terça-feira, 12 de novembro de 2019

O mesmo adágio

O mundo narrado por um desgraçado que não enxerga mais esperança na humanidade. 

Como um marcha militar macabra e poderosa eu vejo o mundo ao meu redor. O mundo hostil habitado por esta humanidade inviável. Humanidade que se diluiu nos conceitos científicos e deu lugar a bestialidade racional dos seres que pensam mas são incapazes de pensar no outro. Desses seres tão presos dentro de suas próprias consciências, limitadas pelos seus campos AT, que nunca conseguem tocar o coração de seus iguais. 

Vivemos sozinhos em meio a multidão, matamos uns aos outros porque não concordamos com suas visões de mundo, mas somos incapazes de compreender as visões de mundo que o outro tem. 

Vejo agora esse mundo cinza, que assim ficou porque ainda tinha, mesmo que inconscientemente, alguma esperança nos homens. Esperei que as pessoas fossem, de algum modo, se entender, se amar. Mas continuamos cultivando a estranheza, a distância, a loucura que cada um vive dentro de sua pequena mente distorcida pela dor e o desespero que é ver-se sozinho num mundo animalesco.

Regredimos na escala evolutiva, somos tão brutos quanto ou ainda mais do que os animais que consideramos irracionais. Buscamos companhias vazias em conversas frívolas e momentos de divertimento regados a muito barulho, de maneira a silenciar os gritos de horror de nosso próprio coração. Schopenhauer tinha razão em dizer que a quantidade de barulho que uma pessoa pode suportar está na razão inversa de sua capacidade mental. É só o que vejo. Pessoas de mente muitíssimo limitada preenchendo o vazio de suas existências patéticas com muito barulho.

Não preciso de barulho, não suporto mais as vozes daqueles que me cercam porque as vozes da minha cabeça já me tomam atenção por demais, o barulho do meu próprio coração já me deixa no meio de uma tempestade que nunca cessa, sempre carregado por torrentes impetuosas que me levam pra lá e pra cá. 

Meu exterior tem estado cansado. Até quando me sinto bem os outros dizem que minha aparência é apática. A verdade é que tenho estado distante, observado o mundo, meu dia a dia, com extremo pessimismo. Cada minuto é, para mim, sem propósito e um absoluto desperdício de tempo. Não vejo, para onde quer que olhe, uma razão para viver num mundo como esse. 

Parece uma visão distorcida minha, como se fosse o único iluminado a ver o mundo como ele é, enquanto os outros vivem como animais por aí. Mas não, me considero o mais bestial destes, dado aos impulsos mais lascivos da carne, resumindo a existência aos afagos dos sentidos, aos prazeres de divertimentos particulares. Que moral tenho eu para falar do divertimento alheio? Apenas prefiro a solidão sem propósito do que o barulho da multidão sem propósito. Claro que, na solidão, busco um crescimento intelectual e espiritual, a dedicação a leitura e a filosofia fazem-me perceber muitas novas realidades que antes não eram evidentes aos meus olhos, mas isso só reforça minha desilusão com o mundo. 

Não há o que esperar de bom do coração do homem. A mão que afaga é a mesma que apedreja, o beijo é a véspera do escarro. O homem é o lobo do próprio homem. As expressões são muitas e todas expressam o mesmo adágio como um imperativo categórico: não há felicidade nessa terra. Como a descrição de Santa Terezinha é melhor do que a minha: Nada pode me encantar na Terra, a verdadeira felicidade não se encontra aqui. 

E continuando com a pequena grande de Lisieux, meu ardente coração coração continua a pulsar sem cessar, mas não encontra quem haverá de compreender. Minhas palavras são apenas balbucios inefáveis, expressões superficiais da lixeira da miséria humana. A decadência que meus olhos enxergam e o horror que isso causa em meu coração não são passíveis de serem narrados por um poeta desqualificado como eu. 

Essa pulsação, no entanto, não encontra pares no mundo, evidenciando ainda mais o vazio que há no âmago de meu ser, tema recorrente em meus escritos. Mas nunca me canso de dizer o quanto esse vazio me assusta desde meu primeiro pensamento. Lembro-me de ter medo de ficar sozinho quando era criança, medo do que poderia haver no escuro ou debaixo da minha cama. Hoje o medo é da escuridão que há no coração dos que me cercam, dos monstros que se escondem nos sorrisos que vejo diariamente. 

Minha visão é completada pelo Finalle da Trágica de Mahler, que neste momento toca no volume máximo de meu player. O solo de tuba que mostra a imponência dessa pedagogia da vida, algo grave e poderoso, um mistério imperscrutável que, embora nos rodeia, permanece misterioso. A música é uma das poucas paixões que ainda me fazem ter algum momento de prazer. E mesmo nela eu encontro a desilusão. 

Mahler anteviu as desgraças que se abateriam sobre ele. Uma alma atormentada como era sabia que o momento de sua felicidade não seria eterno. Logo seria interrompido pelos golpes do martelo do destino de sua obra, um golpe seco mas, ainda assim, de efeito devastador. Assim é a vida, nos diverte com a risada maléfica enquanto lentamente somos cercados por uma névoa densa que tapa-nos a visão do imenso abismo, e damos um passo em direção a ele. A incerteza nos corrompe, cega-nos de tal maneira a nos fazer ver amor, beleza, onde na verdade há apenas podridão.  

E então somos abatidos pela mesma vida que tanto nos tortura. Depois de tantos sonhos, anseios, tantas buscas... No fim de tudo somos lançados sob um punhado de terra. A despeito de minhas conclusões niilistas, espero que finalmente encontre alguma beleza verdadeira depois de tudo isso. 

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