quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Dois casais

Dois casais, sentados nos bancos da igreja, tão diferentes e tão iguais ao mesmo tempo. 

A missa transcorria de forma bem regular, pelo menos a maioria das pessoas ali parecia saber bem o que era pra ser feito. Ajoelhavam todos juntos e, apenas alguns meio perdidos pareciam só seguir a todos os outros. Levantavam-se num só movimento, guiados por um tipo de mão invisível que também ditava as respostas que as pessoas diziam em voz alta alternando em coro com o padre.  Não tinha uma banda, apenas algumas pessoas que cantavam músicas conhecidas e a maioria que seguia, entoavam um cântico arrastado, se demorando mais do que o necessário em cada nota, enquanto duas crianças seguravam sacolinhas de tecido verde na frente do altar. 

Do lado esquerdo um casal, o primeiro. Dois jovens, de pele clara e roupas sóbrias. Ela usava uma camiseta preta e uma saia cinza e ele, camisa e calça preta. Passariam despercebidos em qualquer lugar, não fosse a altivez de sua cerviz e a seriedade de seu semblante. Ajoelhavam-se e levantam sabendo bem o que estavam fazendo, já estavam bastante habituados aquela coreografia. A mãe da jovem tão série e tão acostumado quanto a filha.

Do outro lado um casal mais jovem. Não pareciam iguais. Ela usava uma camiseta rosa e jeans, o cabelo longo e preto caindo sobre as costas. Ele usava um uniforme de algum time internacional e uma calça escura. Ela parecia uma moça cuja família simples fizera o melhor que podia fazer. O rapaz não estava acostumado aquele rito. Olhava ao seu redor a todo momento, esperando que todos fizessem algo para que ele fizesse igual. Estava se esforçando para estar ali com ela, com a família dela. Alguém que parecia ser a tia ou a avó da menina um ou dois bancos atrás. Pareciam mais confortáveis numa festa, ouvindo funk e bebendo energético com álcool. 

O primeiro casal pareciam levar a religião muito a sério. O segundo encarava aquilo como uma aleatoriedade, apenas uma vontade da tia, ou avó. Mas o que eles tinham em comum? Ambos, todos os quatro, pareciam absoluta e perfeitamente à vontade com a companhia do parceiro. O primeiro casal não precisava dar as mãos, contemplavam aquele mistério sagrado com silêncio. Os outros dois andavam próximos, davam as mãos, trocavam olhares e sorrisos discretos. Um casal recente? Talvez. Mas estavam igualmente felizes. 

Provavelmente ninguém mais notou, mas aqueles quatro quebraram, ou pareciam quebrar, alguma regra máxima do universo, que ditava que todas as pessoas estavam condenadas a solidão absoluta. Ao menos naquele instante, entre sinais da cruz, bênçãos e aleluias, pareciam estar em perfeita harmonia com tudo, criador e criaturas, num mundo onde absolutamente tudo o mais parecia estar em perfeita desarmonia, regida pela mais terrível entropia. Onde todas as outras pareciam estar tão distantes que dificilmente se poderia dizer estarem no mesmo mundo. 

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