segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Crítica da crítica

Alguns dos cânones estabelecidos da arte contemporânea é a constante desconstrução de tudo, seguindo aquela máxima propagada pela Escola de Frankfurt e tirada de Marx de fazer a "crítica de tudo quanto existe". A princípio o discurso convence por apontar os erros e as dificuldades a serem superadas, e convence mesmo porque já há muito tempo que essa máxima de desconstrução impera na arte como um imperativo categórico, até poderia dizer que é como um mandamento divino mas os artistas contemporâneos não acreditam em Deus pois é uma ideia limitante, eles dizem. 

E então não acreditando em Deus eles acreditam na força das suas próprias narrativas, mas a narrativa foi desconstruída porque era limitante. A sua arte é constituída de linhas e borrões, não têm figuras delimitadas porque as figuras são limitantes e as linhas agora são limitantes também. O espectador, leigo coitado, precisa aprender a desconstruir toda sua mentalidade ao entrar em contato com sua obra, e ao dar voz ao seu impulso ordenador e dizer "eu não entendi" ou "o que isso significa?" os artistas respondem que não há significado ou que o significado deve ser encontrado por eles mesmos, mas ninguém lhes pode dizer e, se o dizem, está errado. Não podem então buscar uma linha, uma regra ou um cãnone, porque tudo isso é limitante, e nesse afã eles criam um supercânone: o de que nada pode ser dito de verdade, não há certeza, tudo é extremamente subjetivo. 

Seus borrões e rabiscos estão cheios dessa vontade desconstrucionista, mas se alguém ousar dar alguma interpretação que seja distante dessa está errado. No mais eles dizem que não há certo ou errado, contanto que nada evoque de bom, de belo, justo ou verdadeiro, esses cânones são limitantes. Mas a arte engloba todo o processo, sendo a obra final apenas um objeto a mais, muitas vezes sem importância mesmo sabendo que ninguém está vendo o processo e sim apenas o objeto, uma obviedade que lhes escapa completamente a percepção. Os significados são múltiplos, mas todos dentro desse espectro destrutivo, dentro dele a arte pode significar qualquer coisa, é tudo. E uma outra obviedade que eles não percebem é que dizer que a arte pode ser qualquer coisa é o mesmo que dizer que ela não é nada. 

Falam disso com ares de superioridade como se a arte contemporânea inteira não fosse só e exatamente isso há mais de um século. Andy Warhol chocou ao colocar um mictório numa galeria de arte, tudo bem, talvez tenha valido a provocação, mas parece que a arte atualmente se compõe apenas disso, provocações sucessivas, uma desconstrução da desconstrução. Todas as sugestões são etéreas, inexistem, apenas propõem que as coisas sejam revistas de novo e de novo mas que nada seja feito de novo. É o trabalho do negativo de Hegel elevado à enésima potência. E ninguém pode contestar essa contestação, ninguém pode desejar um pouco de brilho ou de beleza, uma mensagem construtiva, uma reflexão sobre as virtudes ou os vícios que possa somar verdadeiramente. 

O ato de desconstruir finda em si mesmo porque, destruindo e julgando tudo como incorreto, nada constrói ou sugere em substituição, gerando apenas confusão, caos, numa estimulação contraditória e permanente que faz o homem se sentir ainda mais perdido em relação ao próprio ser e ao mundo em que vive. Não percebem eles que as obras clássicas são clássicas porque suas críticas não se limitavam a uma determinada época ou lugar, mas transcenderam o tempo e o espaço chegando até nós justamente porque dizem respeito a toda humanidade, se pautam na experiência humana não banal e flutuante, mas naquelas experiências profundas, ruins o quão fossem ou não, e que todos em algum modo conseguem se identificar. 

Mas essa experiência humana se perdeu, pelo menos para eles que, do alto de seus pedestais que, como deuses julgam a humanidade e até o próprio Deus, a única experiência válida é a que destrói tudo, menos o seu direito de serem como deuses.

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