quarta-feira, 30 de maio de 2018

Querendo não querer

Eu não quero ver você
Quero fugir
Me esconder
Me calar quando te ver
Não dar resposta 

Quero ficar longe
Onde não precise vê-lo
Onde não precise senti-lo 
Onde possa chorar sozinho
A ausência de você em mim

Eu quero te ver
Te abraçar
Te beijar
Te tocar
Te amar

Despertar em você seus instintos 
Mais primitivos
Animalescos
Bestiais
Luxuriosos

Eu quero devorar você em meu abraço
Eu quero sentir você dentro de mim
Eu quero me tornar um só corpo com seu corpo
Eu quero ser um só contigo
E ter seu corpo dentro do meu

Não sei se quero te ver
Ou se quero fugir e me esconder
Não sei se quero te amar
Ou se quero te odiar
Eu não sei o que eu quero

Só sei que quero você
Mesmo sem poder querer
Mesmo sem adiantar querer
Mesmo sem querer
Mesmo sendo só você

terça-feira, 29 de maio de 2018

Sobre ser (in)suficiente

Sou só um babaca egoísta que quer ele só pra mim, e fico chateado quando ele parece dar mais importância para outras pessoas. E atualmente parece que todo mundo é mais importante pra ele que eu, pois eu nunca vou ser bom o suficiente pra ele me amar. 

Todos são melhores para ele do que eu. As meninas são seus interesses, os amigos héteros oferecem menos perigos e um companhia mais agradável do que a minha, que só sei ficar de cara feia e chorar nos momentos mais inoportunos. Nenhum esforço que eu faça, por mais hercúleo que seja, não será nunca maior do que o interesse e a afinidade que ele tem com essas pessoas. 

As horas que passei ouvindo suas dores, secando suas lágrimas, curando suas feridas, não são nada se comparadas as alegrias que os outros dão a você. A forma como os abraça, a forma como as beija, tudo isso mostra o quanto meu esforço foi como a areia lançada ao vento, se perdendo na imensidão do mundo, sem que ninguém se lembre delas nunca mais. Isso porque seu olhar automaticamente dá as costas para mim, para virarem-se para os outros. E isso me ensina uma coisa:

Eu nunca serei suficiente, nunca serei bom o bastante para merecer o seu amor. E mesmo sabendo que poderia ser bom em muitas outras coisas, nada mais desperta meu interesse do que seu amor. O amor que nunca terei... Não há esforço, não há sentimento algum, nem mesmo o amor, que possa dobrar um coração...

Não podendo então dobrar seu coração, o meu se prostra aos prantos, num ultimo clamor silencioso, que já não pode mais ser ouvido nem mesmo pela Esperança, que jaz morte e putrefata em seu féretro carcomido pelos cupins e pelos vermes das ruínas. 

Essa constatação me corta o coração como aço frio. Me dilacera a alma, me abrasa o corpo e me entorpece os sentidos como os ansiolíticos dos desesperados por uma paz de espírito, ainda que seja artificial. Essa constatação reduz minha existência ás cinzas, como as daquele dia de ira, aquele dia...

Me sinto doente, obcecado, maluco, sem nenhuma posse de minhas faculdades mentais, sem nenhuma capacidade de discernir. Tudo o que restou foi um emaranhado de sentimentos conflituosos: uma mescla de ciúmes, desejo carnal e possessão.

O que fazer? Para onde fugir se todas essas coisas se encontram dentro de mim? 

sábado, 26 de maio de 2018

Do chão frio

Infelizmente não há em mim palavras que já não tenha dito várias dúzias de vezes. Não há em mim mais do que o sentimento obsessivo que me domina  e que me faz pensar em você a cada minuto do dia. Não há em mim mais do que as correntes divinas que me prendem ao seu coração, sem que possa dar um passo sequer para longe de você.

Mas já não quero viver nessa prisão. Quero fugir de você, fugir para onde não possas mais me encontrar. Onde não possas mais me encontrar nem me fazer chorar pela sua ausência presente. Onde o desprezo que tens por mim não possa mais agredir o amor que tenho por ti. A dor que sinto ao ver seu olhar distante de mim, ou ao constatar que seu coração está sempre junto a ela não pode ser descrita pela minha capacidade literária, mas não há em minha história dor que se compare a esta.

Quando estou perto de você, no entanto, seu olhar me paralisa, e mesmo que queira correr ou gritar, não consigo fazer mais do que ficar parado a te observar. A visão do seu belo olhar me hipnotiza, e cada centímetro do seu corpo me fascina de tal maneira que nem mesmo os astros do céu ou as mais belas paisagens da terra podem igualar-se ao seu idílio.

Não sei mais como agir perto de ti. 
Não sei mais sobre o que falar. 
Não sei nem mesmo o que fazer para vê-lo sorrir. 
Não sei mais o que fazer...

Mas sei que preciso de um novo amor. Eu preciso conseguir me desprender dessa corrente de sofrimento, desse ciclo de samsara, que me prende ao seu coração, mesmo que seu coração pertença a outra. Preciso de um novo amor, que seja capaz de desviar de você o meu olhar, que possa fazer o meu coração se desprender e voar novamente, para o céu azul que tanto almejo daqui, do chão frio ao qual estou preso. 

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Porque você é meu

— Eu te amo.

— E por que você me ama?

— Te amo porque você é meu. Te amo porque você precisa de amor. Eu te amo porque quando você me olha eu me sinto herói (sempre foi assim). Te amo porque quando você me toca me sinto mais homem do que qualquer outro.

— Eu também te amo.

— E por que você também me ama?

— Te amo porque quando te toco te faço sentir mais homem que qualquer outro. Te amo porque nunca poderão nos acusar de amor. Eu te amo porque para entender nosso amor teriam que virar o mundo de cabeça pra baixo. Eu te amo porque você poderia amar qualquer outra pessoa, mas mesmo assim você me ama. Só a mim.

— Só.

— Eu sei.

Fonte: Diálogo do filme "Do Começo ao Fim" de Aluizio Abranches.

De novas (velhas) contradições

Acordei hoje absolutamente imobilizado. Levei horas para conseguir sair da cama apenas para voltar alguns instantes depois. Estou completamente exausto e até mesmo essas palavras me custam um esforço inimaginável para serem escritas. 

Meus braços doem como se tivesse carregado pedras por vários dias, sem nenhum descanso. Minhas pernas gritam em protesto como se tivessem corrido por dezenas de quilômetros numa areia molhada. Meu corpo geme em dores como se tivesse atravessado a nado toda a bacia do Rio Amazonas. Meus estômago dói. Meu coração bate descompassado, acelerando e desacelerando. 

Também minha mente experimenta essa estranha dicotomia entre pensar em tudo com uma intensidade psicótica e obsessiva, uma profusão absurda de pensamentos num fluxo interminável de paranoias, ideias... E poucos instantes depois já não consegue pensar em mais nada, mergulhando num abismo de torpor onde tudo é escuro, enevoado, onde nada tem forma, onde nada faz sentido, onde tudo o que se sente são os gritos desesperados e os gemidos de dor.

A contradição tomou conta do meu ser de tal forma que já não mais como definir quem sou eu e quem é a massa disforme de humanidade que não é mais do um amálgama bizarro de sentimentos tão contrastantes entre si que custo acreditar que poderiam se dar numa mesma pessoa. 

Há em mim o profundo desejo afetivo e luxurioso de sua presença. Uma necessidade não mais puramente afetiva, mas que já se manifesta fisicamente, fazendo meu corpo arder nos desejos mais torpes e sujos que meus instintos primitivos possam conceber. 

Do outro lado se encontra a vontade de não ver você. Um medo súbito que me acomete a simples menção do seu nome, e a um simples vislumbre da sua imagem o meu corpo se paralisa de medo e pavor. Pensar em ver novamente o seu rosto faz eu me contorcer de dor. 

Donde me vem esse medo em ver-te, se tempos atrás daria a vida por um vislumbre de sua beleza magnífica? Vem da constatação dolorosa de saber que essa mesma beleza nunca será minha, nunca poderá ser por mim tocada, nunca fará parte do meu ser. E essa constatação me corta o coração como aço frio. 

Quando você surge a minha frente, altivo, imponente, sorridente, o meu coração explode em deleite, e todas as forças do mundo me são necessárias para que eu não corra desesperadamente para me jogar dentro de seu peito, mergulhando no oceano de águas impetuosas do seu coração. A tensão que resulta dessa prisão voluntária a qual me submeto para não me jogar de cabeça num abismo cujo fim é o chão frio e duro da morte. 

Isso tudo se dá porque eu percebi que, mesmo nesse mundo, onde verdades absolutas são raras uma delas se destaca como sendo a mais intransponível de todas: Você não me ama. 

Você ama seus novos amigos, você ama as suas novas amigas, com quem divide as experiências que antes dividia comigo. Você ama estar longe de mim. Você ama tudo aquilo que não me envolva, e apenas por um resquício de responsabilidade, ou culpabilidade moral, ainda se dirige a mim. 

Viu o meu lado mais pessoal, viu a minha intimidade como nenhum outro, mas ainda assim, quando me derramei em lágrimas em seu ombro, não percebeu a minha presença, não soube pensar em mim que estava em seus braços, mas pensava nela, que não o merece, que não o amar, que não o quer. 

Esse vórtice infinito de dor e langor resultam na paralisia total do ser. Não forças para viver, nem para chorar, e nem mesmo restam forças para morrer. E isso é o fim!

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Do desejo

O meu corpo hoje clama e contorce-se em dores de desejo pela sua presença. Minha pele se incendeia em um desejo insaciável do seu corpo. A simples imagem da sua beleza cor de bronze é suficiente para me paralisar os ossos até o tutano, enrijecendo-me os músculos numa súplica silenciosa que ninguém além de minha própria consciência consegue ver ou ouvir. 

A luxúria me domina completamente, e seus tentáculos ensandecidos me incendeiam a carne, consumindo meu eu como as chamas daquele dia de ira. Sinto como se fosse capaz de queimar todas as coisas do mundo e reduzi-las às cinzas, caso não mantivesse dentro de mim essa prisão vulcânica que é o desejo de ter você em mim. 

Mas o meu desejo não o traz a mim, e permaneço queimando sozinho, contendo a explosão que nasce de querer você aqui comigo. Já não é mais um simples querer, nem ao menos é um desejo apenas, mas tornou-se uma obsessão querer sentir você em mim, tornou-se motivo de dor e horror não tocar o seu corpo quente. Até mesmo minha imaginação tem sido alimentada pelo sonho de ouvir os seus gemidos em meu ouvido, sua voz embargada de desejo, seu corpo suado, vermelho e rijo do esforço para manter os nossos corpos tão entrelaçados que poderia muito bem crer-se que são apenas um.

Talvez esse seja o desejo mais profundo que há em mim: o de tornar-me um só contigo. O de estar tão próximo do seu peito quente que não conseguiriam nos separar nunca mais. A expressão dos corpos unidos é o último estágio da união perfeita entre dois homens que nunca mais serão dois, mas viverão eternamente no outro, sem precisar nunca mais clamar ou contorcer-se em dores de desejo.

terça-feira, 22 de maio de 2018

Do Vazio

Uma certa dor se alastra pelo meu corpo, a começar pelos músculos dos braços e pernas, e depois seguindo como uma chama até as pontas de meus dedos, retornando como um fluxo perdido ao meu coração, explodindo por fim às costas, como um shunko miserável que, ao invés de me dar força e poder, suga a minha existência, preenchendo o meu ser de desespero e da mais profunda sensação de incapacidade. 

Mais uma vez eu sinto a constatação de que meu amor é incapaz de tocar o coração de quem quer que seja ser impressa no meu corpo com fogo, ficando marcada em minha alma de forma mais profunda do que estão minhas tatuagens em minha pele. 

A antiga crença infantil e débil de que o amor tudo pode, tudo alcança, é hoje para minha consciência solitária um mito fantástico, onde o amor é como uma criatura que nunca existiu senão no imaginário fértil de um povo que não sabia como justificar aos seus as desgraças que lhe ocorriam constantemente. E ninguém nunca aceitou dizer o quanto essa crença pode destruir sonhos e esperanças, mesmo que todos tenham sido abandonados por esse mesmo amor um dia. 

Parecem desejar então que todos passem pelo mesmo sofrimento, de serem abandonados a própria sorte, a própria morte, em nome de um amor que nunca existiu senão nas páginas escritas por poetas e enamorados de todos os tempos, que o fizeram por estarem ainda iludidos, cegos, pelo amor que outrora os embriagava. 

O homem é solitário, e seguirá solitário até o dia em que a humanidade desaparecer do mundo, deixando apenas as marcas desesperadas de suas invencionices feitas para suprir o vazio deixando por essa mesma solidão inerente ao nosso coração e que perturba nossos ancestrais desde o primeiro pensamento. 

O que tem mais me incomodado é a falta de finais. Assim como as coisas que escrevo parecem terminam abruptamente, como se ficasse ainda uma lacuna no coração de quem lê, também há uma lacuna na historicidade dos amores. Talvez seja uma forma de mostrar o vazio que o tal amor deixa em nossas almas. Talvez seja só uma falha minha, ou talvez seja ainda parte da estrutura vazia que nós inventamos e demos o nome de amor.

Seja o que for, não passa de um grande buraco negro, que aos poucos vai crescendo e consumindo tudo o que há ao redor do nosso peito, até que  transforme o ser num imenso abismo, sem que haja algo lá no fundo, além do chão frio, onde repousaram os restos dos amantes carcomidos pelos vermes das ruínas.

domingo, 20 de maio de 2018

Da verdadeira companhia

"Não me roube a solidão sem antes me oferecer a verdadeira companhia." Assim Nietzsche mais uma vez faz com que eu me identificasse com sua franqueza brutal. Essa é a frialdade característica que amanheceu imitando o frio que agora domina o mundo ao meu redor. 

Embora a neblina forte e o vento gélido atente violentamente contra o meu ser, apenas a casca fina do meu corpo é afetada, pois meu coração já não sente o frio, antes disso, apenas se sente em casa com a familiar temperatura. 

Gosto dessas comparações, o frio é tido como ruim e triste, enquanto o calor é considerado bom, feliz. Mas das coisas que venho sentindo, percebo que o calor pode ser tão triste e solitário quanto o frio. O que distingue a alegria da completa infelicidade é a companhia ou a solidão que na vida nos acompanha. 

Mesmo no frio de agora eu me lembro da alegria de um dia de sol, onde me deitei sob o seu peito quente, e a água fresca deslizava pelos nossos corpos se tocando. Mas você partiu naquele dia ainda claro, e a luz se tornou triste. 

Não importa então se há a luz ou não, mas a tristeza é sempre uma realidade presente, a nos amedrontar e a espreitar os recessos de nossa consciência como uma sombra que silenciosamente nos persegue e que barbaramente nos ataca. 

A frase que usei para iniciar essas linhas reverberam novamente na minha cabeça, desejando a verdadeira companhia, uma que não seja passageira, que não nos abandone quando as coisas ficaram difíceis, mas que seja sempre presente, da mesma forma como a ingratidão tem sido a companheira inseparável dos amantes de todos os tempos, condenados a vagar solitários pelo mundo por todos os tempos.

A verdadeira companhia é, para mim, isto: uma companhia que esteja ao seu lado independentemente das adversidades. Que nas aflições seja capaz de colocar as próprias dores no bolso para ir ao socorro do outro, como tantas vezes eu fiz e ainda venho fazendo, e que deseje estar presente, mesmo que a ausência seja o desejo mais profundo do coração, e continue a espreitar secretamente.

Talvez a solidão seja uma uma predestinação, como a felicidade ou a maldade, e não possa ser mudada apenas com as forças da limitada capacidade humana. Talvez seja uma linha intransponível, talvez seja algo que não possa ser mudado. Talvez tudo o que podemos fazer é tentar oferecer uma verdadeira companhia. Mas, infelizmente, não vejo hoje um mundo onde possam querer ser para o outro uma verdadeira companhia. Há apenas um disfarce da eterna solidão, com o véu negro da companhia que nós cegamente vemos como alegria... 

sábado, 19 de maio de 2018

Sobre a chuva e o sangue

A beleza da tarde clara que foi transformada em dia cinza pela força de uma tormenta me encantou e me levou a refletir: cada pequena gota de água a se chocar violentamente contra o vidro ou o chão era como um golpe covarde no meu coração, já esmagado pelo peso dos meus pecados, agora destroçado pela sua ausência. 

Essa mesma chuva, que caiu no meu e no seu coração, tem para nós significados distintos. Enquanto para mim é o sinal da morte de meus sentimentos por você, prefigurada no destroçar das gotas no chão, para você é oportunidade de se aproximar cada vez mais de seus amores. Essa mesma chuva, prenunciando acontecimentos diferentes, alegrias e tristezas diferentes. 

A chuva que é também semelhante as grossas lágrimas que caem em meu colo, nascidas do horror que é saber não ser amado por você, é também sinal da pureza que nasce de seu novo amor, o mesmo que servirá de prelúdio para minha morte. 

É só uma chuva, mas ao mesmo tempo me levou a pensar em tantas coisas, tantos momentos, tantas verdades. Ao menos o barulho que ela faz ao cair no telhado abafou os gemidos do choro que, no escuro do meu quarto, veio sem que eu pudesse conter. 

Mais uma vez chorei no silêncio do meu coração, sem que ninguém além da chuva soubesse que chovia aqui tanto quanto lá fora. Mas as coisas são sempre assim, as dores ficam no silêncio da tempestade, enquanto as alegrias supostamente são como borboletas ao vento, encantando o mundo por onde quer que passem. 

A minha tristeza é acordada pela sua alegria. O seu riso apaixonado é como o punhal da morte cravado no meu peito, fazendo jorrar ao chão o peso do sangue do meu coração, em uma outra analogia com a chuva. Você faz chover o meu sangue, transformando em vermelha a tarde cinza  do meu coração. 

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Antes de dormir

Algumas pessoas tem certos rituais para antes de dormir. Tem quem goste de um banho quente, após um longo dia de trabalho. Tem quem quem goste de ler um livro ou tomar um chá. Os jovens preferem ficar na internet até o sono vir, e tem eu. 

Eu sempre me preparo pra dormir quando já estou assustado demais para fingir viver com os pensamentos assombrosos que assolam a minha cabeça, quando já começo a sentir as lágrimas vindo, e quando sinto que o fantasma das verdades dolorosas vem para cortar a minha alma com aço frio. Eu sei que devo dormir quando sinto serei torturado pela noite inteira, e que precisarei recorrer a algum tarja preta na esperança de conseguir algum momento de descanso. 

Mas eu nunca encontro descanso algum. Por mais que durma durante oito, dez, doze horas seguidas eu estou sempre cansado, como se sequer tivesse ido me deitar. Com efeito, quando por algum motivo durmo por três ou quatro horas, o meu cansaço é o mesmo. E ele nunca me deixa, como se constantemente carregasse uma pedra ainda mais pesada do que o meu próprio corpo. 

Quando esse peso começa a se tornar insuportável, eu sei que é hora de tomar um remédio e de misturar com uma boa dose de vinho para que eu me apague o quanto antes e não precise contemplar os quadros assustadores que minha consciência pinta para mim usando as tintas que a cruel realidade lhe dá... Quando o mundo perde a cor, quando a vida perde a graça, quando a música perde o som, essa é a hora de dormir. 

Esse é o meu ritual diário antes de dormir. Pensar, entrar em desespero, chorar, me dopar, e por fim finalmente mergulhar no oceano da inerte escuridão benzodiazepínica do prazer, para então no dia seguinte ver o sol nascer, levando consigo aquela escuridão maldita que eu sei vai retornar na noite seguinte, refletindo as trevas que habitam o meu coração...

Pequena recapitulação

É sempre um exercício interessante olhar o passado e ver o quanto mudamos em relação ao presente, e o que isso pode significar em relação ao nosso futuro. É certo que tenho feito isso com uma certa frequência nos últimos anos, e ainda mais nos últimos meses, o que significa que tenho passado por um período de constantes mudanças, em contraste com as transformações que antes levavam anos para se tornaram notórias. 

Sei que me tornei quase que totalmente oposto ao que era em maio do ano passado. Se naquela época o que mais se via em mim era o desejo ardente de ajudar o outro e de fazer o outro feliz independentemente do que acontecesse comigo, agora eu quero me concentrar em mim, e é isso que tenho feito.

Obviamente não sei se haveria uma forma de fazer isso, ou até mesmo de dizer isso, sem parecer essencialmente egoísta, e sem o ser de fato em algumas de minhas ações. A dicotomia que agora se observa em mim é a da contradição absoluta. 

Me tornei livre de algumas das amarras que me prendiam, ao passo que me agarrei mais fortemente a concepções que antes me eram praticamente estranhas. Por exemplo, o silêncio que agora para mim tornou-se caro, precioso, é objeto de minha maior devoção, em oposição ao que eu antes faria, sempre na tentativa de ajudar, deixando de lado a minha própria necessidade de silêncio.

Tornei-me apegado demais a uma pessoa que antes não significava tanto para mim, e o medo de perdê-la tem sido meu maior terror nas últimas noites. Mas o que posso fazer? Me livrei de algumas amarrar e me atei a novas correntes...

Dizem (não sei quem disse isso) que o amor é como a tosse, não pode ser disfarçado por menor que seja. E vejo o quanto isso é uma verdade em minha vida. Eu sou a pessoa que fica visivelmente diferente quando apaixonado, e ainda mais diferente quando algo em relação a essa paixão me incomoda. Fingir que tudo está bem é algo que eu nunca aprendi a fazer, e me pergunto se há em mim essa possibilidade.

Sinto-me então um pouco culpado pelo egoísmo que se tornou minha marca registrada, e questiono se não seria esse mesmo egoísmo o responsável pelo afastamento daqueles que amo. É um padrão que observava enquanto caminhava pelas calçadas de uma cidade vizinha hoje pela manhã. Todas as vezes que eu me apeguei, me dediquei e tentei fazer com que alguém ficasse ao meu lado eu acabei sendo abandonado por essa mesma pessoa. Talvez devesse, com base nisso, usar da lógica contrária, e não me apegar, não tentar fazer ninguém ficar.

As linhas acima mostram o quanto os tempos tem sido confusos para mim, aliás, talvez confuso e contraditório sejam as únicas palavras que possam explicar o que tem se passado comigo. No entanto eu já não me desespero mais, pois  venho tentando não me incomodar com o que está acima das minhas capacidades. Ao menos isso mostra um pequeno amadurecimento de minha parte, será? Ou tenho confundido amadurecimento com enlouquecimento? De fato as situações em que me sinto completamente apartado das minhas faculdades mentais se multiplicaram e com frequência eu sinto que já não sei o que estou fazendo da vida, e não sei mesmo...

Bom, é irônico notar isso, mas eu não acho que o exercício tenha servido para muita coisa além de mostrar um tipo de status quaestionis da minha confusão mental... Mas talvez ainda seja melhor do que nada... Talvez! 

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Quase vivo

Conseguia ouvir a aula quase normalmente, se é que algo que eu faça possa ser considerado normal, na verdade eu cochilava na aula, por ter ido dormir tarde na noite anterior, mas no geral meu pensamento não se mantinha em nada sério, nem nada ruim, o que em si já tomo como uma vitória pessoal, dada minha propensão a certa morbidez.

Pode-se dizer que estava tranquilo, quase feliz, o que já é um superlativo que não me atrevo a usar, mas tudo mudou quando inocentemente abri a um de seus stories, e a sua imagem paralisou o meu mundo. 

Fique olhando você, por um, dois, cinco minutos. Seu olhar negro me contemplando a matéria, mas sem ver a forma. Você olhava para mim, mas não me via, e eu, pelo contrário, ao olhar seus olhos, via sua alma como água cristalina, e sabia que nesse seu oceano impetuoso não havia espaço para mim. Sua pele refletia a beleza divinal com a qual foi abençoado, e me mantinha a uma higiênica distância de você. 

A tristeza foi novamente me puxando para dentro de si, me absorvendo, me fazendo desaparecer em um mundo completamente sufocante, cinza, melancólico... E logo hoje que o dia amanheceu tão belo... Logo hoje quando as cores pareciam tão vivas, e que eu quase pude me sentir vivo também, ainda que por breves instantes... 

Pode ficar comigo!

Ele se viu estranhamente consciente em meio a escuridão. Não, isto está errado, não estava consciente, mas recuperando sua consciência. Não havia mais do que o som delicado de alguns pássaros cantando longe dali. Ele tentou encontrar outros sons que lhe fossem familiar, mas uma densa névoa lhe cobria a mente e tornava as coisas confusas demais para serem compreendidas. 

Abriu os olhos mas rapidamente os fechou, ao sentir a dor de uma luminosidade forte que o assustou. Apertando então os olhos e fazendo uma careta ele sentiu uma estranha consciência de seu rosto que doía, como se tivesse levado uma forte bofetada. Seus lábios pareciam inchados, e sentiu que estavam doloridos ao se mexerem em reação a careta que a luz lhe provocou. 

Um segundo se passou e ele se perguntou como sua mente despertara daquele modo. Parecia acordar de um sono, mas fora tão profundo que não se recordava de ter dormido. Na verdade não se lembrava de nada, e agora que a névoa mental parecia começar a dissipar com a dor que lhe cobria a face, e agora se espalhava pelo pescoço e seu dorso, as incoerência e as lacunas em sua memória o preocuparam. 

O doce aroma de flores pareceu inundar o ambiente, pois tomou conta de seus sentidos, que ficaram ali por alguns minutos, ainda afetado pela letargia, como se tivesse sido sedado, enquanto a dor se espalhava como chama, já chegando aos dedos das mãos e quase a altura dos joelhos. 

O jovem perdido começou a tomar consciência que seus movimentos retornavam lentamente, junto com a dor, e notou que conseguia mover um poucos os dedos, o que despertou em todo um corpo um protesto silencioso ao impulso nervoso que estranhamente se espalhou por todo o seu ser.

Arriscou abrir novamente os olhos, dessa vez divagar, e fitou o teto desconhecido por alguns instantes, que para ele pareceram horas. Não entendia o que fazia ali, mas tampouco seu corpo tinha forças para reagir e olhar em volta para entender onde exatamente era ali.

O teto era de uma madeira escura, e um gigantesco lustre se erguia imponentemente bem acima de sua cabeça. A luz que parecia entrar por uma janela se refletia nos fractais do lustre, fazendo brilhar pequenas estrelas brancas, azuis e lilás que o hipnotizaram. 

Ele não soube quanto tempo transcorrera até que conseguira erguer um braço na altura de sua cabeça, para fitar um braço envolto em faixas brancas que ele não reconhecera. Não era seu braço. Se bem que coberto daquele jeito poderia se o braço de qualquer um. Ele baixou o braço enquanto seu corpo rugia clamando pela imobilidade de antes, e girou lentamente o pescoço em direção a luz que refletia no lustre. 

Conforme supunha ela vinha de uma gigantesca janela que se abria ao seu lado e cobria quase que a parede inteira. Uma delicada cortina branca voava delicadamente com a brisa que ali entrava, e ele mais uma vez ouviu o canto delicado e distante dos pássaros. 

Girou a cabeça para o outro lado, tentando ver o resto daquele lugar, sem ainda reconhecer onde era, mas não encontrou muita coisa, apenas uma grande porta fechada. Sentiu que aos seus pés ainda havia uma parte do quarto que ele ainda não vira, e tentou se erguer sob os cotovelos para tentar observar, ao que uma voz rompeu o silêncio, o assustando:

- Não devia se levantar ainda. Seu corpo vai doer. 

Ele não reconheceu de quem era aquela voz, mas sentiu como se já tivesse ouvido antes. Não conseguiu nem mesmo ver quem tinha dito aquilo. Era uma voz doce, baixa, aveludada, e ele ficou vários segundos processando o que acabara de ouvir, sem conseguir responder. Quando finalmente entendeu que acordara num quarto desconhecido, com muita dor, e que agora alguém lhe falava, ele grunhiu, numa falha tentativa de perguntar o que estava acontecendo. A pessoa pareceu entender, e ele sentiu que alguém havia sentado na cama.

- Ainda não consegue falar não é? Tudo bem, não se assuste, por favor, mas preciso trocar seus curativos. 

Ele sentiu um par de mãos delicadas tocarem-lhe os ombros, e descerem pela sua cintura, onde algo gelado encostou em sua pele, fazendo-o tremer de susto. A pessoa era cuidadosa, pois ele sentiu menos dor em ser revirado daquela forma do que quando simplesmente ergueu o braço. Agora completamente consciente de seu corpo ele percebeu que não estava usando nenhuma roupa, apenas com muitas partes do seu corpo enfaixadas. O bom senso lhe alertou para fazer o contrário, mas ele fechou os olhos e simplesmente esperou que a pessoa terminasse de trocar as faixas. Por fim apenas o seu peito e o braço direito ainda permaneceu enfaixado. Quando ouviu a pessoa se afastar ele tornou a abrir os olhos, e dessa vez conseguiu falar:

- Que lugar é esse?

A pessoa havia retornado, e estava novamente ao seu lado, e ele viu ser um rapaz, conhecido, mas que ele não recordava o nome. Era moreno e muito novo, tinha o cabelo negro, caindo num franja pela testa. Os lábios vermelhos se moveram em palavras que mais uma vez ressoavam em seu ser.

- Minha casa. - Disse educadamente. 

- O que houve? 

- Eu encontrei você caído, e não podia deixar você lá. - Disse mais uma vez com uma voz de veludo que, por algum motivo, o acalmou.

- Lá? 

- Eu vou explicar tudo, mas por favor, descanse! Depois conversamos...

Mas ele foi interrompido pelo rapaz que tentava se levantar mais uma vez sob os cotovelos. E conseguira se erguer e sentar, mas não sem quase gritar de dor e fazer novamente uma grande careta que só serviu para lhe fazer mais dor ainda.

- Tudo bem, tudo bem, eu digo, mas deite-se de novo ou suas feridas vão se abrir. - O garoto moreno acrescentou rapidamente, ao perceber que teria ainda mais trabalho se o outro continuasse se mexendo daquele jeito. 

Quando finalmente conseguiu fazer o outro se deitar novamente ele o observou por um instante, enquanto os olhos negros e curiosos do rapaz deitado ao seu lado lhe faziam um milhão de perguntas que ele sequer imaginava em conseguir dizer. O rapaz estava pálido, e já deveria ser bem branco normalmente. Os cabelos loiros estavam despenteados, e a luz do sol que entrava pela janela fazia uma bela combinação com sua pele alva, que brilhava como ouro naquela selva de mogno.

O moreno encontrou o garoto loiro caído numa rua escura, com as roupas rasgadas, em meio uma baita tempestade. Aparentemente fora espancado e deixado ali para morrer. Tinha cortes profundos de faca por todo o corpo e um em especial que cobria todo seu peito jorrava sangue quando, por um milagre, fora encontrado. Ele contou isso ao seu paciente, mas não explicou como o levara ate ali e nem como o recuperou se estava praticamente morto naquela noite. Muito minutos se passaram desde que o moreno terminou de falara, até que o outro disse, depois de fitar com firmeza a janela e começar a chorar:

- Eu conheço você - Disse o menino machucado, não como quem agradece, mas como se tentasse recordar com aquela frase o nome do seu salvador. - Mas podia ter me deixado lá. 

O outro se sentiu ofendido, pois sorriu levemente quando o loiro começou a falar, mas baixou a cabeça numa estranha expressão ao fim da frase. Ignorou o que ele disse e simplesmente acrescentou: 

- Está com fome?

Ele ainda não se dera conta do quanto estava faminto. Talvez as informações ainda estivessem confusas em sua cabeça, mas agora ele tinha a certeza de que estava com fome. 

- Deixe-me esquentar a sopa pra você, já deve ter esfriado a essa altura. - Disse se levantando e indo na direção de uma mesa que ficava aos pés da cama. Acenou graciosamente para a tigela e retornou com a sopa fumegante. 

Com um só braço ele ergueu o outro delicadamente, que sem protestar se levantou, já que só senti dor quando se mexia sozinho. Sem conseguir destreza com os braços o outro teve de colocar a sopa em sua boca, que o aqueceu subitamente. Ele ficou vermelho, o que deve ter sido bem óbvio dada sua pele clara, mas o outro não soube se era vergonha por estar ali nu sendo alimentado por um completo estranho ou se era efeito do alimento. 

Ele tomou toda a sopa, e sentiu-se revigorado ao fim, já não sentindo mais dor e bem mais confortável com aquele situação. 

- O que é esse calor? - Disse tocando seu coração, agarrando as faixas que o enrolavam, os olhos em lágrimas. 

- Desculpe? -  O outro perguntou, confuso.

- Não deveria ter me ajudado. Devia ter me deixado lá. Eu queria ter ficado lá! - Falou entre lágrimas e soluços, já entrando em desespero. 

- Sinto muito, acho que não devia ter retirado minha pressão espiritual de você tão rapidamente. - Disse o rapaz moreno tocando novamente os ombros do loiro que rapidamente se acalmou. Secou suas lágrimas, confuso, sem entender o significado daquelas palavras.

- Eu infelizmente vi tudo o que te aconteceu naquela noite, antes de te achar, sinto muito. Eu sei o que ela te disse, e também sei que você roubou aquele rapaz, que chamou os amigos e o seguiu.  - O garoto se assustou. Como ele poderia saber daquilo? - Sei também que você queria que o tivesse largado. Mas, você se lembra o que me disse quando o encontrei? - Perguntou sem olhar o outro nos olhos, que novamente se enchiam de lágrimas. 

- Se soubesse que os anjos eram tão bonitos, tinha morrido antes. - Disse, numa mescla de pavor e vergonha ao se recordar do encontro dos dois naquele beco escuro, quando o garoto ergueu seu corpo ensanguentado, o rosto vermelho como uma pimenta. - E você sorriu... 

- Não poderia deixar você lá, não depois de ouvir uma coisa tão engraçada assim.

- Eu estava morrendo, não sabia o que estava dizendo Gabriel - Disse finalmente recordando o nome e tudo o mais que até então se mantivera inebriado, subitamente acordado por aquele ultimo toque nos ombros. 

- Por isso mesmo, você me disse aquilo no momento mais sincero da sua alma. Deveria ter deixado você la? - Disse num sorriso doce que desconsertou o outro. - Por isso trouxe você comigo. 

- Devia. - Disse em meio as lágrimas.

- Não sou mais um anjo? Devia ter deixado você la? 

- Devia. - Disse, soluçando.

- Então não ficou feliz em ver que eu estava te tirando dali? Devia ter te deixado la?

- Não, por favor, não! - Disse, dessa vez segurando o lençol com força, enquanto as lágrimas pesadas caiam em seu colo.

- Tudo bem. - Disse o salvador, abraçando-o com uma súbita onda de calor que foi se espalhando lentamente pelo corpo do jovem ferido. - Você pode ficar comigo!

terça-feira, 15 de maio de 2018

Depois do véu

O Sol brilha forte lá fora, e enche as coisas de cores vivas. Até mesmo aqui dentro eu vejo coisas belas e vivas, mas elas já não tem significado para mim. E meu coração é sempre cinza, chuvoso e solitário, e a luz do sol já não consegue mais aquecer o meu interior, venha ela do céu ou do coração de um anjo seu.

A sensação que se instaurou em mim é da incompetência generalizada, uma insuficiência total, que faz de mim uma casca vazia, sem objetivos a serem alcançados e sem missões a serem cumpridas. Apenas ocupo um lugar no espaço, aguardando impacientemente o dia em que a morte me libertará dessa existência patética e sem propósito.

Os desejos se foram, junto com os sonhos e as esperanças, e agora o que restou foram apenas migalhas, ruínas empoeiradas de um amor que um dia me fez ter força e vontade para viver. Quem quer que olhe para mim agora não vê mais do que um boneco de trapos, inanimado, sem aquela centelha divina que faz brilhar o olhar daqueles que estão vivos. 

Ele levou, mesmo sem perceber, tudo o que restava em mim. Os sonhos que tinha de viver ao seu lado, a esperança que tinha de despertar nele o amor, o desejo de me deitar em seu colo e repousar em seus braços. Mas isso se foi, e todo o belo palácio de cristal que construí com meus sonhos ao seu lado se desfez em poeira como a areia no deserto, soterrando o que restou em montantes onde nunca mais serei encontrado.

Já não faço mais questão de estar aqui ou em outro lugar. Já não faço mais questão de existir. Me reduzi a um niilismo sem admiração por nada além da própria morte. Ainda que minhas forças tenham se reduzido de tal modo que já não há em mim poder nem mesmo para provocar a morte. 

O que vem depois disso? O que pode haver por trás do véu negro que agora recobre o palco da minha vida? Apenas o abismo sem fim  da escuridão que pela eternidade me levará ao nada? Ou encontrarei o chão frio e duro que, de uma vez por todas, me levará ao fim? 

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Sobre a obsessão

Ah, se tu soubesses como tua imagem é para mim razão de idílios e júbilos, nunca se afastaria, nunca me daria as costas, nunca amaria outra pessoa... 

Se compreendesses que para sua existência é objeto de agradecimentos aos deuses todos, e mais bela do que a perene singularidade de todos esses mesmos deuses. 

Se soubesse que olhar para você é para mim um mérito do qual nunca serei merecedor. Se soubesse que me sinto levar por milhares de galáxias ao olhar seus olhos claros e profundos, que me sinto aquecido pela sua pele com de sol e abraçado pelos anjos quando sua pele toca a minha. Se soubesse que sua mão é para mim um porto seguro nesse mundo de águas impetuosas e tortuosas, e que sua voz é como o farol brilhante a me guiar no breu dessa existência. 

Se soubesse o quanto é importante pra mim, nunca se afastaria, nunca me daria as costas, nunca amaria outra pessoa...

Se soubesse que poderia olhar o seu rosto por milênios, sem nunca me cansar e sem nunca parar de me impressionar com sua beleza, você posaria para mim, como as musas posavam para os grandes artistas, e me deixaria pintar e gravar em minha memória, cada centímetro e cada pequeno detalhe do seu corpo perfeito. 

Se pudesse compreender o que essa minha obsessão por você significa pra mim, nunca se afastaria, nunca me daria as costas, nunca amaria outra pessoa...

Sobre a paralisia

Pensei que não iria conseguir me levantar hoje. Minha mente despertou logo cedo, assim que os primeiros raios de sol começaram a entrar timidamente pelas frestas da cortina e da porta, e tão logo as pessoas começaram a conversar na rua minha mente estava acordada. 

Meu corpo, no entanto, permaneceu ainda adormecido por várias horas. Não obedecia as ordens que dava para erguer-se, não havia em mim forças nem sequer para mover um braço. Não conseguia me virar, nem ao menos chamar alguém. 

Fui forçado a ficar ali, paralisado, sem conseguir me fixar em nada, e pensando em tudo ao mesmo tempo. Tive medo, de que fosse assim o meu fim, condenado a não mais me mover, e consciente da minha paralisia. 

Não sei o que tem me deixado assim, é difícil precisar já que venho tentando ignorar os problemas que não posso resolver, e por isso não venho sentindo que algo tenha me sobrecarregado, pelo contrário, sinto como se fosse livre pela primeira vez em anos. 

Tenho medo que essa paralisia retorne, pois sei bem que não se tratou de uma paralisia do sono comum, estava tão consciente que pude repassar na mente as coisas que agora estou fazendo. Não estava dormindo, realmente não conseguia me mover, e acredito que possa ter sido um reflexo físico da paralisia que minha mente experimenta em cada dia de minha vida. 

Não quero uma vida paralisada, quero uma vida viva, onde possa crescer, evoluir, melhorar. Não quero viver sempre preso a uma cama, imóvel, sem conseguir mexer um braço sequer. Não é essa a vida que quero para mim, não é esse o futuro que desejo. Não é assim que tem de ser, não é assim que eu quero que seja. 

sexta-feira, 11 de maio de 2018

O hálito doce da solidão

Eu me desfiz completamente em seus braços. Tudo as ruínas que ainda restavam do edifício da minha existência caíram de uma só vez quando minhas mãos trêmulas tocaram o seu dorso nu, e ao sentir seu calor pude sentir as minhas entranhas serem consumidas pelas chamas que vinham do seu coração. 

Naquele momento as minhas máscaras também caíram, e eu não era mais do uma massa disforme, lançada a esmo em seus braços de aço vermelho como o fogo. Até então nunca tinha tido um momento em que eu fora tão eu mesmo, sem tentar ser algo mais, próximo a você. 

Mas mesmo assim, naquele um momento de completa nudez emocional, você ainda não conseguiu me ver. Mesmo estando eu colado ao seu coração, em lágrimas e desesperado pelo seu amor, você ainda não conseguia enxergar que era que estava ali, e só pensava nela. 

Eu me lancei completamente em seus braços, e me derramei em lágrimas, desejando tão somente seu amor, mas mesmo assim você só conseguia falar dela, só pensava nela. E assim se deu a concretização do meu fracasso como pessoa. Essa é a minha sina. 

Meu corpo desejou partir desse plano da existência naquele momento. Partir assim, da forma mais patética possível, sem nada ter realizado, sem ter me tornado alguém que tenha feito na vida algo mais do que apenas sofrer por aqueles que sofrem por outros.

Quando me levantei dos seus braços, seu perfume e seu hálito doce haviam se impregnado em mim. Adormeci sentindo seu cheiro, como se ainda estivesse em seus braços, como se ainda estivesse contigo. Mas eu estava com você, enquanto você estava com ela. E o seu hálito quente ainda me arrepiava, me fazia suspirar, enquanto minha mente era lançada no vácuo da loucura que era ter a constatação de que apenas eu estava amando ali. 

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Explicações a você

Eu venho tentando mudar a minha forma de pensar e principalmente de agir com aqueles que me rodeiam. Tenho trabalhado em colocar as pessoas em seu lugar, pois basicamente todos os meus problemas se deram porque eu não soube qual deveria ser o lugar de cada um pra mim. 

Sempre coloquei as pessoas em pedestais, e tratava com servidão sem distinguir se isso era o que deveria fazer. E por isso as pessoas continuam pisando em mim como se não fosse nada. Aqueles que eu mais amei e me dediquei foram os primeiros a me apunhalar, a me dar as costas e a me esquecer completamente. 

Como resultado eu aprendi da pior maneira que ninguém é capaz de compreender o outro, nem o que sentimos, o que queremos, o que sonhamos. Somos estranhos uns aos outros, e nada pode mudar isso. Nossa consciência é um muro que nos divide e nos afasta, e não há como duas pessoas se conectarem de verdade. 

Por isso agora eu não consigo me aproximar de mais ninguém, porque não quero me expor como sempre faço e acabar sendo traído novamente. Eu mesmo procurei essas situação e estou colhendo os frutos das minhas ações, pagando caro por cada segredo que contei e por cada vez que abri meu coração pra quem não tava interessado em entender o que se passava nele. 

Eu não quero tratar ninguém de forma grosseira, mas também não quero ser o livro aberto que sempre fui, e que tudo mundo opinava sobre o que queria, abria e lia o que queria sem se importar com o resto. Isso significa que eu preciso me fechar, e aprender que, quando me jogaram na lama, só eu tava aqui por mim, e que quem dizia me amar fechou as portas pra mim. Isso significa que eu preciso aprender a colocar as pessoas em pé de igualdade comigo, e não em pedestais, e eu só vou conseguir cumprir esse objetivo se parar de contar tudo o que me acontece, se parar de sempre dizer o que sinto e principalmente: se parar de sentir o que quer que seja pelas pessoas. 

Só quando eu não sentir mais nada, e conseguir romper com todas as correntes que eu mesmo criei, é que vou conseguir dar um passo rumo a liberdade, porque por enquanto estou tentando me desamarrar das pessoas, que prendem meu espírito e me impedem de voar. 

terça-feira, 8 de maio de 2018

Nova convicção

Acordei com uma estranha sensação, uma estranha convicção, distinta da maioria das coisas que já senti e pensei até hoje. Não queria ajudar, não queria entender, não queria perguntar, não queria saber os motivos. Não estava interessado em nada disso. 

Não fazia questão sequer de uma explicação, nem de uma abraço mentiroso, e muito menos de uma presença forçada, falsa. Me percebi com uma completa ojeriza de tudo que não fosse natural, sincero. E me vi ali, sozinho no escuro, com a delicada luz do sol entrando pelas frestas da cortina, e de repente tive uma epifania da minha própria consciência, sem fazer questão de mais nada. 

Fiquei algumas horas deitado ali, sem desejar nada nem ninguém que já não estivesse ali comigo. Mas só eu estava ali, e só a música estava ali, e eu não desejei mais nada, pois já estava bastante satisfeito. Não me senti solitário e nem triste, longe disso, me senti completo, sem nada mais a desejar.

De nada adianta desejar, planejar, se no final tudo sairá fora da forma como almejávamos, e com isso nos chatearemos e mergulharemos num mar de depressão. A decepção é filha das esperanças infundadas que colocamos no mundo e nas pessoas. A felicidade só pode ser alcançada quando não se espera nada de bom da vida e dos outros, pois a vida e os outros não tem senão sofrimento e dor a nos oferecer. Nada mais do que isso. 

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Sobre sumir

Li em algum lugar algo que falava sobre sumir, por alguns dias, e ir para alguma pousada desconhecida em qualquer lugar distante, e ficar ali, onde ninguém possa nos achar. E achei a ideia altamente tentadora. Pra ser sincero, é algo que venho querendo fazer nos últimos dias. 

Cheguei num ponto que tenho achado qualquer contato com o outro tóxico demais para ser mantido. Tenho estado tão sensível que tudo tem me ferido num nível alarmante. Me tornei uma ferida aberta, exposto a todo tipo de contaminação e de dor que se possa conceber. 

Não consigo compreender os sentimentos dos que me cercam, e nem tampouco os que me cercam se esforçam para fazê-lo comigo, mesmo que eles também não sejam capazes de me compreender. 

Eu acreditava que esse sentimento, essa vontade de sumir, seria temporária, e que logo eu voltaria ao normal. Mas agora eu percebo que a cada dia ela se apossa mais de mim, e a cada dia eu estranho mais o conceito de normalidade, chegando a crer que ela não existe, e que tudo o que há ao meu redor é o completo caos, que eu infantilmente acreditava ser capaz de compreender e transformar. Mas não, eu sou apenas uma pequena flor, rodopiando nos ventos impetuosos de um mundo que eu não sou capaz de mudar. Nadando contra uma correnteza incapaz de sair dela, sempre sendo puxado pra um lado, um abismo diferente.

A vontade de sumir é reflexo do medo, do desespero, que nasce de não querer ficar só, mas acidentalmente acabar se isolando de todos que se ama por não suportar a dor que lhe causam. É uma forma complicada de viver a vida, e apenas resulta em angústia permanente, e uma insegurança que nunca diminui, sempre à espreita, sempre esperando a hora certa de me devorar a carne, deixando apenas o tutano, os restos de uma existência perene, que nunca chegou a existir completamente. 

Nesse meio a oportunidade de desaparecer é tentadora. Mais até do que isso, é uma esperança doce numa terra árida de amor, é um poder sentar-se na beira da praia sem precisar lembrar-me de quem sou ou do que preciso fazer, é poder ser outra pessoa, ou não ser ninguém. É esquecer dos amores não correspondidos, das traições, das infames relações, de tudo aquilo que nos traz dor, insegurança. 

É correr sem ter um destino. É gritar e chorar sem me preocupar com explicar o que sinto, quando na maior parte das vezes eu não faço a mínima ideia do que estou sentindo, e nem sequer consigo explicar de onde vem a angústia que habita meu peito já há tanto tempo que passou a ser uma velha amiga. 

Sinto como se precisasse de um tempo só pra mim, mesmo já há muito não conseguindo pensar em outro que não seja eu. A percepção da solidão fez-me perceber que não deve haver em meu peito espaço para amar a outro que não seja eu, pois todo amor que dado ao próximo volta na forma de facadas e traições. 

É querer sumir, e fugir de tudo o que nos faz querer sumir. 

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Sobre as torrentes

Eu te lancei o meu amor, me derramei em você como as torrentes se jogam sem titubear por sobre os poços do amor. Mas você não foi capaz de segurar o meu coração, e antes disso, jogou-o fora para ir em busca de outro coração. 

Como as águas que descem dos céus eu derramei sobre a terra pesadas lágrimas de angústia e sincera aflição ao ver você me dar as costas e me trocar pelo demônio como se eu fosse o próprio demônio. 

Como aquelas folhas secas que voam ao vento eu agora me encontro sem rumo, seco, apático, longe daquilo que antes me concedia o brilho verde da vida. Longe de mim estão os risos espontâneos e as brincadeiras que antes me aliviavam as dores. 

As dores por outro lado se tornaram cada vez mais frequentes, e são sempre um reflexo da dor que não sinto no corpo, mas na alma. A dor da alma faz meu corpo doer. A dor da sua partida faz meu coração chorar. 

Eu me lancei no oceano do seu amor em busca de águas calmas onde pudesse me banhar e lavar as dores que sempre trouxe em meu peito, mas na verdade me perdi nas águas impetuosas e gélidas que enrijeceram meu coração e me ensinaram a não mais me lançar em lugar algum. Tornei-me apenas um borrão, não mais um coração que era capaz de amar e se entregar de forma integral. Não sou mais capaz de amar como antes, e nem de deixar de amar completamente. Não sei onde me encontro, ou se há nome para definir o que sou.

Essa constatação se impregnou de tal maneira no meu ser que tornou-se quase parte de mim, mas o restante de mim ainda luta para se libertar. É como se meu corpo rejeitasse parte da minha própria existência. Só o que me resta disso tudo é a paralisia resultante do combate travado no âmago do meu coração. O amor que sinto por você se transformou em pesadas correntes, que me impedem de dar um passo sequer em direção a minha liberdade. Só consigo chorar pela minha sorte e suspirar pela minha liberdade. 

Eu te lancei o meu amor, me derramei em você como as torrentes se jogam sem titubear por sobre os poços do amor. Mas você não foi capaz de segurar o meu coração, e antes disso, jogou-o fora para ir em busca de outro coração. 

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Minha verdade

Foi uma noite difícil. Incontáveis horas tentando me concentrar na leitura para então sentir o sono chegar, mas não adiantou. Apenas a música foi minha companheira, em quem deitei ao colo para ser acalentado, enquanto as lágrimas quentes caiam silenciosamente, formando uma estranha sinfonia, de sons e silêncio que havia entre eu e o player. 

A recordação de uma série de acontecimentos me rasgava as entranhas como uma faca enferrujada estraçalha um pedaço de carne podre. Numa noite havia o som doce de uma declaração de amor. No outro a descoberta de um abandono iminente. A verdade se mostrou dura e implacável, como os blocos de mármore postos por cima dos caixões nos cemitérios. 

Sentia como se minha mente fosse reduzida cada vez mais, remexida, endurecida e derretida sucessivamente até que não sobrasse mais do que uma massa disforme. Já não me sentia mais humano, não sabia o que eu era. Tudo o que havia restado intacto em mim era a dor, o desespero e o pesar inacabável, que ocuparam o lugar da água de meu corpo. 

A minha consciência se reduziu a uma lama rala, que escorreu por entre meus dedos. Eu fui reduzido ao pó, mas não pude voltar ao pó. Meu corpo continua preso a esta terra, enquanto meu espírito clama pela libertação dessa vida de dores. O meu coração já deixou de sentir, há apenas uma casca vazia, inerte, sem vida, esperando pelo dia que há de ser devorado pelos vermes das ruínas e então encontrará alguma razão para existir. 

Tudo que há em mim agora são os recessos de minhas consciência. Os ecos inauditos dos gritos desesperados que meu coração deu até o momento de sua morte! Já não reconheço sequer as vozes daqueles que me circundam. Não os conheço, não me conheço. 

O meu coração morreu, mas eu não morri. Que infelicidade encontro nessa constatação! Qual o sentido de uma vida assim? Repleta de decepções e abandonos, silêncios e traições a vida não é mais do que uma roda da fortuna, amaldiçoada pelo destino para seu divertimento pervertido. E eu não sou mais do que um boneco de trapos, sem voz, sem vontade, sem vida. E essa é a minha verdade.

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Da névoa

O sono vem lentamente, como uma névoa aos poucos se erguendo do chão... Envolvendo os campos escuros do meu coração com a frialdade branca de uma lâmina. Os gritos longínquos de uma vítima abafam os gritos do meu eu, tento avançar, tatear, dar um passo que seja nos rumos daquela voz desesperada mas o nevoeiro pesado não permite meu avanço, apenas me mantém ali, como refém, um pobre amante perdido em meio aos outeiros. 

Aquela não é uma névoa comum, formada pelas gotículas suspensas de água próximas da terra, mas sim pelo peso das decisões passadas que tomei, principalmente o peso que se tornou o amor que decidi dar as pessoas. Ela pesa como chumbo, embora seja mais sutil que uma nuvem, e me esmaga as costas como se o peso dos céus fosse lançado por sobre minha frágil constituição.

Não sei dizer se os gritos que ouço são os de outra pessoa que longe dali também sofre o medo da morte e que ao mesmo tempo teme viver, ou se são os gritos lancinantes que dei e que reverberaram e agora voltam ao meu coração. 

Olho ao meu redor em busca de algo que me ofereça uma pista de como sair dali, um som, uma luz, qualquer coisa. Mas o som é abafado pelos gritos, e a escuridão é tamanha que a única coisa visível é o estranho brilho de lágrimas que caem pesadamente sob o chão. 

De joelhos a respiração começa a se esvair, já não há mais forças para buscar o nada, só resta concentrar-me na própria consciência da existência desses últimos momentos. Os olhos se fecham lentamente, caindo em direção ao chão, e quando o rosto se encontra com a frialdade daquela terra, cerram-se uma última vez, deixando apenas o som fraco de um grito que se foi e de uma respiração pesada que inala pela última vez o ar perfumado pelo cheiro daquela mesma terra.