise Pittikorn) um tímido e inseguro colega, a engraçadíssima Daisy (Nutt Witsarut) uma garota trans e Som (Looknam Orntara) uma intensa garota que faz de tudo pra ajudar os amigos. Esses quatro acabam se envolvendo em várias situações hilárias pra conseguir lembranças de Nuea para Toh até que um dia, com a ajuda de um veterano interpretado por Saint, ele consegue a oportunidade de trabalhar como fotógrafo na festa de aniversário da irmã de Nuea, o que acaba por aproximá-los, e daí em diante eles começam uma amizade que mais tarde evolui pra algo mais. 

Pois bem, colocado o plot em linhas gerais, a série mescla a comédia pastelão com forte presença de romance. O primeiro grande diferencial é apresentar os personagens principais, Toh e seus amigos, como um grupo bem diferente do que estamos habituados. Toh e Jao são gays e afeminados e não têm nenhum problema com isso, Daisy é absolutamente escandalosa o tempo todo (e isso é um pouco mais explorado mais à frente) e Som a amiga que apoia todos. O fato de Toh ser um protagonista afeminado já coloca a obra na conta das poucas obras que exploram esse lado da comunidade.

Nuea é o típico machão, jogador de basquete e querido por todas as meninas da universidade, mas não se envergonha em nenhum momento de demonstrar seus sentimentos por Toh, e quando eles começam a namorar ele age como protetor e ciumento na frente de todos, formando uma ótima combinação com o namorado tímido e fofo, com suas excentricidades. Nuea é completamente caidinho pelo outro assim como Toh não consegue pensar em outra coisa e quando os dois se aproximam a coisa simplesmente pega fogo.

Devo confessar que, a princípio, não gostei do tom da série, achei excessivamente afetada e isso me incomodou, mas dando uma chance pra ela depois acabou me surpreendendo. 

O melhor amigo de Toh, Jao, acaba se aproximando de Sky, amigo de Nuea, outro machão com fama de pegador mas que o leva completamente a sério. Mas Jao é extremamente tímido e inseguro, o que o faz fugir do veterano, demorando pra aceitar suas investidas. Jao é delicado e se fecha com facilidade, além de ter um complexo com seu corpo por se achar gordinho, ao que Sky faz de tudo para mostrar que ele é perfeito do jeito que é. 

Como disse anteriormente a série pega fogo quando começa a mostrar o namoro dos protagonistas, e mais tarde do casal secundário. Não há do que reclamar aqui. O entrosamento dos atores é perfeito e as cenas tem uma química magnífica. As cenas envolvendo beijos e sexo são de tirar o fôlego, e Nuea e Toh não perdem uma oportunidade de provocar um ao outro. Nisso a série foi extremamente corajosa, a partir do episódio 5 mais ou menos em todos os episódios temos cenas de beijo bem intensas, super bem feitas e bonitas de se ver, com uma fotografia bonita e uma trilha sonora cativante, o tema principal do casal protagonista é perfeito!

A amizade dos protagonistas (o grupo de amigos) também é um ponto alto, e como eles ficam juntos o tempo todo e apoiam independente do que seja é simplesmente linda. O squad que todo mundo queria ter.

Explorando então personagens com personalidades diferentes que dificilmente vemos ganharem alguma atenção a série se destaca nesse ponto. Infelizmente eles não desenvolveram um arco mais dramático que funcionasse como ápice da temporada, o que fez com a série perdesse um pouco o ritmo depois de um tempo, e dado os longos episódios isso podia ter sido aproveitado para abordar um roteiro mais complexo, inclusive explorando melhor os dilemas que os personagens poderiam enfrentar por ser um grupo que normalmente não se encaixa nos padrões. Os episódios longos demais acabam ficando um pouco repetitivos depois de um tempo e a história acaba sem muita coisa ter acontecido na realidade. 

Claro que isso não invalida a proposta, só é um ponto negativo. O arco de Daisy e Touch (Opp Weerapong) deixou todo mundo com um gostinho de quero mais. Os dois começam a se aproximar depois de uma excursão em que Touch demonstra interessa nela. Daisy fica chateada ao ouvir dos amigos de Touch que ela é apenas um menino afeminado e por isso passa a agir com um cara mais "padrão", e Touch mais tarde mostra que gosta dela exatamente do jeito que ela é. Foi bonito mas bem pouco explorado. Um dos episódios por exemplo ficou longos minutos mostrando a explicação de Toh para Nuea sobre ele guardar tantas coisas que o lembrassem do amado, mas isso já estava previamente estabelecido, e inclusive acabou deixando o personagem beirando a psicopatia, e esse tempo seria melhor aproveitado se explorassem outro lado da história.

Finalmente, Secret Crush On You é uma história de amor fofa, com momentos de comédia que geram aquela velha vergonha alheia, mas que peca em ser um pouco repetitiva e cansativa demais, mas que ganha pontos por apresentar personagens que dificilmente vemos receber o devido protagonismo em outras obras. Nem todo mundo vai gostar, mas vale a pena pela representatividade.

Nota: 07/10


domingo, 15 de maio de 2022

Resenha - Cutie Pie

Contém SPOILERS!

Com uma proposta fofa e inusitada sobre um casamento arranjado entre dois rapazes Cutie Pie já atraiu olhares ao anunciar um elenco com nomes conhecidos e novos que despertaram interesse de todos em ver como essa história seria desenvolvida. 

A série gira ao redor do noivado de Kuea e Lian (NuNew ChawarinZee Pruk Panich, de WHY RU), que pertencem a duas famílias que se ajudaram nos negócios anos atrás e que decidiram selar o acordo com a união de seus dois herdeiros. Acontece que eles tem personalidades completamente opostas e além disso Kuea faz de tudo pra esconder seus verdadeiros gostos do seu noivo, de quem ele gosta apaixonadamente.

Kuea é uma alma livre, gosta de cantar numa balada e de correr em circuitos esportivos, joga no time de futebol e além disso estuda Engenharia Mecânica, mentindo pra todos que acham que ele cursa Engenharia da Computação. E ele leva uma vida dupla, escondendo tudo isso de sua família e do seu noivo, para quem ele se apresenta sempre bem vestido, formalmente, e com uma personalidade doce e submissa, ao contrário da tempestade que ele realmente é.

Lian é extremamente sério e centrado no trabalho, e tem para com a família de Kuea um sentimento de profunda devoção por eles terem ajudado seu pai nos negócios antigamente, ao que ele se esforçou para transformar num verdadeiro império econômico. Com isso ele parece distante de seu noivo e mesmo quando eles saem juntos nunca parecem realmente se entender. 

Também somos apresentados a Diao e Yi (Nat NatasittMax Kornthas, ambos de de YDestiny, Close Friend e outros projetos, sempre juntos). Diao é o melhor amigo de Kuea e conhece os seus segredos, enquanto Yi é parceiro de Lian em alguns negócios. Yi cuida de Diao desde que ele era bem mais novo, paga seus estudos e deixa que ele more em sua mansão, mas nunca explicou o motivo por trás de tanto cuidado, o que incomoda o mais novo por não saber quais os sentimentos reais dele.

O terceiro casal, embora tenha bem pouco tempo de tela, é Syn e Nuea (Yim PharinyakornTutor Koraphat), ambos colegas da universidade de Kuea. A princípio Nuea parece se interessar por Kuea, o que acaba despertando ciúmes de Syn, e essa pequena faísca acaba por aproximar os dois e fazer surgir algo mais.

O ponto central da série pode ser resumido em uma palavra: comunicação. Tudo gira ao redor das dificuldades que vem quando as pessoas não são sinceras sobre o que sentem, seja seus sentimentos ou medos. 

Kuea esconde sua personalidade de Lian, Lian não consegue demonstrar seus sentimentos com clareza e erra muitas vezes até conseguir acertar. Diao tem dúvidas quanto a Yi mas não consegue expressar também, sendo sempre submisso, o que acaba machucando-o, enquanto Yi se sente culpado por uma coisa que aconteceu no passado mas também sente amor pelo mais novo, só que também não consegue expressar.

E então todas as situações durante a temporada inteira vem dessas relações conturbadas, que pouco a pouco vão se esclarecendo a medida que os personagens vão assumindo seus sentimentos e se deixando levar. Só quando caem as máscaras é que eles finalmente começam a se entender.

Kuea tem dificuldade de aceitar os sentimentos de Lian porque ele tem medo de que ele não sinta mais nada se descobrir quem ele realmente é, ao passo que Lian sabe de todos os segredos dele mas age como se não soubesse de nada, e o outro insiste em mentir, aumentando a insegurança de todos os lados. Lian faz de tudo para cuidar de Kuea, e até é mais sincero sobre seus sentimentos do que o outro, mas a falta de diálogo sobre quem eles realmente são e se o casamento é algo que ambos querem de verdade é algo que deixa o relacionamento em extrema instabilidade.

A atuação de todos está simplesmente excelente, eles entregaram cenas fofas, engraçadas e dramáticas com muita força. A química entre todos os casais é extrema e eles entregam cenas maravilhosas, sério, principalmente Nunew e Zee deixam a gente sem fôlego várias vezes. Tem excelentes cenas de beijo e amor, e inclusive a série não foi nada tímida nesse ponto, inclusive tocando no assunto do casamento igualitário, uma pauta em forte debate atualmente na Tailândia, afinal os protagonistas vão se casar mas não é um casamento reconhecido legalmente, é apenas um acordo entre as famílias. Finalmente tivemos Nat e Max em cenas mais quentes também, depois de anos em vários projetos sem entregar nada (por causa da idade do Nat).

A fotografia e a trilha sonora são excelentes, e todas as músicas são interpretadas pelo próprio elenco, sendo algumas originais e outras covers, e eu destaco aqui a faixa tema de abertura, My Cutie Pie e o cover de Just Being Friendly, da banda Tilly Birds com a cantora MILLI, ambos interpretados por Nunew, que simplesmente arrasa nos vocais. Inclusive tem uma série de covers no canal da Mandee que vale a pena conferir. 

A história avança até com uma velocidade boa, e as cenas fofas são abundantes, os momentos românticos praticamente pulam na nossa cara. O desenvolvimento dos personagens é notável e o roteiro é bem fechadinho, deixando a história realmente gostosinha de acompanhar, principalmente quando os protagonistas começam a morar juntos e a agir como casalzinho de verdade. Os suspiros são inevitáveis e, de novo, a atuação de todos ali merece nota 10. Nunew é uma preciosidade de tão fofo, Zee consegue mostrar um respeito quase reverencial e Nat e Max mais do que merecem já ganhar protagonismo em alguma série né?

Entregando aquilo que prometeu Cutie Pie se mostrou uma das melhores da temporada e certamente um marco na carreira dos atores, que pelo jeito vão continuar na indústria por um bom tempo, já que estão no auge de sua popularidade.

Nota: 10/10

sábado, 14 de maio de 2022

Resenha - Our Days

Contém SPOILERS!

Com tantos lançamentos BLs nos últimos meses é normal que alguns títulos tenham mais popularidade do que outros, mas uma obra que passou praticamente despercebida pela comunidade merece uma chance de mostrar uma boa história. Our Days foi um desses BLs que pouca gente viu ou comentou mas que surpreendeu quem assistiu. 

Nele acompanhamos a história de Mon (o lindíssimo Gap Narongkorn) que entrou numa universidade em Bangkok e vai morar com um amigo de sua cidade que já mora lá. Ele acaba se confundindo com o endereço que seu amigo lhe deu e, por coincidência, entra no apartamento de Soh (Mhing Thatsaphon) que o deixa ficar até que ele consiga contato com o amigo e resolva a situação. Mon então vai pra universidade e quando volta pra casa de Soh o encontra bêbado e, ao levar o novo amigo pra cama, ele beija Mon, que se assusta com a situação.

Depois Mon acaba descobrindo que Soh decidiu entrar na mesma universidade que ele, mas ele já não quer mais a proximidade do homem que o ajudou por causa do beijo, e então Soh começa a ir atrás dele para se desculpar.

Mais tarde somos apresentados a Saint (Offroad Kantapon, outro gato), antigo amigo de Mon e que tem um passado com ele e o basquete. Mon a princípio se recusa a jogar no time do seu curso mas Soh e um antiga rivalidade acaba convencendo-o a retornar pro esporte que ele abandonou e que era tudo pra ele. 

E então somos apresentados a uma história que tem uma pegada bem diferente da vibe dos BLs a que estamos habituados.

A atmosfera da série é bem silenciosa, séria, e a todo momento somos deixados com os personagens imersos em seus pensamentos, enquanto eles lidam com questões sobre a própria sexualidade, o passado, suas aspirações pro futuro e como tudo isso impacta suas relações com o outro. 

Acompanhamos os personagens a aprender a lidar com as diferentes personalidades uns dos outros, por exemplo, Mon que é calado e reservado o tempo todo parecendo distante, porém determinado, enquanto Soh é um músico com suas excentricidades, como sua veia poética e sensibilidade. Em algum ponto eles finalmente começam a se entender, principalmente depois que Mon fica bêbado e devolve o beijo de Soh na frente de todos os amigos. 

E temos então um quase triângulo amoroso, Mon que gosta de Soh, Soh também sente algo por Mon e Saint também nutre sentimentos pelo amigo, mas os três precisam elaborar melhor dentro de si esses sentimentos antes de conseguir dizer qualquer coisa ao outro mas ao mesmo tempo vão demonstrando em pequenos momentos que isso tem crescido dentro deles. 

A história parece se desenrolar lentamente, com um episódio inteiro circulando ao redor de uma caixa de pirulitos, por exemplo, mas na realidade é que as coisas são mostradas com muita calma e sensibilidade. E, no final, tudo faz sentido com o nome da série, parece que estamos vendo as coisas do ponto de vista de quem sem lembra do passado com nostalgia, até sermos levados de volta ao presente. 

A fotografia se destaca, deixando justamente uma aparência nostálgica no ar, com muitos frames focando nas pequenas reações dos personagens, quase sempre absortos em seus pensamentos. Muitas cenas bonitas pela montagem e iluminação também. Conseguiram usar a beleza dos atores e sua capacidade de demonstrar emoções com pequenos gestos. O conjunto fica muito bonito mas admito que muitas pessoas teriam dificuldade por achar tudo lento demais, embora pra mim não tenha sido um problema, eu vejo a poesia da coisa. 

Há também algumas histórias paralelas que ficam no ar e ajudam a amarrar um pouco as pontas, como o irmão de Mon que volta e meia aparece pra ser travesso e aí somos colocados de frente aos seus pensamentos também. 

A coisa toda é muito sensível, embora seja uma séria focada ao redor do basquete, e a combinação foi muito interessante. Em meio a uma partida e outra os meninos precisam confrontar seus medos e as coisas que os levaram ali e precisam aprender a comunicar o que sentem, e para isso precisam entender também seus sentimentos. 

Embora tenha passado quase despercebido pelo fandom acho que essa série merece uma chance, traz momentos confortáveis e bons pontos de reflexão, sendo uma abordagem mais intimista do que estamos acostumados. 

Nota: 08/10

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Estrela do Norte

Acordei lentamente, e acho que voltei a dormir um pouco duas ou três vezes, o que é incomum pra mim. Como hábito desde pequeno sempre me levantei assim que abri os olhos, adiar o inevitável nunca fez meu estilo, mas hoje eu fiquei naquele limbo entre o sono e a vigília por algumas horas. Ouvi a minha mãe conversando com meu primo na sala ao lado do meu quarto e ouvi meu pai cumprimentar os vizinhos. Todos já estavam de pé e realizando as suas tarefas enquanto eu continuava inerte na cama, sentindo uma pontada de dor na cabeça, provavelmente um pouco de ressaca de ontem. 

Como não tinha nada melhor para fazer resolvi beber enquanto ouvia uma ópera, e talvez tenha passado um pouco do ponto, empolgado pelas árias virtuosas de Turandot de Puccini, a minha ópera favorita. Consegui cantar junto quase que todos os três atos, mesmo tendo tempo que não assistia a essa peça. Mas a solidão do momento, isso foi no meio da noite, também fez seu trabalho e eu me senti estranhamente consciente de mim mesmo. 

Talvez por isso tenha acordado tão desanimado. Me levantei com preguiça, os olhos incomodados com a luz que passava pelas cortinas, coloquei a mão no rosto e senti que estava levemente ressecado, já há alguns dias que eu me esqueço dos cuidados noturnos, e então decidi dar alguns. Nem tinha chegado na sala ainda e já me arrependera, e me veio a frase de um filme que eu assisti muitas vezes quando era criança: "Hoje é um dia daqueles."

Hoje é um dia daqueles em que eu não deveria sair da cama, que deveria ficar aqui e dormir até que anoiteça de novo, pois nada de bom pode vim de um dia como esse. Olhei no celular e já vejo mensagens de problemas para resolver, mas não é nada com que eu possa lidar, eu estou no meu limite, mesmo que nada tenha demandado de mim nos últimos dias. Simplesmente acordei esgotado. 

Os sonhos foram embora, as dúvidas também, os pensamentos dos grandes já não fazem sentido, tudo se perdeu num oceano de escuridão e a pequena bolha de luz que ficou está prestes a se apagar. Sinto-me completamente perdido, e vejo as pessoas me oferecem ferramentas e coragem e nada funcionar, tudo o que eu tenho é essa minha loucura, que arde na noite escura mas não ilumina nada. 

Já deixei de procurar pela minha Estrela do Norte. Não consigo fixar meu olhar em nada, singularidades em ruínas, só posso olhar de cá pra lá e tentar captar um pouco de cada instante, mas o instante seguinte logo chega e o instante já se faz passado e eu não consigo mais retê-lo entre meus dedos. 

A minha paróquia está em festa, e eu nem apareci nesses dias, incapaz de fazer o que quer que seja, incapaz de raciocinar, de concatenar, de analisar ou resolver o que quer que seja. Hoje é um daqueles dias em que eu retornei ao nada, que me encontro paralisado, olhando pro teto esperando que algo me desperte desse torpor. Consigo, apenas com muito custo, me concentrar em algumas notas das músicas, mas até isso vai se perdendo no imenso vazio que se abriu no meu peito. 

Preciso de um refúgio, seja nas páginas de um romance ou por entre as cenas de alguma história de amor, eu preciso desaparecer desse mundo e me unir a algo que seja belo e bom, a algo que seja verdadeiro, para que assim possa me apegar e não mais sentir que tudo ao meu redor se dissolve e perde os contornos. Preciso me refugiar nas palavras de alguma declaração de amor, nos olhos enamorados de um jovem ou na confissão tímida do seu Amado. Preciso daquela faixa de pele que faz os sentidos florescerem, daquele sorriso capaz de iluminar as trevas em que me encontro.

E por isso eu retorno ao meu nada, retorno ao meu útero primitivo, retorno ao silêncio que possa me restaurar, onde possa existir sem ser, viver sem viver em mim... Mas claro que isso não é exatamente uma mudança, eu não vivo realmente, isso não é vida, é no máximo uma meia vida, uma forma menor de existência, eu morro porque não morro, vivo sem viver em mim. 

~

Durante o tempo em que escrevi esse texto eu via uma séria cujo personagem principal se chama Daonuea, isto é, Estrela do Norte em Tailandês.

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Tudo escapa

É engraçado, e engraçado aqui pode facilmente ser substituído por "trágico", como de repente me vem uma energia que eu não consigo explicar de onde vem e eu fico inquieto, a perna tremendo se passo alguns minutos em silêncio, e nenhuma ideia se fixa na minha mente, logo se desfazendo e se remontando em outra e outra, e isso sem parar, o tempo todo, até que eu fique cansado, quase arfando como se estivesse corrido, e tudo isso por causa de um fluxo que nasce dum rompante como uma nascente, mas que desce como uma torrente. 

Me sinto numa sala cheia de arquivos fechados, onde as luzes piscam constantemente e eu não consigo ler nenhuma palavra, mas tudo que eu posso fazer é continuar tentando ler e reler as raízes da vida, os símbolos e as suas essências. Ao mesmo tempo que eu experimento uma efervescência de ideias grande eu também luto pra tentar manter elas minimamente fixas para que eu possa contemplá-las, mas eles vem e vão o tempo todo nesses dias e eu sinto que isso vai me enlouquecer porque não tarda muito a sentir que é informação demais, e eu não consigo desligar, nem quando já são quatro da manhã e minha mente insiste em zapear por canais e canais no Youtube ou em ver dezenas de vídeos no TikTok, aumentando e muito o número de informações com que eu preciso lidar com músicas e mais músicas, danças, figurinos, tudo num vórtice que me aprisionou e me impede de sair. 

E eu venho tentando me manter fixo, em algo mínimo que seja. Não consigo focar numa página de um livro e com dificuldade mantive a atenção num artigo mais cedo, mas a mente parece esquivar-se o tempo todo, ficando a razão como no poema de São João da Cruz "Onde é que te escondeste Amado e me deixaste com gemido?" E então tudo me escapa, tudo me foge a atenção, tudo se dissipa como fumaça no ar, como areia por entre meus dedos.

Mesmo sendo tão diferente da melancolia a sensação de que tudo se desfaz continua, e isso me enlouquece, mesmo tendo uma energia que antes me fora privada por semanas eu ainda me sinto privado da razão, não consigo por nada silenciar meu coração e tudo o que eu busco é um pouco de silêncio, mas não aquele de antes, não aquele silêncio que a tudo faz parecer destruir, não o silêncio que me deixa em pânico, eu só queria, na verdade, um pouco de tranquilidade, me sentar a sombra de uma árvore e ouvir o som da água de um rio fluindo, apenas isso, mas se olho para o ´céu sendo destruído e reconstruído milhares de vezes, preso num ciclo infinito de morte e renascimento. Preso nessa samsara sem perspectiva de final.

Pastores se subirdes,
além pelas malhadas ao outeiro,
se porventura virdes
aquele a quem mais quero,
dizei-lhe que agonizo enquanto espero.
(São João da Cruz)