sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Do que sinto

Eu me odeio! Sim, eu sei que é uma forma estranha de começar a escrever o que quer que seja, mas este não é um texto comum, não, é um manifesto, um manifesto a minha obscena existência. E a verdade é só uma: eu me odeio. Incontestável e indubitavelmente eu me odeio!

Mas não é um simples odiar, como se fosse algum aspecto em particular. Eu odeio tudo em mim e sobre mim, e me considero indigno de sequer olhar nos olhos de outras pessoas. 

Eu odeio meu corpo, disforme. 
Odeio meu cabelo, que nunca se comporta como quero. 
Odeio minha pele, escura e encardida. 
Odeio meu rosto, feio e que só afasta as pessoas. 
Odeio minha risada. 
Odeio minha falta de talento. 
Odeio minha falta da habilidade e capacidade. 
Odeio ser péssimo em todas as coisas que faço. 
Odeio não estar à altura dos outros. 
Odeio não conseguir cantar afinado ou sem anasalar. 
Odeio não conseguir ser bom em absolutamente nada do que faço. 
Eu odeio ter sido largado pelos meus amigos mais chegados. 
Odeio quando chegam atrasados. 
Odeio Estar só e odeio o barulho da multidão. 
Eu odeio me apaixonar por homens que nunca se importarão comigo. 
Eu odeio ser essa criatura nojenta e repulsiva que causa nos outros apenas horror e ojeriza. 
Odeio não ter objetivos na vida. 
Odeio não ser inteligente o bastante. 
Odeio não ser bonito o bastante.
Odeio não ser mais do que um desperdício de espaço.
Odeio sentir tanta fúria.
Odeio o torpor que me deixa sem reação. 
Odeio as pessoas que querem me dar ordens.
Odeio essa casa.
Odeio essa cidade. 
Eu odeio esse lugar que me sufoca e me prende nessa realidade miserável.
Eu odeio os meninos.
Odeio as meninas.
Eu odeio todo mundo.

Odeio não ser bom o bastante.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

A Grande


Franz Peter Schubert
Sinfonia nº 9, em Dó maior, D. 944, “A Grande”

Programa sinfônico escrito durante audição executada pela Filarmônica de Viena, sob a regência de Wolfgang Sawallisch.

1. Andante – Allegro ma non troppo

Uma grande cidade se ergue por entre monumentais construção. Imponentes torres do castelo demonstram um vigor e uma força incomuns. Gigantescos muros de pedra milimetricamente polidas para se encaixarem umas as outras abrigam numerosos soldados, responsáveis pela defesa de seu povo*. Suas armaduras brilhantes e tecidos coloridos dão uma ideia da riqueza do lugar. Capacetes e espadas reluzentes vigiam aqueles mais fracos que não podem se defender sozinhos de algum perigo. 

Abaixo deles as pessoas seguem suas vidas. Na feira as pessoas se espremem e pechincham por tecidos, vasos de barro e especiarias. O cheiro forte das ervas impregna o ar. Tão diversos quanto as cores e sabores são as pessoas que ali vivem. 

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Caos particular


Muita força foi necessária para escrever isso. Vários minutos de frente pra tela em branco do computador. Suspiros, passadas de mão no cabelo e mais suspiros até que alguma coisa flua, o que não significa, claro, que flua da melhor maneira. Em momentos assim sacrificamos o estilo e a métrica em nome de da catarse, em nome do desejo de que dizer alguma coisa ajude algum modo a melhorar.

Bem, decidi reunir forças não sei de onde e sair para fazer as sobrancelhas, seguindo o conselho de uma desconhecida da internet para me cuidar um pouco mais e assim me sentir melhor. 

Voltei pra casa ansioso pra olhar no espelho e ver algo um pouco diferente. Mas o resultado não foi nada animador, antes disso, acho que fiquei ainda pior. Essa constatação me rendeu algumas lágrimas e então voltei a me esconder no escuro, desde então. Aliás, tenho chorado muito nós últimos dias. Assistindo filmes, jornais, me olhando no espelho que agora jaz quebrado no corredor da sala, os cacos pontiagudos cortados num ângulo legalmente sugestivo.

Os muitos produtos pra cuidados faciais estão pra vencer e eu não tenho vontade de usar nenhum deles. Maquiagens, cremes, tônicos e mascaras... Mas nem mesmo os meus remédios estou tomando ultimamente. Não faz diferença. De que adianta esticar um pouco mais essa vida miserável? 

O mundo está acabando. Vejo isso nos jornais todos os dias. A epidemia cresce em níveis astronômicos e ainda há a suspeita de que seja muito pior do que a mídia notícia. Estamos vivendo uma catástrofe. As chuvas destroem parte do nosso país, milhares de desabrigados. 

O horror. 

Eu, covarde, não consigo fazer outra coisa senão sentir medo. Não me levanto da cama, não procuro outro emprego, não lavo um copo sequer. Uma existência inútil e patética. Para quê estendê-la? Sou um nada. Um grão de areia que, por um devaneio do universo, adquiriu a capacidade de porcamente reclamar de sua própria vida. 

Prometi à alguém especial que faria um texto alegre, mas eu não consigo. Não há alegria o bastante para isso. Quando olho para dentro de meu coração tudo o que vejo é um enorme vazio, um abismo de carne que fora devorada pelos vermes.

Meu quarto está uma bagunça... Livros sobre a cama, apostilas no chão e poeira em toda parte. A casa está uma bagunça, papéis em todo lugar, objetos jogados aqui e ali. Móveis demais, coisas demais, espaço de menos. O país está uma bagunça, o mundo está uma bagunça. Entropia. Tudo está tendendo ao caos. 

O caos. Mas não um caos no mundo todo. Não, o mundo sempre passou por barbaridades e tragédias, hecatombes e cataclismos, e nunca acabou... Não, este caos é o caos que habita em mim. 

Ele que governa tudo, 
e a tudo desmorona.

sábado, 25 de janeiro de 2020

Alucinações


Bateu uma brisa filosófica inesperada. Um fluxo de pensamentos que irromperam na minha cabeça como as águas violentas de uma represa que foi destruída, arrasando dezenas de quarteirões por onde quer que passe. Minha cidadela interior foi não apenas inundada mas dizimada. Um torrente impetuosa transformando em ruínas enlameadas o que antes foi uma construção imponente e  gloriosa. 

A quem estou querendo enganar? 
A cidade estava em ruínas empoeiradas desde muito antes da enchente.... 

E o que restou então? 

Sombras 
e pedaços, 

irreconhecíveis. 

As vozes na minha cabeça estão confusas. Ouço uma cantando no velório de minha mãe, e minhas lágrimas irrompem sem controle nenhum. De onde tirei isso? De onde tirei essa visão dantesca e macabra? Talvez de um vislumbre maldoso de um futuro quase certo. Afinal, a morte dos pais é algo que os filhos devem presenciar em tempos da paz. De certo não é um pensamento de todo irreal mas, não compreendo como pensar possa me preparar de verdade para isso. Apesar de que algo em mim ainda acha que se preparar para um futuro incerto e ainda mais cinzento do que o atual seja uma atitude madura. 

Do que tem medo? 

Na minha visão a capela do cemitério estava cheia, de muitas pessoas que conheço. Minha mãe conhece muita gente, e faz amizade com muita facilidade. Me lembro de reclamar com ela várias vezes sobre isso, já que parece ser um chamariz para aproveitadores. Eu me pergunto, então, se estive eu no lugar dela ali, sendo sepultado. Será que além de meus pais haveria alguém em meu enterro. A visão tomou um rumo que não gostei muito então. 

Do que tem medo?

Parece vazio.

Do que tem medo?

Vazio demais.

Do que tem medo?

Mais vazio do que gostaria. 

Talvez tão vazio quanto meu coração neste exato momento. 

De onde veio isso? 

Talvez a atual desesperança, fruto de um olhar infeliz no espelho que gerou uma série de dúvidas existenciais e lançou minha autoestima no mais profundo dos poços (Oi Samara, adorei o cabelo!), tenha me feito imaginar alguma possível situação pior. Como se já não estivesse ruim o suficiente. 

Lágrimas

Tudo parece errado. Em mim. Na minha casa. No mundo ao meu redor. Traições. Medos. Abandono. Epidemias. Corrupção. Guerras. Parece que tudo aos poucos desmorona pelo impacto dessa enchente, que a tudo leva, a tudo destrói, a tudo desfaz. O mundo está acabando.

Outra voz sussurra trechos dispersos de Nietzsche, dizendo que preciso me apossar do Amor fati e abraçar tudo o que a vida me dá, sejam as impressões frias de um presente confuso e amedrontado e de um futuro muito, muito incerto. Talvez seja uma boa fuga deste niilismo horroroso em que me meti, deste abismo em que caí depois de encará-lo por tanto tempo. Mas como fugir disso? Como encarar de frente todas essas coisas? Somente um super homem poderia fazê-lo, e eu não sou um super homem, sequer sou um homem, senão que sou uma coisa ainda indefinida. Um erro.

Mais lágrimas, soluços. 

Visões de corpos, jovens, brancos, morenos, despidos em posições luxuriosas. Essas vêm de um lugar obscuro mas não muito escondido da minha mente. Desejos e mais desejos. Desejos que eu sei que o meu corpo não conseguiria corresponder visto que estou sempre cansado demais por um esforço que nunca fiz. 

Por fim, volto a cantar...

Eu o ressuscitarei, 
eu o ressuscitarei, 
eu o ressuscitarei, 

no dia final...

O que desejei


A chuva continua caindo, já fazem dois ou três dias que ela não cessa. O clima que isso cria é de um ambiente acolhedor, mas igualmente solitário. A solitude então se desfaz pouco a pouco, dando lugar não mais a lânguida tranquilidade do silêncio, mas a perturbadora sensação de abandono e esquecimento. 

Situação agravada pelo fator surpresa de uma rápida visita inesperada. Movido por uma necessidade materialista ele veio me ver, ainda que por brevíssimos instantes, mais do que necessários, no entanto, para me fazer perceber o quanto meu coração e meu corpo ainda anseiam por ele. Fui derrubado por um abraço, por um átimo de segundo em que senti seu coração junto ao meu, e que o seu cheiro me fez esquecer como era ficar de pé, cheiro que ficou em mim como mancha na roupa. 

Não esperava por essa força, não depois de tantos meses, desde aquela missa em que cantamos juntos pela última vez. Voltei atordoado ao meu quarto e me refugiei na companhia de algumas composições de Istravinsky e das gotas de chuva em minha janela. No entanto, ainda sinto como se ele estivesse aqui. Ainda sinto a pressão dos seus braços em meu corpo, ainda sinto o seu olhar sobre mim. Ainda sinto que não consegui esquecer, desejando ainda estar de volta aquela noite em que nos conhecemos. 

Mas eu sei que essa chuva vai parar uma hora, e que as flores vão se abrir de novo. Quando isso acontecer eu só espero estar bem longe daqui, onde seu sorriso não possa mais me afetar e onde seus braços não encontrem mais o meu corpo. E assim, correndo como uma criança que foge da aula com seus joelhos tremendo, eu pretendo crescer longe dele, onde talvez a distância me faça esquecer o que um dia eu tanto desejei. 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Atrás


Irônico, perceber o quão vagos são os esforços que empreendo para me sentir melhor comigo mesmo, sem nunca conseguir algum resultado. 

Hoje eu resolvi vencer um pouco da minha preguiça habitual. Mas será que é mesmo preguiça não ter força para cuidar de si porque sabe que nada vai conseguir? Enfim, acabei a tarde com uma maquiagem mais ousada do que as que estou acostumado a usar. Tinha tudo para me sentir bem comigo mesmo, depois de ver o resultado, depois de fazer o que eu queria. Mas foi justo o contrário. 

Fiquei ali, me observando naquelas fotos e tudo o que consegui fazer foi chorar. Chorar por ter feito tamanho esforço e ainda assim não ter gostado do que fiz. Culpei minha falta de técnica, minha impaciência, culpei meu rosto que, mesmo com uma camada generosa de maquiagem e porções fartas de cuidados faciais continua feio. Me cobrei naquele momento. E se fizesse melhor na próxima vez? E se me cuidasse mais? 

Mas a verdade é que o problema não está só no exterior. O problema não está só no meu rosto peludo ou nos poros dilatados. O problema está naquela parte de mim que não consegue enxergar absolutamente nada de bom em quem sou. O problema está neste que não consegue ser bom em nada que faz. Não consegue ser um bom maquiador, um bom professor, um bom estudioso, nada! 

Os elogios que recebi? Fizeram apenas buracos na água, não ecoando no meu coração. Logo se calaram perante as muitas vozes que repetem o quão patético eu sou, não me deixando esquecer, por um segundo sequer, que estou muito atrás de qualquer um que seja. 

E é com esse pessimismo que eu olho para todos os campos de minha vida e tudo que enxergo é fracasso. Minha vida, minha história, nada mais é do que uma sucessão de erros e abortos. Não há mais do que uma incomensurável incapacidade de realizar qualquer coisa além do patético. Por isso eu não conquistei nada, por isso tantos fracassos. Por isso tão insuficiente para todos, decepcionando meus pais, meus amigos que se foram, o homem que eu amo... Todos sem exceção! E é isso, minha sina é esta, lamentar e chafurdar na lama, em meio aos restos da lixeira da miséria humana. 

Até mesmo isso é patético. 
Indigno até mesmo de pena. 

Merecedor apenas do fim, 
do esquecimento, 
do nada!

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Uma pausa


O mundo em silêncio. 

A chuva cai, não mais com a força impetuosa de antes mas com a delicadeza de uma carícia sobre a terra. A música, trilha sonora de uma comédia romântica que vi muitos anos atrás, toca baixinho. Também escuto a água escorrendo pela calha. Sombras da luz da rua fazem brilhar as folhas que pululam com o vento e se refletem na janela. 

No meu peito um ardor, meu coração que desejar dar-se, entregar-se. Como o refrão ele bate mais forte num crescendo, grita o que pulsa dentro de mim. A respiração entrecortada, lágrimas descendo pelo rosto e um semblante distante na memória. 

Este é o fim de mais uma noite. A voz doce de uma soprano que eu não conheço, um violão solitário. Eu aqui no escuro, concentrado nas batidas do meu próprio coração. Reconheço algumas frases no idioma falando do outro lado do mundo. 

"Eu amo você. 
Eu amo meu amigo. 
Adeus meu amigo."

Tudo parece tão superficial, exceto o amor. Ele parece ser a única realidade existente. É isso que me dizem as gotas da chuva e o vento forte. Mostram a força disto que há em meu coração. Ele precisa demonstrar a sua ternura. Ah, mas nesta noite escura e fria, quem haverá de compreender isto? Quem poderá me corresponder? Se não sou o único a pensar nessas coisas enquanto espero o sono chegar para me jogar na letargia que me permitira fugir desse sentimento que, mesmo quando não parece existir mais nada, ainda parece crescer dentro de mim, fazendo-me desejar ser uma daquelas gotas, que se perdem no chão depois de uma noite de chuva... 

E o mundo volta ao silêncio. 

Uma pausa entre uma música e outra. 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Rosa e cinza

Esse não é um texto sobre a vitória, ou sobre a alegria. Não é um escrito positivo, não é algo que as pessoas felizes ou iludidas de sua felicidade conseguirão compreender. Este não é nada mais do que a expressão de impressões profundas de derrotas e fracassos. Afinal, sobre quais outras experiências eu falaria? 

A música que toca baixinho no player, alguma balada romântica da Coréia cujo nome e artista não me lembro, enche o ambiente de uma aura cor de rosa, posso sentir, se fechar os olhos, o cheiro doce dos arranjos numa festa de casamento. Vejo, facilmente, os sorrisos dos apaixonados, de mãos dadas em frente aos convidados. Mas há uma parte que não foi tomada pelas cores da canção, um canto cinza no fundo do quarto. 

Mesmo que olhe as pessoas sorrindo, felizes por suas conquistas, pela aprovação na federal dos sonhos, pela criança que nasceu, pelo sucesso dos negócios... Mesmo assim eu não consigo acreditar em nenhuma das alegrias desse mundo. Para mim não passam de um engodo, algo para acender no coração dos homens a chama da esperança, apenas para lançar o homem no breu do horror da decepção. 

Não há vitória, não alegria. Há apenas uma sucessão de dores, lágrimas, sofrimentos, intercalados de breves momentos, a tomada de fôlego dos algozes de destino, que confundimos com a felicidade. Enquanto o cruel homem levanta a mão empunhando seu chicote molhado de sangue e pele arrebentada, sentimos a brisa leve que vem de algum lugar e por isso pensamos existir algo de felicidade no mundo. É um engano.

Apenas uma piscada para novamente sentirmos os golpes violentos sobre nosso corpo. Aqueles golpes que nos põem de joelhos, que nos fazem clamar pela misericórdia apenas para nos iludir uma vez mais com o respirar do carrasco.

A vida é essa prisão de onde não podemos escapar, onde apenas somos golpeados, destruídos. Onde nossos sonhos são esmagados e lançados ao abismo, onde não passamos de galhos secos, cujas cinzas voam por aí sem nenhum destino. 

É assim que me sinto, sendo levado pelo vento como pó, sem rumo e sem razão para existir. Carbonizado depois de ter o corpo destruído pelo martelo do destino em golpes suscetivos e mortais. 

Esse não é um texto sobre vitória ou alegria. Pois não há vitória ou alegria. Apenas uma derrota amarga, uma única derrota: existir. Não há miséria maior do que estar preso as leis deste mundo material, cruel, duro, cheio de pessoas com olhos frios. Não há amor. Não há positividade, senão como uma mentira, usada apenas para aumentar o desespero daqueles que se dão conta do horror que é existir. 

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Lente sépia

Lágrimas secas sobre o meu rosto.

Uma noite escura que se prolongou mais do que o normal. Não terminou com o nascer do sol, senão que ainda estou dentro dela, agora que a tarde já finda. A luz fraca entra pela minha janela, tornando o meu pequeno quarto uma caixinha enevoada de poeira. 

Um mundo cinza. 

Uma lente sépia me foi colocada nos olhos, enxergo apenas uma realidade turva, enquanto sou esmagado pelo peso da realidade, pela minha própria existência. A música ainda toca no fundo ou já acabou, não sei dizer, há muito barulho mas eu não sei dizer se vem do player ou da minha cabeça. 

O silêncio grita. 

O vento ruge lá fora, balança os fios do varal amarrados numa arvore grande do meu quintal que rangem alto em contato com a madeira. Até isso me chama a atenção... Um sono demasiado me pesa os olhos que doem e protestam fechando-se para tudo o mais, me obrigando a concentrar no tufão que há dentro do meu peito. 

O corpo parece ser feito de chumbo.

Me recuso a levantar-me. Não quero ver nada e nem ninguém, saber que continuo acordando aqui é uma decepção grande demais para quem dormiu na esperança de acordar numa nova vida. 

Mas as coisas continuam sem graça nenhuma. 

A música cresce lentamente, o solo do oboé se transmuta na coda dos violinos, que abrem um véu deste mundo para uma realidade distinta e distante. Muito barulho e, ao mesmo tempo, barulho nenhum. 

E a minha vida?

Parece transmutar-se na ordem inversa. Perdendo cada dia mais força, desaparecendo ao longe como uma flauta que pouco a pouco perde o fôlego. A última coisa que escuto é a voz dos sábios sussurrando baixinho, algo que não consigo mais ouvir... 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Sufocante

As pessoas que conheci foram tão passageiras quanto as gotas de água que se quebram na janela. Não quero outra companhia senão que a dessas gotas. Ao menos elas se vão sem levar consigo um pouco de mim.

Tudo o que posso fazer agora é sentar e esperar a chuva passar. Ouvir o som alto dos trovões e as luzes dos relâmpagos. A torrente violenta se chocando contra a janela. É, isso é bom... Seria ainda melhor se essa água toda levasse para longe tudo que me angustia...

E afinal, o que me angustia? 

A absoluta falta de perspectiva de futuro num lugar como esse. Esse ambiente me causa repugnância. Pessoas de mente pequena, mente fechada. Pessoas sem nenhuma visão estética, todas pobres de espírito. Isso me oprime e a todo lugar que eu vou sinto vontade de gritar e esbofetear as pessoas por não perceberem o quão fechadas em si mesmas estão. 

Eu quero um céu maior, quero olhar para belas paisagens e belas pessoas, coisa que não posso fazer aqui. Tudo aqui pesa, cheira mal e me empurra para dentro de uma caixa de sapatos. É sufocante em todos os aspectos. É como se nada crescesse, e até as plantas parecem compartilhar do mesmo destino. Nada prospera, senão que tudo padece to mesmo problema irremediável: a completa pequenez da existência.

Mas a chuva passou, e o sol surgiu de novo na manhã do dia seguinte. Isso me faz pensar, e querer, cada vez mais num recomeço, meu novo amanhecer. Que seja um amanhecer distante, tão longe que só seja possível ver depois do horizonte. Preciso de um novo mundo, uma nova vida, longe de tudo e de todos. Acho que isso aqui, esse lugar, essa vida, já deu o que tinha de dar. 

Encaro como um ciclo que já acabou, algo que só precisa agora ser enterrado para vida há algo novo. Essa fase terminou. 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Dois casais

Dois casais, sentados nos bancos da igreja, tão diferentes e tão iguais ao mesmo tempo. 

A missa transcorria de forma bem regular, pelo menos a maioria das pessoas ali parecia saber bem o que era pra ser feito. Ajoelhavam todos juntos e, apenas alguns meio perdidos pareciam só seguir a todos os outros. Levantavam-se num só movimento, guiados por um tipo de mão invisível que também ditava as respostas que as pessoas diziam em voz alta alternando em coro com o padre.  Não tinha uma banda, apenas algumas pessoas que cantavam músicas conhecidas e a maioria que seguia, entoavam um cântico arrastado, se demorando mais do que o necessário em cada nota, enquanto duas crianças seguravam sacolinhas de tecido verde na frente do altar. 

Do lado esquerdo um casal, o primeiro. Dois jovens, de pele clara e roupas sóbrias. Ela usava uma camiseta preta e uma saia cinza e ele, camisa e calça preta. Passariam despercebidos em qualquer lugar, não fosse a altivez de sua cerviz e a seriedade de seu semblante. Ajoelhavam-se e levantam sabendo bem o que estavam fazendo, já estavam bastante habituados aquela coreografia. A mãe da jovem tão série e tão acostumado quanto a filha.

Do outro lado um casal mais jovem. Não pareciam iguais. Ela usava uma camiseta rosa e jeans, o cabelo longo e preto caindo sobre as costas. Ele usava um uniforme de algum time internacional e uma calça escura. Ela parecia uma moça cuja família simples fizera o melhor que podia fazer. O rapaz não estava acostumado aquele rito. Olhava ao seu redor a todo momento, esperando que todos fizessem algo para que ele fizesse igual. Estava se esforçando para estar ali com ela, com a família dela. Alguém que parecia ser a tia ou a avó da menina um ou dois bancos atrás. Pareciam mais confortáveis numa festa, ouvindo funk e bebendo energético com álcool. 

O primeiro casal pareciam levar a religião muito a sério. O segundo encarava aquilo como uma aleatoriedade, apenas uma vontade da tia, ou avó. Mas o que eles tinham em comum? Ambos, todos os quatro, pareciam absoluta e perfeitamente à vontade com a companhia do parceiro. O primeiro casal não precisava dar as mãos, contemplavam aquele mistério sagrado com silêncio. Os outros dois andavam próximos, davam as mãos, trocavam olhares e sorrisos discretos. Um casal recente? Talvez. Mas estavam igualmente felizes. 

Provavelmente ninguém mais notou, mas aqueles quatro quebraram, ou pareciam quebrar, alguma regra máxima do universo, que ditava que todas as pessoas estavam condenadas a solidão absoluta. Ao menos naquele instante, entre sinais da cruz, bênçãos e aleluias, pareciam estar em perfeita harmonia com tudo, criador e criaturas, num mundo onde absolutamente tudo o mais parecia estar em perfeita desarmonia, regida pela mais terrível entropia. Onde todas as outras pareciam estar tão distantes que dificilmente se poderia dizer estarem no mesmo mundo. 

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Resenha - My Ambulance

Como bom romântico que sou eu nunca consigo me furtar a ser tocado por histórias de amor. A que trago aqui hoje foi uma que me surpreendeu muito, pois eu não esperava que conseguiria me prender e me emocionar tanto assim. 

Eu comecei a assistir My Ambulance depois de muito tempo vendo algumas pessoas comentarem sobre as interações de Tao e Thiwkao, que pareciam ser bem fofinhas. A comunidade do Twitter me fez ter vontade de ver logo assim que começou a ser lançado, mas outras séries acabaram roubando minha atenção, até porque eu sabia que o casal não era protagonista. Dito isto, vagando pela rede outro eu acabei parando no site do fansub e resolvi começar a ver imediatamente. 

Pois bem, Tantawan e Peng namoram há 15 anos e eles têm uma ligação mágica: sempre que ela o chama, ele consegue atravessar um portal, seja por uma porta, janela ou pilastra e ir até ela, não importando o quão distante estejam um do outro. Ela também pode usar sua magia para falar com ele. Ele é um médico muito dedicado e, depois de um discussão por ele ter esquecido o aniversário de namoro, os dois se envolvem num acidente de carro, que faz uma vítima. É aí que entra Chalarm, o estudante de medicina que ajudou Peng no salvamento dos ferido mas que acabou deixando uma criança morrer. Chalarm começa a se aproximar de Tantawan e surpreendente começar a conseguir usar os poderes também, fazendo-a acreditar que se apaixonou por ele e que por isso começaram a compartilhar a magia. 

A série em si tem um conceito bem brisado, e consegue equilibrar bem a comédia e o romance. Tem muitas cenas engraçadas, e muitos personagens também, e muitas cenas emocionantes. Chorei algumas vezes, admito. 

O drama fica por conta da confusão de Tantawan, presa entre seu namorado de tantos anos a quem tanto ama a ponto de compartilhar um vinculo mágico, mas que parece não se importar muito com ela e o novato que é bastante atencioso e bonito. Temos também outros personagens que se entrelaçam, claro, como os Tao e Wan, amigos de Chalarm, que formam um trio inseparável e Bamee, a nova motorista que se apaixona pelo Dr. Peng. Tew, o irmão de Tantawan vem do exterior para cuidar da irmã depois do acidente e também acaba no meio dessa turma. 

Boa parte da ação acontece no hospital onde a maior parte dos personagens trabalham, mas os cenários também são diversificados. Temos algumas cenas bem bonitas em Chiang Mai, por exemplo, com direito a avenida de flores e neve.

A trilha sonora é simplesmente perfeita. Todas as músicas, sem exceção, grudam na cabeça depois de dois ou três episódios. A abertura inclusive já é meu toque de chamada no celular há vários meses o  MV dela, protagonizado pelo Paris (de Greatmen Academy), é uma verdadeira obra prima, além de contar com a participação do elenco todo, o que dá um charme especial. 

Os personagens tem uma dinâmica muito especial. O pessoal da emergência parece uma família de verdade, ficando juntos não só no horário de trabalho mas também nas festas e até nos momentos difíceis, como quando alguém perde um ente especial. Essa dinâmica me tocou e deu bastante profundidade para alguns acontecimentos do último arco da série. 


Tantawan (Mai Davika) é uma jovem apaixonada pelo seu namorado. Ela define o conceito de dedicação. Acorda cedo todos os dias para fazer o café da manhã do amado, chama ele usando magia e ainda planeja sozinha todos os momentos especiais dos dois. Fica chateada quando percebe que, depois de tantos anos, ele parece dar mais importância ao trabalho do que ao relacionamento deles. Fica abalada depois de conhecer Chalarm e descobrir que ele agora também partilha um vínculo mágico com ela.

O Dr. Peng (Sunny) é um médico residente, extremamente dedicado e responsável. Ele assume mais plantões do que o necessário e está sempre pronto a fazer de tudo para salvar um paciente. É uma referência para todos os estudantes que supervisiona na emergência. Acaba se tornando um pouco frio demais, além de calculista, e termina esquecendo seu papel como namorado também. Partilha uma ligação mágica há 15 anos com Tantawan e por isso acaba se sentindo mal quando descobre que ela agora também está ligada a outro menino. 


Chalarm (Sky Wongravee, de Project S - Side By Side) é um dos novos estudantes que ficam sob a supervisão de Dr. Peng na emergência. Fica muito animado ao descobrir que já pode ser chamado de doutor mesmo estando ainda no 6° ano da faculdade. É o melhor amigo de Tao e Wan e os três estão sempre juntos. Inicialmente começa a gostar de Bamme, a nova motorista, mas começa a questionar seus sentimentos quando descobre seu vínculo mágico com Tantawan. 

Bamee (Thanaerng) foi salva pelo Dr. Peng e por isso decidiu ir trabalhar na emergência como motorista da ambulância. Ela é engraçada e espontânea, e logo se vê apaixonada pelo médico. Vai ter que lidar primeiro com o fato de ele ter uma namorada e de não parecer nada interessado nela. Faz logo amizade com Chalarm e os outros, indo morar no mesmo alojamento que eles. 

Wan (Pond) e Tao (Bilkin) são os melhores amigos de Chalarm e também os novos médicos da emergência. Os dois são muito brincalhões mas bastante responsáveis e se inspiram no Dr. Peng como profissionais. Wan é sorridente e fofo, ele se apaixona por Takk, a enfermeira com quem trabalha, e Tao é muito brincalhão e atrevido, acaba se aproximando mais de Thiwkao. 

Thiwkao (PP Krit) é irmão de Tantawan e vem do exterior para cuidar dela depois do acidente. É um irmão cuidadoso e protetor. Acaba se aproximando de Thiwkao meio que sem querer, depois de confrontar o médico por um comportamento inadequado que ele teve com sua irmã. Os dois brigam muito, na verdade Tew é um reclamão e briga sozinho, mas acabam se entendendo e virando bons amigos. Aliás, no dia mesmo que escrevo essa resenha foi anunciado pela produtora NADAO ainda para 2020 uma série com os dois como protagonistas. 


Por fim temos Thai (Bank Thiti de Project S - SPIKE e Hormones) é uma das vítimas do acidente que Tantawan e Peng se envolveram depois de brigarem. Ele tem uma participação muito grande na última metade da série. Saber que o Sky e o Bank faziam parte do elenco foi um dos motivos que me fez querer ver essa série, mas eu me surpreendi mesmo foi com a nível da atuação desse último. O Bank foi simplesmente incrível em todas as cenas que apareceu, trazendo uma carga dramática imensa para uma série que já trazia um nível de atuação muito bom. Ele ia da completa tranquilidade a loucura em poucos segundos de um jeito absolutamente impecável. Eu tive de voltar algumas cenas dele várias vezes pra ver de novo, encantado. 


Davika e Sky também me surpreenderam. Eu simplesmente queria chorar toda vez que eles começavam a dizer algo triste e eu só queria poder abraçar os dois e proteger eles de qualquer perigo. PP também se revelou um ator e tanto, nos momentos sérios, dramáticos e nos fofos também. Só queria vê-lo sorrindo um pouco mais e, claro, queria ver a amizade dele com o personagem do Bilkin evoluindo para um romance também. 

Enfim, My Ambulance cativa pela história criativa, equilibra bem o humor e o romance com uma pitadinha de drama e acaba agradando geral. Emociona e prende, além de que faz a gente ficar cantando com um calorzinho no coração tão logo termina cada episódio... 

10/10

Resenha - Bai Mai Tee Plid Plew (The Fallen Leaf)


Continuo me aventurando pelo mundo da teledramaturgia tailandesa e, devo dizer, cada vez me aprofundando mais. A minha última série eu já havia começando tempos atrás, vários meses na verdade, e parei por falta de incentivo. Tinha achado a trama interessante mas via a sinopse mais como uma forma de chamar a atenção do público para algo que a série não é, do que uma boa história. Não podia estar mais enganado. 

Bai Mai Tee Plid Plew (The Fallen Leaf) foi uma série que eu conheci navegando nas redes sociais e, quando vi do que se tratava, logo fui atrás de assistir. Acontece que a sinopse foi uma das que mais me atraiu até hoje. Quando vi que contava com a participação do Saint (de Love By Chance  e RemiderS) e que ele seria um tipo de par romântico com o Push (que eu conhecia de Happy Birthday) fiquei maluco pra começar a ver o quanto antes. 

Ela conta a história de Nira (Baifern Pimchanok), uma moça que esconde um passado doloroso. Nira era, antigamente, Wat (Saint Suppapong), um menino que nasceu numa família rica, sendo filho de uma atriz aposentada e de um poderoso dono de construtora. Wat sempre foi um menino delicado, e por isso sofreu severas repreensões de seu pai e de sua tia, ambos violentos e bastante abusivos, encontrando consolo apenas nos braços de sua mãe, que ainda lidava com um casamento aos pedaços, e em seu tio, Chat (Push Kasetsin), com quem passava bons momentos. Dado como morto num acidente de carro, Wat volta como Nira para seu país e acaba se envolvendo novamente nos problemas da família, que não sabem quem ela é de verdade. Seu pai continua sendo um homem abusivo. Sua tia, vingativa e possessiva. Seu tio, por outro lado, continua sendo um homem gentil, por quem ela se apaixona perdidamente. 

Os primeiros episódios tentam estabelecer uma Nira forte, que havia abandonado totalmente o passado, mas isso não me convenceu. Os constantes desmaios e crises de choro mostravam o quanto ela havia se tornado uma pessoa desequilibrada, graças aos abusos do pai e da tia. Ela se torna uma maquiadora e, mais tarde, modelo e atriz, despertando assim o ódio da tia e de uma atriz, Manaow, que é chata para um caramba. 

Acho que eu esperava uma participação maior do Saint, ou um contato maior dele com o Push, afinal comecei a ver por isso não foi? Essa foi minha primeira decepção. Saint não faz mais do que uma ponta, aparecendo em alguma coisa como 10 minutos em todos os 21 episódios, de mais de uma hora cada. Essa é, inclusive, a segunda vez que me prometem um romance do Push com outro boy e não me entregam. A primeira foi em Happy Birthday, onde toda hora ficavam empurrando ele pro Tongmai (personagem vivido pelo fofo do Pluen, era tudo o que eu mais queria!) e também não rolou. 


#Chateado

Fica claro, logo nos primeiros episódios, que Nira vai se envolver romanticamente com seu tio Chat, o que é bem estranho de início mas, se pensar bem, como ele é casado com a tia dela e não tem nenhum laço de sangue com a moça o negócio fica menos tenso. O lance é que a gente compra esse romance, e de fato eu comecei a torcer rapidinho pelos dois. 

Esquisito mesmo é o fato de o pai dela ficar dando em cima toda hora. O homem, além de ser um sujeitinho sem vergonha, consegue ser o personagem mais nojento da série. 

A chatinha da Manow não é mais do que isso, uma chata que ajuda a Tia Rong a infernizar a pobre coitada que já tinha passado o inferno na mão da mulher quando era criança e agora voltou pra sofrer mais um pouco. 

As características dos personagens são bem interessantes... Nira é sempre séria e desconfiada, enquanto no passado ela é mostrada como um menino doce e sonhador. Chat está sempre desconfortável com esposa, e eu o achei condescendente com o cunhado, mas se mostra bem impetuoso quando se vê apaixonado. Rong é histérica e os ataques dela são, no mínimo, cômicos. A dupla Yot e Thong, que ajuda Nira a se tornar uma celebridade, é bem engraçada mas muito profissional, foi uma bela família pra ela assim como o Dr. Mor e Mae Orn, que cuidam dela desde o começo. 

Eu gostei muito do tom da série, que consegue ser mega dramática, no melhor estilo tailandês. Aliás, é um povo que gosta de drama viu? Admito que me emocionei várias vezes... A série não fica pesada, no entanto, pois tem alguns alívios cômicos aqui e ali, afinal a vida não é só tristeza, tem coisa boa também. 

A trilha sonora é um pouco repetitiva, mas eu gostei bastante, especialmente da música que a Nira escuta no disco de vinil. Dá um tom ainda mais lamentoso pra obra toda. A fotografia é muito bonita e a série deslumbra pelas casas belíssimas das locações, já que todo mundo ali era podre de rico e morava nas melhores casas da cidade. 

Um detalhe que me chamou a atenção foi para a atuação: como estou acostumado com séries de atores geralmente mais jovens eu esperava uma coisa mais madura, afinal reúne no elenco alguns dos nomes mais importantes da televisão tailandesa. Mas nenhuma delas me impressionou de verdade, com a única exceção da Baifern, que me fez vibrar de emoção muitas e muitas vezes. O Push consegue ser muito bom nas cenas dramáticas mas me incomoda muito o fato de ele não conseguir sorrir. Apasiri, que faz a mãe de Nira, podia ter tido uma carga mais dramática também, se limitando a passar a mão na cabeça do pequeno Wat e dizer o quanto ela o amava. 

De qualquer forma a série sabe prender a atenção do espectador. Eu tinha parado por vários meses mas fiquei tão intrigado que não resisti e vi todos os 17 episódios restantes em dois dias. A gente acaba ficando naquela angústia de se perguntar se eles vão descobrir ou não e, se descobrirem, o que vão fazer? Será que ela vai ser massacrada? Será a família vai aceitar ela de volta, de algum modo? Vai conseguir ficar com o Chat? 

Ainda não me conformo com apenas duas cenas do Saint com o Push e se limitando a mostrar os dois de braços dados. Só não vou dar nota 10 por isso. 

09/10

 #AindaChateadoMasValeAPena

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

De folhas que caem


Queria saber por onde começar a reflexão desta noite mas... Bem, o choque que tive agora pouco me impede de dar uma forma melhor ao que tenho a dizer. Peço perdão por isso mas não podia permitir que minha limitada capacidade fosse empecilho de dizer o que é necessário. 

Terminei de assistir, poucos minutos atrás, a Bai Mai Tee Plid Plew (The Fallen Leaf), uma série tailandesa que conta a história de Nira (Baifern Pimchanok), uma moça que esconde um passado doloroso. Nira era, antigamente, Wat (Saint Suppapong), um menino que nasceu numa família rica, sendo filho de uma atriz aposentada e de um poderoso dono de construtora. Wat sempre foi um menino delicado, e por isso sofreu severas repreensões de seu pai e de sua tia, ambos violentos e bastante abusivos, encontrando consolo apenas nos braços de sua mãe, que ainda lidava com um casamento aos pedaços, e em seu tio, Chat (Push Kasetsin), com quem passava bons momentos. Dado como morto num acidente de carro, Wat volta como Nira para seu país e acaba se envolvendo novamente nos problemas da família, que não sabem quem ela é de verdade. Seu pai continua sendo um homem abusivo. Sua tia, vingativa e possessiva. Seu tio, por outro lado, continua sendo um homem gentil, por quem ela se apaixona perdidamente. 

Fiquei chocado, em vários momentos, com algumas coisas. A primeira delas é que o amor pode se expressar das mais diversas formas, sem que as pessoa consigam entender os seus planos, muitas vezes doloroso demais para nós. O amor pode estar onde menos esperamos, pode vir dos amigos que conhecemos por acaso num dia de trabalho qualquer ou daquele estranho por quem cruzamos num consultório. Esse mesmo amor pode, no entanto, nos ser negado por aqueles que estão dentro da mesma casa que nós, onde só encontramos dor e incompreensão. O amor é uma faísca que se transforma num instante numa violenta labareda, aquecendo ou queimando todos ao nosso redor. 

Estou bastante sensibilizado com a obra, tocado pelo romance entre Nira e Chat. Apesar de ser aparentemente bem errado eles não eram parentes de verdade, já que Nira era sobrinha de Rong e não do seu marido. Detalhes sanguíneos à parte é de se estranhar que ela se apaixone pelo homem que antes brincava com o sobrinho nas poucas horas de alegria que o menino tinha dentro de casa. Mas, se pensar bem, Chat foi um dos poucos que cuidou dele e enquanto seu pai tinha horror as suas características mais evidentes, o tio via uma beleza e um talento imensos. Foi nas palavras e no sorriso dele que o pequeno encontrou motivos para continuar e para se tornar quem ele sempre quis ser, ou melhor, quem ele sentia ser mas não era, ainda. O amor que antes se expressava no carinho de um homem pelo sobrinho agora só se mostrava de uma forma diferente.

Outra coisa que me chamou a atenção, no último episódio, foi ver o quão dolorosa e custosa foi a transformação dela. Nira já se sentia uma mulher dentro de si, isso podemos ver nos diálogos com sua mãe, e quando ela finalmente teve coragem de encarar o mundo sem se sentir desconfortável no próprio corpo quis ser notada por todos. Ela quis a aprovação que antes lhe fora negada. Se antes seu pai a impedia de sair de casa e ver seus amigos, por vergonha do que eles iriam dizer e achar, agora ela tinha um mundo inteiro de câmeras e holofotes virados para ela, atentos para verem que ela mostrasse ser quem era de verdade. Demorou até que ela encontrasse seu verdadeiro eu. Teve de enfrentar muitas coisas, inclusive a própria família e, no final, ainda buscava se redimir da dor que era por ser quem era, e não aquilo que os outros esperavam que fosse. 

Fiquei mexido com a dor dela. Nira não tinha escolha que não fosse ser ela mesma, mas isso ainda causava-lhe dor pois, para ser quem era não podia ser quem o pai queria que fosse. Se fosse ela mesma não poderia deixar de amar Chat e com isso desagradar sua tia e todos ao seu redor. Ela escolheu ser ela mesma. E isso trouxe dor a todos, e ela se culpou por isso, a ponto de optar por tirar a própria vida. Seu último discurso mostra que ela ainda está atrás dessa redenção. E foi isso o que mais me chocou.

O que é preciso para se aceitar? O que é preciso mudar para que a gente encontre quem de fato somos? Quanto mais é preciso escavar para encontrar, na profunda consciência, o eu? O que, afinal, é esse eu? 

Talvez eu tenha me visto um pouco nela. Talvez eu também lute a cada dia para me olhar no espelho e me encontrar quando, na verdade, vejo apenas um estranho a me encarar em meu reflexo. Sei que ser eu mesmo é não mais do que um incômodo, que eu constato nos olhos daqueles que olham para mim. Olhos frios que cortam como uma faca a deslizar numa garganta cheia do sangue mais quente. Mas ser eu mesmo é minha única opção pois, seu eu não for eu mesmo, não serei mais ninguém. E além disso há essa dor, a dor do desespero que é ser eu mesmo. Desespero para o qual não há fuga senão na loucura completa da despersonalização que, em si mesma, ainda é desespero de ser quem se é, mesmo que, no fim das contas, não sejamos mais do que folhas caindo e sendo levadas pelo vento... 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Não me bate, por favor!


Tenho o costume de terminar estranhas observações com a expressão "por favor não me bate!" e ainda não tinha me dado conta da frequência com que digo isso. Acontece que eu vejo curiosidade em muitas coisas, que não raramente passam despercebidas a maioria das pessoas. 

Gosto do solo de tuba no último movimento da Sinfonia N° 6 de Mahler, gosto do sabor agridoce da curau e angu, gosto de saber a diferença entre primer e sérum na maquiagem. Gosto de saber coisas, principalmente coisas novas que são importantes para outras pessoas e gosto, principalmente, de dizer isso aos outros. 

Mas eu me esqueço que o outro nem sempre, quase nunca, está interessado em saber. E as observações e comentários que faço geralmente se seguem a risos de desconforto e mudança de ritmos. Talvez seja eu um tolo falador ou um gênio incompreendido, mas eu não consigo, por outro lado, me contentar com as conversas das pessoas. Me entedio fácil, e imagino o quanto os entedio também. 

O que queria dizer é que deveria mudar e não dizer"por favor, não me bate!" como se pedisse desculpas por dizer algo que acho importante. Não sei, mais, o que dizer aos outros, pois sinto que sempre acabo afastando a todos com esse tipo de coisa. 

Não quero, no entanto, deixar de pensar sobre como se deu a evolução do pensamento revolucionário, ou como a mídia brasileira trabalha em peso pela desinformação em prol da guerra cultural. Quero continuar me emocionando com as árias das sopranos potentes de Wagner ou testando o último hidratante facial da RubyRose. Só quero continuar percebendo coisas que a maioria não percebe, e tendo elas como minhas conquistas pessoais, sendo um pouco mais eu do que qualquer outra coisa. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Resenha TharnType - The Series

Atenção, o texto a seguir contém SPOILERS, leia por sua conta e risco.


Seja amada ou odiada pelo fandom BL inteiro no ano de 2019, TharnType deu muito o que falar. Boa parte das tretas e discussões envolvendo as séries Bls foram motivadas por ela, e não sem motivo, o que fez com que fosse uma das maiores produções de todos os tempos.

Pois bem, a série se passa no nosso querido universo de Love By Chance (mesma autora, a MAME), e conta uma história que aconteceu 3 anos antes daquela protagonizada por Ae, Pete e companhia... Dessa vez nós acompanhamos Type (amigo de Can, No e Champ) e Tharn. A saga começa quando os dois entram na faculdade e descobrem que são colegas de quarto, se dando muito bem no começo. Infelizmente Type logo descobre que Tharn é gay e, para horror do jovenzinho, ele simplesmente ODEIA OS GAYS com todas as suas forças, e começa a fazer de tudo para o outro se mudar. Daí o circo tá armado. Tharn, muito bem resolvido, bate de frente com Type e não aceita ser desprezado por sua orientação sexual. Claro que depois de muitos desentendimentos, muitos mesmo, o ódio acaba se transformando em amor e o resto é história... 

As tretas começaram logo no anúncio do elenco, que conta com Mew Suppasit como protagonista. Algumas pessoas não gostaram nem um pouco disso, não depois da confusão entre ele e o Art, onde Mew foi acusado de ter beijado Art à força e de ter sido bem inconveniente várias vezes, forçando um relacionamento a mais do que só amizade e fanservice, sepultando o que era um dos casais mais shippados do meio BL. Triste, muito triste. 

Logo no primeiro episódio temos também a exploração de temas um pouco fortes, em tempos em que relacionamentos abusivos e estupro são tão discutidos, com muita razão. A série foi acusada várias vezes de romantizar o estupro e o abuso. Por outro lado muitas pessoas também defendiam o ponto de vista da direção e da autora, que também foi acusada de fazer a mesma coisa em Love By Chance. Então o fandom ficou dividido em dois exércitos, aquele que estava amando a série e a defendia com unhas e dentes e aquele que a odiava, atacando desde a produção até os atores. Deixo de lado qualquer julgamento sobre quem estava certo ou errada, que cada um assista e decida por si. 

Voltando a série, vamos aos personagens:

Tharn é interpretado pelo gatíssimo Mew Suppasit, que fez What The Duck (aquela bomba) ao lado do Art e que, como já sabemos o casal não terminou nada bem, nem na série e nem na vida real. Tharn é músico, toca bateria numa banda com seus amigos, e é abertamente gay. Ele é bem seguro de sua sexualidade e enfrenta o colega de quarto sabendo que não ofende ninguém por ser quem é e por amar de um forma diferente dele. Tharn se mostrou um homem persistente, não desistindo até conquistar Type, por quem se apaixonou perdidamente. De fato o sonho de qualquer um... 
Type, o jogador de futebol, é um moço gentil e um amigo atencioso. É interpretado pelo Gulf Kanawut, que eu ainda não conhecia, e que fez um excelente trabalho. Desafio qualquer pessoa a assistir sem ter um crush nas carinhas fofas dele. Type tem um pequeno grande defeito, ele odeia os gays e fica absolutamente furioso quando descobre que seu colega de quarto gosta de meninos. A partir daí começa a fazer de tudo, tudo mesmo, para ele se mudar. O cara ficou full pistola, jogou as coisas do menino pelo quarto, comeu a comida dele, espalhou salgadinho na cama, além de ser extremamente grosso toda vez que Tharn tentava se aproximar dele. Não preciso dizer que ele gostou muito quando foi pra cama com o colega de quarto pela primeira vez. 

Techno (Mild Suttinut, de Love's Coming e The Best Twins), ou só No, é o melhor amigo de Type e a pessoa que mais aguenta o amigo estressadinho toda vez que ele brigava com o colega de quarto. É um ótimo amigo, engraçado e prestativo, que ficou até o fim do lado de Type, e fazendo amizade com Tharn também. Ele apareceu bastante aqui, não ficando tão de lado como foi em Love By Chance mas, como a história se passa anos antes da dele com o Kengkla não temos o romance dele explorado. Foi o alívio cômico da série e o Mild, aliás, tá de parabéns pela interpretação. 

Temos também os irmãos Tum e Tar (Hiter Natthad e Kokliang Parinya) que também aparecem em LBC. O primeiro era amigo de Tharn até o irmão começar a sair com ele e acabar terminando o namoro inesperadamente, ficando bastante recluso depois disso, com ataques de pânico e tendo sérios indícios de depressão. A história de Tar é muito importante pro arco final da série, muito embora a gente já saiba o que aconteceu porque em LBC já tinham contado tudo, mas é bom ver um pouco mais dos irmãos, desenvolvendo um amor delicado em meios as angústias da vida. 
Por fim, temos Lhong (Kaownah Kittipat), melhor amigo de Tharn e companheiro de banda dele. Um rapaz mega atencioso e prestativo que sempre faz de tudo pelo amigo. Também mega importante pro último arco, quando descobrimos que nem tudo é o que parece ser. 

Não é muito importante mas eu quero falar aqui do Thorn, irmão de Tharn, interpretado pelo Tong Thanayut, por quem me apaixonei perdidamente. É só isso. 
Enfim, a série tem um ritmo bem legal, não demora muito a entregar o jogo e consegue mostrar aquilo que nós mais queríamos: uma boa história, com atuações um pouquinho melhores e realistas. Esse último é, na minha nada humilde opinião, o ponto forte da série. A direção não teve medo de ser ousada, temos cenas de beijo aos montes, e elas são muito bem feitas. A fotografia é delicada e o roteiro, apaixonado, deu um tom bastante realista pra série. Nada de selinhos com careta ou simples jogo de câmera, aqui a coisa foi real e bem feita. 

O roteiro não é muito elaborado, afinal é baseada numa novel, mas ainda assim surpreende. Consegue prender o expectador e dá bastante espaço pra gente imaginar o que vai acontecer em seguida. Conseguiu se manter consistente a série toda, inclusive melhorando no final, o que não costuma acontecer com muitas séries que apresentam um plot legal mas não conseguem ir bem até o fim. 

A trilha sonora chama atenção, principalmente pela música tema, que gruda na cabeça por dias. A produção é bem feita e as locações são quase sempre as mesmas de LBC, dando consistência ao universo, mesmo os atores sendo diferentes. Defeitos? Ela termina, só consegui achar esse.
Temos então uma série ousada, muito bem escrita, com atuações acima da média e que equilibrou bem, o romance, a comédia e os momentos mais sérios. Uma excelente pedida pra quem queria alguma coisa no nível Together With Me. Mesmo com toda a polêmica é ainda uma das melhores do ano, para mim. Indispensável. Nota 10/10. Se ainda não viu, corre que dá tempo!

Garatuja


Eu passo uma boa parcela dos meus dias olhando as minhas redes sociais. Por algum motivo o fato de achar que estou sendo notado me fascina completando, ou ao menos tentando, uma certa quase patológica necessidade de atenção. Parece-me que se ninguém ver, não aconteceu. 

Mas essa não era bem a reflexão que queria fazer. Pois bem, vagando no meu Instagram eu constantemente vejo fotos de idols coreanos e de personalidade tailandesas. O fato de gostar de musica coreana e de assistir muitas séries tailandesas fez com que eu seguisse centenas de perfis de pessoas desses países. Diariamente eu vejo então fotos e vídeos de cantores, atores, modelos... E o que todos eles têm em comum? Todos representam um ideal de beleza inalcançável, para mim, e que eu ainda insisto em imitar. 

Vamos lá. Tenho seríssimos problemas com a minha autoestima. A maquiagem, as tatuagens, as roupas, o cabelo, a micropigmentação labial... Tudo está sempre em constante mudança porque eu estou sempre tentando me agradar de algum modo.  E nunca estou satisfeito. Eu sempre me olho no espelho e sempre detesto o que vejo. 

Não estou sendo exagerado ao dizer que realmente odeio o que vejo refletido no espelho. Nada em mim parece ser bonito, muito embora algumas pessoas digam o contrário. Na minha concepção todos estão mentindo. Eu não sou um homem bonito, mas alguém que deveria ter vergonha de sair na rua, como de fato muitas vezes tenho. 

E então eu olho para esses rapazes, mais novos do que eu, de pele clara, lábios rosados e cabelo perfeito... Não tem como não invejar. Todos perfeitos! Isso faz de mim uma pessoa patética, eu sei, mas é só mais um dos meus muitos defeitos. 

Até mesmo as pessoas que conheço, tem nelas algo de belo, algo que as torna atraentes, cada uma a seu modo. Alguns são realmente bonitos fisicamente e tudo atrai para eles os olhares, outros, têm uma bela personalidade, mas ainda assim algum traço de beleza física. Algo de estético que chama a atenção. Pode ser um sorriso, um olhar, um corpo... Qualquer coisa! 

Acontece que, por mais que tente, eu não consigo mudar o suficiente para me adequar a esse padrão, obvia e evidentemente impossível, e eu sei que deveria me aceitar como sou... Mas como fazer isso quando absolutamente tudo em você te desagrada? 

Deprimente, é a única palavra que me ocorre. E esse sentimento me faz querer fugir, mais uma vez, a única reação dos covardes. Sei que seria muito mais maduro, e quem sabe viril, da minha parte aceitar as coisas como são e tentar enxergar algo de bom na situação. Mas não, simplesmente não consigo me aceitar, estando completamente desconfortável em meu próprio corpo, fazendo da minha própria existência um peso, uma espécie de maldição, a qual fui condenado a vagar por essa terra sendo algo como uma criatura horrenda, cujo poder é o de afastar as pessoas. 

Gostaria de ao menos dar a esse texto uma forma melhor, mas ele é como eu: uma garatuja, um arremedo de algo que deveria ser perfeito. Talvez seja para ser assim, uma confissão patética de um homem miserável. Apenas um cadáver esperando o dia que finalmente joguem sobre ele um punhado de terra, escondendo para sempre a sua feiura. Nada há de mais deplorável sobre a terra. 

domingo, 5 de janeiro de 2020

De uma breve mudança

É estranho, notar como os ritmos e as vicissitudes da vida vão mudando. Recorro novamente à analogia do rio, que nunca para de fluir, constantemente mutável. Em alguns indisposto, sonolento, incapaz de sair do quarto escuro e olhar a luz do dia. Dormindo o dia inteiro, sem nenhuma perspectiva de melhora.

Em outros dias, no entanto, uma energia parece tomar conta de mim. Como se uma luz se acendesse novamente, como se uma faísca voltasse a brilhar... Então eu consigo fazer coisas, até então impensáveis. Nos últimos dias eu consegui cuidar um pouco de mim. Fiz a barba, hidratei o cabelo, cuidei da pele, voltei a ler e a estudar... Há tanto tempo eu não fazia nada disso, que já não me reconhecia mais quando me olhava no espelho. 

Hoje, quando me olhei novamente, vi um reflexo quase feliz, quase bonito. Fitei meus próprios olhos escuros por alguns instantes, e percebi que ali ainda havia uma galáxia inteira, um universo de vida que, por um átimo de segundo, brilhou. 

Foi só instante, mas foi o bastante para me deixar um pouco melhor. Mesmo com o dia preguiçoso, o sol tímido no céu, a chuva fina e constante batendo na janela e o vento agitando as folhas no quintal... Mesmo assim eu pude ver uma luz, que eu achava ter se apagado. 

Hoje vou dormir com um sorriso displicente no rosto. Ouvindo uma boa música e mais relaxado, sabendo que nem tudo está perdido, que ainda há alguma luz, no fim de tudo. As lágrimas? Acho que meu coração quer imitar a chuva que cai lá fora, enquanto eu observo a fumaça subir lentamente da xícara de chá, e meus pensamentos vão para longe... Para o lado dele. Sinto seu cheiro de almíscar, seu toque, escuto seu coração bater junto ao meu, sua mão no meu lado. Sim, é um sonho doce. A luz me fez ser capaz de voltar a sonhar... 

sábado, 4 de janeiro de 2020

Sobre a coragem


É com o semblante envergonhado que me dou conta, do quão errado estou como cristão. Choramingando e lamentando pelos cantos, com um olhar de raiva e vingança na face. Não é dessa maneira que deveria enfrentar os meus problemas. 

"Se vos perseguem por causa de mim, não esqueçais o porquê. Não é o servo maior do que o Senhor."

E cá estou eu, reclamando por ter sido abandonando quando meu Senhor, estava sozinho na cruz quando se entregou por mim. Estava sozinho no Monte das Oliveiras quando fora tomado pelo medo, medo que todos os homens experimentam. 

Deveria me envergonhar, portanto, de reclamar por estar só quando Ele conhece bem o que é estar só. Quando Ele conhece bem o que é ser traído e cuspido por aqueles que antes lhe chamavam de Rei e que cantavam quando ele passava. 

Aprendendo com minha mãe, Santa Catarina de Sena, que com coragem ímpar enfrentava a furiosa maledicência daqueles que a rodeavam sem entender sua santidade, devo então enfrentar com a mesma humildade e receber de bom grado, os espinhos que recebo dentre as rosas que vou colhendo. Sim, minha alegria deve ser amar o sofrimento. 

Não reclamar, não apenas chorar mas, quando tornar-se o fardo difícil demais para carregar, entregá-lo nas mãos de meu Senhor, pois sei que não sou capaz de enfrentar a tudo sozinho. 

A cristandade exige coragem. Coragem para enfrentar com fé as perseguições e as cruzes, como o fez meu Senhor, quando tornou-se motivo de piada e de zombaria para os seus, quando fora reduzido à carne aberta e ferida, já não tendo mais sequer forma humana. E eu que ainda posso lutar, e eu que ainda posso cantar, não posso fugir, não posso me esconder, não posso deixar de cumprir com a minha missão. 

Que o Senhor me dê a graça necessária, e que Santa Catarina me acompanhe e me repreenda, para que eu ande sempre no caminho da verdadeira fé, tendo aquela coragem de anunciar que tinham os apóstolos, enfrentando todo tipo de adversidade em sua missão. 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Do final


Eu dei o meu melhor, essa é talvez a única certeza que eu tenho. Dei o meu melhor mas não foi o suficiente para os outros ficarem. Preferiram me dar as costas, preferiram me deixar. Sequer tive uma explicação decente, senão que me acharam indigno de saber as razões que os levaram a me deixar. Apenas se foram, com um sorriso indecente e diabólico nos lábios, gabando-se de terem feito alguém como eu de trouxa. 

A vida tem dessas coisas. As pessoas vêm e vão. É tudo como uma enorme estação de trem. Pessoas chegam, outras partem, algumas vêm visitar, algumas só olhar. Mas é certo que todas as pessoas deixam uma marca. A marca que ficou em mim agora é a da traição. Marca daqueles que me apunhalaram pelas costas, que tramaram minha morte e que partiram, deixando-me no chão a tossir meu próprio sangue. É uma marca que deixou um gosto amargo na minha boca. Uma sensação profunda de insuficiência, de incapacidade.

Sinto vergonha. Medo de não ser suficiente para ninguém, já todos parecem querer partir em algum momento. Mais uma vez me sinto sozinho num mundo imenso, incapaz de me conectar com alguém. Um monstro, uma fera da qual todos querem apenas distância. 

O mundo continua sendo esse moinho, triturando meus sonhos, e sorrindo das minhas lágrimas. Os maus velhos dizem que ainda é muito cedo para desistir e partir, mas, o que me resta da vida? Mais desilusões e abandonos por anos e anos? Eu não quero essa vida. 

Eu achava que tinha encontrado meu lugar no mundo, mas em pouco eu já não sabia mais de nada. E o quê eu sou? Qual o meu lugar nesse mundo? Caminho agora sem saber que direção tomar, sem ninguém a me guiar, já que andava sob a guia daquele amor, daquelas risadas. Desse amor agora só me sobrou o cinismo, que eu agora seguro em meus braços enquanto agito minhas pernas na beira do abismo, abismo que eu mesmo deixei que cavassem para mim...

E eu, besta marcada pelos símbolos da sabedoria, da vida eterna e do carbono que forma meu corpo fui deixado para me decompor, em pó e cinzas, e a desaparecer, não nas areias inexploradas das praias, mas na água suja dos lamaçais, entre pedras e animais mortos. Que final mais lamentável para uma vida miserável.