terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Lente sépia

Lágrimas secas sobre o meu rosto.

Uma noite escura que se prolongou mais do que o normal. Não terminou com o nascer do sol, senão que ainda estou dentro dela, agora que a tarde já finda. A luz fraca entra pela minha janela, tornando o meu pequeno quarto uma caixinha enevoada de poeira. 

Um mundo cinza. 

Uma lente sépia me foi colocada nos olhos, enxergo apenas uma realidade turva, enquanto sou esmagado pelo peso da realidade, pela minha própria existência. A música ainda toca no fundo ou já acabou, não sei dizer, há muito barulho mas eu não sei dizer se vem do player ou da minha cabeça. 

O silêncio grita. 

O vento ruge lá fora, balança os fios do varal amarrados numa arvore grande do meu quintal que rangem alto em contato com a madeira. Até isso me chama a atenção... Um sono demasiado me pesa os olhos que doem e protestam fechando-se para tudo o mais, me obrigando a concentrar no tufão que há dentro do meu peito. 

O corpo parece ser feito de chumbo.

Me recuso a levantar-me. Não quero ver nada e nem ninguém, saber que continuo acordando aqui é uma decepção grande demais para quem dormiu na esperança de acordar numa nova vida. 

Mas as coisas continuam sem graça nenhuma. 

A música cresce lentamente, o solo do oboé se transmuta na coda dos violinos, que abrem um véu deste mundo para uma realidade distinta e distante. Muito barulho e, ao mesmo tempo, barulho nenhum. 

E a minha vida?

Parece transmutar-se na ordem inversa. Perdendo cada dia mais força, desaparecendo ao longe como uma flauta que pouco a pouco perde o fôlego. A última coisa que escuto é a voz dos sábios sussurrando baixinho, algo que não consigo mais ouvir... 

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