segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Crítica da crítica

Alguns dos cânones estabelecidos da arte contemporânea é a constante desconstrução de tudo, seguindo aquela máxima propagada pela Escola de Frankfurt e tirada de Marx de fazer a "crítica de tudo quanto existe". A princípio o discurso convence por apontar os erros e as dificuldades a serem superadas, e convence mesmo porque já há muito tempo que essa máxima de desconstrução impera na arte como um imperativo categórico, até poderia dizer que é como um mandamento divino mas os artistas contemporâneos não acreditam em Deus pois é uma ideia limitante, eles dizem. 

E então não acreditando em Deus eles acreditam na força das suas próprias narrativas, mas a narrativa foi desconstruída porque era limitante. A sua arte é constituída de linhas e borrões, não têm figuras delimitadas porque as figuras são limitantes e as linhas agora são limitantes também. O espectador, leigo coitado, precisa aprender a desconstruir toda sua mentalidade ao entrar em contato com sua obra, e ao dar voz ao seu impulso ordenador e dizer "eu não entendi" ou "o que isso significa?" os artistas respondem que não há significado ou que o significado deve ser encontrado por eles mesmos, mas ninguém lhes pode dizer e, se o dizem, está errado. Não podem então buscar uma linha, uma regra ou um cãnone, porque tudo isso é limitante, e nesse afã eles criam um supercânone: o de que nada pode ser dito de verdade, não há certeza, tudo é extremamente subjetivo. 

Seus borrões e rabiscos estão cheios dessa vontade desconstrucionista, mas se alguém ousar dar alguma interpretação que seja distante dessa está errado. No mais eles dizem que não há certo ou errado, contanto que nada evoque de bom, de belo, justo ou verdadeiro, esses cânones são limitantes. Mas a arte engloba todo o processo, sendo a obra final apenas um objeto a mais, muitas vezes sem importância mesmo sabendo que ninguém está vendo o processo e sim apenas o objeto, uma obviedade que lhes escapa completamente a percepção. Os significados são múltiplos, mas todos dentro desse espectro destrutivo, dentro dele a arte pode significar qualquer coisa, é tudo. E uma outra obviedade que eles não percebem é que dizer que a arte pode ser qualquer coisa é o mesmo que dizer que ela não é nada. 

Falam disso com ares de superioridade como se a arte contemporânea inteira não fosse só e exatamente isso há mais de um século. Andy Warhol chocou ao colocar um mictório numa galeria de arte, tudo bem, talvez tenha valido a provocação, mas parece que a arte atualmente se compõe apenas disso, provocações sucessivas, uma desconstrução da desconstrução. Todas as sugestões são etéreas, inexistem, apenas propõem que as coisas sejam revistas de novo e de novo mas que nada seja feito de novo. É o trabalho do negativo de Hegel elevado à enésima potência. E ninguém pode contestar essa contestação, ninguém pode desejar um pouco de brilho ou de beleza, uma mensagem construtiva, uma reflexão sobre as virtudes ou os vícios que possa somar verdadeiramente. 

O ato de desconstruir finda em si mesmo porque, destruindo e julgando tudo como incorreto, nada constrói ou sugere em substituição, gerando apenas confusão, caos, numa estimulação contraditória e permanente que faz o homem se sentir ainda mais perdido em relação ao próprio ser e ao mundo em que vive. Não percebem eles que as obras clássicas são clássicas porque suas críticas não se limitavam a uma determinada época ou lugar, mas transcenderam o tempo e o espaço chegando até nós justamente porque dizem respeito a toda humanidade, se pautam na experiência humana não banal e flutuante, mas naquelas experiências profundas, ruins o quão fossem ou não, e que todos em algum modo conseguem se identificar. 

Mas essa experiência humana se perdeu, pelo menos para eles que, do alto de seus pedestais que, como deuses julgam a humanidade e até o próprio Deus, a única experiência válida é a que destrói tudo, menos o seu direito de serem como deuses.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Resenha - The Eclipse

Muitas vezes é preciso ver a escuridão para dar valor a luz. The Eclipse foi uma série que desde o anúncio chamou atenção do pessoal por trazer uma carga dramática maior que alguns dos projetos mais famosos da GMM TV, com dois atores que já são nossos conhecidos mas que, trabalhando juntos, trouxeram uma perspectiva nova e sensacional. 

Akk (First Kanaphan, de Not Me e The Shipper) é o líder dos monitores do Colégio Suppalo, uma instituição de elite com rígidos padrões de comportamento. A vida dele muda completamente quando, ao assumir o cargo, alguns alunos começam a protestar contra as políticas opressivas da escola e com a chegada de Ayan (Khaotung Thanawat, de TonhonChonlatee), um jovem que deliberadamente se coloca contra as regras da escola além de desafiar até mesmo os professores durante as aulas, além de parecer esconder um segredo, já que vive procurando informações sobre um antigo professor do lugar. 

Claro que a primeira reação de ambos é o ódio. Eles brigam todas as vezes que se encontram, e Ayan ameaça Akk dizendo que se o monitor bater nele, ele vai beijá-lo. Ne tentativa de evitar que o novo aluno traga mais problemas ao grupo de monitores Akk passa a vigiar ele de perto, o que eventualmente os aproxima a medida que ele vai entendendo que o outro tem razões importantes para seu comportamento. Além disso há uma lenda que circula a escola, que surgiu desde um eclipse anos atrás, e que desde então os alunos que iam contra as regras do lugar eram punidos de forma sobrenatural. Os alunos que protestam logo são pegos pela tal maldição, deixando a escola e principalmente os monitores em estado de alerta. 

Depois desse início conflituoso pouco a pouco os dois vão abaixando a guarda e se abrindo. Ayan é implicante e debochado, o que irrita Akk o tempo todo, mas ao mesmo tempo ele começa a enxergar sentido nas coisas que o outro diz e passa a questionar também a sua lealdade cega a escola e ao Professor Chadok, chefe da coordenação disciplinar. 

Também temos como casal secundário Kan e Thua (Neo Trai e Louis Thanawin, ambos de Fish Upon The Sky). O primeiro sendo um dos melhores amigos de Akk e membro do grupo dos monitores e o outro o eficiente e tímido presidente da turma. Embora de personalidades distintas eles se aproximam por razões acadêmicas enquanto Kan começa a sentir algo em relação ao outro que passa por dificuldades para se expressar. As dúvidas, no entanto, parecem dar lugar a um sentimento que vai crescendo entre eles. 

Em matéria de atuação essa série é sensacional, e os protagonistas possuem diversas camadas que são exploradas muito bem. Akk sofre uma pressão tremenda por ser de família pobre e precisar ser o melhor possível para conseguir uma bolsa de honra na faculdade, enquanto Ayan tem um quadro de depressão e ansiedade, o que torna a sua busca para entender o que aconteceu com seu tio ainda mais dolorosa naquela escola. Eles vão então encontrando um no outro um lugar onde podem se abrir e serem vulneráveis, enquanto ostentam na escola uma imagem de perfeição acadêmica e de oposição a opressão. As cenas mais lindas são, de longe, aquelas em que eles choram um na frente do outro, num abraço desajeitado, pelo peso do fardo que precisam carregar. 

First e Khao ostentam carisma e química dentro e fora da série, foram muitas as entrevistas em que eles choraram ao dizer o quanto se dedicaram e o quanto se envolveram com os personagens e como isso os aproximou ainda mais. Tudo isso é visivelmente percebido nas interações dele na tela, seja com os olhinhos de jabuticaba mais lindos do mundo do First ou o sorriso doce e contagiante do Khao. 

Temos então uma série que aborda as injustiças, saúde mental, opressão e revolta, companheirismo e confiança, até a descoberta e aceitação da sexualidade. First e Khaotung deram um show tanto nas cenas dramáticas, com direito a muitas lágrimas e uma expressão corporal poderosa, até as cenas mais cômicas, onde um implica com o outro o tempo todo. Neo e Louis também deixaram de ser apenas o alívio cômico que foram em Fish Upon The Sky e mostraram maturidade e força na atuação também, fazendo os fãs pedirem que eles ganhem uma série só para eles agora.  

No primeiro teaser, aquele feito antes do início das gravações oficiais, a série apresentou uma fotografia bem diferente, mais escura e bem séria, quase sufocante, e eu acho que se tivessem continuado nessa linha teria sido melhor, não que a atual, mais viva e colorida, não seja boa, apenas teria combinado mais com a carga dramática que os personagens trazem. Mas não chega a ser um problema, de todo modo Khao e First estão incrivelmente lindos e apaixonantes em todos os episódios. A trilha sonora se destaca pela faixa Over The Moon que o Khaotung canta, simplesmente maravilhosa. 

Enfim, com uma história de personagens cativantes que transformam o clichê do romance colegial numa jornada de lutas pela liberdade e a justiça The Eclipse é uma continuação sutil e gentil de Not Me, abordando pautas importantes numa combinação de força e delicadeza. 

Nota: 10/10

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Clamor

Eu tinha tentado escrever de modo sincero, mas acabei me perdendo em citações e reflexões outras que foram aparecendo e que acabaram por enevoar o que eu queria dizer, de modo que a mensagem está lá, mas rodeada de tantas outras coisas que acabou se perdendo.

O fato que eu queria falar é simplesmente do meu sentimento, nada mais elaborado do que isso. Gostaria de falar do quanto gosto de você e do quanto penso em você em todos os momentos, que chego a sonhar com seu abraço e seu perfume, o seu sorriso e o quanto tenho vontade de segurar sua mão, de ver as estrelas deitado sob seu peito... E isso é tudo o que posso dizer porque quando digo em palavras que te amo mais do que poderia imaginar e mais do eu consigo expressar é verdade, não há como eu dizer o que sinto porque minha capacidade de expressar isso é limitada, tudo o que consigo dizer é que te amo mas, de algum modo, essas palavras não conseguem conter o que eu sinto de verdade. O fato é que eu te amo, mas você entende o que isso significa? Entende que eu não apenas quero ser seu amigo ou companheiro mas que quero ficar ao seu lado pra sempre? Que quero segurar a sua mão, beijar seus lábios, me tornar um com você? Essas palavras também são apenas descrições mais ou menos gráficas, também não dão conta do que sinto de verdade, apenas apontam em certa medida pro sentimento maior, inexpressável que há em mim, e que talvez só pode ser visto transbordando de meus olhos e nas vibrações da fibra do meu ser, quando cada parte do meu corpo clama pela sua presença...

X

Dia de faxina, e o contato com as coisas fora de ordem deixam essa impressão forte do espírito ordenador do homem. Há em nós esse ímpeto de tentar captar a ordem porque a desordem nos é desesperadora. 

Então a minha mãe dá vasão a uma longa ladainha sobre como a casa é apertada e de como isso é um problema aqui. Pra mim a solução seria simples: diminuir as coisas na casa. Mas isso parece que nem passa pela cabeça dela. E então a casa está entulhada de coisas, que ela quer que caibam aqui dentro de todo modo. E nada combina com nada, é apenas uma desordem total que grita para ser ordenada. Essa falta de senso das proporções, do que deveria ser desfeito ou não, é apenas sinal de uma mente que se distorceu, que já não é capaz de captar a realidade. 

E então eu fecho meus olhos e finjo não entender nada, porque sei que seria entendido errado. Mas essa confusão também me incomoda, e por isso eu saio e caminho um pouco, a vista do mar me ajudando a esquecer, fazendo com que meus pensamentos sejam levados como aquela maré, sumindo no horizonte com as gaivotas. 

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Ouvi de algumas pessoas que é bom sair da rotina e ver algo de arte que lhes possa ajudar a respirar. Bom, eu até entendo que as coisas sejam assim para elas mas, o fato é que essa visão diminui e muito o que é a arte e o que ela pode fazer pelo homem. A arte não é apenas para recarregar as energias e ajudar a sair do mundo horrível por meio de algo melhorzinho, ela faz isso também, mas a arte é algo que constantemente vai povoando o imaginário daquele que a vê, que vai enriquecendo seu horizonte de consciência, e que não pode ser deixada pra segundo plano, mas deve ser vista diariamente, porque é justamente ela que nos faz viver o cotidiano sem esquecer que há melhor do que as horas trabalhadas diariamente. Por isso a importância da poesia em nos ajudar a expressar até as experiências mais banais, da música em compor nosso universo exterior e das artes plásticas em treinar nossa visão para o belo. A arte não é acessório, ela é quem nos ajuda a chegar ao centro mesmo do ser, apontando para ele e, por isso mesmo, é algo que não deve ser vista apenas no fim de semana. 

Não estou dizendo que as pessoas precisam largar o trabalho e viver de arte, pelo contrário, mas conseguir colocar a arte nas suas vidas patéticas e vazias. Ler um livro na parada de ônibus ou no caminho até o trabalho, ouvir música quando toma banho, sair um pouco do TikTok e ver um filme, nem precisa ser uma grande obra, mas que consiga captar dele alguma mensagem, positiva ou não, mas é deixar-se levar pela arte, que toma o homem pela mão e aponta de certo modo pra Verdade. 

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Olhei a água inquieta do mar e não vi meu reflexo, mas vi como que um monstro saindo de lá, gigante, feroz, um Leviatã pronto a devorar, com uma sanha assassina, o caos primitivo. Eu sou esse monstro que se ergue das águas da criação apenas para devorar e destruir. 

Sinto nojo de mim mesmo ao imaginar os cenários mais torpes e imundos que nenhum hedonista, nem o pior dos pervertidos conseguiria conceber. Cenas onde a chama luxuriosa consome a carne ao ar livre corpos que se entrelaçam sem pudor à luz do sol, no meio de folhas e gramas ou na areia molhada da praia, nas pedras banhadas pela lua ou nas águas de uma piscina por corre uma água de prata, seja nas mesmas pedras ou nos corpos por onde ela jorra num rompante, êxtase de gozo entre corpos fortes, pernas trêmulas, mãos que apertam e cravam as unhas na carne, curvas voluptuosas que acendem aos céus como montes, membros rijos e preciosos como nenhum lapidário jamais descreveu. 

Meu corpo exposto e disponível, pernas abertas em sinal de desejo lancinante que se abre ao prazer inebriante de ser tocado, devorado, penetrado, deflorado com força, capturado por braços fortes e sentindo o gemido alto e primitivo de quem já não se segura, que se entrega completamente aos desejos mais bestiais até o derradeiro orgasmo.

É como se eu fosse apenas uma fera que se alimenta dessas ilusões, das tentações luxuriosas mais profundas. Foi isso que constatei sobre mim, e é apenas isso que eu vejo ao fechar os olhos. Mesmo que não queria ninguém por perto, mesmo que não queria nem mesmo conversar eu ainda penso nessas coisas, eu ainda me vejo nesse cenário desprezível, como se nele pudesse achar a realização da vida, o sentido da existência no corpo de alguém. Mas são apenas gemidos inefáveis, gotas de suor e pele avermelhada. Muito embora o contato sexual contenha em si diversas dimensões, dentre as quais o contato direto da carne e da história do ser, seus antepassados, sua genética, impulsos hormonais, valores morais e, por fim, o amor propriamente dito, tudo o que eu consigo conceber é a parte mais baixa desses apetites. 

Olhei a água inquieta do mar e não vi o meu reflexo mas, ao olhar o abismo ele olhou de volta para mim. O homem que nesta terra miserável vive entre fera sente também inevitável vontade de também ser fera, disse o poeta. 

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Resenha - Oh! My Sunshine Night


Como é belo ver a construção de uma relação de confiança que vai, pouco a pouco, se fortalecendo. Oh! My Sunshine Night é mais um trabalho do famoso ship OhmFluke que já estão juntos há mais de três anos como parceiros, desde a sensacional Until We Meet Again.

Acompanhamos a história de Sun (Fluke Natouch, de UWMA e My Bromance), um estudante de música que entra na universidade com o objetivo de se tornar membro da banda sinfônica. Ele acaba esbarrando com Khim (Ohm Thitiwat, de UWMA), estudante do terceiro ano que, embora seja talentoso no violoncelo, é bastante frio e introvertido, tendo poucos amigos. A princípio eles se desentendem porque Sun é bastante expansivo e isso incomoda Khim que prefere ficar quieto. Acontece que Sun possui um grave problema cardíaco e, ao ver o outro se sentindo mal, Khim decide ajudar, o que acaba por aproximar a ambos. 

Khim é irmão mais novo de Rain (Noh Phouluang, de Nitiman), um veterano do último ano que é um dos mais populares da universidade e estrela do time de Rugby. Ao contrário do irmão Rain é simpático e muito comunicativo, além de extremamente maduro e responsável, por isso sendo alvo do pai que gostaria que ele se dedicasse mais a empresa da família, uma das maiores do ramo imobiliário no país, e menos ao Rugby, já que Khim só pensa em música e nunca deu indícios de se preocupar com os negócios, o que gera muito atrito entre ele e seus pais. 

Os irmãos contam com a ajuda de Phayu (Peterpan Thasapon) filho do mordomo da família e que age como motorista e secretário dos meninos além de trabalhar meio período numa churrascaria. Embora seja próximo de ambos desde a infância, Phayu não consegue realmente se sentir um amigo à altura deles por causa da sua posição, além de uma paixão platônica que ele tem por Rain, de quem é mais próximo e tenta cuidar com o máximo de carinho.

A história vai se desenrolando então conforme Khim e Sun se aproximam lentamente, tentando superar as dificuldades que que aparecem pela diferença de suas personalidades. Khim tenta afastá-lo e, ao mesmo tempo, se preocupa com o outro a ponto de sempre buscar ficar por perto para ajudá-lo, ainda que não admita nem mesmo pra si. Também vemos a complicada relação dos irmãos com os pais, que querem querem que os filhos se preocupem com os negócios. Vendo que o irmão não pode ser feliz longe da música e de uma vida mais reclusa Rain decide abandonar suas próprias escolhas e se dedicar a empresa, enquanto se vê na complicada relação com Phayu que, embora goste dele, sempre se afasta para não prejudicar o seu mestre.

A relação de Khim e Sun vai crescendo conforme eles vão adquirindo confiança um no outro, muitas vezes se entendendo depois de uma discussão ou de buscarem um sintonia na música já que, ao entrar na banda, eles precisam fazer um dueto numa apresentação importante e por isso precisam se conhecer melhor, além de contarem com uma ajudinha de Rain. 

Sun, por seu problema grave de saúde, está sempre diante da perspectiva da morte, o que o leva a encarar a vida de modo mais espontâneo, já Khim está sempre profundamente incomodado e tem uma visão pessimista de tudo, já que sofre a pressão constante de ser criticado por fazer o que gosta. Pode parecer um dilema bobo de menino rico mas a forma como isso é mostrado é de uma beleza incrível.

E isso me leva ao ponto que eu queria chegar: a beleza dessa série! Além da estética belíssima, seja nas lindas locações e da fotografia exuberante e melancólica, a construção das relações é bela. Tudo se dá de forma lenta e gradual, o que é uma crítica quase unânime na internet com a qual eu não concordo. As pessoas disseram que a série é parada e que nada acontece, mas o fato é que elas não conseguiram pegar a sutileza da construção mostrada. Os personagens muitas vezes não dizem nada ou fazem coisas pequenas que já demonstram muito sentimento. Rain dormindo na cama de Phayu mostra que ele se sente próximo e íntimo do outro, enquanto ele se afasta. Khim se preocupando em comprar maçãs para Sun ou ficando por perto, do lado da parede, quando o outro está passando mal mas sem se aproximar a ponto de deixa-lo desconfortável, são pequenas coisas que mostram um interior que vai transbordando.
 

O auge da série é quando o Khim, homem sério e fechado, revela suas lágrimas e medo para um Sun acolhedor e compreensivo que gentilmente o abraça. Ou ainda quando Sun admite ter medo da morte e Khim fica ao seu lado, emprestando o ombro pro outro derramar suas lágrimas. E há ainda uma promessa capaz até mesmo de fazer ambos superarem uma das maiores dificuldades que podem aparecer na vida, quando são envolvidos numa trama ainda maior, que leva a série para um outro patamar. O que começou sendo um romance doce e problemas familiares se torna uma disputa mortal por poder que acaba engolindo os nossos personagens num turbilhão quase impossível de escapar. A qualidade da trama aqui dá um salto impressionante. 

Phayu também é um personagem que me conquistou, a atuação de Peterpan consegue mostrar toda a angústia dos sentimentos conflitantes dele por Rain. Ele cuida do mestre ao mesmo tempo que busca sacrificar sentimentos pelo bem dele, mas acaba só deixando Rain ainda mais preocupado. A força e a maturidade de Rain em se sacrificar também é de uma virtuosidade notável. 
Claro, não poderia deixar de falar da já conhecida atuação impecável do Fluke, mas aqui também tivemos bastante espaço pro Ohm e dessa vez os dois foram devidamente colocados no mesmo nível. Ambos se entregaram e se mostraram excelentes nas cenas de maior carga dramática e até nas cenas mais cômicas. Pra quem diz que o Ohm não sabe atuar e que faz sempre a mesma cara, quando na verdade não conseguem entender a limitação de um ator e a característica do personagem, essa série provou o contrário.

Enfim, com uma narrativa delicada e de sutileza poética a série mostra o crescimento dos protagonistas e como eles vão encontrando no amor a coragem para ir construindo seus próprios caminhos. Com uma fotografia impecável e visuais belíssimos, além de um trilha sonora emocionante, Oh! My Sunshine Night é uma excelente série que, infelizmente, não foi bem compreendida, resultando em hate desnecessário aos atores principais que já têm outros projetos em vias de lançamentos. Realmente uma pena pois contém uma bela mensagem. 
Nota: 10/10

domingo, 23 de outubro de 2022

Novos

Resolvi colocar em prática algo que dito a mim mesmo que faria quando começasse a trabalhar: procurar novas amizades. Primeiramente pelo fato de que estou agora morando numa cidade onde só conheço meus parentes e o pessoal do trabalho, então sim eu preciso de amigos, mas também preciso começar a conhecer pessoas e conversar no sentido de tentar buscar um companheiro, e não apenas ficar sentado lamentando a minha falta de sorte sem precisar conhecer gente nova. Em Valparaíso eu já havia desistido, e quanto mais amigos se afastavam de mim menos vontade eu tinha de conhecer pessoas novas, no fim eu estava falando com duas ou três pessoas e nenhuma delas era frequente na minha casa como antes, em que via meus amigos quase todos os dias. 

Tem sido um esforço porque desde então eu tenho cultivado um absoluto desinteresse pela vida das pessoas, nem tanto pelo fato de que a maior parte dos caras estão apenas procurando sexo, se fosse isso eu até estaria bem já que não sou de recusar, mas justamente pelo peso que é conhecer alguém e que as pessoas dificilmente percebem. Por exemplo, ter contato com os gostos e aspirações de alguém, num primeiro momento pode parecer que trata-se apenas de superficialidades mas não, na verdade é um vislumbre do que alimenta e guia aquela alma, do que busca aquele ser, e isso é um peso assustador justamente porque falam como se não fosse nada. 

Quando eu digo que gosto de música eu não estou dizendo simplesmente que gosto de ouvir musica enquanto faço qualquer coisa, eu estou dizendo que a música ocupa um lugar central na minha vida porque por meio dela eu consigo aprender a captar sutilezas da alma que de outro modo não conseguiria, eu estou dizendo que a coleção de melodias na minha cabeça  me prepara para apreender as mais diversas situações, das mais apavorantes as mais alegres e que em palavras nem sempre é possível expressar mas, por meio delas, eu consigo ir compreendendo aos poucos e assim expressar de algum modo uma vez que o meu imaginário está cheio de referências das mais ricas. E tudo isso ao dizer que gosto de música, e o mesmo se aplica a tantos outros aspectos da vida.

Conhecer alguém não é simples, antes disso, é um ato de grande desafio justamente porque as pessoas mostram muito de si sem nem prestarem atenção na importância que elas mesmas têm. É assustador ficar de frente com uma pessoa nova e ver que, por um lado ela não entende a profundidade das coisas que digo e que, por outro, ela mesma não faz ideia do poder daquilo que ela está dizendo. 

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Um sorriso contagiante e um choro genuíno

Lembro que conheci o First Kanaphan quando anunciaram o seu papel como protagonista em The Shipper, e posspivel relação do personagem dele com o Ohm Pawat, antigo conhecido. Embora o final dele tenha sido particularmente triste eu fiquei absolutamente encantado com a atuação dele, que conseguia ir da comédia caricata até as cenas de maior dramaticidade com muita facilidade. Depois o vi também em Blacklist, repetindo o feito porém com menos destaque já que o elenco era maior e todo formado por estrelas da GMM TV.

Em Not Me ele ganhou um espaço maior e uma boa visibilidade numa série que tratou de importantes questões sociais. Ele eternizou um dos personagens mais incríveis dos BLs, o artista Yok, membro de uma gangue de justiceiros sociais. Delicado em sua obra e dedicado e fazer o que acha certo, capaz de entender e perdoar. Ele deu um baita show seja nas cenas de ação quanto naquelas mais intimistas mostrando muita química com o Fluke Gawin, que também estava incrível. O ponto alto deles foi a cena em que Yok desenha Dan que, estando nu, sente como se mostrasse todos os seus erros para o amigo que ele conheceu de maneira inesperada (Yok o resgatou de um incêndio que ele e seus amigos tinham provocado e, tendo se apaixonado, ele perseguiu o policial e inclusive roubou a sua carteira, até ser capturado, finalmente conhecendo-o). Dan tinha matado um homem durante uma missão anos atrás e nunca se recuperara da lembrança, lutando por meio da arte contra a corrupção das instituições desde então. Yok com incrível sensibilidade conseguiu capturar a angústia do outro no desenho com carvão e depois o consolou, num terno abraço que, para mim, é uma das cenas mais bonitas de que me recordo.

Agora em The Eclipse ele tem entregado outro trabalho espetacular como Akk, o chefe dos monitores de um rígido colégio para garotos. Ele precisa se destacar entre seus colegas pois, sendo bolsista, quer garantir uma bolsa também na universidade, encarnando por isso as regras injustas da escola que suprimem a individualidade em nome da excelência. Nesse cenário ele conhece Ayan, um novato rebelde que chega questionando todas as atitudes autoritárias da instituição mas que, por alguma razão, Akk não consegue se afastar dele. A princípio ele persegue o outro apenas para descobrir o que ele planeja fazer mas, ele logo percebe isso, tem algo mais no rapaz que o encanta e o faz ir atrás dele. 

Akk e Ayan criam então um laço complicado. O chefe dos monitores tem boas razões para tentar ser o mais disciplinado possível, ele não quer decepcionar seus pais e professores e nem os colegas que o admiram. Mas Ayan enxerga essa pressão que o faz agir assim e consegue superar a barreira que Akk criou com uma imagem de perfeição, vendo as lágrimas que ele esconde tão bem. E o mesmo Akk faz com Ayan, vendo por trás da sua aparência rebelde um garoto traumatizado e enlutado que tenta entender melhor o que aconteceu com uma pessoa importante em sua vida. E então vemos First entregando mais um personagem completo, com diversas nuances, que a princípio sorri de modo tímido e se revela só para os amigos mais próximos, mas com Ayan tem um sorriso especial, afetuoso e caloroso. Seu olhar também muda, o que antes tinha apenas a severa disciplina passou a ter confusão, medo e ansiedade, mas depois também mostra o carinho pelo garoto, um sentimento crescente que vem tomando conta dele. O sorriso na piscina e depois na cama quando Ayan lhe pede em namoro, ambos antecedendo dois beijos, são de uma sensibilidade artística ímpar. 

Outra coisa que me chama atenção são os bastidores e outros momentos dos meninos que foram registrados. Revelaram alguns vídeos de workshops onde First chorava copiosamente se declarando pro Khao, o mesmo em entrevistas e no evento de aniversário do amigo. Também as muitas declarações de amizade de ambos o First sempre se emociona e enche os olhinhos de lágrimas, e é bonito ver o quanto ele se entrega ao personagem, o quanto ele realmente sente aquelas emoções e como ele e o Khao construíram uma relação de companheirismo tão bonita juntos, tendo que entregar personagens com tantas nuances e tão complexos. conseguindo entregar um trabalho que emociona e aquece o coração em tantos momentos. 

É, é para coisas assim que eu vivo. Consigo me emocionar, sorrir, me sentir bem mesmo num dia cinza (e não me refiro ao céu sempre nublado de Joinville) que me ajudam nos momentos mais difíceis me dando um significado, ainda que pequeno e sutil porém de grande beleza e valor para minha vida. 

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Névoa Matutina

Amanheci com a mente enevoada, meio perdido. Demorei vários minutos para conseguir me colocar de pé e, mesmo depois, só consegui me arrumar no automático. Geralmente assim que desperto já começo a pensar em algo, uma música, uma aula, mas hoje não me veio nada. Apenas segui sem prestar muita atenção ao que estava fazendo... Assim peguei o ônibus e estou aqui no trabalho. Minha mente divagou um pouco, e precisei voltar a mesma página do livro uma segunda vez porque lera não mas não entendi, não prestei atenção, ao que foi dito. Pode-se dizer que acordei em baixa frequência. 

Só quero ficar quietinho, acho que nem consigo responder as mensagens no celular, isso porque não sei o que dizer, não sei o que pensar, e por isso quero apenas existir, fechar os olhos um pouco ouvir os pássaros aqui, respirar fundo sentindo a umidade e esperar, esperar que passe, que eu acorde, que eu possa chegar em casa e ficar um pouco no escuro, que eu possa dormir depois de olhar a lua.

Não é uma reclamação mas uma constatação, que o cansaço tem sugado até mesmo boa parte do meu ímpeto criativo: tenho chegado em casa cansado demais para escrever o que me vem a mente durante o dia, aproveito algum tempo livre para escrever é claro, mas ainda assim sinto que isso tem sido prejudicado. O mesmo digo do tempo que uso pra estudar e assistir. Não consigo me concentrar em algo muito complexo por muito tempo, bem como já vou assistir com muito sono e não consigo comentar sobre, senão que aquilo nem mesmo encontra tempo para fecundar minha imaginação porque, pouco depois de ver eu já vou logo dormir e no outro dia a rotina começa logo cedo. Claro, isso é parte da miséria humana, e eu já sabia muito bem disso, mas ainda acho que vale a pena falar sobre. 

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Agora minha chefe pediu que eu elaborasse perguntas para entrevistar a artista que vai expor aqui na galeria a partir da próxima semana, e minha mente não consegue pensar muita coisa, e por isso eu preferi vir aqui escrever.

Mesmo sem ter muito a perguntar a exposição deixou em mim algumas impressões. São quadros pintados em cima de um tecido colorido, o Jacquard, e nele além da estampa, em sua maioria florais, se encontram então o desenho de figuras humanas, a maior parte dela de rostos, que se sobrepõe, dois ou três em cada obra. É interessante porque mostra o complexo tecido das nossas relações, sejam as familiares ligadas ou não por laços de sangue, até relações entre amantes, amigos, colegas de trabalho, todas as pessoas que, de um modo ou de outro vão se sobrepondo a nós, ou sendo sobrepostas por nós, criando assim uma concepção nova, uma terceira coisa, que nasce dessa relação com o próximo. 

Isso me faz pensar nas minhas próprias relações, no que eu tenho deixado com o outro e o impacto que ele tem em mim. Tenho simplesmente fugido da maioria das relações, e converso apenas com o pessoal do trabalho por profissionalismo e em casa converso, pouco, com minha família por simples falta da existência de campos de interesse comum, com alguns amigos até consigo ir até a segunda base mas, no geral, apenas consigo diálogo com pessoas que estão longe de mim, no tempo e no espaço. Esse diálogo se constrói, por exemplo, a partir da voz do meu professor que ecoa diariamente na minha mente, sobre a qual eu medito por horas todos os dias na tentativa de conseguir, mesmo que em partes e de modo bem superficial, o caminho que ele trilhou. 

Ontem eu tomei uma boa dose de remédios pra dormir e dormi praticamente o dia todo. Uma amiga me perguntou se eu não temia morrer, ao que respondi que não, não temo morrer porque pra mim não faz tanta diferença assim. Tenho certo medo de sofrer, ou de ver outros sofrendo por minha causa como seria o caso da minha mãe, mas pessoalmente eu não me importaria se morresse nesse momento porque, ao pensar no futuro, eu não vejo coisas que eu queria realizar, não vejo objetivos a cumprir, não tenho nada que se pareça com um sonho a alcançar. Apenas o que faço é viver um dia de cada vez, sem esperar nada demais, e apenas vou fazendo isso. Até penso em coisas como um relacionamento ou algo do tipo, principalmente quando vejo tantos homens bonitos aqui, mas isso dura apenas alguns breves instantes, e até a beleza deles logo se esvai da minha mente como fumaça. Se puder conhecer um pouco mais da realidade, ótimo, mas também não me preocupo em querer saber tudo porque sei que isso se dá na eternidade então, não acho que importe muito o que eu aprenda aqui se lá vou aprender infinitamente mais. 

Como aqueles seres que no Silmarillion vão cantando um tema proposto por Erú, cada qual cantando uma parte que lhe foi concedida conhecer, eu vou entoando esse meu tema, sabendo que ele deve fazer parte de um todo sinfônico maior, mas que eu mesmo não consigo apreendê-lo totalmente sozinho, e então aguardo pelo dia que ele se revele inteiramente, fazendo uso de todos os temas, inclusive os dissonantes, que todos ao meu redor entoam. E então, retornando ao trabalho da artista, é como se cada um entoasse um canto, cada um aparece com seu traço e suas formas e, juntos, formam uma grande sinfonia, ou uma grande pintura. 

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Sobre as coisas que não entendemos muito bem

O domingo melancólico começou com uma incômoda crise alérgica e uma missa chuvosa onde tentaram, sem muita eficiência, fazer as pessoas se animarem cantando músicas mais agitadas, mas algo no espírito da liturgia e da chuva falaram mais alto e, por fim, acabaram substituindo o compasso ternário pelo quaternário e arrastando as letras de cada frase com uma preguiça cadente. Com exceção disso eu não consegui prestar atenção em muita coisa por causa da dor que sinto sempre que minha alergia ataca. 

De volta ao meu quarto eu deitei um pouco e, olhando umas fotos nas redes sociais me deparei de novo com as imagens perfeitas que tantas vezes já descrevi como me impactam negativamente, me fazendo crer, ao mesmo tempo em que tenho consciência desse processo, que a perfeição delas é a única beleza que existe. Se o mundo dependesse de mim estaria salvo apenas se olhassem esses rostos perfeitos, reflexo de coisas belas que foram dadas aos homens como dádivas para encantar.

Sei bem dos erros e das consequências desse pensamento mas admito uma vez mais que há algo de beleza nessas imagens, algo sobre qual eu já falei antes e não quero me repetir hoje, e então constatei que hoje não posso oferecer essa beleza. Nada de pele perfeita e nem cabelos hidratados, tampouco um sorriso doce e iluminado e muito menos roupas deslumbrantes. Muito embora aquelas trevas que antes haviam em meu hálito tenham aparentemente se dissipado eu ainda conservo minha descrença, um ceticismo pessimista que beira o niilismo, em ver beleza em minha vida. Hoje sou apenas eu, imagem desconstruída, criatura disforme e falha, um arremedo de ser humano.

Claro, o contato com grande obras me dão uma ideia dessa beleza idílica, superior, mas é justamente isso, algo que se encontra num sobrecéu, num hiperurânio platônico, do qual só posso vislumbrar aqui por meio dessas belas obras, como agora em que escuto Dolly Parton cantando How Great Thou Art pela quinta vez essa manhã. Aqueles que estampam as fotos as quais me referi são agraciados com um pouco dessa beleza que se transmite dos homens aos homens como sinal de um mundo das ideias que nos é inacessível aos sentidos pode, no entanto, nos dar um vislumbre por meio dos sentidos. Apontam ao seu modo algo maior, assim como uma liturgia aponta e nos transporta realmente para uma realidade superior.

Senti isso ao ver a mostra Sobre as coisas que não entendemos bem, de Celaine Refosco, no Instituto Internacional Juarez Machado em Joinville, onde trabalho, e lá tive contato com diversas complexidades de relações e percepções. A forma como as obras vão se transformando conforme vamos olhando por diversos lados, como as construções vão crescendo e se desfazendo de acordo com as diversas camadas que refletem as muitas camadas da nossa personalidade e das nossas relações. Conforme olhamos as imagens se tornam mais ou menos claras e isso é uma experiência comum a todos. 

Sei que a beleza, como ideal universal, não é o objetivo da artista, que tem uma forma ímpar de ver o mundo e desvelar aspectos escondidos e colocá-los em primeiro plano, e aceito isso. Por isso a reflexão que faço é justamente um esforço do meu pensamento em transportar o que vi e que me impactou. É mais uma camada que acrescento a esse complexo tecido de relações. Mesmo que cada interpretação ou, melhor ainda, cada impressão seja diferente, são mais e mais camadas dessa trama de complexidade inabarcavel. Olhar o conjunto nos faz ter exatamente essa impressão: nossas relações estão cheias de coisas que não entendemos bem.

Por outro lado, continuando no âmbito das relações, decidi ouvir Jeff Satur dizer em "Why don't you stay?", em seus acordes perfeitos e afinação impecável que ele "deseja ficar, que está perdido em seus olhos, ao seu lado e assim tudo vai ficar bem quando a noite chegar" e então ele pergunta "por que você não fica?" É o desejo mais profundo e sincero da entrega. 

É um questionamento válido que mostra um aspecto daquela trama maior dos sentimentos e que eu trago para minha experiência, cada vez que sinto aquele ímpeto dentro de mim de dizer, sem subterfúgios poéticos, o que eu realmente sinto, que gostaria de viver naquele abraço pra sempre, ouvindo seu coração bater, sentindo o aroma doce do hálito e as palavras gentis daquele que amo mas que eu queria aqui comigo, acordando todos os dias ao seu lado, deitado sobre seu peito e até em momentos de maior intimidade, sentindo sua respiração arfada em minha pele, as marcas roxas como sinal do tempo em que ficamos juntos, o selar de um sentimento mútuo em lábios que se tocam como uma chancela, as gotas de suor e o rosto avermelhado sinalizando uma entrega total, dedos que deslizam explorando cada detalhe daquele corpo escultural, aconchegante, e tem a mente e o corpo em disputa, sem saber o que deseja, sem ter coragem de enfrentar essas demandas, fugindo pro campo comum, pro campo confortável onde não se enfrenta aquela vontade que grita para ser percebida. Percepção que finda, ao menos de minha parte, de modo inapropriado com as palavras finais do poema de S. João da Cruz:

"Em meu peito florido
Que, inteiro,
Para ele só guardava.

Quedou-se adormecido,
E eu, terna, o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me.
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado."

São João da Cruz
A Noite Escura

Há beleza, desejo, há carinho e muitas outras coisas sobre as quais não entendemos bem. Mas também há a definição máxima do edifício tomista que dizer que amar "é o desejo de eternidade do ser amado" e que, mesmo que meu desejo seja estar ao lado dele deitado sob seu peito, o que meu amor diz é que eu devo desejar que ele seja feliz, ainda que não seja deitado comigo, ouvindo o bater do seu coração e sua voz bem perto de mim. E então eu não poderei me intrometer, mesmo que meu sentimento seja sincero mais sincero ainda é o desejo de que ele seja feliz. 

sábado, 15 de outubro de 2022

Impressões

Na série The Eclipse somos apresentados a Ayan (Khaotung Thanawat) que se mostra um garoto com uma visão revolucionária da realidade, defendendo direitos e mudanças de perspectivas e, claro, fazendo inimigos por causa disso. Ele acaba entrando em conflito com Akk (First Kanaphan) que tenta defender a ortodoxia da sua escola a todo custo, mesmo que não concorde com tudo que é obrigado a fazer. Mesmo que se mostre forte, irônico e disposto a tudo para enfrentar o injusto sistema da escola que destruiu seu tio e o levou ao suicídio ele, na verdade, esconde uma personalidade fragilizada pela depressão. Em alguns momentos de vulnerabilidade ele mostra isso na frente de Akk, quando chora ao se lembrar do tio e de como tem sido difícil descobrir o que aconteceu com ele. O garoto forte chorou em mais de uma ocasião e se apoiou no amigo, que surgiu de modo inesperado, já que eles tinham tudo para serem apenas rivais, mas foram se aproximando mais e mais e, agora, encontraram num no outro o conforto. Ayan pode agora começar a se recuperar dessa depressão porque não está mais sozinho, ele tem Akk ao seu lado, segurando sua mão no momento onde tudo parece escuro e difícil. 

É algo belo de se ver porque a forma como Ayan se obriga a ser forte para honrar a memória do tio é preocupante, então ver que ele agora tem alguém ao seu lado e que pode ajudá-lo é reconfortante. Ele e Akk (que também tem suas questões) merecem ser felizes juntos. 

X

Estava incomodado com meu cabelo o dia todo, já fazem alguns dias na verdade. Queria alisar, estava achando disforme. Nem completamente liso e nem cacheado, a raiz fina e as pontas ressecadas, e isso vinha me incomodando porque eu não conseguia deixar sob controle. A minha intenção era deixar meu cabelo como do jeff Satur (que ousadia!) mas ele não colaborava, e convenhamos que ter um cabelo daqueles é coisa pra uns poucos escolhidos, dentre os quais eu com certeza não me conto. Mas aí uma foto do Woosung no último lançando da banda The Rose me fez mudar de ideia: eu vi um cabelo propositalmente deixado livre, não muito diferente de como o meu fica em alguns dias, e o que mais me surpreendeu é que estava simplesmente lindo. E então eu senti um clique dentro de mim, quando percebi que, se parasse de me preocupar podia achar o meu tão bonito assim também e, se não achar, pelo menor tenho a tranquilidade de não precisar me preocupar o tempo todo. Realmente ter sentido isso foi libertador. Claro, eu ainda preciso me acostumar e ter isso em mente, me lembrar de olhar aquela foto sempre que me sentir inferior e não desistir na primeira vez. Eu já percebi que não vou conseguir esquecer minha imagem tão facilmente então ao menos preciso tentar dar o mínimo de atenção a ela pra não me distrair do meu sentido de dever. 

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Eu sempre sorrio com ironia quando percebo que fui feito de idiota, o que acontece com uma certa frequência. É como se eu dissesse pra mim mesmo: eu avisei! E assim eu constatei que ele na verdade estava se aproximando de mim para se aproximar da minha irmã, e eu já sabia disso, e não é como se eu não soubesse, e claro que eu só pensei nele no momento de uma emergência noturna ou outra mas, ainda assim, eu olhei pra eles saindo do mesmo carro e sorri, dizendo baixinho pra mim mesmo: eu avisei

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Durante a viagem de volta para casa ao sair do trabalho eu geralmente leio um pouco ou, quando não é possível, venho meditando sobre algo importante. Num dos últimos, enquanto percebia o quanto havia escurecido entre minha saída da galeria até o lugar onde o ônibus passava, perto do bairro em que moro, eu me dei conta de algo ao olhar as nuvens no céu escuro: a distância que estou da minha vida antiga. Não se passaram nem dois meses e eu estou andando todos os dias atravessando uma cidade na qual nunca tinha pisado, estou trabalhando com pessoas que não conhecia num lugar que nunca tinha ouvido falar. Não me detendo no nível imediato dessa constatação o que me chamou foi o quanto é importante a abertura da inteligência para a realidade que transcende imensuravelmente o meu ser mas que, no entanto, não é maior que a minha alma imortal. Isso faz com que eu perceba as coisas com outra perspectiva, afinal uma única alma imortal dura mais que toda a humanidade junta, e tudo que eu vejo ao meu redor não foi nem mesmo criado por essa humanidade, mas apenas transformado por ela. Ainda assim essa abertura me permitiu ver e conhecer coisas que eu não conhecia, o que é um símbolo para todo o conhecimento que ainda aguarda o abrir do meu espírito para me insuflar. 

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Em reta final

Oh! My Sunshine Night se encaminha pra reta final ainda com alguns mistérios, mas temos também coisas boas pra ver. Mais uma vez começo falando do Payoo (PeterPan) como um personagem maravilhoso, nesse episódio 15 fazendo tudo para ajudar o Kim (Ohm Thitiwat) que está perdendo a memória e ainda corre risco de vida agora que é o único (será?) herdeiro dos negócios da família. Ele fez Kim mergulhar como costumava fazer antes, com o irmão inclusive, e ficou ao lado dele no fundo da piscina. Foi bonito ver essa cumplicidade dele com o Kim, em nenhum momento ele se mostrou frio ou indiferente, pelo contrário, ele vem sorrindo mais, pulou na piscina pra incentivar o outro e sempre faz a comida com atenção pra ele e teve a sensibilidade e coragem de perceber e admitir que, par ao Kim melhorar, ele vai precisar de Sun ao lado dele, ele sabe que o sentimento entre eles é a única coisa forte o bastante para ajudar nesse caso. Realmente um personagem incrível. 

Outra coisa bela é justamente a força que essa ligação entre Sun e Kim vai ter. O Sun mostrando sentir saudades do outro, dormindo com o tênis que ele ganhou anos atrás, o choque ao ser tratado com indiferença depois de rever Kim após 3 meses de separação, mas ele não sabia a gravidade do que estava acontecendo e, quando descobriu, percebeu que a situação era ainda pior do que imaginava. 

Vi algumas pessoas reclamando da fraqueza do roteiro e falta de explorar as habilidades dramáticas dos atores. Realmente é uma série bem lakorn, com mais foco no desenvolvimento psicológico, o que dá a impressão de que nada acontece porque é tudo muito sutil. Mas dá pra ver as coisas acontecendo sim, como o crescimento do Payoo cuidando do Kim e tomando a decisão de trazer o Sun e os amigos. O vazio que o Kim tá sentindo também em claro estado de depressão junto com a perda de memória progredindo. O Sun aparecendo como símbolo de esperança. Essa série precisa ser vista sob o prisma dessa delicadeza pra fazer sentido. Lakorn é assim mesmo, aparenta perder o rumo, fica cansativo no final porque mostra o cansaço dos personagens então te deixam cansado também de propósito. Para no final resolver tudo no último episódio.

Enfim, Oh! My Sunshine Night tem entregando uma trama que precisa de tempo pra ser desenvolvida ou não vai ter a profundidade necessária pra fazer sentido. Realmente não é tão intensa quanto poderia ser mas trata com sutileza as questões importantes dos personagens, além de testar se encaminhando pra um final com boas reviravoltas dignas de lakorn (o acidente, a perda de memória, o Rain...). Além disso, já tivemos boas cotas de drama com Kim no episódio em que ele descobre a morte dos pais, seja na cena no corredor do hospital quando ele vê os corpos ou depois, ao abraçar Sun e chorar desolado, com a intensidade do Payoo desesperado por notícias de Rain e, um pouco antes, Sun confessando ter medo da morte e mostrando as lágrimas pro Kim. Acontece que, e eu entendo isso, nem todas as obras são entendidas por todos. 

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Dai-nos a bênção, ó Mae Querida!

Apenas um incômodo nesse feriado de Nossa Senhora Aparecida, covardemente sequestrado pelo Estado como Dia das Crianças e, o pior de tudo, com os afagos da Igreja que acha que realmente alguém se preocupa com as crianças e não em simplesmente substituir uma data devocional por um dia regado a consumismo e psicologia barata e brega nos discursos que dizem que as crianças são o futuro da nação ou qualquer coisa do tipo. Meu estômago embrulha só de imaginar os padres dizendo isso na Missa e reduzindo os séculos de devoção a Imaculada Conceição Aparecida a uma dimensão temporal de que a intercessão da Virgem Maria, e seu consequente caminho a Nosso Senhor, se resume a devolver a alegria do vinho para a festa, quando a realidade ali apresentada é maior do que isso, se trata de uma alegria eterna, obtida por meio do imperativo "fazei tudo aquilo que Ele vos disser!" (Jo 2, 5). Das músicas marianas escolhidas aleatoriamente eu nem vou comentar.

Maria tem um tesouro de graças a serem distribuídas a nós, e ela pede apensar a sinceridade ao acertar. É reconhecer-se pecador e, aos pés dela apresentar esses pecados, que Ela leve-os a Deus, que nos perdoa. Como é triste uma religião que não tem Maria como Mãe e Mestra. 

Pois bem, estava em dúvida se aproveitava o resto do dia para maratonar alguma série, ver um filme ou dormir, talvez duas dessas opções, mas ao ver o movimento em casa do pessoal querendo beber e fazer bagunça e dos parentes que parecem que logo vão vir aqui eu preferi ficar quietinho no meu quarto mesmo. Num dia de clima ameno eu vou dormir e tentar não pensar muito em algumas preocupações que aparecem no horizonte. Na verdade, olhando ao redor do meu quarto que vem merecendo uma limpeza, com muitos fios de cabelo e migalhas de pão no chão, eu percebi que estou realmente fazendo apenas o mínimo que, no caso, é o máximo que eu consigo atualmente. Vou trabalhar, estudo e assisto. Aos fins de semana eu aparo a barba e faço as unhas, e talvez faça algo mais pra me cuidar, mas o fato é que não tem sobrado muito mais tempo ou disposição pra mim além disso. 

Certo, as coisas são assim, e hoje eu vou me retirar um pouco, ficar quietinho na minha. Talvez mais tarde eu converse com a minha mãe sobre o que vem incomodando ela, se não puder fazer nada pelo menos posso ouvir, quem sabe? Eu sei que ela se sente presa nessa casa, um pouco distante das minhas primas que ela gosta de visitar, e a casa também é apertada pros padrões dela, e admito que é certa media também é para mim, mas não pelo tamanho e sim pela quantidade de pessoas nela. Minha irmã e a namorada que não trabalham e nem estudam e além disso fazem bagunça e criam problemas acabam por incomodar mais do que a falta de espaço, não fosse por elas teríamos mais espaço e certamente mais tranquilidade, mas é claro que ninguém diz isso em voz alta, embora todos pensem o mesmo. Muito embora eu não tivesse planos de morar só eu vejo que talvez essa seja a única saída pra que eu consiga um pouco de paz. De todo modo é urgente ter paciência, dizia Goethe e, pasmem com o que um niilista vai dizer: é preciso ver as coisas boas também. Um valor não tão alto, boa localização e, uma verdade inconveniente: se nos dedicássemos a arrumas as coisas com mais simplicidade e beleza, se buscássemos a harmonia e a beleza, quase tudo já se encaminharia. 

Enfim, apenas falar indefinidamente sobre problemas é sinal de falta de prioridades naquilo que se pensa. Mas eu não sou capaz de tratar disso detidamente agora, apenas dizer que os problemas se resolvem com uma mudança de paradigmas (não sei se é o termo correto aqui), como por exemplo: eu estava desempregado e depressivo, com a mudança, que não dependeu exatamente de mim, eu consegui trabalhar e dar um passo a mais rumo a superação da depressão. Não foi pensando que eu resolvi, tampouco agindo, já que minha participação nisso tudo foi ínfima. Tudo o que eu fiz foi me abrir, sem pensar no que podia acontecer, e deixar que a realidade me guiasse. 

Por isso não tenho pensando muito no que preciso fazer. Estudo, estou constantemente meditando o que conheço e isso vai assentando no meu ser, me ajudando a subir um pouco mais e vislumbrar realidades novas e cada vez mais divinas. O verdadeiro estudo humilde, seja da ciência mais física ou teórica tem a capacidade aponta para a verdade e nos permite entender melhor essa que se estende sobre todos nós. 

Me lembro das preces que fiz nos dias que vim para cá, a maioria dedicadas a São José mas que se encaixam perfeitamente as preces marianas também: 

"Roga por nós, ó Mãe tão pia!
Eis-nos aqui para te louvar.
Piedosa virgem, ó Maria,
para te pedir e suplicar.

Infeliz quem não te conhece.
Padece só sem consolo e demais.
Mas teu amor por nós não desfalece,
não nos deixará jamais."

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Desejo e Amor

Bem pouco do que é dito sobre desejo na sexualidade corresponde a realidade sendo, em sua maioria, expressões abaixo até mesmo do raciocínio metonímico, se aproximando mais do mero uso de chavões, que em si mesmos não dizem nada, motivados pela dificuldade e inépcia das pessoas em dizerem o que estão sentindo. 

É comum, por exemplo, que resumam os relacionamentos apenas a busca por prazer, aglutinando em prazer, uma abstração, toda uma gama de sentimentos, anseios e outras questões muito mais importantes e que jamais poderiam ser resumidas apenas em prazer. O que chamam de relacionamento sério tampouco é uma expressão séria, se as pessoas tomam isso apenas como um relacionamentos onde os envolvidos conversam na mesma proporção em que fazem sexo, não contendo nessa expressão então a profundidade do que um relacionamento contém.

Muito também é dito sobre desejo, resumindo as orientações sexuais a mera variação desses desejos, mas pouco se diz sobre os diversos níveis de predicação que um desejo contém e como ele se expressa na sexualidade humana.

Num primeiro instante um desejo é apenas a manifestação de impulsos químicos, o que nos animais verificamos como seu impulso reprodutor, nisso não somos diferentes deles, mas não ficamos apenas nisso. Subindo um pouco o universo significativo temos então o desejo que é despertado não por um fator interno mas sim externo, aqui é o contato com o objeto que provoca o desejo. Qualquer um que frequente uma academia sabe como funciona. Os escolásticos explicam isso muito bem ao falar da concupiscência. Num terceiro grau temos um desejo que não é despertado pela mera afetação de alguns elementos da aparência, não são braços bonitos ou tanquinho definido que despertam o desejo mas uma impressão geral da pessoa, quase como uma aura mágica que a envolve e que, ao vermos, nos encanta.

Acima disso temos o apaixonar-se, e todas as ambiguidades que uma paixão contém, como o medo da rejeição, o impulso de fugir da dor que isso pode causar e a ansiedade que essa paixão traz. Uma vez superadas essas ambiguidades temos uma concepção mais moral dessa relação, que se manifesta em valores capazes de despertar ações como o esforço de manter a pessoa ao nosso lado por meio do acúmulo de responsabilidades que, geralmente, formam uma família. Estagnada essa fase ela pode gerar uma família ou um desastre conjugal. E acima de tudo isso, abarcando e superando todas as fases anteriores, está o amor propriamente dito, o "desejo de eternidade do ser amado" como bem definiu Santo Tomás, sendo um impulso firme de desejar o bem da pessoa amada. É só nesse nível que todos os outros se encontram plenamente realizados e é só ao alcançar esse nível que alguém entende tudo o que estava em jogo nos pontos anteriores. 

Examinar as coisas de forma mais detida, e eu o fiz ainda de modo bastante sintético sendo que muito poderia ser dito sobre cada ponto apresentado, pode dar uma compreensão melhor do que queremos dizer quando dizemos "eu te amo" e quando falamos sobre nossos desejos. Há muito mais em jogo do que percebemos ou conseguimos dizer: há elementos de solidão que se manifestam em carência, elementos químico-biológicos, fatores psicológicos de atração e repulsa, impulsos hereditários... Tudo isso junto num amálgama que merece atenção. 

E então muitas vezes um amor genuíno é interpretado como mero desejo no sentido de apenas uma atração física pelo outro, ou uma relação movida pela admiração da aura mágica ao redor do outro que, embora seja mais do que mera atração física, ainda não o é um amor, mesmo que chamem assim. 

Penso então, a partir desse raciocínio, nas minhas ações, em como me dedico a quem amo na esperança de que seja o melhor pra ele, em como me sinto atraído por desconhecidos na rua, e vou dando os diversos graus de cada uma dessas formas de atração e de me relacionar com o outro. Mesmo sabendo bem que ninguém entende o que está se passando. 

~

Olavo de Carvalho descreve isso muito melhor do que eu nos artigos chamados "Sexólogos Mirins"

domingo, 9 de outubro de 2022

Sobre a aparência e duas breves paixões

Continuando a minha breve, ou talvez não tão breve, investigação sobre minha relação com minha aparência eu me vi fazendo um julgamento completamente injusto contra mim. Gosto de usar roupas femininas, batas e vestidos fazem parte do meu guarda-roupas, assim como perfumes doces e unhas coloridas, eu gosto assim e não ligo pro que acham disso. Por outro lado eu parei para assistir o MV do Nunew de True Love, parte da OST de To Sir, With Love, lakorn com temática BL, e nele o cantor aparece usado uma bela blusa que, nele, achei extremamente elegante, como tudo que ele usa. No entanto, no momento em que pensei em usar uma parecida, eu senti uma repulsa imediata, não pelo fato de ser uma roupa feminina, mas que isso transposto para o meu corpo maior e disforme do que o dele deixou um resultado horrível. E então eu mais uma vez me deprimi por isso, e fiquei um bom tempo vendo o vídeo e as fotos, e pensando em como ele estava perfeito naquela composição, elegantemente combinando com a estética de época da série, e não consegui deixar de pensar em como isso é injusto. Que ele seja tão lindo e tão pleno em todas as aparições e que eu apenas... Bem, e que eu apenas seja eu. Há bastante inveja nessas linhas, não que seja preciso dizer isso, mas eu infelizmente não consigo não me odiar ao ver minha imagem, e ver como meu esforço é vão, em como me preocupo com algo tão banal assim. Eu sei que injustiça não cabe aqui, e que é uma leitura totalmente errada que eu faço assim, mas me refiro justamente a essa reação automática que eu tenho, que revela o quão profundo esse pensamento autodepreciativo está impregnado. É simplesmente preciso que eu me olhe no espelho para começar a ver defeitos e o que mais me irrita nem é ver esses defeitos mas dar tanta atenção a eles sendo que eu sei bem de coisas mais importantes com que me preocupar. Isso tem embotado meu pensamento e me distraído do meu dever intelectual, essa perspectiva vem gritando na minha mente que eu estou perdendo tempo, mas ao mesmo tempo isso continua me deprimindo e isso só faz eu me odiar ainda mais. 

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Viemos sentados um de frente para o outro no ônibus que estava um pouco menos cheio que o normal. Acho que ele vai pro trabalho de meio período e depois pra faculdade porque em alguns dias usa um crachá, mas nunca consegui ver o nome que está escrito. Levantei o olhar do meu livro para ver o seu rosto algumas vezes durante a viagem, ele com a cabeça encostada na janela, os olhos castanhos brilhando sob a luz do sol da manhã, era um brilho intenso, quase acobreado, e isso com o cabelo fino e claro deu a ele um visual um pouco angélico, quase etéreo com sua pele clara, marcas vermelhas de acne perto do cabelo. No ponto de ônibus ele tirou a máscara por alguns instantes, e lembro que antes de hoje só o vi sem máscara uma vez, sendo que sempre que o vejo, no ônibus ou na igreja ele está com o rosto coberto. Me pergunto por insegurança sanitária ou baixa autoestima. Há alguns dias ouvi ele conversando com uma amiga, e me pareceu uma pessoa simples, quieta, despretensiosa e muito discreta, o que só me deixou ainda mais curioso sobre ele, seu nome, seus gostos e, quem sabe, seus desejos secretos escondidos por trás daqueles olhos luminosos e distantes. Talvez eu nunca puxe assunto, fique sempre vendo-o de túnica branca na missa ou com a camiseta roxa na parada, até que dia de repente não o veja mais, sem nem ao menos saber seu nome. Mas o que mudaria se eu soubesse?

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Será que eu deveria dizer a ele? Bem, desde que eu saí daquele trabalho eu nunca mais o vi. Conversamos uma ou duas vezes por mensagem mas nada fluiu, nunca passamos das amenidades casuais, nunca consegui criar o mínimo de intimidade. E eu bem tentei, mas parece que não somos compatíveis. Embora eu seja uma pessoa do espectro negativo, digamos assim, eu não sou exatamente introvertido, me comunico bem, mas não consigo vencer a introversão dele, e nem sequer sei se as coisas são assim porque ele quer que sejam assim ou porque também não consegue vencer a própria limitação. E de todo modo isso nem importa, afinal eu agora estou do outro lado do país e a chance de voltar a vê-lo algum dia é praticamente nula... Então não faz nem sentido que eu diga a ele o que sinto, até porque também nem eu sei do que se trata direito, apenas sei que é uma afeição grande, um carinho imenso. Mas não teria nenhum efeito, a não ser fazer ele se afastar ainda mais e, até quem sabe, nunca mais nem falar comigo. Talvez o silêncio seja realmente melhor nesse caso. Palavras na verdade não conseguem alcançar corações. Quando eu digo "eu te amo" ainda que seja com a mais sincera das intenções, não significa que ele vai sentir o mesmo. 

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Faces

Tenho sentido certa liberdade, advinda daquilo que comentei há alguns dias: o mundo não espera muito de um homem além de que ele tenha um emprego e um espírito medíocre. E isso significa que tenho olhado ao meu redor e as pessoas não me cobram muito. Claro, eu ainda preciso estudar pra aprender um pouco mais sobre as coisas do trabalho, ainda preciso ficar atento a certas coisas mas, no plano geral das coisas, ninguém espera muito de mim, ninguém tem me feito cobranças, e isso é ótimo. É ótimo porque me concede a liberdade de me dedicar inteiramente aos meus estudos, aqueles que realmente me importam, sem que ninguém o saiba, sem que me critiquem por não entenderem o que estou fazendo, porque são bem poucas as pessoas que entendem, ou que são simplesmente capazes de imaginar que eu estou tentando aprender sobre coisas maiores e melhores. E então posso ouvir as aulas quieto no meu quarto, posso ler em silêncio, posso meditar sozinho coisas que as pessoas ao meu redor nunca ouviram falar, e isso é bom, a solidão intelectual pouco a pouco se converte em liberdade, e agora eu me sinto um pouco mais livre para encontrar outras pessoas que possam se interessar pelas coisas que eu, que estejam em busca de uma vida mais elevada ou, no mínimo, menos obscurecida pela queda geral da civilização que se observa nos homens médios. 

Claro, preciso de paciência, não posso me matricular em todos os cursos que gostaria, e nem consigo ler tudo o que queria também, mas pouco a pouco vou fazendo isso. E o que eu não aprendi hoje, confio a Deus e peço que me ensine outro dia, quando ele achar melhor que eu aprenda, quando isso for melhor para que eu O veja verdadeiramente. Não quero mais deixar a minha mente se perder em coisas supérfluas, o meu trabalho é apenas e somente o que eu preciso para continuar comprando os livros e cursos que preciso, ele serve tão somente ao propósito maior. E então eu posso ficar quieto, e em silêncio aprender mais sobre a realidade. Quem sabe um dia, daqui dez ou vinte anos, eu possa compartilhar isso com alguém, mas também não é o objetivo, eu quero somente aprender e me localizar, o que vier além disso é mais do que eu posso pedir. 

X

Ironicamente eu dou continuidade a esse texto tratando de algo oposto ao que falei na primeira parte. Acontece que, depois de tentar me vestir para o trabalho hoje cedo eu me deparei mais uma vez com a minha imagem no espelho. Tentei vestir um casaco e ele estava bem pequeno, porque eu comprei meses atrás, quando estava com uns 25kg a menos, e agora ele praticamente não servia mais. Assumindo uma postura estoica eu fingi que nada estava acontecendo e simplesmente me troquei mas, na verdade, aquela imagem no espelho me machucou bastante. Seja a marca da barriga avantajada ou as roupas que não me servem mais e eu queria voltar a usar, meu rosto inchado, a pele macilenta, o cabelo que, mesmo cuidado ainda não está bom o bastante porque todo o resto atrapalha, isso ainda me incomoda. E então eu volto para aqueles belos retratos de homens perfeitos, imagem da beleza encarnada em peles claras, cabelos e corpos perfeitos. O universo é injusto. 

Fazer dieta? Exercícios? A verdade é que isso só resolve se você tiver dinheiro e tempo pra dedicar sua vida a isso, sempre refém dessas coisas. E eu já chego cansado,  preciso me esforçar pra estudar e assistir, não tem nem tempo pra dispor assim. E ainda assim as coisas me incomodam. Posso viver num mundo sem espelhos? Posso fugir e me esconder? Posso me jogar no mar e deixar que a água me inche até que eu exploda? Infelizmente para algumas questões banais como essa eu queria uma solução mágica. Apenas um reflexo de como minha mente ainda se apega a pequenas coisas... Algo tão trivial quanto minha aparência? Que importância tem isso diante de toda a perspectiva da minha alma imortal? Nenhuma. Mas ainda assim me incomoda. Eu sou patético. 

No entanto, antes da conclusão eu acrescento ainda que isso deve ser objeto de maiores investigações posteriores, e que eu devo examinar melhor como se dá essa relação entre meu eu e a minha imagem refletida ou projetada, bem como eu me imagino e como cheguei a sonhar um dia. E assim eu, novamente, me vejo diante de belas imagens que, embora me inspirem, também me causam intenso desgosto. É que a perspectiva de um mero mortal diante de um homem quase divino é deveras assustadora. De novo isso, no entanto, não deveria me causar transtorno algum se eu tivesse em mente apenas objetivos intelectuais de fato mais elevados. O fato de isso me machucar tanto só mostra que minha vontade não está tão alinhada assim. 

X

Meu primo dormiu a última noite comigo. Apenas dormiu, nada aconteceu porque, tanto ele quanto eu, dormimos exatamente quando encostamos na cama, e também porque não pensávamos em outra coisa. No dia seguinte minha mãe veio conversar comigo e me disse que ela espera que um dia eu encontre alguém que seja bom para mim. Eu fiquei quieto, calado, com o olhar distante, porque na realidade eu mesmo já desisti disso. Até fico animado com os homens bonitos que vejo aqui em Joinville, mas isso não desperta mais do que uma excitação temporária em mim, e logo passa, se esvai. Não sonho mais com o amor, nem com o futuro, apenas tenho uma bela imagem de um jardim, e eu deitado no peito de alguém, imagem que eu retirei do poema de São João da Cruz e que inclusive conversei com meu afilhado sobre ela, mas é também apenas isso, uma imagem romântica de um momento, e que me deixa bem imaginar, mas isso não significa um sonho, não há mais nada assim em mim. Não tenho mais perspectivas e esperanças, tudo o que me move é apenas o desejo do conhecer a verdade, tudo o mais é supérfluo e acessório. 

X

Jacob Burckhardt fala sobre certa beatitude ante o conhecimento, um maravilhamento diante de verdades mais elevadas. Num primeiro momento, ao intelectual sem considerável amadurecimento, isso pode aparecer o fim último da vida intelectual mas, pensando um pouco mais sobre isso, é possível perceber que, embora certo maravilhamento seja necessário para dar continuidade a vida de estudos ele não é o fim dessa vida, mas apenas a porta de entrada, uma certa forma de nos deixar querendo mais e mais, mas o que de fato nos move é o amor pela verdade, aquela desvelamento da realidade ante as mentiras do mundo, desvelamento que muitas vezes revela verdade verdades cruéis, duras de aceitar, mas que por serem verdade, ainda assim nos deixa, se não tranquilos pelo menos com uma atitude corajosa diante delas. Isso porque ao conhecer e se orientar na realidade passamos a saber como agir diante dela, ainda que minimamente. 

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

A Tempestade

Só um comentário rápido sobre o personagem Phayu (PeterPan) de Oh! My Sunshine Night. Ele é, de longe, uma das pessoas mais atenciosas e preocupadas que já vi serem retratadas nos BLs. Mesmo apaixonado pelo Rain (Noh Pholuang) ele sufoca seus sentimentos e pensa no mestre primeiro. Ele não quer que o amado fique com outro homem e, se for assim, prefere que seja um homem mais digno dele. Assim ele se distancia ao mesmo tempo que se aproxima cada vez mais por meio do seu cuidado e atenção, que deixam transparecer seu afeto e carinho. Por trás do seu jeito discreto e simples há um coração pulsando de amor.

Ele demonstrou isso com uma força impressionante quando descobriu o acidente onde Rain poderia ter morrido. Mesmo devastado ele teve forças pra ficar ao lado de Kim e cuidar dele, pra proteger o irmão do homem que ele ama. E em meio a essa tempestade ele ainda foi gentil com o Chun, outro rapaz apaixonado por Rain, dizendo que o "seu Rain" ficaria bem. Ele está carregando um peso imenso e ainda assim coloca os outros antes da própria vontade sendo que, se pudesse, ele procuraria o amado ele mesmo pela floresta onde o helicóptero caiu. Mas ele não foi, e se manteve firme ao lado do Kim e cuidando dele enquanto corria perigo. Essa é uma demonstração incrível de altruísmo, mesmo que seja às custas dos seus próprios sentimentos e mesmo que ele fique triste com isso. 

Muitas vezes ele é mostrado no trabalho ou na faculdade com um olhar distante, sem estar realmente prestando atenção, às vezes alguém lhe diz algo que o deixa pensativo, e ele se culpa ainda mais porque o Rain está em seu pensamento o tempo todo. Ele vê Rain e Kim com um futuro brilhante pela frente. O mais novo como músico, quieto mas talentoso e seu amado Rain, como um empresário de sucesso sucedendo o pai na liderança da empresa. Ele não pode ficar ao lado de Rain pois é apenas filho do mordomo, e ele merece alguém a sua altura, de preferência uma mulher que lhe dê uma família mas, como Rain não parece interessado em mulheres, que seja Chun, que pelo menos não vem de um origem tão baixa quanto a sua. Embora seja esforçado ele se vê num futuro monótono, pode fazer alguma coisa, ir pra bem longe, tentar esquecer seu amor de algum modo, mas isso fará com que tudo seja cinza nos dias que virão. E assim será sua vida, triste por não viver o amor na intensidade que sente.

Ele não enxerga seu valor, mesmo que Rain sempre o diga que quer que ele siga seus sonhos, que faça o que tem vontade fazer. Mas ele não pode, não quer decepcionar os pais deles, não quer ser um atraso na vida do amado e nem motivo de falatório. E mesmo assim seu sentimento cresce a cada dia, a cada encontro.

Como nas muitas vezes que ele e Rain ficaram próximos, os olhares, os toques, as insinuações... O machucado nas costas, o dia que dormiram na mesma cama. E quando ficaram juntos a primeira vez? Primeiro na aproximação no banho, com todo aquele sentimento e desejo reprimidos, e depois finalmente se entregando um aos braços do outro na praia. Por aqueles breves instantes eles puderam dar vasão a tudo que sentiam, e tudo que estava reprimido veio à tona. Mas aquela era a despedida...

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Nota: o nome Phayu significa "tempestade", no caso dele é uma tempestade que esconde por trás de uma aparência calma e tranquila, mas que está lá, como um furacão dentro dele.

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Emoções humanas


"No Brasil há uma espécie de culto das emoções – todo mundo tem que viver com as emoções à flor da pele para ser considerado humano." 
(Olavo de Carvalho - COF, aula 38)

 É dia de eleição e não posso me furtar ao sentimento geral que domina e inflama os ânimos dos partidários de um candidato e de outro. Mas, a despeito das diferenças históricas de cada movimento por eles representados, os discursos são exatamente os mesmos: discutem e apontam os erros de cada um como se o objetivo fosse cada um escolher o seu malvado favorito.

Ambos se acusam de depravações morais, roubo, e tantas outras classificações criminais e vexatórias. Não há discurso e nem debate político, que seria essencialmente retórico e até dialético um processo intelectual mais elevado. Mas todas as discussões dizem respeito a ações pontuais que aumentam cada vez mais o poder do estado em interferir em situações mínimas e pessoais, como a lei daqui de Joiville que proíbe o uso de som sem fone nos ônibus. Já é razoável que não se faça isso, que deveria ser resolvido com uma conversa ou um tapa na orelha. O estado não deveria ter todo esse poder. 

E então nessa discussão de pequenas ações vão aumentando mais e mais o estado. O processo é todo complicado, com muitas brechas para decisões arbitrárias de modo a serem aprovadas propostas apenas com base no discurso afetado dos candidatos. O resultado é que todos reagem emocionalmente a tudo que é dito. Palavras como "democracia, direitos, igualdade" elas despertam uma reação emocional e, com base nela as pessoas não passam desse discurso poético, simbólico e passa a ser discutido de modo a imitar um discurso retórico. Falam usando as palavras do discurso poético com a clave interpretativa do retórico. O resultado é um raciocínio metonímico, vazio, que convence por agradar ou causar repulsa no eleitor. É apenas um teatro de loucos. A prova mais visível é a repetição dos jargões, a busca pela aceitação num grupo.

X

Como não vou votar eu vou me concentrar em descansar, são apenas dois dias de tranquilidade. Tenho estado melancólico e silencioso em casa. Como disse antes não exigem de mim mais do que um emprego e e um espírito sem nenhumas aspiração superior. 

Me peguei andando sozinho  e pensando em como seria bom poder chegar em casa, depois de um dia cheio, apoiar a cabeça no peito de um amado, e ali sentir o seu calor que, misturado ao meu calor, se  tornem um só. E ali ficar, por tanto tempo, ouvindo músicas partilhando confissões baixinhas. 

Não vou me levantar para votar, seria perda de tempo, não vejo um cenário onde algo possa melhorar. Seja direita ou esquerda o que vai continuar imperando na cultura é a completa psicose. Discussões que em nada tomam as devidas proporções. E isso é outra coisa absurda, Como todo aceitam apenas a reação emocional automática partem pra opção contrária. E cá estamos. Eleições. Mas não creio no poder do presidente porque é o presidente do grêmio estudantil que acaba com a mentalidade do jovem que chega sem preparação, que passa a ser um militante da causa mas sem se aprofundar em nada, porque como o discurso é bonito e convincente é porque deve ser verdade. Meu sentimento principal é uma profunda e melancólica desesperança. Embora o céu esteja claro as nuvens de chuva já se aproximam e o céu continuará chorando. 

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"Preparem-se. Nos próximos anos a desordem do mundo atingirá o patamar da alucinação permanente e por toda parte a mentira e a insanidade reinarão sem freios. Não digo isso em função de nenhuma profecia, mas porque estudei os planos dos três impérios globais e sei que nenhum deles tem o mais mínimo respeito pela estrutura da realidade. Cada um está possuído pelo que Eric Voegelin chamava "fé metastática", a crença louca numa súbita transformação salvadora que libertará a humanidade de tudo o que constitui a lógica mesma da condição terrestre. Na guerra ou na paz, disputando até à morte ou conciliando-se num acordo macabro, cada um prometerá o impossível e estreitará cada vez mais a margem do possível. A Igreja Católica é a única força que poderia, no meio disso, restaurar o mínimo de equilíbrio e sanidade, mas, conduzida por prelados insanos, vendidos e traidores, parece mais empenhada em render-se ao espírito do caos e fazer boa figura ante os timoneiros do desastre. No entanto, no fundo da confusão muitas almas serão miraculosamente despertadas para a visão da ordem profunda e abrangente que continua reinando, ignorada do mundo. 

Muitas consciências despertarão para o fato de que o cenário histórico não tem em si seu próprio princípio ordenador e só faz sentido quando visto na escala da infinitude, do céu e do inferno. Essas criaturas sentirão nascer dentro de si a força ignorada de uma fé sobre-humana e nada as atemorizará.

(Olavo de Carvalho, 25/09/13)

X

Não me lembro de ter escrito aquelas palavras, mas elas estavam lá quando eu acordei, o que significa que eu pensava naquilo com força suficiente pra digitar mesmo estando fora de mim. Não é a primeira vez que alguém toma zolpidem e faz alguma besteira mas, no meu caso, significa que o que eu disse era verdade, uma verdade inconveniente que, embora eu diga em voz alta sempre, dessa vez se mostrou tão verdadeira justamente por ter sido dita num momento de total vulnerabilidade, sem a intenção de soar como uma brincadeira despretensiosa. Ela saiu então da maneira mais verdadeira possível, e isso me incomodou. Primeiro porque eu não queria me expor desse jeito e, segundo, porque eu não queria receber uma resposta displicente como aquela, que feriu meu orgulho, algo que eu nem sabia que ainda tinha, me deixado abatido por perceber que mais uma vez eu fui rejeitado. Sonhei que estava deitado ao lado dele, mas logo acordei e vi que estava sozinho na cama, de novo.