quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Clamor

Eu tinha tentado escrever de modo sincero, mas acabei me perdendo em citações e reflexões outras que foram aparecendo e que acabaram por enevoar o que eu queria dizer, de modo que a mensagem está lá, mas rodeada de tantas outras coisas que acabou se perdendo.

O fato que eu queria falar é simplesmente do meu sentimento, nada mais elaborado do que isso. Gostaria de falar do quanto gosto de você e do quanto penso em você em todos os momentos, que chego a sonhar com seu abraço e seu perfume, o seu sorriso e o quanto tenho vontade de segurar sua mão, de ver as estrelas deitado sob seu peito... E isso é tudo o que posso dizer porque quando digo em palavras que te amo mais do que poderia imaginar e mais do eu consigo expressar é verdade, não há como eu dizer o que sinto porque minha capacidade de expressar isso é limitada, tudo o que consigo dizer é que te amo mas, de algum modo, essas palavras não conseguem conter o que eu sinto de verdade. O fato é que eu te amo, mas você entende o que isso significa? Entende que eu não apenas quero ser seu amigo ou companheiro mas que quero ficar ao seu lado pra sempre? Que quero segurar a sua mão, beijar seus lábios, me tornar um com você? Essas palavras também são apenas descrições mais ou menos gráficas, também não dão conta do que sinto de verdade, apenas apontam em certa medida pro sentimento maior, inexpressável que há em mim, e que talvez só pode ser visto transbordando de meus olhos e nas vibrações da fibra do meu ser, quando cada parte do meu corpo clama pela sua presença...

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Dia de faxina, e o contato com as coisas fora de ordem deixam essa impressão forte do espírito ordenador do homem. Há em nós esse ímpeto de tentar captar a ordem porque a desordem nos é desesperadora. 

Então a minha mãe dá vasão a uma longa ladainha sobre como a casa é apertada e de como isso é um problema aqui. Pra mim a solução seria simples: diminuir as coisas na casa. Mas isso parece que nem passa pela cabeça dela. E então a casa está entulhada de coisas, que ela quer que caibam aqui dentro de todo modo. E nada combina com nada, é apenas uma desordem total que grita para ser ordenada. Essa falta de senso das proporções, do que deveria ser desfeito ou não, é apenas sinal de uma mente que se distorceu, que já não é capaz de captar a realidade. 

E então eu fecho meus olhos e finjo não entender nada, porque sei que seria entendido errado. Mas essa confusão também me incomoda, e por isso eu saio e caminho um pouco, a vista do mar me ajudando a esquecer, fazendo com que meus pensamentos sejam levados como aquela maré, sumindo no horizonte com as gaivotas. 

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Ouvi de algumas pessoas que é bom sair da rotina e ver algo de arte que lhes possa ajudar a respirar. Bom, eu até entendo que as coisas sejam assim para elas mas, o fato é que essa visão diminui e muito o que é a arte e o que ela pode fazer pelo homem. A arte não é apenas para recarregar as energias e ajudar a sair do mundo horrível por meio de algo melhorzinho, ela faz isso também, mas a arte é algo que constantemente vai povoando o imaginário daquele que a vê, que vai enriquecendo seu horizonte de consciência, e que não pode ser deixada pra segundo plano, mas deve ser vista diariamente, porque é justamente ela que nos faz viver o cotidiano sem esquecer que há melhor do que as horas trabalhadas diariamente. Por isso a importância da poesia em nos ajudar a expressar até as experiências mais banais, da música em compor nosso universo exterior e das artes plásticas em treinar nossa visão para o belo. A arte não é acessório, ela é quem nos ajuda a chegar ao centro mesmo do ser, apontando para ele e, por isso mesmo, é algo que não deve ser vista apenas no fim de semana. 

Não estou dizendo que as pessoas precisam largar o trabalho e viver de arte, pelo contrário, mas conseguir colocar a arte nas suas vidas patéticas e vazias. Ler um livro na parada de ônibus ou no caminho até o trabalho, ouvir música quando toma banho, sair um pouco do TikTok e ver um filme, nem precisa ser uma grande obra, mas que consiga captar dele alguma mensagem, positiva ou não, mas é deixar-se levar pela arte, que toma o homem pela mão e aponta de certo modo pra Verdade. 

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Olhei a água inquieta do mar e não vi meu reflexo, mas vi como que um monstro saindo de lá, gigante, feroz, um Leviatã pronto a devorar, com uma sanha assassina, o caos primitivo. Eu sou esse monstro que se ergue das águas da criação apenas para devorar e destruir. 

Sinto nojo de mim mesmo ao imaginar os cenários mais torpes e imundos que nenhum hedonista, nem o pior dos pervertidos conseguiria conceber. Cenas onde a chama luxuriosa consome a carne ao ar livre corpos que se entrelaçam sem pudor à luz do sol, no meio de folhas e gramas ou na areia molhada da praia, nas pedras banhadas pela lua ou nas águas de uma piscina por corre uma água de prata, seja nas mesmas pedras ou nos corpos por onde ela jorra num rompante, êxtase de gozo entre corpos fortes, pernas trêmulas, mãos que apertam e cravam as unhas na carne, curvas voluptuosas que acendem aos céus como montes, membros rijos e preciosos como nenhum lapidário jamais descreveu. 

Meu corpo exposto e disponível, pernas abertas em sinal de desejo lancinante que se abre ao prazer inebriante de ser tocado, devorado, penetrado, deflorado com força, capturado por braços fortes e sentindo o gemido alto e primitivo de quem já não se segura, que se entrega completamente aos desejos mais bestiais até o derradeiro orgasmo.

É como se eu fosse apenas uma fera que se alimenta dessas ilusões, das tentações luxuriosas mais profundas. Foi isso que constatei sobre mim, e é apenas isso que eu vejo ao fechar os olhos. Mesmo que não queria ninguém por perto, mesmo que não queria nem mesmo conversar eu ainda penso nessas coisas, eu ainda me vejo nesse cenário desprezível, como se nele pudesse achar a realização da vida, o sentido da existência no corpo de alguém. Mas são apenas gemidos inefáveis, gotas de suor e pele avermelhada. Muito embora o contato sexual contenha em si diversas dimensões, dentre as quais o contato direto da carne e da história do ser, seus antepassados, sua genética, impulsos hormonais, valores morais e, por fim, o amor propriamente dito, tudo o que eu consigo conceber é a parte mais baixa desses apetites. 

Olhei a água inquieta do mar e não vi o meu reflexo mas, ao olhar o abismo ele olhou de volta para mim. O homem que nesta terra miserável vive entre fera sente também inevitável vontade de também ser fera, disse o poeta. 

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