quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Dois sonhos

Sonhos têm um significado? Se o têm, é possível compreendê-los? Não tenho a resposta para essas perguntas mas, ao sonhar com coisas que e marcam de alguma forma, decidi refletir um pouco sobre o que aquilo poderia dizer a mim e sobre mim. 

Tive dois sonhos, o primeiro dele durante a madrugada, e me lembro de ter acordado um pouco exasperado às três da manhã, mas um pouco feliz, o que me rendeu um tweet meloso. 

Fora visitar um antigo local de trabalho. No meio de muitos jovens, a maioria deles meus alunos, encontrei uma figura em particular que me encheu o coração. Lá estava ele, simples e oriental. Usava um suéter cinza por cima de uma camisa preta, com a gola para fora e calças pretas. Era alto, magro, de aparência oriental, mas parecia sempre indefeso, introspectivo, silencioso. Não sorria, apenas se concentrava em alguma atividade, aparentemente com medo daqueles que o cercavam de barulho. Estava envolvido em alguma atividade manual, até que me viu, parado sob a porta e, abrindo um largo sorriso veio ao meu encontro, me envolvendo num abraço apertado, lágrimas e confissões de saudade. Não faço ideia da razão de ele estar ali, lugar que nada tem a ver com ele. De qualquer maneira, prossigamos. 

Daí fomos para um lugar um pouco mais reservado, com apenas alguns poucos conhecidos ao nosso redor. Era a parte de trás de um antigo colégio em que estudei, anos atrás, o cenário mudara. Sentados na calçada que ligava o colégio à quadra, ainda um campo de terra, ficamos sentados, meio abraçados, meio de mãos dadas. A cabeça dele sob meu ombro, e eu consigo me lembrar dos perfume fresco do seu cabelo. Nossas mãos entrelaçadas no piso de concreto grosso, o sentimento de saudade. Uma lágrima pesada escorreu do meu rosto e caiu sob nossas mãos, ele percebeu e, ao levantar a cabeça, vi que também chorava. 

E então eu acordei.

Logo voltei a dormir e, no início da manhã, com o sol já despontando preguiçosamente no horizonte e invadindo o meu quarto de luz, sonhei novamente. 

Eu estava uma escola grande, daquelas que vemos em filmes americanos e que precisamos de um mapa para achar todas as salas nas primeiras semanas. Me sentia incomodado, estava ali para retomar os estudos desde o 1° ano. Me incomodava pois eu já sabia ter me formado na faculdade, e de já ser especialista em algumas áreas. Mas fora obrigado a retomar ali, ao lado inclusive de alguns alunos. 

Logo encontrei um deles, que estava se misturando com seus amigos. Não me deixei deter e logo segui caminho. Parece que várias horas se passaram, ou foram alguns dias. Eu andava ainda sem rumo, observando o espírito da arquitetura do lugar, moderna, lembrando muito um estranho amálgama entre o campus Darcy Ribeiro da UnB e outros monumentos de Brasília, como o Tetro Nacional Cláudio Santoro e a Ponte JK. As plataformas de concreto se erguiam no meio de um gigantesco jardim, e eu andava por sobre elas como uma criança naqueles parques de madeira, mas em proporções gigantescas. Aquele lugar parecia um labirinto, e eu não sabia como sair dali.

Os ônibus que vi passarem vez ou outra na frente daquele lugar continham nomes de lugares que eu não conhecia. Isso aumentou meu medo. Continuei andando, encontrando um fluxo cada vez maior de alunos e professores, parece que era o fim das aulas naquele dia. 

Encontrei um aluno, baixinho e loiro, descendo as escadas que, descendo rapidamente me deu um abraço e me perguntou o que fazia ali. Desconversei, com medo de que percebesse a humilhação que fora regredir ao Ensino Médio. Nos despedimos, dei um beijo no alto de sua cabeça e continuei minha busca de uma saída, ou de uma explicação. Buscava, sem parar, ao menos por alguém que me ajudasse a sair dali, mas não tinha coragem de pedir a ninguém. Um homem brigou comigo por pisar na grama. 

Entre um grande número de pessoas eu encontrei outro aluno, mas dessa vez um amigo, e me aproximei do grupo em que ele conversava. Ele usava uma camisa laranja, um suéter ao redor do pescoço. Bastante alto e bonito, pele clara, quase imponente, mas com um rosto doce equilibrando os óculos grossos sobre o nariz. Reconheci algumas pessoas que estavam com ele, especialmente uma menina gordinha de aparência simpática e grandes cabelos cacheados de um castanho avermelhado muito bonito. Eu o toquei, anunciando timidamente minha presença, e pareceu que com isso incomodei o grupo, imersos em sua conversa. Eu o encarei por alguns instantes e conversamos, há alguns passos de distância dos outros, e pedi informações sobre como sair dali, mas sempre recebia respostas fugidias, ele estava esquivando-se de mim, mas logo me despedi dele também. 

Entrei novamente naquele prédio enorme cheio de colunas cinzas e paredes azuis, e me lembrei de um garoto bonito, de alguma aula que tive mais cedo naquela humilhante posição. Subi dois lances de escada e o encontrei sentado no chão, do lado de uma grande janela de vidro que tomava toda a parede que dava para a jardim e as vielas para passagens dos carros que viam deixam e buscar os milhares de alunos dali. Fiquei ali, parado, observando-o. Tinha pele morena, muito novo, o rosto ainda liso e redondinho, usava um uniforme branco, amassado, sentado desleixado com a mochila jogada ao seu lado. Era bem pequeno, devia bater bem abaixo do meu ombro. E fiquei ali, encarando. 

E então eu acordei. 

Partindo então do pressuposto de que todos os elementos de um sonho representam a mim de alguma maneira, é a única forma de interpretar sonhos que conheço, eu tentei traçar um esboço de uma interpretação possível. Usarei esse pressuposto pois é o único conhecido. Percebi alguns elementos em comum a essa estranha narrativa. 

O primeiro deles foi a presença do elemento do jovem, grande mas indefeso, que se alegrou com minha presença. Pode ser uma imagem de mim mesmo. Há alguns dias conversava com um amigo sobre a necessidade que sinto de me tornar mais independente, de sair da casa de meus pais, de me virar sozinho. Me lembro, na ocasião, de citar alguns outros amigos que se viram sozinhos. Isso me inveja. Esse elemento que precisa ser cuidado, é um reflexo de uma criança interior, que ainda não amadurecei e que constantemente busca alento nos braços e nos abraços constantes, na esperança de que aquilo possa suprir o medo que sinto da independência. 

Os abraços, novamente, o entrelaçar de dedos, as lágrimas. Elementos que mais uma vez evidenciam a minha característica mais evidente: a do homem solitário, que se emociona na saudade e se compraz ao cuidar de alguém ainda mais frágil. Que segurança um garoto tem a me oferecer? Nenhuma. oferece-me a oportunidade de cuidar, de ser responsável, uma vez que outros são responsáveis por mim. Me oferece a oportunidade de ser pai, algo que sinto ter sido ausente durante minha vida. 

O outro elemento, ou elementos, é o sentimento de exasperação, de medo, ao estar perdido e a busca por alguém que me indicasse uma direção. O "labirinto", a escola gigantesca, é imensa rede de sentimentos dentro de mim, que me deixam confuso sobre o que sentir, sobre o que fazer. Ora tomando decisões apressadas e ora ficando atônito frente o desconhecido. É um sentimento de sufocamento, muito embora fosse um grande jardim, imagem que sempre uso para me referir ao meu coração. 

A busca por alguém que me guiasse, e o homem que me bronqueou, como se fosse uma criança, e o fato de ter sido rebaixado academicamente. Uma busca por um caminho que eu preciso encontrar mesmo em meio ao desconhecido que me rodeia, a força que devo ter comigo mesmo ao tentar buscar esse caminho e a sensação de que, na verdade, ainda continuo aquela mesma criança fugindo da sala de aula pela porta dos fundos. Sou um homem, mas meus joelhos ainda tremem como se tivesse doze anos, perdido de meus pais, tentando fugir de uma terra desconhecida, uma vida diferente, na qual não posso depender de ninguém, senão que devo achar sozinho minhas próprias respostas e caminhos. 

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