segunda-feira, 30 de maio de 2022

Esquecido

Olhares, vários deles, demonstrando cada um ao seu modo uma nuance distinta. Alguns não sabiam muito bem do motivo de estarem ali, mas estavam, e estavam felizes pelos risos e brincadeiras com outros colegas, aqueles que você vê numa missa ou algum evento mas nunca conversou e, de repente tem a chance de descobrir algo sobre essa pessoa que você não sabia antes, e assim dar início a um laço que, (quem poderá dizer?) pode ser muito significativo no futuro. Às vezes inícios tímidos podem resultar em amizades que transcendem o tempo, criamos amigos que ficam ao nosso lado nas maiores tempestades, e tudo isso pode nascer desse encontro onde todos imperfeitos vão, aos poucos, trabalhando para melhorar, e isso é belo de se ver.

A Beleza, mais uma vez, faz o seu papel de nos levar ao que é bom, justo e verdadeiro. E há muita beleza num sorriso amigo, num abraço desajeitado mas sincero, num toque de afeto. Essa beleza transcende e nos encaminha pra uma beleza superior, para os valores supremos que ela simboliza. As virtudes que ela consegue transmitir chegam a nós por meio de pequenos gestos assim, e é bom ver que as coisas estão se encaminhando. 

Eu sorri quando os vi todos juntos, mas eu não estava ali. Nem sequer fora convidado, e tudo bem, eu já me afastei de todos há muito tempo e agora já me preparo para me despedir definitivamente. Vou embora pro outro lado do país, e provavelmente nunca mais voltarei. E não pretendo olhar para trás, o que faço agora é apenas a avaliação do meu tempo aqui para me permitir refletir sobre o que eu vou fazer daqui pra frente, quando chegar nunca cidade nova onde não conheço nada. 

Eu não estava naquela foto porque já não faço mais parte daquele grupo. Tomei um caminho distinto. Agora o que ocupa a minha mente são os pensamentos da Filosofia Escolástica, do Tradicionalismo Guenoniano, da Unidade Transcendente das Religiões de Schuon, coisas assim. Tenho me dedicado a leituras simbólicas das coisas que me cercam, tem sido esse meu ponto de atenção. 

Mas fico feliz que eles venham tentando resgatar a espiritualidade da juventude, que os esforços tenham renascido depois de praticamente terem sido extintos pela tibieza. É causa de grande júbilo numa comunidade tão pequena que precisa de tanto pra crescer e se desenvolver. 

No entanto esse não era bem o ponto que eu queria tocar. Acontece que, ao ver aquelas fotos, eu me dei conta do solitário caminho que tomei. Eles estavam sorrindo, eu me encontro muitas vezes com o semblante fechado de preocupação pela elevação das coisas que eu estudo. Eu já não tenho motivos pra rir ou sorrir, não tenho momentos, como antes, que tinha amigos que me abraçavam e beijavam, sou apenas eu no meu quarto e alguns livros. A distância entre o que eu faço agora e o que eles estão começando a fazer nem sequer pode-se comparar: não são espécies do mesmo gênero. 

Não posso mentir e dizer que não fiquei triste, por não ter sido chamado, por ficar sabendo sempre por último. A constatação da solidão é por vezes mais dolorida do que a própria vivência da solidão em si. A verdade, e eu preciso sufocar o meu orgulho pra dizer isso, é que eu sinto muita, muita falta daquele ambiente alegre, das conversas despretensiosas, de falar sobre os problemas da paróquia, de brincar com os acontecimentos engraçados, de ficar num ambiente leve mas ainda assim amarrado por laços de virtudes. Eu sinto falta de não estar tão solitário. E digo estar porque eu já me sentia solitário antes, já que ninguém entendia o que é importante pra mim, mas ao menos o som do outro abafava os gemidos inefáveis do meu coração inquieto. 

E se aproxima cada vez o dia da partida, depois da qual eu não verei mais nenhum de seus rostos. Não vou mais ver o jovem bonito e tímido mas de sorriso lindo por quem eu suspirava toda vez que passava por mim. Conversamos tão pouco, distante como dois estranhos que passam a mesma faixa de pedestres em direções opostas. Mas eu não pude deixar de notá-lo. E eu não faço a menor ideia do que ele pensa sobre mim, se é que pensa em algo, e ele não imagina o que seu sorriso significa pra mim. 

Vejo os rostos amigos que passaram tantas e tantas noites sorrindo comigo, quantas conversas partilhamos, quantas dificuldades, quantas músicas, aplausos, agradecimentos. Quando choramos porque o padre estava descontente com nosso encontro e disse que não nos ajudaria em nada, quando sorrimos ao ver aquela foto de todos abraçados juntos numa noite de música na praça. Momentos que não voltam mais, laços que, em algumas ocasiões se desfizeram e que em outros casos permanecem, mas cada vez mais próximos do rompimento. 

Essa seja talvez a verdade que eu devo aprender aqui: aceitar o grande ciclo de morte e renascimento que é a vida. Estou em plena morte do meu ciclo atual, mas prestes a entrar numa nova vida, prestes a girar em 180° toda minha existência. 

Fico triste por não estar na foto, por ter sido praticamente esquecido, fico triste porque não verei muitos daqueles sorrisos, e que nunca sentirei o abraço dele. Fico triste sim, pelo tempo que passou e que não voltará, mas eu preciso seguir o meu caminho, e aceitar, aceitar que as coisas são assim, um ciclo eterno do qual dificilmente se escapa. Este é meu ciclo de solidão e conhecimento. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário