sábado, 8 de fevereiro de 2020

Verdadeira companhia


Uma noite. 
Amigos.
Algumas garrafas de álcool e uma pizza.
Doces.

Não levava comigo apenas o celular e algumas folhas depois de uma longa reunião, mas uma já conhecida sensação de vazio. O que será isso? Mais divertimento daqueles que tentam nos anuviar a vista para as misérias? O divertimento desse tipo é pior do que o ópio.

Fotos no espelho.
Corpos magrelos e fortes.
Uma cama de jornais.
Risadas, trocadilhos com nomes sujos e filmes.

Já perdi a capacidade de rir verdadeiramente há tempos. Aprendi a falsear o sorriso mas muitas nem isso eu consigo fazer. Mas, pouco a pouco, de brincadeira em brincadeira, aquele leve sinal no meu rosto foi se tornando em riso de verdade. Não um sorriso amarelo, aberto para o mundo, mas um sorriso puro e sincero, que há meses eu já não via.

Jovens afoitos.
Experiências na praia e na secretaria do colégio. 
Beijos, toques. 
Amores.

Momentos em que podemos nos despir de preconceitos, de amarras e cabrestos e dizer aquilo que nos vêm no coração... Como são importantes. Todos temos histórias para contar, todos temos desejos  a satisfazer, mesmo no canto mais secreto, e trazer isso à luz mais um pouco no torna um pouquinho mais nós mesmos.

Esperanças.
Dor.
Superação.
O super homem de Nietzsche.

Enxergar para além de toda dor, de toda destruição. É uma lição que eu tento aprender, minha fuga pessoal do niilismo que tanto parece me sugar. Mas eu consigo ver, um pequeno pontinho de luz, acima de todo esse abismo. 

Membros endurecidos. 
A contradição de Schopenhauer.
Perguntas indecentes. 
Schopenhauer tinha razão.

Ou não.

Vivemos num ciclo de dor, mas esse ciclo pode ser quebrado e superado? Há como sair dessa samsara? Mas o ciclo de dor para uns é um ciclo de dor e amor para outros, e um ciclo de dor, amor e alegrias para um terceiro. Não há só dor, não só alegria e nem só amor. 

Calças cheias.
Mais risadas.
Boas músicas.
Uma roda de samba.

Uma vez mais a liberdade de dizer o que vem a mente. Uma vez mais um algo que não se revela no mundo normal, a aceitação de um instinto animalesco do qual sequer nos damos conta direito. A desconstrução do desejo do homem como algo intrinsecamente ruim. 

Músicas tristes. 
Devaneios filosóficos.
De onde vem o amor? 
Qual a razão de nossas carências? 
Qual o motivo de nossas buscas incansáveis?

Que são os números?
Como dois pontos formam uma reta? 
Como o nada pode medir alguma coisa?
A distância?

Entre dois pontos?
Entre dois corpos.
Os números não existem.
Talvez nossa definição de amor também não.

Existem tantas verdades quanto existem pessoas. A minha verdade é formada pelas coisas que vivi. A sua verdade é completamente diferente da minha. E ambas são verdades. E é verdade que eu enxergo dor e desespero, onde outros podem enxergar afetação ou até mesmo acolhimento.

Instintos reprimidos.
Excitação.
Jovens afoitos por corpos entrelaçados e hormônios trocados. 
Morais que nos oprimem. 

Corpos nus.
Fetiches por pés.
Homens tristes por não serem quem são.
E por não serem outra coisa?

Luzes apagadas e mentes livres a voar, a se deixarem guiar pelos seus instintos em seus devaneios mais secretos. Um algo de liberdade há no escuro, um algo de si mesmo se revela quando ninguém está olhando. E é bom saber que, mesmo ali, ainda há como dizer, de alguma forma, o que se sente e como se sente. Claro, a compreensão do outro é algo impossível, mas dizer e sentir-se ouvido, dizer e não ser julgado, dizer e ouvir em resposta algo que bate com o que sentimos é maravilhoso. Algo que só duas almas movidas pela arte poderiam fazer. Somente este mundo do belo seria capaz de fazer dois estranhos se tocarem.

MAS ESTE MOMENTO ACONTECEU, E MESMO NUM ÍNFIMO INSTANTE OS MUNDOS SE ENCONTRARAM E A COMPREENSÃO,

POR MEIO DA ARTE,

ACONTECEU!

O que é ser eu mesmo?
Uma mensagem que nunca chegará.
Um pouco mais de bebida. 
Músicas especiais, lembranças.

Deveríamos cantar um hino à arte.

Um martelo, um homem iludido, a morte, um susto. 
Sono.
Mensagem enviada. 
Um lento acordar.

Mais músicas.
Lembranças agridoces, um amor que se tornou difícil e doloroso.
Uma flor e seus espinhos.
Espinhos sem flores.

Hinos à arte.

A vida cor de rosa, um hino ao amor,
um moinho destruindo sonhos,
um longo interlúdio sobre a vinda da morte.

O arrependimento pela mensagem.

O despertar.
Um delírio que não se realizou. 
Compromissos desmarcados.
O sol que quase desponta no horizonte. 
Um abraço em grupo.

Uma solidão, felizmente, roubada pela verdadeira companhia.

Palavras jogadas para eternizarem, de algum modo, esta noite de colisão entre mundos tão distintos que conseguiram um vislumbre de si mesmos e dos outros.

Deixo aqui registrado que, numa noite chuvosa de fevereiro, quatro amigos numa sala escura falaram sobre muitas coisas, dores, amores, desejos e, de algum modo, o deus das artes nos permitiu sentir que vivemos no mesmo no mesmo mundo, e não separado de todas as outras pessoas. Deixo aqui registrado que isso aconteceu.

Deixo aqui registrado que eu estava lá!

Deixo registrado que eu tive VERDADEIRA COMPANHIA!

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