quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

A Grande


Franz Peter Schubert
Sinfonia nº 9, em Dó maior, D. 944, “A Grande”

Programa sinfônico escrito durante audição executada pela Filarmônica de Viena, sob a regência de Wolfgang Sawallisch.

1. Andante – Allegro ma non troppo

Uma grande cidade se ergue por entre monumentais construção. Imponentes torres do castelo demonstram um vigor e uma força incomuns. Gigantescos muros de pedra milimetricamente polidas para se encaixarem umas as outras abrigam numerosos soldados, responsáveis pela defesa de seu povo*. Suas armaduras brilhantes e tecidos coloridos dão uma ideia da riqueza do lugar. Capacetes e espadas reluzentes vigiam aqueles mais fracos que não podem se defender sozinhos de algum perigo. 

Abaixo deles as pessoas seguem suas vidas. Na feira as pessoas se espremem e pechincham por tecidos, vasos de barro e especiarias. O cheiro forte das ervas impregna o ar. Tão diversos quanto as cores e sabores são as pessoas que ali vivem. 

Crianças passam correndo. Um grupo de artistas mambembes se apresenta com músicas animadas enquanto algumas moças dançam, esperando por suas mães, ocupadas com as compras e com os afazeres domésticos. 

No castelo a corte segue em polvorosa, preparam-se para um baile que há de acontecer dali à alguns dias. As damas experimentam tecidos brilhantes, brocados de finíssimo ouro, e os homens dão brilho as suas espadas. Os grupos de dança ensaiam nos grandes salões, esperando oferecer aos convidados o melhor dos divertimentos. O rei, um grande glutão, se banqueteia ao lado de sua modesta rainha. Os guardas reais reforçam a segurança dos arredores do castelo, nada pode interferir!

Eis o triunfo da realeza! Jóias, poder, espadas e um magnânimo e impenetrável castelo, ladeado por imensas muralhas, que a todos resguarda e garante paz e tranquilidade ao seu povo. 

Neste movimento a orquestra é grandiosa, vigorosa. Um tensão crescente entre as diversas seções vai nos dando uma amostra da grandiosidade triunfal, de um nobre hino sendo executado pela Banda Marcial, a ser reverenciado por todos os súditos como exemplo de poder e soberania radiante.

2. Andante con moto

Trata-se de um movimento imenso, que se divide em cinco sessões e uma coda, o que nos dá uma série de visões, nos transportando a paisagens diversas. 

Uma marcha ergue-se, com os soldados andando lado a lado, numa sincronia impecável. Preparam-se para uma guerra. O oboé contrasta com aquela visão. Guerreiros e camponeses, convivendo juntos. A grandiosidade militar aliada a delicadeza das almas de mãos fortes e testas vincadas pelo sol. O sol aparece aqui, com os metais ao final de cada execução do primeiro tema, grandioso e ainda mais imponente do que os homens armados que caminham sob a égide de sua luz. 

Grandes campos, cobertos de pequeninas flores amarelas, cânulas, se erguem a perder de vista. O vento balança delicadamente suas pétalas, espalhando no ar o cheiro doce daquele mar de pequenos pedacinhos de sol. Um casal anda por entre elas, despretensiosamente. Os cabelos da jovem moça, castanhos, amarrados com uma delicada fita de cetim azul claro é delicadamente tocado pela brisa. O rapaz, fugindo de alguns de seus compromissos, anda com trajes formais, um terno cinza, passando a mão sobre as flores mais altas, sentindo o doce arome e o ar refrescante. Eles se encontram, dançam, se beijam e se esquecem de todo o mundo, afinal, seu mundo está ali, seguro em suas mãos. 

O contraste, entre a bela paisagem e dos campos, e o marchar do exército, mostra a dicotomia da vida. A paz coexiste com a guerra, embora pareçam se auto-contradizer elas estão sempre juntas, não como força antagônicas que se repelem e se atraem mutuamente. Por fim, o pizzicato, a expressão de delicadeza, junto ao oboé que quase se perde no tsunami das cordas e metais e a força da orquestra ao fundo, ora vigorosa, ora resiliente, mostra bem essa relação, essa tensão da existência ao qual todos estamos sujeitos, termina lenta e calmamente, até desaparecer por completo. 

3. Allegro vivace

Esse movimento começa quase agressivo, mas brilhante. Surge de repente, rápido, mas é atenuado pela delicadeza dos sopros. É um dueto cômico, o que faz jus ao scherzo, que logo dá lugar á várias soluções para a apresentação do tema principal e as variações. 

Vemos um mundo de cores, é noite, e as pessoas festejam. As mulheres danças, com seus vestidos de todas as cores esvoaçando próximas aos rapazes que, ora tocam seus instrumentos, ora se dedicam a simplesmente contemplar a beleza de suas pretendentes. As luzes brilham forte por toda a parte. Mulheres conversam e reclamam de seus maridos, todos dados as glutonerias da aristocracia enquanto a elas cabem a complexa administração dos lares. O maridos bebem, do melhor whisky e do melhor vinho, enquanto incentivam os mais jovens em suas rodas de alegrias. 

Uma quase valsa conduz todos ao redor de uma grande fogueira, é uma celebração nas ruas de Viena, conhecida por suas festas que duram noites e noites sem fim, movidas por ritmos alegres e brilhantes. No castelo a alegria igualmente partilhada, muito embora a qualidade do banquete divirja em muito daqueles aproveitado pelos camponeses. Aqui se encontram grandiosos javalis, assados inteiramente por horas, faisões e cremes dos mais diversos tipos. Vinhos finos e pratos elaborados pelos melhores chef's, vindos de toda parte do reino. 

A grandiosidade é mais uma vez o tema central aqui. Um landler de Viena confiado aos sopros, com toda potência e com o acompanhamento da orquestra, uma única melodia, capaz por sí só transmitir a idílica realidade daquela corte dos amores e prazeres. As soluções são, digo mais uma vez, inventivas, e as variações transformam a atmosfera num ambiente perfeitamente agradável, coisa para fechar os olhos e se deixar pelos grandiosos salões de festas, ornado de grandes lustres e belas damas e, talvez, alguns pavões, excentricidades da nobreza.

4. Allegro vivace

É com um impeto digno de Bruckner que esse movimento começar. Aquela grandiosidade anterior atinge seu ápice. Não há mais camponese festejando, somente o furor ébrio e luxurioso da nobreza, que, após muitos goles dos mais caros vinhos se entregam aquela letargia própria dos sentidos afetados. 

Somos levados a uma assombrosa sucessão de ondas de ritmos que correm como uma torrente, impossível de se escapar dela. Há um contraste, belíssimo, entre o forte e o piano que é o responsável por dar impulso a esse maremoto. Não há outra forma de descrever senão esta: de um idílio poderoso do qual não podemos fugir, é quase uma personificação do destino, imbatível, incontrolável. 

O que define esse movimento e, por conseguinte todos os outros? Poder. Um poder acima de qualquer pequeno camponês mas que, no entanto a eles serve e os protege. É um poder legítimo, nobre. Sim, dado a engrandecer a si mesmo e a fechar-se em sua própria glória, próprios de todo poder humano.

O final é simplesmente sublime, apresentando uma sucessão de apenas quatro notas que persistem por mais de duzentos compassos, de proporções monumentais, conduzindo até a apoteose final, idílica em sua gigantesca declaração de soberania. 

~

Obs.: *É evidente que a sinfonia é ambientada em Viena, contudo a visão apresentada aqui é uma mescla entre a cidade real e uma cidade imaginária, criada por mim para explicar alguns elementos específicos da sinfonia, dado que meu conhecimento do espírito arquitetônico é nada mais do que irrelevante. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário