quinta-feira, 28 de novembro de 2019

O caos e o torpor

Senti-me no direito de me recompensar, marcando eu meu próprio corpo um símbolo da persistência, por estar ainda insistindo nessa existência. Assim como todas as minhas outras tatuagens essa foi feita de modo a marcar uma fase. Mas essa não é uma fase boa, essa mostra que eu sobrevivo em meio ao caos, não foi feita após a tempestade mas durante a própria tempestade. 

Aos poucos eu vejo o pouco de ordem se esvaindo novamente de minhas mãos. Mais uma vez olho no espelho e vejo o descuido se manifestando outra vez mais... Meu cabelo está sem forma, oleoso, feio. Meus lábios estão rachados mesmo que eu tenha uma dezena de produtos para cuidar deles. Minha pele continua seca e escura, muito embora boa parte do meu armário esteja ocupada com cremes. Não tenho, no entanto, forças para usar nada disso, e continuo comprando na esperança de que algo mude, de que consiga ser um pouco melhor... É sempre assim, a minha autoestima cai e eu paro de me cuidar, por parar minha aparência fica cada vez pior e isso detona ainda mais a minha já combalida autoestima. É um ciclo vicioso. 

Minha cama está por arrumar há semanas, a poeira cobre as minhas coisas e até mesmo as atividades do curso eu deixo todas para a última hora. Minhas obrigações do trabalho estão todas atrasadas, e não consigo me importar em corrigir nenhuma delas, tenho sido nada mais do que um professor relapso. Se resolvo fazer algo, sinto sono. Se deito para dormir me perco em pensamentos sem nexo algum. Meus dias tem sido monótomos e repetitivos, mas isso não faz com que eu tenha vontade de mudar. Não tenho forças para ser diferente. É um torpor absoluto. Não consigo me empolgar com nada além de algumas poucas sinfonias grandiosas, mas temo que até mesmo elas percam seu brilho com o passar do tempo. 

Como chafurdar na lama eu me sinto cada vez mais sujo, cada vez mais distante dos meus ideais e cada vez mais absorto em meus próprios pecados. Muito embora a minha lascívia tenha se esvaído como fumaça no vento eu ainda me sinto preso num mundo de luxúria bruxuleante. 

Me sinto sendo lançado numa água revoltosa que me sugou todas as forças, que me cansou de tal modo que já não consigo mais nadar. Vivo uma vida ao vento. Sem rumo, mudando a cada momento. Sem ordem alguma, apenas indo para todos os lados. Suportando as ondas e golpes mortais do destino. Suportando os abandonos, as risadas, as maledicências. Mesmo sem saber até quando conseguirei suportar, até quando farei valer o simbolo que agora estampa minha barriga. 

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Da Insensatez


"[...] todos viemos ao mundo cheios de pretensões de felicidade e prazer e conservamos a insensata esperança de fazê-las valer, até o momento em que o destino nos aferra bruscamente e nos mostra que nada é nosso, mas tudo é dele, uma vez que ele detém um direito incontestável não apenas sobre nossas posses e nossos ganhos, mas também sobre nossos braços e pernas, nossos olhos e nossos ouvidos, e até mesmo sobre nosso nariz o centro do rosto."
Arthur Schopenhauer

Insensatez, querer compreender esse mundo hostil que nos cerca. Insensatez pensar que nós, seres fracos, cuja vida mais longa não dura mais do que algumas décadas terminando na completa senilidade e decrepitude, nós, incapazes de nos entendermos, podemos fazer alguma coisa de grande valor. 

Quando essa era passar, nada do homem restará para o universo, seremos esquecidos como poeira ao vento. Quantos séculos durarão nossas construções? Por acaso nossa filosofia existirá quando tudo for destruído pelo tempo? 

Os homens são brinquedos nas mãos de uma criança chamada destino, que nos molda a sua vontade e nos abandona à revelia. Nada dominamos. Antes disso, somos dominados sem que sequer percebamos. O pouco livre arbítrio que nos resta é usado com a malícia que habita a profundidade obscura de nossos corações, lançando para fora aquela bestialidade que ousamos dizer que nos diferencia dos outros animais. 

Esperança é a maior ilusão que pode haver nessa vida, talvez até mesmo maior que o amor. 

O outro me entenderá, 
o outro me amará, 
o outro me fará feliz, 
eu conhecerei a felicidade
gozarei do amor

A esperança pode fazer-nos ver o amor, felicidade, onde na verdade não há. Trata-se, talvez, da mesma coisa, usando capas diferentes para nos enganar. São as mil faces do mesmo destino que, vestindo desta ou daquela maneira, torna a querer nos torturar para seu simplório deleite num teatro cósmico de proporções existenciais. 

As destruições que experimentamos nada mais é do que a demonstração de seu poder infinitamente superior. Se nós nada controlamos e nada dominamos, o destino nada deixa escapar, e até a menor centelha de esperança é por ele extinta numa tempestade impetuosa e destruidora. E quanto a nós, nada entendemos. 

Apenas andamos em círculos, como macacos, na palma da mão do destino.

E quanto a mim, eu só queria que as músicas que me tocam tocassem os outros também. Só queria compreensão. Mas ninguém parece ouvir, ninguém parece se importar. É como se a música existisse só na minha cabeça. É como se o mundo existisse só no meu coração. E, os outros, bem, os outros são o cataclismo que ameaça destruir toda a existência. 

A Bailarina

Um violino solitário, soando ao longe uma doce melodia, um andante moderato, embalando os passos de uma pequena bailarina torta que dança despreocupadamente com seu cabelo ao vento e seu vestido longo. As folhas do outono desprendem-se das arvores e se esvoaçam ao redor da moça, com seus de laranja e ocre contrastando com o tecido vermelho e os cabelos castanhos sob o sol... Ela dança e dança, sorrindo feliz por um instante.

Pássaros voam ali perto, e peixes nadam na água fresca e cristalina do riacho que corre ao lado da vila. Algumas crianças brincam correndo e um ou dois cachorrinhos as seguem. E a bailarina dança. Dança porque compete a bailarina dançar como compete as crianças brincarem e aos pássaros voarem. É o que ela sabe fazer e é o que ela faz para sobreviver. 

O violino ainda toca e, aos poucos, a música se torna triste, é como se a bailarina chorasse, seus passos são lentos e pesados e seus olhos estão marejados. O violino lhe traz à tona lembranças de um tempo que fora feliz, de um tempo que dançava por amor, que dançar era tudo para ela. Um tempo que agora parece tão distante, tão cinza, tão coberto de poeira... 

Uma corda se partiu e a música mudou mais uma vez. O violino entrou num frenesi para compensar a corda que se foi, o desespero toma conta da bailarina que agora salta em desespero e euforia. Seus pés doem, mas ela não pode parar de dançar e o violino não pode parar de tocar. 

As pessoas começam a se reunir a sua volta, sorrindo e aplaudindo, mas ninguém percebeu que a corda estourou e que a bailarina chora de dor por seus pés. Todos riem e pedem que eles toquem e dancem mais e mais, a apresentação não pode parar. Uma criança observa uma lágrima por entre o sorriso da bailarina escorrer e desaparecer na cambraia rubi. 

A música se cansa, e volta aquele adágio lamentoso de antes. Os pés ensanguentados já não querem mais dançar. Tudo o que a bailarina deseja é parar, mas não pode. Aqueles que a rodeiam acham que aquelas lágrimas fazem parte da encenação. 

As luzes se acendem conforme o sol desaparece, morrendo silenciosamente no oeste. Um cheiro de comida sendo preparada preenche o ar, e alguns trouxeram bebidas para se divertir enquanto assistem a bailarina e seu violino solitário. 

A música, agora metódica e sem vida, faz os transeuntes e camponeses dançarem, e assim se distraírem. Eles dançam ao redor de uma fogueira grande, e bebem e riem e brincam sem notar que a jovem afasta-se cada vez mais da música. Seu coração silenciou-se. Sente apenas os pés dolorosos e o violino em seu pescoço. 

Outras pessoas começaram a dançar e, o que era o show da bailarina torta virou uma festa de toda a vila. Todos estavam sorrindo contentes quando o som do violino morreu em meio aquelas conversas e a bailarina jogou-se ao fogo, sem gritar, pois a dor maior ela já sentira quando fora obrigada a tocar e dançar, pois era a única coisa que sabia fazer, sem que ninguém percebesse que cada nota de cada música era um grito pedindo por socorro, que alguém a livrasse daquela maldição solitária. 

O fogo ouviu suas preces e, consumindo a madeira do instrumento e a dor que um dia fora sua sina. Sem mais música, sem marchas fúnebres, sem obrigações a pesar por sobre as costas. Tudo consumido pelo fogo, e a derradeira nota sumindo no ar sem que ninguém percebesse... 

A Barca


A voz que havia dentro de mim calou-se. Perdi aquela vontade que sempre tinha de cantar. Conseguiram apagar até mesmo esta, que era a última chama a arder dentro de mim. Mataram meu último sonho. 

Esmagaram a minha vontade com suas mentes fechadas, destruíram toda e qualquer sombra do sagrado que havia em tal arte do belo. A beleza que conduz ao que é bom, justo e verdadeiro deu lugar a simplória expressão animalesca dos sentidos imediatos. Não há contemplação, não há virtude, não há dedicação. Há apenas o entoar enfadonho e monótomo de notas agudas e acordes melódicos que pretendem despertar arrepios e lágrimas, numa expressão da mais baixa arte que, ao invés de elevar, apenas hipnotiza e conduz a histeria coletiva.

Já não quero mais cantar, senão que o faço pela obrigação moral que há em meu peito. A responsabilidade não me deixa abandonar o barco que há muito naufragou. A arte deu lugar ao orgulho de cada um. O amor foi substituído pelo rancor. 

A quem culpo? Talvez a mim, que não soube guiar como deveria. Mas também culpo aqueles que transformaram a arte numa promoção pessoal e não numa promoção da virtude, da soberania divina. 

Humanos, sejam humildes perante Deus! Não queiram ser maiores do que a Mãe e Mestra da Verdade, não queiram acreditar que sabem o que é melhor para as almas do que aquela cuja única missão no mundo é salvar as almas. 

A monotonia que criticas é aquela que purifica a monotonia de seus pecados. A lentidão das notas que consideras sem graça é aquela que melhor entra no coração do homem sem despertar ser apetites bestiais, mas elevando sua virtude ao altar de Nosso Senhor. 

Mas a arte se matou, e a voz que havia dentro de mim se calou. Já não quero mais cantar, já não há mais brilho em minha voz, senão que sobraram apenas os sussurros inefáveis de um homem que murmura contra a própria sorte, abandonado pelos seus que o deixaram sozinho na barca de Pedro. Continuo a navegar, mas esta tornou-se uma viagem solitária, isto até perceber que não estou sozinho de verdade, mas faço companhia aquele que na cruz clamou a Deus "Meu Deus, por quê me abandonaste?"

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Outra reflexão em uma tarde de chuva

Solitário, ouvindo a chuva cair e bater nas janelas de meu quarto, o som do piano ao fundo. Gosto de como a chuva cai, como o mundo todo parece dobrar-se ante a força das tempestades. E cada um aproveita a sinfonia da natureza a própria maneira: uns dormem, outros aquecem um chocolate e desfrutam de uma experiência, de leitura, de música, ou ficam simplesmente ali, aproveitando esse presente dos céus que se derrama sobre nós. 

Gosto como a chuva deixa o ambiente melancólico, trazendo à tona lembranças e reflexões. Eu sou daqueles que deixa a mente fluir com a chuva que cai e lentamente escorre pela terra. Levanto meu olhar aos montes e suspiro, desejando voar naquelas alturas ou nadar nas profundezas, explorando esse mundo com uma visão maior do que a que posso ter com minha pequena mente distorcida. 

Mas eu não sei nadar, me afogo, e não sei voar, na verdade, eu não sei mais nada. A chuva também me traz confusão. Minha alma fica inquieta, enquanto ouço o tilintar violento das gotas. Já tive a oportunidade de me banhar na chuva e me lembro que senti um certo desespero, em ser jogado para lá e para cá pelos ventos fortes e por estar sendo alvejado por centenas de agulhas por todos os lados. Me lembro ainda que, na ocasião, a única coisa certa que sentia era as lágrimas quentes escorrendo sob meu rosto, em contraste com as lágrimas geladas que caiam do céu. 

Talvez não seja a chuva a me trazer confusão. Talvez a tempestade só me faça perceber a tempestade que há dentro do meu próprio peito. E para onde escorre as águas que brotam do meu coração? Se resvalam na terra úmida de minha consciência, fazendo minha mente nadar num oceano de amores, ambições e decepções, irrigadas cada vez mais e cada vez mais fincando profundamente suas raízes em mim. 

De qualquer maneira, gosto de como o mundo parece silenciar-se quando a chuva cai. Assim como tudo se cala quando meu coração grita. 

De palavras vazias

O fim de semana se aproxima e, com ele, aquilo que deve ser um dos eventos que eu menos gostaria de participar. Três dias antes o meu corpo já grita em protesto pelo cansaço absurdo e desmedido que eu vou presenciar, isso tudo porque algumas pessoas colocaram na cabeça que passar o fim de semana ouvindo umas bobagens melosas é algo importante para a conversão de jovens.

Bem, sem querer entrar no mérito estatístico da serventia, ou não, do encontro, coloco em cheque as práticas ali defendidas largamente. As pessoas estão tão cegas e ávidas em fazer o que lhes dá na telha como se fosse inspiração divina que ignoram completamente a voz do próprio Deus que grita dizendo-lhes o que fazer. 

A Igreja ta aí para isso, para dizer o que Deus tem a nos dizer mas não conseguimos ouvir. Mas todos preferem ouvir a voz do próprio coração, afinal Deus não sussurraria ideias erradas a ninguém não é mesmo? Esquecem-se, no entanto, que o diabo tem o mesmo poder e inclusive adora essa abordagem. 

É incrível como não parecem notar a quantidade de esforço empreendida num encontro que, torno a dizer, não resume duas linhas do catecismo. Mas se o encontro não ensina o que a Igreja ensina, o que ele ensina? Ensina que Deus é o arrepio que sentimos enquanto alguém discursa uma meia dúzia de jargões melosos sobre família, namoro e coisas afins. Ensina que Deus está nas lágrimas que derramam ao ouvir músicas de cunho evidentemente protestante e, obviamente, destoante do ensinamento católico, aliás, uma música que repete a mesma frase ou palavra do início ao fim em acordes ascendentes não contém ensinamento algum, é, em si mesma, vazia, como a cabeça de quem compôs e de quem canta como se fosse o suprassumo da música sacra, fazendo revirar no túmulo autores realmente valorosos como S. Tomás de Aquino e Palestrina. Lamentável é pouco para descrever a bravata em que nos metemos. 

A Igreja, antes jovem e que confessava "Viva Cristo Rei!" aos pés dos algozes com coragem e virtude agora se resume às lágrimas e arrepios em sessões de histeria coletiva, frutos do espírito (não disse qual). 

E é a isto que prestarei meu esforço? É com um revirar violento do estômago que penso infelizmente ser tarde demais para dar ouvidos ao bom senso e me furtar a todo esse teatro. Talvez na esperança de que, uma vez dentro da Igreja e conseguido fugir dessa pantomima estapafúrdia, algum jovem possa descobrir a beleza da verdadeira Igreja, que esconde na simplicidade de um liturgia bem celebrada e na austeridade dos ensinamentos verdadeiramente cristãos, e não apenas de uma tendência melindrosa elevada ao extremo por pessoas notavelmente descontroladas de suas emoções que querem impor esse mesmo descontrole aos menos instruídos e mais desavisados. 

Sinto dizer que Cristo será o último a ser conhecido, se tanto. Mas a fugaz sensação de preenchimento que depois dará lugar a um vazio absoluto porque simplesmente trata-se de palavras humanas e vazias, ah, essa se fará presente em todos os dias. 

terça-feira, 19 de novembro de 2019

A espera

Um caráter melancólico tomou conta do meu ser. O cinza do céu nublado é muito mais triste em meu coração. Há um abismo no meu peito, e eu não sei onde está minha essência. Sinto como se caísse das nuvens, como se me afogasse num gigantesco oceano que me leva de um lado para o outro com suas ondas impetuosas. O esperar pela morte é a única saída. 

Parece que sempre há algo que me deixa para baixo. Um sentimento de vazio que me consome de dentro para fora. Corroendo, pouco a pouco... A mente silencia, o coração pulsa em vivas ânsias de um amor não correspondido, por um amado que se fora e me deixara com gemido. O corpo pesa como se estivesse amarrado a grandes jugos de aço. Uma espada parece transpassar meu ser com sua lâmina incandescente, cortando toda alegria como se não fosse nada. 

Sinto uma grande perda, mas o que eu perdi? Perdi a capacidade de ver o mundo e suas cores, agora é tudo cinza, escuro e frio. Não consigo esquecer o passado, o futuro é uma névoa de sangue que me sufoca e envenena. Meu passado são as feridas de meus joelhos e de minhas mãos cheias de calor por tentar segurar uma grande corrente que ainda me mantém vivo. 

Em minha cabeça toca a grande Sinfonia do Juízo Final. As trombetas convocando os seres vivos diante do grande trono, um adágio lamentoso entoado por aqueles que imploram por clemência. Vislumbro esta escatologia do silêncio de meu quarto, onde as paredes brancas se tingem da mesma melancolia de meu peito. Uma porta que nunca se abre, as janelas que não deixam a luz entrar e um teto não familiar. No espelho um reflexo cansado que não desaparece nem com mil noites de sono. 

Me recordo das luzes que um dia vi no céu estrelado. A aurora boreal, uma chuva de meteoros, a luz da lua brilhando entre as miríades de estrelas... Tudo no passado. O céu agora é apenas uma imensa massa disforme que se estende sobre nossas cabeças. 

Um caráter melancólico tomou conta do meu ser. O cinza do céu nublado é muito mais triste em meu coração. Há um abismo no meu peito, e eu não sei onde está minha essência. Perdeu-se há muito num lugar que não me recordo. Ando sem rumo, com os pés descalços neste chão frio, cheio de cacos de vidro, olhando para o céu, tentando encontrar algo que possa me guiar, algo que possa me ajudar a encontrar a direção daquilo que possa preencher o meu vazio. Sinto como se caísse das nuvens, como se me afogasse num gigantesco oceano que me leva de um lado para o outro com suas ondas impetuosas. Aqui não há esperança, apenas o desespero das águas geladas que enrijecem o osso até o tutano. Não há luz do sol. O esperar pela morte é a única saída. 

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Sobre saber

O Sol nasce e, ao fim do dia, põe-se do outro lado do céu. Descansa para dar lugar a lua. Parece uma coisa simples, todos os dias vivenciamos com uma normalidade absoluta. Assim nos parece. Dias nascem, dias findam, chuvas caem do alto, estrelas brilham... Mas, muitas das coisas que acontecem nos céus ainda nos são desconhecidas. Não conhecemos a imensidão do cosmos e podem, devem, existir muitas coisas que ainda não conhecemos. Não sabemos de nada!

Não entendo sequer as coisas que acontecem aqui, ao meu redor. Parece que eu não sei mais nada. E me sinto ainda mais perdido quando olho para o céu cinza e que se estende sem fim sobre a minha cabeça. A imensidão esmagadora me traz consciência de minha pequenez. E que conhecimento poderia tornar-me menos ínfimo diante da imensidão?  Eu não sei de nada.

A verdade é que eu não sei mais nada! Principalmente, nada de você... Me sinto perdido quando penso em você, mas também me sinto perdido quando penso em mim. Não sei como me sentir perto de você. Sinto que quero conversar com você o tempo todo, e tocar sua mão enquanto estamos em silêncio, sinto que poderia olhar seu sorriso por horas sem nunca enjoar... Sinto que poderia ficar sentado contigo num corredor conversando sobre qualquer coisa, 

Mas sinto que algo em você deseja me aprisionar. Ou talvez seja algo em mim. Há um altar querendo ser preenchido, um coração vazio buscando alguém a quem amar. O que é isso? Tenho medo de sentimentos que crescem sem que eu entenda direito o que são. Tenho medo de você, do seu olhar que tanto muda. Tenho medo do seu sorriso, tenho medo de tudo o que pode desaparecer. Tenho medo de sorrir enquanto converso com você, tenho medo de lembrar de você quando vejo alguma coisa durante o dia. Tenho medo pois não sei onde isso me levará e são muitas incertezas para eu saber de alguma coisa com segurança. Tenho medo pois não sei nem mesmo se a luz do sol vai brilhar amanhã. Não sei que sentimento é esse e não sei se ele pode me destruir como antes. Eu não sei mais nada. 

Das coisas que sei, e que sei que sei, são pequenas impressões que me dão a ideia de verdade. Eu sou eu, aquela fera que gritou eu no coração do mundo. Mas esse eu é tão complexo que não sei o conheço, apenas arranhei a superfície de minha consciência, eu não sei nem mesmo o quanto sei de mim. O quanto ainda há para conhecer? Diariamente me dou com reações que não sabia que era capaz de ter, diariamente me surpreendo com novas percepções que não sabia que tinha. Eu não sei mais nada.

Não sei nem mesmo se sou mesmo daqui. Não me sinto daqui. Acho que nasci no lugar e no tempo errado. Minhas ideias são retrógradas para alguns, progressistas demais para outros e eu, no entanto, não me encaixo em nenhuma delas. Não faço parte de nada. Até mesmo meus amigos mais chegados me deixaram por não compartilharmos das mesmas aspirações. 

Não saber nada e saber que não sei de nada é um passo importante para descobrir alguma coisa. Percebo, um pouco, a importância da minha fase atual. Percebo o quanto é importante aproveitar minha própria companhia, fazer as coisas que amo pois, no fim de tudo, uma das minhas poucas certezas é e que eu sempre estarei comigo nos momentos difíceis, e a minha solidão é minha única companheira inseparável. 

Gosto de ouvir minhas músicas sozinho, ver as minhas peças, ir a orquestra, ler alguns livros ou ficar deitado olhando o céu ou o teto e sentindo a terra embaixo de mim. Tenho preferido isso a sair e beber. Claro, tem o agravante de não me convidarem mais, mas também prefiro beber sozinho e sob controle. Ficar sozinho me fez perceber o quanto pode ser agradável estar só, muito embora ainda deteste me sentir só. Mas, é irônico, me sinto menos só agora que fui abandonado do que antes, rodeado de pessoas. Se amizade é querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas acho que, por um tempo, preciso aproveitar minha própria companhia, já que não posso gostar e não gostar das mesmas coisas ao mesmo tempo e sob os mesmos aspectos. 

Estar com os outros é expor-se, ficar vulnerável, e isto é uma coisa que não quero para mim agora. Não quero ter de lidar com pensamentos fechados, olhares frios e risadas maldosas. Prefiro a simplicidade estática da minha própria metamorfose. Não quero me explicar várias e várias vezes, e continuar sendo incompreendido. Não quero agir como se as coisas que mais odeio fossem as mais dignas de honras, não, são desprezíveis e assim deveriam ser aos olhos de todos com o mínimo de bom senso. 

As pessoas são essas máquinas de incompreensão, dotadas de uma capacidade incrível de nunca entender nada ou de uma má vontade absoluta em entender a razoabilidade da realidade. Fechadas demais em si mesmo. Talvez eu devesse fazer o mesmo então, fechar-me em mim e em minhas poucas convicções e buscar por mim a verdade. Não posso contar que o outro a busque comigo, a esmagadora maioria das pessoas que conheço detestam a verdade e o conhecimento verdadeiro. Preferem as mentiras estatísticas, as científicas e as que despertam arrepios e delírios psicóticos coletivos. Eu prefiro a verdade incômoda que me destrói as esperanças vazias e ilusórias. 

Mas, apesar de todas essas verdades que conheço pela metade, ainda há uma quantidade inabarcável de coisas que não entendo nem mesmo dentro de mim, tanto mais nos outros que me cercam. Isso me constrange. Vejo as mentiras que guiam as vidas de muitos. Eles parecem voar, flutuar em meio as nuvens, e eu não sei flutuar, eu sempre caio do ar. A verdade é que eu não sei mais nada mas, ainda assim, sei que quero algo maior que a mediocridade em que fui mantido durante muito tempo! 

sábado, 16 de novembro de 2019

Companheira

Ostentando uma estranha sensação de solidão. Não é bem aquela sensação do sentir-se só em meio a multidão, não, mas é também um sentir-se excluído dessa mesma multidão. 

Sinto, com uma profundidade tremenda, que este já não é mais o meu lugar. Sinto que aqueles que me rodeiam já não precisam mais de mim e nem sequer anseiam pela minha companhia. Virei objeto de asco e zombaria para aqueles que amo. Sinto os olhares frios por sobre mim, me dizendo que deveria ir embora, que não sou mais bem vindo aqui. 

É horrível pois, aqui ainda era o único lugar em que me sentia em casa e, agora, já não suporto sequer olhar nos olhos daqueles que me cercam e que sorriem comigo. Mais uma vez o destino brinca comigo, dando-me uma ilusão de que poderia encontrar aqui a razão da minha existência para, logo em seguida, tirar-me tudo. 

Sinto que não devo nunca conhecer o que é o amor. Sinto que nunca vou entender o que é amar e ser amado da mesma forma como entendo o que é ser abandonado. E mesmo agora, desejando o amor daqueles que já foram e me deixaram, não consigo sentir o amor daqueles que ainda me amam. É como não houvesse amor algum. Tudo me foi tirado, até a capacidade de sentir-me amado. 

Será que alguma constelação lá do céu me protege, como a um cavaleiro solitário que trava uma batalha particular dentro do próprio coração contra tudo e todos que conhece? Alguma estrela poderia me emprestar a força necessária para explodir o meu cosmo e sentir o universo, ao invés desse absoluto vazio que habita meu peito?

Não quero, no entanto, cantar o mesmo adágio novamente. Muito já foi dito sobre a solidão, na maior parte das vezes movido pela própria força desse sentimento horroroso. O abandono já foi palco de meus monólogos intermináveis por muitas vezes. Já não tenho mais vontade de cantar a tristeza, assim como não tenho mais vontade de encarar a luz do sol. Sequer tenho vontade de encarar a luz do sol, pois a sombra fresca e solitária das árvores tem sido mais agradáveis. A solidão é, no fim das contas, nossa única companheira inseparável.

E nela que deito minha cabeça quando não há mais ninguém para em encostar a chorar, é a solidão que canta até que durma nas noites em que a desilusão me abraçou com seus tentáculos gelados. Talvez a solidão seja o único presente que ganhei do destino, que gosta de rir-se de minhas desgraças cada vez que me deixa ver a luz somente para me jogar novamente no abismo mais escuro da existência. 

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Sobre a loucura

As pessoas enlouqueceram! Perderam total e completamente o sentido do dever, a noção de prioridade, o senso de proporções. Vivem ao redor de ideias e objetivos vazios enquanto as coisas que realmente importam são ignoradas, deixadas sem a luz da existência. As pessoas não tem ideia do que importa, vivem como se suas existências patéticas e medíocres fossem a razão de toda existência. 

O mundo tornou-se hostil demais para a humanidade ser viável. Melhor seria se todos sumissem, desaparecessem ou simplesmente voltassem à unidade perfeita. Se todos fossem um não haveria dor e sofrimento, haveria compreensão, haveria a complementação de todo vazio. Mas os homens não são um, são muitos, e esses muitos vivem por debaterem-se, por lutarem entre si, por destruírem o mundo e os outros pelo simples prazer momentâneo de o fazerem. 

Os homens são estas criaturas pobres, condenadas pelo pecado a viverem na solidão de sua própria imundície, chafurdando na lama de suas próprias crenças pequenas que os cega da luz intimidadora da realidade opressora. Os homens são esses desgraçados que, vivendo dentro de suas mentes fechadas destroem os outros por sentir a dor que é estar só. Daí vem a traição, o abandono, o horror, a maldade, a maledicência. Tudo que pode sair de ruim de um coração humano vem da dor que é perceber que estamos sozinhos e que nunca, jamais, complementaremos esse vazio. 

Alguns poucos que conseguem compreender essa verdade são ainda mais desgraçados que os outros. Não podendo fazer nada para mudar a realidade das coisas se vêm obrigados a contemplar esse mundo com esses olhos conscientes que, no entanto, não o dão poder algum. 

Eu queria não entender. Muito embora estude diariamente para melhor compreender o coração do homem eu queria não enxergar certas coisas. A verdade é então este sol de que falava Platão, que cega aquele que esteve preso na caverna. A verdade machuca o olhar, mas não posso me furtar a ela, não depois de ter vislumbrado a luz, não posso retornar a escuridão da ignorância. Mas ainda dói ser capaz de ver a escuridão do coração do homem. 

Fraqueza a minha! Deverá ser superada com mais luz, senão que esta é apenas a ante-sala do conhecimento. Os pobres homens que me cercam não são testemunho de minhas desgraças como eu sou das suas. Os pobres homens que me cercam estão ocupados demais em seus divertimentos para se ocuparem de qualquer coisa verdadeira. Preferem-se enganar no erro, na mentira. 

Não penso que sou algum tipo de iluminado por ver o que muitos ignoram. Pelo contrário, não há um só dia em que não desejo comer a comida dos porcos que se alimentam com tanto vigor. Ao menos os porcos tem outros como companhia. Eu tenho apenas a lixeira da miséria humana ao meu lado. 

Pobre pecador não ouso levantar meus olhos a onipotência divina e, ainda assim, sou obrigado a olhar para baixo, aqueles que rastejam como vermes sem saber aonde vão. E por acaso não rastejo eu também em vão? Não sou eu que costumo reclamar pela incapacidade de encontrar uma razão para viver? Não sou que me desespero toda vez que percebo que minha vida é tão sem sentido quanto a deles, senão que eu apenas tenho ciência do vazio que me consome e que me amedronta. 

Também não passo de um verme rastejando aos pés de deuses que conseguiram compreender a razão da existência. Um verme que entender que são deuses e que por isso mesmo lamenta não conseguir ser como eles. 

Um verme solitário, que aguarda ansioso pelo pisar dos deuses que possam dar um fim a este destino maldito. O que é esta vida senão uma sucessão de misérias e desgraças provocadas pelas nossas paixões desenfreadas, fruto de um pecado há muito já esquecido mas que deixou marcas profundas de maldade no coração de cada um? A vida é dor e mais dor entremeada por vislumbres daquela alegria celeste que cantam os anjos em seus hinos de louvor. 

Como não sucumbir a loucura? Se este mundo força-nos a viver como cegos ou loucos? Me recuso a voltar para a cegueira da caverna. Me recuso a fazer o que todos fazem. Me recuso a ir com o rebanho para o abismo que nos espera. Prefiro ir na direção contrária, muito embora ainda contemple o abismo. A loucura parece-me a solução mais agradável. Enlouqueceu por conhecer e não suportar a verdade. Enlouqueceu de tanto gritar aos outros que todos estavam cegos.

Está é uma loucura ímpar. Tenho consciência dela, senão que sou louco aos olhos dos outros. Mas os outros não podem ver o que vejo. E tudo o que vejo é imoralidade e decadência. Os outros me julgam louco por não conseguir ver a beleza de sua lascívia torpe e desregrada. Eu contemplo de dentro essa imundície, tendo a consciência de que é imundície e não ouro. E, tendo essa consciência, tento, o mínimo que seja, erguer-me acima dessas lama fétida e putrefata em que estou submerso. 

terça-feira, 12 de novembro de 2019

O mesmo adágio

O mundo narrado por um desgraçado que não enxerga mais esperança na humanidade. 

Como um marcha militar macabra e poderosa eu vejo o mundo ao meu redor. O mundo hostil habitado por esta humanidade inviável. Humanidade que se diluiu nos conceitos científicos e deu lugar a bestialidade racional dos seres que pensam mas são incapazes de pensar no outro. Desses seres tão presos dentro de suas próprias consciências, limitadas pelos seus campos AT, que nunca conseguem tocar o coração de seus iguais. 

Vivemos sozinhos em meio a multidão, matamos uns aos outros porque não concordamos com suas visões de mundo, mas somos incapazes de compreender as visões de mundo que o outro tem. 

Vejo agora esse mundo cinza, que assim ficou porque ainda tinha, mesmo que inconscientemente, alguma esperança nos homens. Esperei que as pessoas fossem, de algum modo, se entender, se amar. Mas continuamos cultivando a estranheza, a distância, a loucura que cada um vive dentro de sua pequena mente distorcida pela dor e o desespero que é ver-se sozinho num mundo animalesco.

Regredimos na escala evolutiva, somos tão brutos quanto ou ainda mais do que os animais que consideramos irracionais. Buscamos companhias vazias em conversas frívolas e momentos de divertimento regados a muito barulho, de maneira a silenciar os gritos de horror de nosso próprio coração. Schopenhauer tinha razão em dizer que a quantidade de barulho que uma pessoa pode suportar está na razão inversa de sua capacidade mental. É só o que vejo. Pessoas de mente muitíssimo limitada preenchendo o vazio de suas existências patéticas com muito barulho.

Não preciso de barulho, não suporto mais as vozes daqueles que me cercam porque as vozes da minha cabeça já me tomam atenção por demais, o barulho do meu próprio coração já me deixa no meio de uma tempestade que nunca cessa, sempre carregado por torrentes impetuosas que me levam pra lá e pra cá. 

Meu exterior tem estado cansado. Até quando me sinto bem os outros dizem que minha aparência é apática. A verdade é que tenho estado distante, observado o mundo, meu dia a dia, com extremo pessimismo. Cada minuto é, para mim, sem propósito e um absoluto desperdício de tempo. Não vejo, para onde quer que olhe, uma razão para viver num mundo como esse. 

Parece uma visão distorcida minha, como se fosse o único iluminado a ver o mundo como ele é, enquanto os outros vivem como animais por aí. Mas não, me considero o mais bestial destes, dado aos impulsos mais lascivos da carne, resumindo a existência aos afagos dos sentidos, aos prazeres de divertimentos particulares. Que moral tenho eu para falar do divertimento alheio? Apenas prefiro a solidão sem propósito do que o barulho da multidão sem propósito. Claro que, na solidão, busco um crescimento intelectual e espiritual, a dedicação a leitura e a filosofia fazem-me perceber muitas novas realidades que antes não eram evidentes aos meus olhos, mas isso só reforça minha desilusão com o mundo. 

Não há o que esperar de bom do coração do homem. A mão que afaga é a mesma que apedreja, o beijo é a véspera do escarro. O homem é o lobo do próprio homem. As expressões são muitas e todas expressam o mesmo adágio como um imperativo categórico: não há felicidade nessa terra. Como a descrição de Santa Terezinha é melhor do que a minha: Nada pode me encantar na Terra, a verdadeira felicidade não se encontra aqui. 

E continuando com a pequena grande de Lisieux, meu ardente coração coração continua a pulsar sem cessar, mas não encontra quem haverá de compreender. Minhas palavras são apenas balbucios inefáveis, expressões superficiais da lixeira da miséria humana. A decadência que meus olhos enxergam e o horror que isso causa em meu coração não são passíveis de serem narrados por um poeta desqualificado como eu. 

Essa pulsação, no entanto, não encontra pares no mundo, evidenciando ainda mais o vazio que há no âmago de meu ser, tema recorrente em meus escritos. Mas nunca me canso de dizer o quanto esse vazio me assusta desde meu primeiro pensamento. Lembro-me de ter medo de ficar sozinho quando era criança, medo do que poderia haver no escuro ou debaixo da minha cama. Hoje o medo é da escuridão que há no coração dos que me cercam, dos monstros que se escondem nos sorrisos que vejo diariamente. 

Minha visão é completada pelo Finalle da Trágica de Mahler, que neste momento toca no volume máximo de meu player. O solo de tuba que mostra a imponência dessa pedagogia da vida, algo grave e poderoso, um mistério imperscrutável que, embora nos rodeia, permanece misterioso. A música é uma das poucas paixões que ainda me fazem ter algum momento de prazer. E mesmo nela eu encontro a desilusão. 

Mahler anteviu as desgraças que se abateriam sobre ele. Uma alma atormentada como era sabia que o momento de sua felicidade não seria eterno. Logo seria interrompido pelos golpes do martelo do destino de sua obra, um golpe seco mas, ainda assim, de efeito devastador. Assim é a vida, nos diverte com a risada maléfica enquanto lentamente somos cercados por uma névoa densa que tapa-nos a visão do imenso abismo, e damos um passo em direção a ele. A incerteza nos corrompe, cega-nos de tal maneira a nos fazer ver amor, beleza, onde na verdade há apenas podridão.  

E então somos abatidos pela mesma vida que tanto nos tortura. Depois de tantos sonhos, anseios, tantas buscas... No fim de tudo somos lançados sob um punhado de terra. A despeito de minhas conclusões niilistas, espero que finalmente encontre alguma beleza verdadeira depois de tudo isso. 

sábado, 9 de novembro de 2019

Desejo e destruição

Noite de sábado, eu sozinho com dor de cabeça e empertigado em meu quarto. Você com seus amigos, enchendo a cara em algum lugar, sorrindo e cantando, dando em cimas das meninas que você quer pegar. 

No meu player uma marcha fúnebre aos poucos ganha espaço num crescendo que vai também me dominando. Aquela aura soturna, fria e macabra vai enrijecendo meus músculos, retesando meus ossos até o tutano. 

Normalmente eu gostaria do silêncio de uma noite fresca e calma. Mas hoje não, hoje tudo o que eu queria era sentir os seus braços fortes em volta do meu corpo e o seu perfume almiscarado me hipnotizando. Queria poder ouvir seu coração bater enquanto me deito por sobre seu peito, acariciar as linhas de seu corpo e me distrair com a sua voz, sua risada... 

Infelizmente hoje é sábado, o último dia da criação, dia do descanso, e o dia em que meu coração trabalha em te querer aqui comigo. 

É como se esse amor não fosse meu, eu olho no espelho e não reconheço o brilho no olhar que vejo ali. De onde vem essa esperança? É desmedida, insensata, é um amarrar da corda no meu próprio pescoço, um passo a mais em direção ao abismo que olha para mim desde o fundo de sua escuridão abissal. 

Ao longe os trompetes entoam sua marcha, a perder-se vagarosamente no horizonte... 

Até que um tiro de canhão faz tudo ir pelos ares. O sentimento de desejo se transmuta numa paixão tórrida, arrebatadora em todos os sentidos. O fogo consome tudo que toca, transforma tudo em fogo, e as chamas da luxúria fazem ruir as árvores e flores que haviam no meu jardim secreto. 

Quando o incêndio finalmente foi debelado sobraram apenas as cinzas da solidão. Os campos outrora verdes como as esmeraldas se tornaram frios e sem vida. O perfume e as cores das flores deram lugar ao cheiro de fumaça que aperta o pulmão e provoca tosses violentas. 

Caminho por aquele mar de cinzas, enquanto sinto o desejo renascer dentro de mim, dando início ao ciclo uma vez mais. Desejo e destruição, numa dicotomia bruxuleante como a de um ourobouros, um ciclo sem fim, uma samsara de sofrimentos e dores causadas pela falta que você faz aqui do meu lado nesta noite de sábado. 

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Sobre os anseios

Passos rápidos, o dia finalmente terminou, a noite de sexta começou! O que farei nas minhas parcas horas de descanso? Uma dose avantajada de benzodiazepínicos e pizza, além de muito refrigerante. Penso ser uma recompensa justa, depois de uma semana de esforços desmedidos para manter uma postura de trabalhador responsável e consciente de meu papel social.

São poucas as horas em que posso me esquecer daquele trabalho penoso, das vozes gastas com alunos desinteressados, de assuntos tediosos. São poucas as horas que posso me dedicar a apreciar com atenção uma boa música, um concerto de Tchaikovsky ou uma sinfonia de Mahler quem sabe. São poucas as horas sem o peso incômodo de viver em sociedade sobre minhas costas. 

Posso fechar os olhos e sentir o cheiro doce da terra molhada pela chuva em algum lugar perto daqui. Um dos meus cheiros favoritos. Posso deixar minha mente viajar com os acordes do piano que me levam para longe daqui. Uma terra fria, uma terra distante de outros tempos, um amor proibido e impossível como todos os outros. Um amor torrencial, daqueles que nos fazem esquecer de tudo quanto existe para se entregar aos braços fortes e suados daquele que repentinamente apareceu e mudou tudo ao seu redor. 

Minha cama ficou a minha espera durante todo o dia. Aguardando-me para me abarcar em uma calorosa noite de sonhos. Eu havia me esquecido o quanto é bom sonhar. O quanto é doce fugir dessa realidade amarga e cinzenta para me aventurar pelos bosques primaveris e pelas belas pradarias dos recessos de minha consciência. Oh, doce sonho que me permite esquecer a ânsia que me sobe a garganta cada vez que me torno consciente de minha existência patética e caótica!

Não quero me importar com as comemorações do povo lá fora que solta fogos pela liberação de bandidos condenados. Não quero me preocupar com essas realidades terrenas e baixas, me interesso pelas verdades eternas, superiores que habitam o sobrecéu. 

De que me adianta, ocupar dessas coisas terrenas e passageiras? O homem está condenado a confusão, a eternos embates. Desde a Torre de Babel fomos condenados a não nos entendermos nunca. Não há razão para lutar contra isso. Deixe que se matem, todos e cada um deles. Eu morrerei sozinho, na companhia apenas da solidão que me acompanha por não ter encontrado pares nesse mundo. 

O hyperuranium me aguarda para desvendar suas formas eternas e imutáveis. Desejo contemplar não mais que a perfeição bela e verdadeira. Mas, enquanto tal dia não chega, me contento com um céu um pouco abaixo daquele que almejo, um céu de sonhos onde ao menos vislumbro as silhuetas daquelas verdades no amor que imagino eu um dia possa vir a existir em minha existência, preenchendo assim o vazio que há bem no âmago de meu ser e que me assusta desde meu primeiro pensamento. 

Acabei na companhia de Chopin que, como uma pluma sobre o piano me faz viajar naquelas belas paisagens da Polônia, com seus grandes campos de canola, onde amores impossíveis tornam-se realidade entre os arpejos graciosos do solista que imprime sua alma em cada nota. Assim também eu coloco em cada palavra de cada frase um pouco do meu eu, desse eu que se expressa numa palavra: anseio! Mesmo nos dias mais deprimentes e cinzas, mesmo quando a desesperança me tomou por completo eu ainda anseio algo, mesmo que seja o fim, mas há em mim um anseio que nunca se extingue, nunca se desvanece, apenas se transmuta, seja num desejo ardente de viver e amar, ou num desejo de ser, conhecer ou até mesmo desaparecer. 

E é isto, o dia finalmente terminou e é chegada a noite de sexta, a noite onde posso me libertar das amarras demoníacas do materialismo puro e barato que faz de mim mais um dentre tantos que se consomem por alguns poucos momentos de prazer. E é exatamente isto que vou fazer, deixar-me levar pelos compassos delicados de uma breve pausa entre um corre corre e outro de meu cotidiano fatídico e fastioso. 

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

De um ataque de pânico

Saí do carro por alguns poucos minutos, e foi mais do que suficiente para sentir o pânico me subir pela garganta com um gosto amargo de algo podre dentro de mim. Um nó enorme se formou ali. 

As pessoas riam e sorriam, andavam e conversavam pra lá e pra cá. Me senti perdido. Esqueci o que tinha ido fazer lá, não sabia para que lado caminhar.  O medo se instaurou, as lágrimas vieram e, com muito custo, eu as contive. O pânico social é real.

Não sei como todos conseguem fazer isso o tempo todo. Como conseguem ouvir todo esse barulho sem desesperar-se?

O mundo é muito grande, e as pessoas são em número que parece nunca ter fim, e todas elas fazem barulho, todas agem como se o mundo fosse acabar se elas não calassem a boca, se elas não gritassem a plenos pulmões todo o tempo. 

Eu odeio esse mundo de barulho, de pessoas correndo sem rumo. Eu odeio o fato de todos parecerem ter um objetivo e eu não. Odeio o fato de estar perdido, de não saber que rumo tomar, que caminho seguir. 

O gosto amargo subiu, me vei uma ânsia quase incontrolável, um acesso de loucura que me fez perder os sentidos. Se a morte tem um gosto, tenho certeza que é como este. Eu acho que gritei, não me lembro bem, mas as pessoas me olhavam com um cara estranha, uma mescla de nojo com pena. É isto que me tornei, uma garatuja, um arremedo de ser humano que causa estranheza e nada mais. Só queria desaparecer dali a qualquer custo!

Por fim, fui tomado pela vergonha de ser assim. A vida, tão natural aos outros, me é tão custosa. Cada manhã uma batalha, cada voz uma tortura, cada olhar uma sensação gélida que me toma por completo. Tudo o que vejo é maldade e ambição, um mundo onde não me encaixo, um mundo que me dá medo, um mundo que me faz querer fugir. 

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Do tédio melancólico

Pessoas me cansam. Cada uma delas me incomoda de algum jeito. A que mais me irrita é aquela que me observa com olhares de julgamento quando fico de frente pro espelho. 

O céu azul não me traz mais felicidades. Uso óculos cinzas que pinta tudo numa de melancólica desesperança. 

Minha alma? Desprendeu -se do corpo há muito tempo e partiu pra uma cidade chamada solitária. Meu corpo protesta em viver cada dia. Durmo tanto que só posso imaginar que o desejo de meu corpo seja o de não mais acordar.

O tédio toma do meu ser até mesmo nas atividades mais agitadas. As conversas são para mim um enfadonho passatempo que uso pra afastar o desejo primitivo e animalesco da companhia. O medo da solidão me obriga a ficar próximo de pessoas que me odeiam. Ao meu redor, no entanto, há lugares vazios e livros fechados. Histórias que nunca serão contadas, sequer imaginadas. O círculo de latência do meu coração é um vórtice infinito de desesperança e decepção.

Poderia fugir mas, para onde iria? A solidão está em mim, não resolveria o problema. E eu já fugi! Fugi para tão dentro de meu próprio coração que ninguém mais pode me alcançar, ninguém consegue sequer me ver. 

Não adianta o quanto me exponha, o quanto me abra, ninguém consegue me ver. Todos os dias cada um dos meus passos é dado com um enorme esforço, levantar da cama é uma tarefa quase impossível e, ainda assim, ninguém se importa. 

Com uma ironia brutal eu escrevo essas palavras sabendo que, por mais que estejam gotejadas de sangue, ninguém percebe a dor que há em casa uma delas...

terça-feira, 5 de novembro de 2019

A voz do vento


Quando você ler esse bilhete, 
já estarei na rodoviária, 
quem sabe até na auto estrada
viajei pra uma cidade
chamada solitária...

(Solitária - A Banda Mais Bonita da Cidade)

Me sinto assim, viajando, por estradas desconhecidas, agrestes escarpados, altas montanhas e grandes pradarias... Me sinto numa excursão cujo destino ainda não conheço, mas já vislumbro diferentes mundos que antes não podia ver.

Há pouco anoiteceu, e o campo em que estou sentado se estende infinitamente à minha frente, com cores escuras que revelam um mistério audacioso. Por sobre minha cabeça um oceano de estrelas num manto azul escuro me hipnotizam, as luzes no céu são como uma miríade de fogos de artifício. Não sei o que são aquelas luzes mas a beleza delas é algo de um idílio sem igual. 

Fico aqui, deitado sozinho, na companhia apenas das estrelas e das luzes que ressoam até os cantos mais longínquos da terra. Não quero ir embora, está é uma paisagem que poderia observar para sempre, e olha que para sempre é muito tempo!

Não disse à ninguém que viria, e também não trouxe comigo nada que pudesse me fazer comunicar com eles. Estou na companhia de minha jornada de autoconhecimento, observando o céu estrelado e, ao mesmo tempo, o meu céu interior, tão cheio de estrelas quanto este que é sustentado pelos ombros fortes de Atlas. 

Será que sentem a minha falta? Eu acho que não. Nunca fui importante o suficiente para alguém me querer por perto e, quando ainda assim insistia em ficar por perto o barulho que todos faziam era ensurdecedor demais para mim. O mundo é ensurdecedor demais, mas não esse mundo, não aqui, onde tudo o que escuto é a voz soprosa do vento.

Sinto uma brisa fresca soprar meus cabelos, um aroma doce de flores me inebria, são os campos de canola da Polônia que trouxeram aquele cheiro até aqui. O aroma me faz recordar de casa, uma memória doce e já bastante distante. Eu também me lembro dos motivos que me fizeram partir, das razões que tenho para estar aqui.

A vida que vivia já não mais me respondia as questões que tinha. Minhas companhias me faziam sentir ainda mais sozinho. E então percebi que deveria realmente conhecer a solidão de um peregrino que busca encontrar-se nessa terra sem respostas fáceis, nesse chão que pisa nossos sonhos e destrói nossas convicções como um moinho. 

As montanhas ao longe parecem ser a nascente daquelas luzes. Será que consigo chegar até lá? O que será que conseguirei ver ao chegar ao topo da montanha? Talvez um mundo visto de cima faça mais sentido, talvez a vida vista de fora seja mais vida do que a vivida de dentro. 

Bem, é isto, pego a minha mochila com meus poucos pertences, jogo às costas e me coloco a caminhar novamente. Nem sequer há uma estrada, apenas sigo aquelas luzes, ou o caminho das estrelas, ou quem sabe ainda o cheiro das flores... Sigo algo que me chama, em algum lugar, e que ainda não sei o nome, sigo e procuro encontrar, e preencher o vazio de meu coração. 

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Quem sabe

Tomado por uma ressaca anormal eu quase não consegui me manter acordado durante a manhã. Sentia como se tivesse ficado bêbado de querosene ou como se tivesse atravessado à nado toda a bacia do rio Amazonas. Minha tarde, tomada por uma brisa fresca de uma chuva que já se anuncia há vários dias, foi tirada de mim para fazer algumas avaliações que os meus chefes insistem que sejam entregues com meses de antecedência, numa demonstração claramente exagerada de uma tentativa demente de passar uma imagem de funcionalidade, quanta ilusão!

Só gostaria de descansar sem muito compromisso do fim de semana puxado que tive. Puxando em todos os sentidos. Compromissos mil, reencontros e discussões acaloradas. Não estava preparado pra essa tempestade emocional que me envolveu. 

Reencontro são sempre motivos de lembranças que são trazidas a superfície da consciência com uma delicadeza interessante. É como se as águas de um rio começassem a correr no sentido contrário, trazendo de volta as embarcações que há muito haviam partido. Não é necessariamente algo ruim, e uma frase me marcou nesses dias: algumas coisas devem ser feitas para esquecermos os problemas, e não relembrá-los. Claro, certas reaproximações requerem aquela cautela devida as almas que buscam crescer na virtude, a exposição a determinadas situações pode colocar em risco mais do que a minha saúde mental débil, pode jogar na lama a salvação de minha própria alma imortal. 

Esse foi outro ponto que me tocou bastante. Numa formação de fim de domingo fui colocado de frente com uma dilema: a obediência devida a Santa Igreja em detrimento das vontades e paixões pessoais. 

Meu amor a sacra liturgia me coloca sempre numa posição de abandono de minhas vontades e obediência absoluta aquilo que orienta a Igreja. Infelizmente posso perceber que a vontade particular quase sempre prevalece a vontade da Madre Igreja. Como prosseguir então em equilíbrio sem desagradar aos amigos e a Igreja? Impossível. Estaria eu servindo a dois senhores se assim o fizesse. Não pode haver discussões e nem concessões aqui. Um pedido da Igreja é um imperativo categórico em matéria de liturgia. Infelizmente é uma compreensão de poucos. 

Isso reforça minha atual impressão, quem tem guiado minhas reflexões mais pessoais nos últimos tempos: nada pode me encantar na Terra, a verdadeira felicidade não se encontra aqui, me apropriando das palavras de Santa Terezinha. Tudo que vejo nessa terra é decadência. O pedacinho de céu que encontro é a Santa Missa, então não há razões para não dar a ela o meu melhor. 

O próximo passo é um que venho adiando há tempos, mas que não pode mais ser protelado: amizade quer dizer querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas, o que passa disso vem do demônio. Será uma ação difícil, mas não impossível. Um dia, quem sabe, encontro pessoas que partilhem do mesmo amor aqui ou, quem sabe, no céu.