quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Dias nublados

Atravessando um momento nublado. Minha cama tem sido meu único refúgio, já há três dias que não saio dela. Não tenho conseguido me concentrar, tampouco me distrair com alguma coisa capaz de afastar essa sensação cinza que há em mim. O sono, o torpor, tudo parece me dominar. Não encontro força ou razão para fazer qualquer coisa que seja. Apenas fico aqui, no escuro, ouvindo um álbum depois do outro, sozinho, esperando alguma coisa, que eu ainda não sei o que é, acontecer...

Queria pedir pizza, como há alguns dias atrás, ou comer um daqueles hambúrgueres artesanais enormes. Mas não quero mais. Agora só quero voltar para o meu quarto e dormir. O desejo morreu, se esmaeceu até desaparecer completamente. Queria voltar e ouvir aquela voz, sorrir, brincar, sentir o calor de suas mãos ao redor de mim. Mas agora não quero mais. Tenho medo, muito medo. Imaginar que qualquer coisa possa me arrancar desse meu lugar seguro é assustador demais e, no entanto, eu sei que ficando aqui o meu medo só vai aumentar. 

Fui tomado por um súbito desânimo. De repente, não mais que de repente, a minha visão ficou turva, e turvou-se também a minha vontade. Ela já não mais existia, apenas uma sombra fria, pequenas cinzas voando ao vento como farrapos. A desesperança me abraçou, com seu longo manto, outrora verde, mas que agora ostenta uma cor pálida, sem vida. 

É assim que me sinto. Vestindo um manto pálido, quase sem cor e sem vida. Meu coração, tomado por essa desesperança, que o preencheu com força, deixando não mais do que a velha sensação de vazio. Irônica forma de dizer. Não acredito mais, nas pessoas, no amor, no carinho, na alegria. Não acredito mais. Meu destino, o qual devo aceitar com uma resiliência estoica, é a solidão, incompreendida em meio aos barulhos do mundo. 

Minha única reação é voltar para a cama, ficar sozinho em meu quarto. Quem sabe algum dia essa desesperança vá embora e eu veja a luz novamente?

Tentei olhar as redes sociais um pouco, antes de dormir pois, quem sabe, elas me animassem. Muito pelo contrário. Pessoas sorridentes, corpos nus, perfeitos e bem definidos  ostentando aquela beleza perfeita que tanto almejo. Vejo então todos aqueles meninos de pele clara, cabelo perfeito e liso, corpo forte. Vejo os olhos com lágrimas e coloco de lado o celular.

É, talvez seja melhor eu dormir mesmo.

No entanto, acordo chorando de novo, pois sonhei ter espetado o dedo numa rosa que nunca ganhei mas mesmo assim sangrou. Não sei onde mais posso encontrar refúgio dos ventos frios destes dias nublados. 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Dias de baco


Dias de carnaval, bloquinhos, fantasias, brilho, música alta, muito álcool, desfiles... Para mim, uma grande celebração do desespero. Milhares de pessoas absolutamente aterrorizadas com o vazio do próprio coração. Mas elas olham ao redor e vêem que todos estão sorrindo, felizes (?) O sorriso faz com que todos pensem que ali está a felicidade. Mas a música faz rir, o sexo faz rir, o álcool faz rir. Mas rir não quer dizer ser feliz. Todos buscam então ali a felicidade e, quando não encontram, aumentam a dose. Procuram mais felicidade, mais prazer, mais álcool, mais sexo... Isso, esse ciclo vicioso, gera uma grandiosa celebração desse desespero pra preencher o vazio que há no âmago do coração do homem. 

As pessoas então se vestem com penas e grandes saias de tecidos grossos e brilhantes. Glitter por toda parte. Personagens de desenho e jogos nas ruas, flores, anjinhos e diabinhos... Todos com copos de vodka com energético na mão, alguns cigarros de maconha e muita música alta. O funk, o samba, a batida intermitente, o ritmo viciante, a loucura institucionalizada. Cada fibra do corpo implora que ali, no meio daquele bloco encontrem a felicidade, seja no efeito da bebida ou no beijo de algum desconhecido com cheiro de cerveja e suor, embaixo do sol quente. 

Muitos terminam na cama com amigos, depois que o álcool aumentou a libido de tal modo a libido que pareceu uma boa ideia irem juntos para o sexo. A ressaca moral, na quarta-feira de cinzas, é nacional. O mundo exala o suor frio e sensação do absoluto vazio. Algumas cidades ainda festejam por várias semanas, o medo do fim da festa, o medo do silêncio que vem depois que os sons são desligados. Isso porque esse silêncio evidencia, num grito ensurdecedor, que nada daqueles dias de alegria alucinada foi capaz de preencher o vazio do coração, que precisa de mais do que alguns momentos de prazer, por mais que sejam estendidos. 

Há um niilismo disfarçado de alegria nestes dias de Baco!

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Meu dilema dos últimos dias

Me deparei com um dilema bastante íntimo nos últimos dias, mas tive de aguardar, é claro, aquele período mínimo de maturação do pensamento antes de conseguir dizer qualquer coisa a respeito. Com efeito, o volume de coisas que sei e sinto, mas não consigo dizer é gigantesco e assustador. Há tanto a dizer que ainda não consigo verbalizar, só consigo pensar no quão deficiente é ainda minha formação intelectual e no quanto ainda preciso melhorar para conseguir ainda dizer, de algum modo, aquilo que percebi em minhas experiências pessoais.

Pois bem, alguns dias atrás falei, não me lembro se o foi de forma clara ou poética, sobre as variações de libido que eu experimento, ocasionadas em grande parte pela relação delicada entre as demandas da minha idade e dos remédios psiquiátricos que eu tomo. O que me acontece é que eu experimento uma flutuação quase randômica da minha libido, absolutamente descontrolada, o que me deixa numa série de situações desagradáveis.

Em dados momentos, que costumam durar de alguns dias até várias semanas, eu experimento uma completa apatia sexual. Me transformo em algum tipo de alface, sem nenhuma sombra de desejo. Nem mesmo poluções noturnas me aparecem. Cheguei a ficar com uma pessoa nesse período sem sentir absolutamente nada.

Por outro lado, em outros momentos, há uma explosão de libido que acaba me deixando desnorteado, em meio as ondas de hormônios que são liberados o tempo todo. Parece que voltei à puberdade, excitado com qualquer coisa, exatamente como um adolescente. Daí os momentos de calor, de uma paixão avassaladora e de uma erotização fora do normal.

Esse desequilíbrio me incomoda, aliás, como todo desequilíbrio. Saber que me tornei uma brasa que, coberta de cinzas ainda esconde a potência de incendiar o mundo me incomoda. Sexualizar até as conversar mais banais com meus amigos me incomoda. Não poder sair usando um short leve me incomoda. Mas eu não posso simplesmente parar de tomar os remédios, seria loucura, eu poderia ficar ainda pior.

Daí me vem um outro pensamento, desta vez questionador: e qual o problema da erotização? Será que não estou me sentindo culpado por sentir algo que não é culpa minha? Não deveria apenas tentar viver o momento?

Mas isso também me incomoda. Não me vejo instalando um aplicativo e usando-o para descarregar. Algo em mim impede de mergulhar em algo tão raso quanto uma relação puramente sexual. Mas se é algo raso por qual razão eu quero mergulhar? Poderia apenas aproveitar o momento, o prazer.

Minha moralidade me impede, ao passo que me deixa triste por sentir reprimido, mas bem sei que se fizesse o que me mandam os hormônios eu continuaria igualmente infeliz. Todas as vezes que segui apenas o que sentia eu continuei igual ou mais vazio do que antes.

Por isso penso ser essa variação tão problemática. Se eu apenas a sinto, como um fluxo de cores, sabores e sensações, embarco numa tortura quase sem fim, fritando na cama de um lado para o outro. Se ou atrás de satisfazes esses desejos continuo, no fim das contas, tão incomodado quanto antes, não sendo o alívio sexual nenhum contributo para o alívio da situação geral.

Me sinto então preso, entre a demonização da libido e a empiria de saber que ela não me traz conforto algum. Desejando sem querer desejar. Os adeptos da liberdade sexual vão dizer que isso é tudo culpa da repressão, que me sentiria melhor se apenas liberasse o que sinto e sentisse sem vergonha ou incômodo. Não sei se é bem isso pois, como já disse, todas as vezes que cedi a esses impulsos eu não consegui nada além de um orgasmo facilmente esquecível alguns minutos depois. Outros, no entanto, podem dizer que é apenas um fluxo de energia que eu deveria levar para outro lugar, coisa que eu também não consigo fazer. Não dá pra usar essa energia para estudar ou construir uma casa, ela simplesmente rouba minha atenção de tudo que tento fazer e acaba por sugando minhas outras energias, deixando-me apático, um bonequinho com ereção.

Reconheço a repressão que há em mim, movida não por uma religiosidade desmedida, mas por um sentimento de repulsa por todas as pessoas que vivem suas liberdades como se não houvesse no mundo nada mais importante do que o sexo. E, no entanto, nunca deixei de gozar quando senti vontade, muito embora não me tenha dado nada do que esperava realmente. Vejo nessas pessoas o mesmo que vejo naqueles que bebem sem controle ou que vão de festa em festa todos os fins de semana: desespero. Desespero em preencher o grande vazio que sentem. O sexo é apenas a forma que encontraram para tentar preencher esse vazio. O prazer, momentâneo que passa em alguns minutos, deve ser estendido, repetido à exaustão, mas nunca consegue preencher o vazio. As pessoas, cegas por aquele sentimento do orgasmo, acham que estão fazendo algo errado, e então trocam, de parceiro, de posição, sem saber que estão simplesmente procurando no lugar errado. Como sei disso? Se o sexo fosse a garantia da felicidade a informação já teria sido repassada a todos, afinal, todo mundo fala e faz sexo, mas os índices de depressão não diminuíram por causa disso. Não penso que valha então, liberar geral, afinal só vai trazer mais desespero.

Ao fim então que posso dizer? Apenas que não sei, não sei o que fazer.

Belo fim para um texto, não é?

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Quarto de século

Um peso se abateu sobre meu corpo, como se a existência de repente voltasse a ser um fardo pesado. Minhas pernas se movem com lentidão, meu raciocínio demora a responder enquanto meus olhos vagam sem rumo, pelas janelas e paredes. É como se não reconhecesse nada quanto me rodeia, é como se fosse um estranho em meu próprio corpo. No espelho apenas o retrato da loucura.

Não quero tornar a falar do vazio que sinto toda vez que isso me acontece. Mesmo sabendo que, no entanto, a boca fala daquilo que há no coração, muito já foi dito sobre o vazio, com muito mais profundidade e muito mais eficiência do que as minhas parcas e fracas palavras. Mas é sempre assim, do que eu falarei então? De que outras experiências posso me valer como escritor se não experimento outra coisa senão esta eterna dualidade, entre a morosidade lânguida da depressão e a flâmula luxuriante de uma mania quase psicótica?

Vivo assim, portanto, entre o vazio e o fogo que consome. Entre o abismo frio e escuro que me observa e as chamas que destroem os longos e belos campos de flores vivas do meu coração. É uma dicotomia estranha pois, se eu já sentia que não havia mais nada em mim como o fogo há de achar o que consumir? Pois parece que ainda há, ao mesmo tempo em que não parece haver mais do que um grande buraco bem no centro do meu peito.

Não sei o que é isto. Se é puro efeito da bipolaridade ou dos remédios que tomo para tratá-la ou se ainda é fruto de um despertar para a verdade de uma existência cíclica entre o vazio e a dor, e a dor do vazio.

É risível, além de patético, um escritor não ter sobre o que escrever pois não lhe foram dadas outras experiências além de um profundo cinza sem graça e de uma absoluta falta de interesse e brilho em qualquer coisa que seja desta vida. Tudo me parece dispendioso, tudo me parece uma grande armadilha do destino para despertar em mim esperança, para depois me lançar novamente no lamaçal da decepção. Vou vivendo então, obrigado, um dia de cada vez, sem ânimo, sem vontade alguma, como alguém que nunca rompeu o ventre de sua mãe, senão que o rasgaram, existindo a contragosto do próprio ser. Fizeram-lhe as cortes e os cortes, mas não as suturas, essas eu mesmo as faço, enrolando sobre meus braços e pés as faixas ensanguentadas pelos caminhos por onde andei.

E isso por quanto tempo? Vinte e cinco anos, que dor admitir! Um quarto de século rodopiando sem sentido por aí, um quarto de século em busca de um sentido que nem sei se existe. A única coisa que sei com certeza existir é esse ciclo interminável, essa samsara, que tento a todo custo romper, superar, mas que continua a me lançar continuamente em suas existências violentas e pueris.

Infelizmente, meus amigos, não há o que comemorar. Envelhecer sem saber das respostas, sentir-se preso, observar a volúpia vazia e sem sentido dos divertimentos do mundo. Os bloquinhos, o álcool, tantas fugas da realidade cruel e desesperadora. Um medo compartilhado por todos mas admitido por poucos, aqueles poucos que conseguiram ao menos despertar-se para perceber que, na verdade, não há o que se comemorar. Se bem entendêssemos o mínimo que se passa ao nosso redor viveríamos eternamente de luto. E, do que vejo ao meu redor, com as raras exceções de alguns poucos cristais de pureza e singeleza aos quais sou grato por trazerem um pouco de luz a essa escuridão, não vivo de outra maneira senão que de luto, por todos esses anos sem rumo. Culpa de minha inépcia disfarçada de inteligência? Muito provavelmente.

Minha única esperança de romper com esse ciclo ainda é meu primeiro plano. Adquirir alta cultura, me adentrar nos caminhos da alta filosofia, compreender o que a maioria ignora e, de algum modo, mesmo que a custa da sanidade e do sossego, conseguir quebrar essa roda da fortuna, lançando sobre ela a espada do conhecimento, a única coisa que parece valer o esforço nessa existência. Quem sabe assim supere o samsara, e adentre os mundos superiores daqueles polímatas que, um dia, traçaram o mesmo caminho. Quem sabe me junte, ao fim deste século, numa longa conversa com meus mestres, Platão, Aristóteles, Agostinho e Tomás, ao redor de uma mesa, onde finalmente terei alcançado o hiperurânio, no sobrecéu das ideias perfeitas e eternas. Eis, ao cabo de meus vinte e cinco anos, a minha conclusão: contradições, medos, inseguranças e um uma ponta de esperança. E que esperança? Ser contado em meio a assembléia dos sábios, ainda que no lugar mais humilde, ao alcance de vozes tão poderosas que quebraram as barreiras do tempo para me seduzirem com seu conhecimento, tantos séculos depois e, quem sabe, inspirar outros a seguirem pelo mesmo caminho.

É, acho que estaria mentindo se dissesse não ter nenhum rumo. E o tenho comigo, o tempo todo, embora distraído pela fumaça do modernismo do mundo que há todo momento tenta fazer com que esqueça do que é importante realmente: a eternidade, usar as coisas que passam para abraçar as que não passam, o conhecimento que não se perde na morte, mas que se integra nesta mesma eternidade. E o mais que faço, não vale nada! 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

O jardim e a fonte

Que não se nasçam novas raízes nos canteiros de meu coração, que não se ponham raízes profundas, daquelas que se espalham e crescem por toda a parte, daquelas que não e consegue arrancar, que ficam para sempre, escondidas, só esperando por uma chuva ou um raio de sol para novamente vir a crescer e a se mostrar. 

Meu jardim tornou-se jardim fechado, minhas fontes foram lacradas a todos aqueles que queiram ver-se refletidos em suas águas límpidas. No fundo, as pedras delicadamente esculpidas, todas redondinhas e miúdas, cinzas e brancas como o seixo. Por fora, grandes e pontudas, de uma beleza rústica, firme. Ah... se estas fontes cristalinas pudessem refletir as imagens de meu coração... Mas eu logo deito minha mão com força sobre sua superfície que logo se turva, que não mais dá espaço aos devaneios de minha carente candura. 

Que estas águas, que lentamente escorrem das fontes, não encham de vida novamente as folhas secas, as raízes profundas que ainda não consegui arrancar, revolvendo a terra com violência. Sempre sobra algo, uma semente, uma lembrança, um pequeno desejo, uma pequenina labareda, esperando apenas um soprar do vento para tornar-se um grande incêndio. 

É uma luta contra um fertilizante invisível, contra meu próprio coração, é tentar segurar as águas de um fonte que desembocam num grande e violento rio. Só consigo manter sob controle por pouco tempo, ela logo irrompe, sem que nada e nem ninguém a contenha. E logo começa a transbordar, pelos meus olhos, por cada um de meus poros. É uma batalha já perdida desde o início que, no entanto, já não posso deixar de lutar, pois corro o risco de ser completamente dominado pelas matas grossas e fechadas de um amor sufocante, ao invés de só me deitar a sombra dos cedros, por entre as açucenas olvidado, meu verdadeiro desejo mais puro. 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Dualidade

Descontrole. 

Uma noite fria e uma tarde quente. Detesto todas essas variações. Principalmente as que acontecem aqui, dentro de mim, de um dia para o outro. 

Uma coisa são as mudanças da vida, o curso ininterrupto de um grande rio que nunca deixa de correr. Outra coisa é a loucura, a ânsia voraz e selvagem provocada pelos remédio que, quisera eu, evitariam justamente essas mesmas mudanças. A bipolaridade é uma dicotomia que nunca cessa, apenas diminui, é uma transformação atrás da outra, um gelo que se verte em lava num piscar de olhos. 

A languidez de alguns dias atrás foi substituída por uma bestialidade, aqueles instintos adormecidos vários dias atrás, despertos, o monstro uma vez mais solto de suas grossas correntes de aço. Mesmo transpassado pelas tenazes de ferro ainda sai a correr como um facho de fogo a arder na noite escura. Sob as estrelas caçando, procurando a quem devorar. 

Com essas mudanças vêm também a visão turva. Já não consigo mais enxergar nada com clareza, antes disso, vejo amor onde não há e heróis onde só há vilões, companhia na solidão, vozes no silêncio. Aos céus eu lanço uma prece, apavorada, de que não me deixes enamorar-me novamente, não neste estado. É essa a volúpia batalha travada dentro de mim, entre mim comigo mesmo. 

Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Não sei quem disse isso mas desejo provar deste amor de que ele falava pois, toda vez que fora tomado por algo que pensei ser amor eu apenas fui tomado por um sentimento altamente explosivo, destrutivo como uma bomba, lançada de maneira covarde sob as cidades à noite, enquanto repousam as mulheres e crianças, que ardendo de horror e pavor vêem sua pele descolar de seu corpo, enquanto enxergam no horizonte e no além e luz fraca dos vaga-lumes, a radioatividade, a toxicidade deste sentimento que não traz carinho e poder, como nas lendas, mas apenas dor e choro nas noites solitárias, regadas a 

E então, o que acontece agora com este fogo que arde dentro de mim? Uma vez mais pensei ter se apagado toda e qualquer luz dentro de mim, mas bastou soprar uma brisa para que as labaredas voltassem a envolver tudo em meios as chamas vermelhas e laranjas. Mas não era essa a luz que buscava, não, essa é uma luz luxuriosa, brilhando de modo lúgubre, pintando as ruínas do meu castelo interior de uma cor apavorante, tão parecida com sangue, sangue tomando por um incêndio maldito.

Não sei o que é pior, se o gelo, lânguido e escuro, descansando em minha alcova sem forças para erguer uma só taça de vinho. Ou o fogo, fazendo-me retorcer, destruindo as folhas e as flores, consumindo tudo, mesmo aquilo que achava já havia sido consumido pelo grande abismo que se há dentro de mim. 

Como hei de conviver então, com o vazio que pouco a pouco leva pra dentro de si tudo o que há, ou pelo fogo que consome o resto? De qualquer maneira me restas as cinzas. Cinzas frias daqueles dias, destes dias em que, ao fechar os olhos, só sinto o cheiro dos perfumes mais inebriantes e o sabor salgado do suor, em imagens cada vez mais hipnotizantes. E eu me contorço, de desejo, de medo, de raiva. 

Eu odeio isso. Odeio ficar dias deitado, sem vontade de comer, beber e sem querer ver a ninguém, nem mesmo meus amigos mais chegados e, no outro dia, ser tomado por uma força, um vigor estranho, que achei que nunca mais teria, acompanhado de uma libido desequilibrada, um retrato claro da loucura que se tornou minha existência. Vivendo entre a cinzenta tarde nublada e a ensolarada manhã de verão do cerrado, sendo a minha vida consumida como palha seca, voando minha vontade de viver como fumaça negra ao vento. 

Uns dizem que o mundo em fogo termina,
Outros, que em gelo se apaga.
E eu já provei de desejo, que é sina
Por isso repito que em fogo termina.
Mas se mais uma vez nosso mundo se estraga,
Só sei que na vida provei tanto ódio voraz
Que posso dizer que, se em gelo se apaga,
Tanto fez como tanto faz,
Posto que tudo se acaba.

(Robert Frost)

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Longe das mãos


Uma inquietude me sobe pelos nervos das pernas, agitando-as freneticamente enquanto a música calma gera ao meu redor um contraponto difícil de conciliar. Estou, ao mesmo tempo, impaciente e estranhamente atônito. Olhando exasperado para o teto branco ou para as borboletas da parede. 

Ela vai subindo, como um fogo incômodo, pela coluna e chega até a minha cabeça. Minhas mãos coçam para dizer algo que não sei o que é. Minha mente, vagueia, perdida e distante, muitas galáxias longe daqui. 

Miríades e miríades de estrelas, incontáveis pontinhos de luz num imensurável oceano de escuridão. É para lá, para o longínquo desconhecido, que tenho vontade de ir. A inquietude que me sobe como formiga me faz querer andar sem rumo, o rumo não importa, só importa sair daqui, fugir, nunca mais voltar, ter ou dar notícias. Desaparecer no imenso espaço, como uma estrelinha que brilhou e se apagou. 

É, assim seria bem melhor. Longe do barulho, das questões que me inquietam. De que importam essas coisas na imensidão do cosmos? Nada. Menos do que um grão de poeira e, no entanto, é esse tipo de existência que eu desejo e, ao mesmo tempo, mais temo. 

Um querendo não querer, ser e não ser ao mesmo tempo. Ser lembrado, embora esquecido por todos. Faz algum sentido? Talvez eu queira ser lembrado, mais do que tudo, mas como nada em mim é realmente memorável eu prefiro se esquecido, a ser lembrado como alguém deplorável e patético. A grandeza ou o esquecimento absoluto nos confins da história, de uma história sem importância alguma. 

O céu aos poucos se escurece, abandona aquele azul claro e tímido e, pouco a pouco, vai adquirindo o cinza violento, melancólico, é verdade, mas poderoso. O ribombar dos trovões anunciam que logo logo a chuva deve cair. Certamente bem na hora que eu preciso sair. É sempre assim. É esse tipo de coisa que me faz pensar que sumir, pra algum lugar sem nenhuma obrigação ou responsabilidade, seja o melhor, longe, quem sabe, das mãos do próprio destino. Destino cujo mistério, me assusta, me faz ficar inquieto, temeroso com o que me aguarda no futuro. 

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Durante éons

Toda epopeia traz tantos elementos que poderiam ser discutidos num livro inteiro, ou numa noite de vinhos e risadas. Mas a forma como abordaram coisas como o desconhecido, o universo como ponto de chegada e de partida, o homem como salvador de si mesmo ou um grande herói divino, a dor, o medo, a saudade... A perspectiva da morte, do esquecimento, o envelhecer, o que pode ser feito durante uma vida e o que está acima de cada um de nós e o que está sob nosso alcance mas ainda não sabemos...

O homem almeja explorar a vastidão do universo, mas nós mesmos já somos, per si, universos, ora distantes, ora conexos, mas que independentemente da distância nunca coexistem sozinhos. A solidão gera a loucura, a desesperança. A união, o estar junto de quem se ama mesmo sob a distância de anos, é o que torna os nossos universos particulares capazes de tocarem uns aos outros. Das mais diferentes maneiras.

Esses momentos, raros e únicos em toda a existência, fazem com que nós, meros observadores, nos sintamos cada vez mais desejosos deles participar. Desejamos compreender, desde dentro, os laços de amor e afeto que ligam as pessoas. Entender até onde vai seu medo, suas aspirações, até onde seriam capazes de ir para satisfazerem seus desejos mais profundos de conhecimento, de desbravar as areias inexploradas das praias, os anéis nunca vistos ao redor de distantes planetas, e o brilho de poeira cósmica de tantas galáxias... 

Mas o que coisas a tantos milhares de anos-luz daqui têm a ver comigo? Dentro de mim há justamente um mundo igualmente vasto e igualmente inexplorado. Dentro de cada um de nós. E eu vejo algumas pessoas, elas me atraem como a inexpugnável força de um centro gravitacional. Isso me incomoda, é como se estivesse, de algum modo, preso a elas. 

Mesmo depois de tantos anos, uma foto, um sorriso qualquer, ainda desperta uma cascata de sentimentos, explosões de supernovas, estrelas cadentes que pintam o céu de centenas de traços luminescentes. Meu universo particular é repleto de beleza e caos, como o mesmo inexplorado que agora eu observo pela janela da sala. Me encho de fúria, como as colisões de asteroides com as superfícies de planetas habitados, destruindo a vida de bilhões. Me encho da contemplação do nascimento da vida, lenta e timidamente, durante eras que se estendem para muito além da existência simples do homem. Como pode, a beleza, ser ao mesmo tempo tão inebriante e hipnotizante e assustadoramente destruidora? 

Parece, às vezes, que minha história também segue assim, ininterruptamente durante éons, sempre perdido em meio a este universo mas igualmente preso a ele, fascinado pelos universos próximos mas igualmente incapaz de tocá-los por alguns instantes que seja. 

Daí o medo, a insegurança, a solidão diante da vastidão de estrelas e sistemas que há rodeando o nosso ínfimo e insignificante poeira, onde somos menos do que um grão de areia no deserto. Que poderia nossa limitada inteligência fazer diante de tão grandiosa existência? A realidade é, absoluta e irrevogavelmente implacável em sua própria existências. 

De inspiração

Créditos na imagem

Me surpreendi, com a carga emocional que aquele jovem pode suportar. Vivendo sozinho numa cidade grande, a mãe trabalhando numa casa de família no interior, o pai que o abandonou com muitas dívidas a pagar, os sentimentos confusos sobre o seu veterano na faculdade. A solidão, o medo do desconhecido, o dia incerto de amanhã, o coração que bate sem controle quando o vê. É tudo tão difícil, qualquer outra pessoa teria desistido. 

Mas ele não! Não cansa de procurar emprego, dá aulas particulares para complementar a renda, trabalha meio período e ainda é um dos melhores da faculdade. Quanta força de vontade, quanta aspiração em vencer na vida! 

Uma palavra o define: guerreiro. Guerreiro forte que, mesmo depois de várias negativas de emprego volta para casa debaixo da chuva e, jogado no chão em meio as lágrimas ainda tem coragem de dizer a si mesmo para não desistir, que no fim tudo se acertará. 

É um daqueles personagens da ficção que nos inspira, que nos faz crescer. Daqueles que não desistem diante das dificuldades e tormentas e que, mesmo em meio ao caos ainda sorri, não por desespero, mas por esperança, e por saber que força é capaz de superar as adversidades.

Obviamente trata-se de um personagem que é o absoluto oposto de mim, desesperançoso e pessimista. Mas ver aquele brilho no olhar, aquele sorriso bobo depois de um momento fofo com o menino que faz seu sentimento crescer a cada dia é, no mínimo, inspirador. Inspiração de dias melhores, inspiração de que a força pode superar algumas das dificuldades dessa vida complexa. O brilho faz com que eu enxergue alguma saída nesse túnel escuro, e isso enche meu coração de um leve calor. É bom, sim, é bom voltar a ter um pouco de esperança, de dias melhores e, quem sabe, de um encontro com alguém que também me faça sorrir assim, não iludido, mas verdadeiramente apaixonado. 

Obrigado Saint Suppapong por, ao dar vida a Tutor em Why R U me inspirar a não desistir tão cedo!

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Constatações íntimas

Não adianta, pensar que por andar com pessoas bonitas e talentosas você será como elas. Elas são muito melhores do que você! Ninguém vai se atrair por você. Não adianta, essas coisas nascem com você ou você as conquista, e você não vai conquistar nada, porque você é um fracasso, um lixo, um arremedo de ser humano com olheiras fundas e olhos distantes. 

Você nunca vai conquistar nada porque as pessoas logo passam a sentir repulsa de você, elas sentem nojo de você, que não é mais agradável do que um daqueles vermes que devoram a carcaça dos animais apodrecidos nas savanas. Você não é nada, veio do pó e ao pó voltará. 

Você nunca será bonito como eles, ninguém nunca vai olhar para você com desejo ou afeto de verdade. Você vai morrer sozinho, sem ninguém por você, incapaz de levantar e pegar um copo com água, fedendo por estar só e imundo, e eles só perceberão sua morte quando o cheiro do seu corpo incomodar, assim como sua presença incomoda. Ninguém vai chorar sua perda ou prantear ao redor de seu caixão. 

Você nunca terá o talento deles, nem com todo esforço do mundo poderá ser como eles. Não importa o quanto tente, você nunca vai sair do lugar. Até aquilo que faz de melhor qualquer imbecil pode fazer com um pouco de estudo. Não há razão pra você existir, o que ainda faz aqui? Deveria sumir, desaparecer. 

Você sabe que é o melhor que devia fazer.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Alguns dias aqui


Os olhos dele não eram apenas frios, é difícil explicar, não eram vazio mas também não pareciam ver nada dali. Talvez estivessem vendo coisas de lugares distantes, outras pessoas, não sei. Talvez estivesse vendo coisas de outro mundo. É, essa é a melhor forma de descrever: não são olhos vazios ou tristes, são olhos distantes. Que contemplam o imensurável cosmos ou os oceanos abissais. Longe demais para dar atenção as pequenas bobagens de aqui.

Já fazem alguns dias, que não consigo me levantar senão por alguns instantes, e logo tornar à cama. Não que seja o melhor lugar ou o mais confortável, mas acho que é o único lugar onde posso ficar sem fazer nada. Cabelo e camisa amassados, o rosto inchado, a pele macilenta e oleosa. Quando alguém parte a porta eu respondo com a única voz que me sobrou, um murmurio baixo e grave, sem energia. 

Três livros a minha direita, tentei ler algumas paginas mas as letras fugiram de mim. Não consegui reter sequer uma vírgula. A música toca repetidamente e eu já nem sei mais o que estou ouvindo. Algum dueto indiano bem animado ou desesperado. 

Eu deveria me levantar, fazer alguma coisa. Preciso fazer um portfólio de maquiagem que sequer comecei. Menos de meia hora eu fui ao shopping e voltei, gastando com paletas e iluminadores, na esperança de que me alegrassem um pouco, nada. Sequer tenho vontade de usá-las. 

Não tenho forças para levantar e me olhar no espelho, e sei que se olhar não verei mais do que um homem feio de olhar distante. Mas o que vejo? Vejo um imenso abismo, um vazio sem tamanho. Vejo escuridão e vejo mentiras onde os outros vêem amor. 

"Nunca amou" alguns dizem e eu respondo "amou demais" mas nunca foi amado. E por acaso a culpa é minha? Nasci sob o signo da solidão, marcado pelo destino de nada ter e nada conquistar. 

As meninas que sorriam para mim na verdade queriam meus amigos. E que me importa isso? Por acaso dei a gostar de mulheres agora? Não é isto, é que saber não ser agradável aos olhos dos outros é uma constatação dolorida por demais.

Por isso acho que meu corpo desligou-se. Não há razão para sair, não há razão para vestir-se, não há razão para pintar-se. O mundo ao meu redor continuará cinza, ainda que todos os outros enxerguem as cores, ou se iludam com elas. 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Brisa fria


Gosto da brisa fria dessa época do ano. O sol estava a pino pouco tempo atrás, mas agora deu lugar a pesadas nuvens de um cinza escuro. O céu se prepara para descarregar sua fúria sobre os homens. Ou talvez sejam suas lágrimas? 

Escuto os urros graves que fazem as janelas tremerem. Os relâmpagos iluminam o quarto por um instante, um flash roxo e amarelo. Ah quem há de ousar desafiar esse poder? Quando a tempestade grita, todo o mundo se cala para sentir na pele, ou nas filhas, as gotas pesadas e grossas. 

Como as gotas que escorrem do rosto daquela mãe preocupada com seu filho, que não vai mi voltar mesmo depois de tantos anos. Ou como aquele homem que vê sua amada partir de seus braços. Também não há como enfrentar essa força, essa mão invisível que nos guia de alguma forma, que une a todos num só rebanho de condenados, como disse o poeta.

Uma florzinha perdeu uma pétala, e chorou. A petalazinha voou, rodopiou ao vento frio, passou soprando na cabeça de uma criança e caiu, no chão, de onde nunca mais saiu. A flor que ficou sem pétalas, o piano que se silenciou, a águia que deixou de voar, a voz que não canta mais...

Me vejo nessa brisa, apenas um prenuncio de algo grande, a brisa que vem antes da tempestade. Mas eu nunca sou tempestade, sou brisa, brisa fria, sem entusiasmo, sem alegria.

Essa brisa fria também me lembra aquele sentimento amargo, de um amigo que um dia te abraçou com tanta força que suas pernas falharam. Mas que depois de foi, pra nunca mais voltar. Ou daquele que enterrou sua mãe, pranteando-a ao lado do caixão lustroso, triste pelo tempo em que ele fugiu de sua companhia, agora inalcançável. É, é uma brisa fria e triste, mas eu gosto dela. Não da dor, essa não, mas do simples soprar fresco em minha pele.

sábado, 8 de fevereiro de 2020

De um mundo grande

Nesse mundo tão grande, nessa noite banhada pelo brilho de tantas estrelas, quantas pessoas, quantas histórias, quantos corações. O céu se estende sobre nós como um enorme véu, um veludo salpicado de pequenos pontinhos. 

Em algum lugar de Paris um casal anda de mãos dadas olhando as luzes da cidade dos amantes. Na Índia uma jovem moça repousa a cabeça no peito do amado em frente ao Taj Mahal, ou apenas duas pessoas aqui no Brasil deitadas no chão olhando o céu e pensando que, te todos os lugares banhados pela luz das estrelas o melhor lugar do mundo para se estar é ali, com quem se ama. 

É o amor que traz sentido, desde um sorriso até as miríades de estrelas que se estendem no cosmos como um caminho ao infinito e, no entanto, dentro de cada um há um mesmo infinito, tão brilhante e tão grandioso, esperando ser explorado pelas expedições daqueles que amam.

Eu olho para os céus imaginando a imensidão do mundo e à procura de alguma coisa, alguém e me pergunto se alguém, em algum recanto longínquo deste mundo não procura a mesma coisa, encontrando seu olhar com o meu, no mesmo céu brilhante de um mundo tão grande. 

Verdadeira companhia


Uma noite. 
Amigos.
Algumas garrafas de álcool e uma pizza.
Doces.

Não levava comigo apenas o celular e algumas folhas depois de uma longa reunião, mas uma já conhecida sensação de vazio. O que será isso? Mais divertimento daqueles que tentam nos anuviar a vista para as misérias? O divertimento desse tipo é pior do que o ópio.

Fotos no espelho.
Corpos magrelos e fortes.
Uma cama de jornais.
Risadas, trocadilhos com nomes sujos e filmes.

Já perdi a capacidade de rir verdadeiramente há tempos. Aprendi a falsear o sorriso mas muitas nem isso eu consigo fazer. Mas, pouco a pouco, de brincadeira em brincadeira, aquele leve sinal no meu rosto foi se tornando em riso de verdade. Não um sorriso amarelo, aberto para o mundo, mas um sorriso puro e sincero, que há meses eu já não via.

Jovens afoitos.
Experiências na praia e na secretaria do colégio. 
Beijos, toques. 
Amores.

Momentos em que podemos nos despir de preconceitos, de amarras e cabrestos e dizer aquilo que nos vêm no coração... Como são importantes. Todos temos histórias para contar, todos temos desejos  a satisfazer, mesmo no canto mais secreto, e trazer isso à luz mais um pouco no torna um pouquinho mais nós mesmos.

Esperanças.
Dor.
Superação.
O super homem de Nietzsche.

Enxergar para além de toda dor, de toda destruição. É uma lição que eu tento aprender, minha fuga pessoal do niilismo que tanto parece me sugar. Mas eu consigo ver, um pequeno pontinho de luz, acima de todo esse abismo. 

Membros endurecidos. 
A contradição de Schopenhauer.
Perguntas indecentes. 
Schopenhauer tinha razão.

Ou não.

Vivemos num ciclo de dor, mas esse ciclo pode ser quebrado e superado? Há como sair dessa samsara? Mas o ciclo de dor para uns é um ciclo de dor e amor para outros, e um ciclo de dor, amor e alegrias para um terceiro. Não há só dor, não só alegria e nem só amor. 

Calças cheias.
Mais risadas.
Boas músicas.
Uma roda de samba.

Uma vez mais a liberdade de dizer o que vem a mente. Uma vez mais um algo que não se revela no mundo normal, a aceitação de um instinto animalesco do qual sequer nos damos conta direito. A desconstrução do desejo do homem como algo intrinsecamente ruim. 

Músicas tristes. 
Devaneios filosóficos.
De onde vem o amor? 
Qual a razão de nossas carências? 
Qual o motivo de nossas buscas incansáveis?

Que são os números?
Como dois pontos formam uma reta? 
Como o nada pode medir alguma coisa?
A distância?

Entre dois pontos?
Entre dois corpos.
Os números não existem.
Talvez nossa definição de amor também não.

Existem tantas verdades quanto existem pessoas. A minha verdade é formada pelas coisas que vivi. A sua verdade é completamente diferente da minha. E ambas são verdades. E é verdade que eu enxergo dor e desespero, onde outros podem enxergar afetação ou até mesmo acolhimento.

Instintos reprimidos.
Excitação.
Jovens afoitos por corpos entrelaçados e hormônios trocados. 
Morais que nos oprimem. 

Corpos nus.
Fetiches por pés.
Homens tristes por não serem quem são.
E por não serem outra coisa?

Luzes apagadas e mentes livres a voar, a se deixarem guiar pelos seus instintos em seus devaneios mais secretos. Um algo de liberdade há no escuro, um algo de si mesmo se revela quando ninguém está olhando. E é bom saber que, mesmo ali, ainda há como dizer, de alguma forma, o que se sente e como se sente. Claro, a compreensão do outro é algo impossível, mas dizer e sentir-se ouvido, dizer e não ser julgado, dizer e ouvir em resposta algo que bate com o que sentimos é maravilhoso. Algo que só duas almas movidas pela arte poderiam fazer. Somente este mundo do belo seria capaz de fazer dois estranhos se tocarem.

MAS ESTE MOMENTO ACONTECEU, E MESMO NUM ÍNFIMO INSTANTE OS MUNDOS SE ENCONTRARAM E A COMPREENSÃO,

POR MEIO DA ARTE,

ACONTECEU!

O que é ser eu mesmo?
Uma mensagem que nunca chegará.
Um pouco mais de bebida. 
Músicas especiais, lembranças.

Deveríamos cantar um hino à arte.

Um martelo, um homem iludido, a morte, um susto. 
Sono.
Mensagem enviada. 
Um lento acordar.

Mais músicas.
Lembranças agridoces, um amor que se tornou difícil e doloroso.
Uma flor e seus espinhos.
Espinhos sem flores.

Hinos à arte.

A vida cor de rosa, um hino ao amor,
um moinho destruindo sonhos,
um longo interlúdio sobre a vinda da morte.

O arrependimento pela mensagem.

O despertar.
Um delírio que não se realizou. 
Compromissos desmarcados.
O sol que quase desponta no horizonte. 
Um abraço em grupo.

Uma solidão, felizmente, roubada pela verdadeira companhia.

Palavras jogadas para eternizarem, de algum modo, esta noite de colisão entre mundos tão distintos que conseguiram um vislumbre de si mesmos e dos outros.

Deixo aqui registrado que, numa noite chuvosa de fevereiro, quatro amigos numa sala escura falaram sobre muitas coisas, dores, amores, desejos e, de algum modo, o deus das artes nos permitiu sentir que vivemos no mesmo no mesmo mundo, e não separado de todas as outras pessoas. Deixo aqui registrado que isso aconteceu.

Deixo aqui registrado que eu estava lá!

Deixo registrado que eu tive VERDADEIRA COMPANHIA!

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Do problema

Afinal, qual é o problema comigo? 

Tenho muito mais do que uma grande maioria das pessoas não têm. Meu pai pagou integralmente e sem dificuldade a minha faculdade e minhas especializações. Tenho dinheiro pra pegar um Uber pra um lugar que fica há 10 minutos de caminhada. Não falta comida com fartura na minha mesa e eu posso comer de tudo o que eu tiver vontade. Minha família tem defeitos, traições e brigas, mas qual família não as tem? Eu tenho a vida que muitos sonham ter. 

Mas então, qual a razão de toda angústia no meu peito? 

Mesmo com tudo isso eu ainda sinto um absoluto vazio dentro de mim. É como se um abismo se abrisse violentamente dentro de minhas vísceras, lançando no nada o meu coração e regando com meu sangue o chão frio do fundo de um vale tão profundo que a luz do sol não consegue alcançar. 

E este é um vazio que corrói, como vermes num corpo que apodrece num terreno baldio, sendo devorado por abutres e pouco a pouco se desfazendo numa massa disforme de carne e ossos, até desaparecer completamente como pó, talvez servindo como adubo para alguma grande árvore, encontrando utilidade e propósito somente no fim dessa existência, não sendo mais do que uma grande metamorfose confusa e sem razão para ser duranta toda a vida. 

Queria entender de onde vem esse vazio, como tampá-lo. Vazio que não se pode preencher com risadas, com lágrimas e nem com álcool ou remédios para dormir. É apenas um vazio, um grande buraco que se abre e que engole tudo, todos os resquícios de alegria. 

O resultado é um mundo cinza, onde a música não faz sentido, onde as flores perdem as cores e a risada doce das crianças torna-se um balbuciar desconfortável. Parece que não tenho nada a perder, senão que já perdi tudo quando minha vontade viver se esvaiu como poeira ao vento. E agora também meu corpo parece desvanecer, pouco a pouco, sem conseguir levantar-se, sem conseguir a disposição para levantar a cada dia que amanhece, senão que cada amanhecer se tornou um desespero. 

"Considero o Niilismo o maior ato de liberdade de um homem, um Niilista não tem nada a perder pois já perdeu tudo." 
(Gerson de Rodrigues)

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Dois sonhos

Sonhos têm um significado? Se o têm, é possível compreendê-los? Não tenho a resposta para essas perguntas mas, ao sonhar com coisas que e marcam de alguma forma, decidi refletir um pouco sobre o que aquilo poderia dizer a mim e sobre mim. 

Tive dois sonhos, o primeiro dele durante a madrugada, e me lembro de ter acordado um pouco exasperado às três da manhã, mas um pouco feliz, o que me rendeu um tweet meloso. 

Fora visitar um antigo local de trabalho. No meio de muitos jovens, a maioria deles meus alunos, encontrei uma figura em particular que me encheu o coração. Lá estava ele, simples e oriental. Usava um suéter cinza por cima de uma camisa preta, com a gola para fora e calças pretas. Era alto, magro, de aparência oriental, mas parecia sempre indefeso, introspectivo, silencioso. Não sorria, apenas se concentrava em alguma atividade, aparentemente com medo daqueles que o cercavam de barulho. Estava envolvido em alguma atividade manual, até que me viu, parado sob a porta e, abrindo um largo sorriso veio ao meu encontro, me envolvendo num abraço apertado, lágrimas e confissões de saudade. Não faço ideia da razão de ele estar ali, lugar que nada tem a ver com ele. De qualquer maneira, prossigamos. 

Daí fomos para um lugar um pouco mais reservado, com apenas alguns poucos conhecidos ao nosso redor. Era a parte de trás de um antigo colégio em que estudei, anos atrás, o cenário mudara. Sentados na calçada que ligava o colégio à quadra, ainda um campo de terra, ficamos sentados, meio abraçados, meio de mãos dadas. A cabeça dele sob meu ombro, e eu consigo me lembrar dos perfume fresco do seu cabelo. Nossas mãos entrelaçadas no piso de concreto grosso, o sentimento de saudade. Uma lágrima pesada escorreu do meu rosto e caiu sob nossas mãos, ele percebeu e, ao levantar a cabeça, vi que também chorava. 

E então eu acordei.

Logo voltei a dormir e, no início da manhã, com o sol já despontando preguiçosamente no horizonte e invadindo o meu quarto de luz, sonhei novamente. 

Eu estava uma escola grande, daquelas que vemos em filmes americanos e que precisamos de um mapa para achar todas as salas nas primeiras semanas. Me sentia incomodado, estava ali para retomar os estudos desde o 1° ano. Me incomodava pois eu já sabia ter me formado na faculdade, e de já ser especialista em algumas áreas. Mas fora obrigado a retomar ali, ao lado inclusive de alguns alunos. 

Logo encontrei um deles, que estava se misturando com seus amigos. Não me deixei deter e logo segui caminho. Parece que várias horas se passaram, ou foram alguns dias. Eu andava ainda sem rumo, observando o espírito da arquitetura do lugar, moderna, lembrando muito um estranho amálgama entre o campus Darcy Ribeiro da UnB e outros monumentos de Brasília, como o Tetro Nacional Cláudio Santoro e a Ponte JK. As plataformas de concreto se erguiam no meio de um gigantesco jardim, e eu andava por sobre elas como uma criança naqueles parques de madeira, mas em proporções gigantescas. Aquele lugar parecia um labirinto, e eu não sabia como sair dali.

Os ônibus que vi passarem vez ou outra na frente daquele lugar continham nomes de lugares que eu não conhecia. Isso aumentou meu medo. Continuei andando, encontrando um fluxo cada vez maior de alunos e professores, parece que era o fim das aulas naquele dia. 

Encontrei um aluno, baixinho e loiro, descendo as escadas que, descendo rapidamente me deu um abraço e me perguntou o que fazia ali. Desconversei, com medo de que percebesse a humilhação que fora regredir ao Ensino Médio. Nos despedimos, dei um beijo no alto de sua cabeça e continuei minha busca de uma saída, ou de uma explicação. Buscava, sem parar, ao menos por alguém que me ajudasse a sair dali, mas não tinha coragem de pedir a ninguém. Um homem brigou comigo por pisar na grama. 

Entre um grande número de pessoas eu encontrei outro aluno, mas dessa vez um amigo, e me aproximei do grupo em que ele conversava. Ele usava uma camisa laranja, um suéter ao redor do pescoço. Bastante alto e bonito, pele clara, quase imponente, mas com um rosto doce equilibrando os óculos grossos sobre o nariz. Reconheci algumas pessoas que estavam com ele, especialmente uma menina gordinha de aparência simpática e grandes cabelos cacheados de um castanho avermelhado muito bonito. Eu o toquei, anunciando timidamente minha presença, e pareceu que com isso incomodei o grupo, imersos em sua conversa. Eu o encarei por alguns instantes e conversamos, há alguns passos de distância dos outros, e pedi informações sobre como sair dali, mas sempre recebia respostas fugidias, ele estava esquivando-se de mim, mas logo me despedi dele também. 

Entrei novamente naquele prédio enorme cheio de colunas cinzas e paredes azuis, e me lembrei de um garoto bonito, de alguma aula que tive mais cedo naquela humilhante posição. Subi dois lances de escada e o encontrei sentado no chão, do lado de uma grande janela de vidro que tomava toda a parede que dava para a jardim e as vielas para passagens dos carros que viam deixam e buscar os milhares de alunos dali. Fiquei ali, parado, observando-o. Tinha pele morena, muito novo, o rosto ainda liso e redondinho, usava um uniforme branco, amassado, sentado desleixado com a mochila jogada ao seu lado. Era bem pequeno, devia bater bem abaixo do meu ombro. E fiquei ali, encarando. 

E então eu acordei. 

Partindo então do pressuposto de que todos os elementos de um sonho representam a mim de alguma maneira, é a única forma de interpretar sonhos que conheço, eu tentei traçar um esboço de uma interpretação possível. Usarei esse pressuposto pois é o único conhecido. Percebi alguns elementos em comum a essa estranha narrativa. 

O primeiro deles foi a presença do elemento do jovem, grande mas indefeso, que se alegrou com minha presença. Pode ser uma imagem de mim mesmo. Há alguns dias conversava com um amigo sobre a necessidade que sinto de me tornar mais independente, de sair da casa de meus pais, de me virar sozinho. Me lembro, na ocasião, de citar alguns outros amigos que se viram sozinhos. Isso me inveja. Esse elemento que precisa ser cuidado, é um reflexo de uma criança interior, que ainda não amadurecei e que constantemente busca alento nos braços e nos abraços constantes, na esperança de que aquilo possa suprir o medo que sinto da independência. 

Os abraços, novamente, o entrelaçar de dedos, as lágrimas. Elementos que mais uma vez evidenciam a minha característica mais evidente: a do homem solitário, que se emociona na saudade e se compraz ao cuidar de alguém ainda mais frágil. Que segurança um garoto tem a me oferecer? Nenhuma. oferece-me a oportunidade de cuidar, de ser responsável, uma vez que outros são responsáveis por mim. Me oferece a oportunidade de ser pai, algo que sinto ter sido ausente durante minha vida. 

O outro elemento, ou elementos, é o sentimento de exasperação, de medo, ao estar perdido e a busca por alguém que me indicasse uma direção. O "labirinto", a escola gigantesca, é imensa rede de sentimentos dentro de mim, que me deixam confuso sobre o que sentir, sobre o que fazer. Ora tomando decisões apressadas e ora ficando atônito frente o desconhecido. É um sentimento de sufocamento, muito embora fosse um grande jardim, imagem que sempre uso para me referir ao meu coração. 

A busca por alguém que me guiasse, e o homem que me bronqueou, como se fosse uma criança, e o fato de ter sido rebaixado academicamente. Uma busca por um caminho que eu preciso encontrar mesmo em meio ao desconhecido que me rodeia, a força que devo ter comigo mesmo ao tentar buscar esse caminho e a sensação de que, na verdade, ainda continuo aquela mesma criança fugindo da sala de aula pela porta dos fundos. Sou um homem, mas meus joelhos ainda tremem como se tivesse doze anos, perdido de meus pais, tentando fugir de uma terra desconhecida, uma vida diferente, na qual não posso depender de ninguém, senão que devo achar sozinho minhas próprias respostas e caminhos. 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

De outro buquê

Em uma noite escura, viajei sem grandes aspirações, deixando-me levar pela perspectiva de rever velhos amigos. Pensava que seria apenas uma reunião casual, como fizemos tantas e tantas vezes, após a missa de domingo, comendo massa preparada às pressas e tomando Coca-Cola, sorrindo e cantando, brincando até que nos cansássemos e fôssemos cada um para sua própria casa. 

Não estava preparado para vê-lo. Quando cheguei e o vi, de pé, altivo e apolíneo, quase caí para trás, lançado por uma força invisível que imediatamente se colocou pesadamente sobre mim. Foi essa mesma força que, instantes depois me puxou para ele, sem que me desse chance de recuar, fazendo-o me esmagar entre braços. 30 segundos, no meio de todos, os corações se tocando e eu controlando as minhas lágrimas. 

Não estava preparado para vê-lo, e muito menos preparado para sentir a força que ele tem sobre mim. Três vezes naquela noite esses abraços se repetiram, e três vezes eu pude sentir o universo inteiro dentro das batidas de seu coração. Um universo de medo, de repressão, mas ainda assim tão lindo e hipnotizante que tudo o que pude fazer era desejar ficar ali pra sempre, naquele amálgama de dois universos, num infinito particular, que deixou um perfume em minha roupa como uma mancha, que eu nunca irei lavar. 

Gravei as palavras que disse em meu ouvido, apenas eu as ouvi. Guardei no coração aquele olhar, aquele toque, aquela mão gentil. Mas também guardei no olhar que trata-se de um tesouro inalcançável para mim e que, além disso, já foi encontrado por outra pessoa. 

“Quando adoeço,
Sem motivo, sem porquê
É quando esqueço
Que és flor de outro buquê.”

(Cesar Fontana)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Pequeno raio de sol


Eu não sou muito bom em escrever coisas boas, na verdade, estou tão acostumado ao pessimismo que qualquer raio de sol sobre mim acaba me deixando cego.  Mas eu vou tentar... 

Eu acordei de uma noite engraçada, dormi com um amigo. Ele se mexia, me batia, falava em algum idioma que não conheço e tentava me jogar pra fora da cama. No início da manhã, quando o primeiro finalzinho de luz começou a entrar pelas frestinhas das cortinas, estávamos abraçados, juntos. Qualquer um teria levado pro lado da maldade, mas eu apenas achei terno, carinhoso, e ele também. Somos irmãos. 

Fiquei feliz quando abri a janela e o sol tocou delicadamente meu rosto. Me senti acariciado por leves dedos que me aqueciam enquanto passavam pelas linhas de meu rosto. É estranho me sentir assim, afinal, geralmente prefiro a escuridão.

Este também foi um dia de vitória. Cantei a plenos pulmões, e o resultado foi simplesmente magnífico. A sintonia entre nós era fantástica, e estou muito orgulhoso de ter participado de algo tão incrível assim. Parece que o destino me deu alguns instantes de alegria pura e delicada. Me senti naquele jardim, secreto e fechado, olvidado pelas açucenas e com o rosto reclinado sobre o amado. 

E também assim terminei o dia, depois de uma longa e complexa missa, absolutamente cansado, sequer consigo levantar da cama, mas feliz, muito feliz por ter seguido aquela luz que me guiava, desde a manhã, com mais clareza que a do meio dia.