sábado, 9 de novembro de 2019

Desejo e destruição

Noite de sábado, eu sozinho com dor de cabeça e empertigado em meu quarto. Você com seus amigos, enchendo a cara em algum lugar, sorrindo e cantando, dando em cimas das meninas que você quer pegar. 

No meu player uma marcha fúnebre aos poucos ganha espaço num crescendo que vai também me dominando. Aquela aura soturna, fria e macabra vai enrijecendo meus músculos, retesando meus ossos até o tutano. 

Normalmente eu gostaria do silêncio de uma noite fresca e calma. Mas hoje não, hoje tudo o que eu queria era sentir os seus braços fortes em volta do meu corpo e o seu perfume almiscarado me hipnotizando. Queria poder ouvir seu coração bater enquanto me deito por sobre seu peito, acariciar as linhas de seu corpo e me distrair com a sua voz, sua risada... 

Infelizmente hoje é sábado, o último dia da criação, dia do descanso, e o dia em que meu coração trabalha em te querer aqui comigo. 

É como se esse amor não fosse meu, eu olho no espelho e não reconheço o brilho no olhar que vejo ali. De onde vem essa esperança? É desmedida, insensata, é um amarrar da corda no meu próprio pescoço, um passo a mais em direção ao abismo que olha para mim desde o fundo de sua escuridão abissal. 

Ao longe os trompetes entoam sua marcha, a perder-se vagarosamente no horizonte... 

Até que um tiro de canhão faz tudo ir pelos ares. O sentimento de desejo se transmuta numa paixão tórrida, arrebatadora em todos os sentidos. O fogo consome tudo que toca, transforma tudo em fogo, e as chamas da luxúria fazem ruir as árvores e flores que haviam no meu jardim secreto. 

Quando o incêndio finalmente foi debelado sobraram apenas as cinzas da solidão. Os campos outrora verdes como as esmeraldas se tornaram frios e sem vida. O perfume e as cores das flores deram lugar ao cheiro de fumaça que aperta o pulmão e provoca tosses violentas. 

Caminho por aquele mar de cinzas, enquanto sinto o desejo renascer dentro de mim, dando início ao ciclo uma vez mais. Desejo e destruição, numa dicotomia bruxuleante como a de um ourobouros, um ciclo sem fim, uma samsara de sofrimentos e dores causadas pela falta que você faz aqui do meu lado nesta noite de sábado. 

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