segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Resenha - Between Us

 Contém Spoilers!

E finalmente, depois de longa espera, Between Us chegou até nós. Contando uma história paralela a de Until We Meet Again e que se encaixa com ela em alguns pontos o Studio WabiSabi e o diretor New Siwaj conseguiram continuar o legado de uma das melhores séries tailandesas com uma nova produção tão boa quanto. 

O Spin-Off demorou a ser exibido, problemas com a pandemia, agenda dos atores e até acidentes nos sets de filmagens atrasaram o lançamento em mais de um ano do que era previsto inicialmente mas, enfim, conseguiram entregar um trabalho que que fez toda a espera valer a pena!

Acompanhamos a história de Team e Win (Prem Warut e Boun Noppanut), personagens que conhecemos em Until We Meet Again como os melhores amigos de Pharm e Dean (Fluke Pongsatorn e Ohm Thitiwat). Enquanto os amigos desvendavam os mistérios de suas vidas passadas e da conexão que havia entre eles, Team e Win acabaram se aproximando de um jeito inesperado numa viagem da equipe de natação e fazem sexo. O que era então uma relação entre veterano e calouro passa a ficar mais complicada a medida que eles se aproximam e os sentimentos passam a ficar ainda mais intensos.

Win assume uma posição protetora para o novato que, por sua vez, embora rejeite o outro, não consegue mantê-lo afastado, entrando em cena outros fatores como um antigo trauma de infância de Team que os faz ter recorrentes pesadelos e que afetam o seu desempenho nas competições de natação, e então eles descobrem que esses pesadelos desaparecem quando eles dormem juntos, fazendo com Win se torne o porto-seguro do mais novo. 

Win, no entanto, nunca se sentiu verdadeiramente próximo de alguém e, ao ver o relacionamento do amigo Dean evoluir com Pharm ele passa a desejar uma pessoa por quem ele sinta o mesmo. Mas quando o sentimento por Team fica forte demais isso o assusta com a possibilidade um dia eles acabarem se separando. 

E assim se desenrola a trama, com ambos tentando entender melhor seus sentimentos e lidar com eles de forma a não machucarem a si e ao outro. Team precisa enfrentar os fantasmas do seu passado para assim se perdoar e encontra em Win um apoio e um conforto num momento de profunda escuridão enquanto o veterano precisa achar coragem de aceitar toda a intensidade do que sente e cuidar do outro como ele quer fazer. 

Temos então personagens muito bem construídos e uma história que cativa bastante se equilibrando muito bem entre a comédia leve e o drama que faz arrancar lágrimas. Aliás, ponto para Boun e Prem que têm química excelente e que conseguiram me emocionar de verdade em vários episódios na melhor das suas formas. Especialmente o arco do trauma de Team foi simplesmente lindo e muito triste, com uma força incrível na atuação dramática de ambos. E as cenas cômicas também são leves e muito fofas.

Também tivemos gratas surpresas como dois novos casais, o primeiro bem inesperado. Tul (Yacht Surat, de Paint With Love) e Wan (Oreo Puwanai, de What The Duck), o primeiro é amigo de Team e o outro seu irmão. Os dois se conhecem apenas num jogo online, onde Wan desabafa sobre os problemas com seu pai e acabam se afeiçoando a isso, mas enquanto Tul quer se aproximar do outro pessoalmente ele acaba ficando com medo que isso faça com que eles se afastem de vez.

Outro casal fofo foram Bee e Prince (Tae Weerapat, de Dear Doctor, I’m Coming For Your Soul e Benz Panupun, de Coffee Melody). Outro membro do time de natação e um novo aluno, famoso ator que tem pouco tempo para as aulas mas que acaba se aproximando do simpático rapaz e criando por ele uma afeição especial. Claro, não poderia deixar de mencionar a aparição mais do que fofa de Santa Pongsapan (My Only 12%) como o carismático irmão mais novo de Team. 

A série se conecta bem com Until We Meet Again pela aparição de Dean e Pharm, que continuam incuravelmente românticos e fofos, com direito até a promessa de casamento, e do apoio que os dois dão aos amigos, especialmente os conselhos que Dean dá para o parceiro do time de natação. Além disso as músicas que foram usadas na outra história aqui se combinam com as novas, dando a impressão de unidade entre as duas séries, já que ambas se passam ao mesmo tempo. 

E então, com atuações poderosas, uma trilha sonora cativante e combinando a nostalgia com uma nova história igualmente interessante Between Us foi um dos maiores acertos do Studio WabiSabi e outra grande obra de New. 

Nota: 10/10

sábado, 28 de janeiro de 2023

Um pouco mais sobre a beleza

Voltei várias vezes aquele vídeo de um rapaz fazendo preparação de pele, até enviei para algumas pessoas. Também fico hipnotizado toda vez que eles aparecem nas séries, passo um bom tempo vendo os produtos que eles usam e as combinações que fazem pra ter a pele perfeita. 

Olhar essas pessoas me enche de inspiração, para fotos, makes e visuais que poderia experimentar, mas aí eu sempre me levanto, vou no espelho e me pergunto: estou em construção ou em ruínas? E percebo que, mesmo sendo constante com os meus cuidados e que eu saiba quais produtos e como usar, o resultado ainda é tão distante ao deles que nem se pode dizer que é a mesma coisa.

Não é meu objetivo questionar o funcionamento, ou não, dos cosméticos, mas ir um pouco além. Muitas vezes quando chego a essa conclusão eu acabo por me deprimir e acabo de novo tomando remédio pra dormir e tentando me apagar por um tempo. Também costumo ficar um bom tempo sem fazer a barba de propósito, assim junto com o cabelo grande eu consigo cobrir a maior parte do meu rosto e desse jeito não preciso me forçar a ficar olhando para mim mesmo.

Percebi que há, além da projeção de ideal, uma expectativa com a minha aparência. É um raciocínio simples: eu estou sozinho e acho tal aparência bonita, então se eu conseguisse essa aparência conseguiria resolver o problema da solidão. Como estou sozinho e vejo os belos atores rodeados de amigos e pretendentes eu acabo por colocando na cabeça a ideia de que eu só vou conseguir companhia se tiver uma aparência perfeita assim também. Por isso tantos gastos com cosméticos e maquiagem que, não raramente, acabam tendo o efeito contrário ao esperado, não que não funcione, mas que acaba dando uma aparência tão artificial que isso tem o efeito oposto, afastando as pessoas pela estranheza ao invés de atrair. 

E então eu acabo desse jeito colocando mais um objetivo onde na verdade está apenas um elemento a mais a ser considerado na equação. O fato é que a aparência importa e muito, tanto para mim quanto para os outros mas, ao mesmo tempo, ela não um fim em si mesma, sendo que apenas pode apontar para outras coisas: como indicar uma autoestima saudável ou uma disciplina notável. A aparência é o invólucro da essência e, embora seja de modo abstrativo diferente desta, ambas vêm juntas, não sendo portanto esse fim em si.

Note que eu não estou fazendo um discurso, muito em voga atualmente, de que a aparência não importa e somente a essência. Isso é uma bobagem sem tamanho porque sem a aparência não se consegue chegar a essência. E até mesmo os partidários desse discurso não acreditam nisso, já que são eles os primeiros a pregar o autocuidado, num raciocínio psicótico de querer convencer a si mesmas que não precisam do aparente pro outro e que se cuidam para si mesmas, quando na verdade só estão fazendo a mesma projeção que eu mas adicionada de um elemento ainda mais artificioso. 

De fato vejo que somos o subproduto de uma obsessão por um estilo de vida, que só se camufla por discursos que rejeitam os padrões criando então novos padrões. O problema, no entanto, não está na forma como se encara a estética do corpo, mas manter nela um fim em si mesma e não apenas um suporte que aponte para uma realidade transcendente ao próprio corpo, uma realidade imutável que apenas tem no corpo um símbolo de si mesma. 

Não há dúvidas que a beleza existe e que podemos achá-la no outro e em nós mesmos, o que não significa que ela seja subjetiva, mas a percepção pode ser subjetiva. E mesmo assim vemos que, no geral, a maior parte das pessoas ainda tende ao belo, mesmo que se forma desordenada, e infelizmente acabam encontrando subprodutos que a desviam e corrompem a sua mente, e na privação das experiência com o belo elas perdem completamente o senso de admiração e passam a consumir apenas estímulos pontuais mais e mais intensos, e aí pode ser que não tenha como recuperar, quando as pessoas passam para um estado de ódio ao belo e de ódio a verdade tudo o que resta são reflexos animalescos e repetitivos no comportamento geral. 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Uma cena real

Quase todos os dias eu encontro o mesmo cara no ônibus, indo do terminal central em direção a um dos bairros dessa região da cidade. Ele tem todas as características masculinas básicas, e esteticamente admiráveis. Cabelo curto penteado como um modelo, sempre bem feito pra essa hora da manhã, inclusive aos sábados, e a cerviz dura, sério, não sei dizer se por cansaço ou se por ser assim mesmo. Pele clara e olhos fundos, como quem trabalha muito e dorme pouco, e parece que seu pensamento vaga mas não muito distante, apenas como quem se concentra no que precisa fazer e não tem sonhos muito mais longínquos. Se veste de um jeito simples, quase sempre com uma blusa polo básica de cor escura, o que eu não considero muito original mas nele fica muito bem, e uma calça jeans preta bem justa ao corpo. Bonito. Tem algo, no entanto, que me atrai nele e eu não consigo explicar o que é, algo que me faz ficar olhando para ele fixamente até que eu perceba e me vire para outro lado, mesmo sabendo que em poucos minutos eu estarei olhando para ele de novo. Algo como a altivez ou a simplicidade da sua figura que lhe dá um ar nobre.

E então no meu celular pululam vídeos de cenas românticas entre rapazes, a maioria deles vivendo o primeiro amor, e aparecem momentos como aquele sorriso bobo de quem pensa no objeto de seu amor quando está apaixonado ou então no clássico momento em que eles dividem a mesma cama, entre a amizade recém criada e a tensão dos sentimentos que se confundem. Mas eu e o menino do ônibus, ou qualquer outro, não vivemos e nem viveremos cenas assim, porque as coisas não são desse jeito e aqui, no mundo real, não há filtros nas filmagens e nem uma equipe de maquiadores atrás das câmeras para garantir a uniformidade da pele até mesmo nas cenas da manhã ou depois de fazerem amor, e na vida real também esses sentimentos nunca passam do sentimento a realidade, apenas vão se aglutinando ou transformando e o máximo que se consegue é uma noite de sexo num aplicativo, e muitas vezes apenas um dos dois aproveita realmente, ambos sem muita expectativa para aquele momento, sem o fluxo de eletricidade que percorre o corpo partindo do coração e terminando nos dedos que se entrelaçam ou naquele toque tímido às costas do outro, temendo por ser rejeitado, que termina num abraço carinhoso antes de ambos adormecerem. 

Na vida real a pele é oleosa, o momento antes do sexo só tem ansiedade e depois apenas a decepção. Não há essa eletricidade que percorre o corpo, apenas uma intensa vontade que nunca é saciada. O romantismo dá lugar apenas as obscenidades ditas durante naquele momento, e a intimidade é puramente virtual, não há nada além de uma relativa proximidade dos corpos, até essa mediada por uma capa de borracha. 

E ao mesmo tempo continuo vendo a beleza das idealizações, já que esta vida é tão crua e tão brutalmente sensual que o amor desapareceu só o que posso fazer é me deixar sonhar com esses momentos, partindo então dessas belas imagens que as histórias me oferecem. Sei que mais uma vez torno a tocar num assunto que já me é rotineiro e quiçá cansativo mas, ao mesmo tempo, como a manhã no meu peito esse sentimento se renova e a beleza e ternura das peles delicadas barbaramente me atacam.

domingo, 22 de janeiro de 2023

O primeiro e o último

Eu sou uma pessoa péssima. É estranho que você seja a primeira pessoa em quem eu penso ao acordar? E que também seja a última em que penso antes de adormecer? Todas as noites ao cerrar os olhos eu imagino como seria me deitar ao seu lado, ou como seria caminhar ao luar na noite de Paris, ressuscitar uma múmia amaldiçoada no Egito ou simplesmente ver um filme. Também quando acordo penso em como deve ser sua voz embargada pela manhã, em como me deitaria sob seu peito e te faria cócegas, sabendo que você demora a acordar e que gosta de ficar deitado por muito tempo antes de levantar, e então eu te provocaria, com um sorriso malicioso no rosto, com a sua ereção matinal. 

Algo em mim gosta desses devaneios, talvez você me veja como uma puta, e eu não me importo porque sei que por detrás desse comportamento tem um amor de verdade e um amor pulsante, como meu membro em riste, mas que pulsa de carinho e desejo, que se dói em cada fibra que clama pela sua presença. O desejo que há em mim é o desejo de ver-te e tocar seu rosto de novo, de um abraço apertado. 

Até mesmo quando passamos algum tempo sem conversar me vem uma grande falta de você, porque se não bastasse a distância física ficar sem sentir que você pensa em mim me incomoda, e eu tenho vontade imediatamente cruzar o país ao seu encontro, o que seria uma loucura, é claro, mas que meu coração deseja ardentemente e que meu corpo grita em agonia na perspectiva de voltar a abraçar você.

Então eu sonho com esse dia, com essa possibilidade e, principalmente, com seu abraço. E me dói saber que isso nunca vai passar de um mero sonho e que, se um dia eu chegar a propor a você algo de verdade, eu serei facilmente recusado. E tudo o que posso fazer é escrever, e escrevo portanto para não me sufocar com esses sentimentos, para que as palavras que eu não posso dizer a você ao menos possam ser lançadas ao vento e assim aliviem um pouco o peso que elas deixam em mim. E eu preciso escrever porque eu preciso dizer isso a alguém, mas como não pode ser você eu digo a qualquer um que venha parar nessas páginas obscuras. 

Muito me envergonha também esses pensamentos, porque eu sei que do que eu sinto, apenas os ares quentes das minhas chamas luxuriosas é que aquecem a sua face deixando-a rubra. E então eu gemo tal qual réu envergonhado de ter você como objeto de tais embustes, na horrorosa avulsão da forma nívea onde, em segredo noite adentro, no seu ouvido digo palavras da lascívia. 

A verdade é que eu venho tentando te conquistar todo esse tempo. Eu sou desprezível e não mereço o seu carinho e atenção. Por esse pecado eu devo ficar sozinho para sempre, por querer aquilo que jamais poderei ter, por desejar deflorar a sua pureza, por desejar me deitar ao seu lado e por desejar sem um só com você. Eu não mereço que olhe para mim. Eu sou mesmo uma pessoa péssima. 

E por isso eu quero me despir da toda palavra bonita e pedir perdão. Perdão por desejar você e por provocar você, por ter segundas intenções maliciosas nas minhas palavras disfarçadas de afeto, porque na realidade o meu amor por você é desordenado, é vil, e por mais que eu queira seu bem eu não consigo parar de desejar você, dos jeitos mais torpes possíveis. Me desculpe por ser uma pessoa péssima. Eu te amo, e você não merece um amor impuro como esse. 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Entendendo o vazio

Fiquei tão feliz ao vê-lo de relance ontem à noite, na janela de sua casa, à esquina de minha rua, e ainda mais feliz quando cheguei cedo a igreja e o vi se paramentando na sacristia. Mas ele nem mesmo me olhou, nem quando foi acender as velas do altar ou quando passou em procissão carregando a cruz de Nosso Senhor. 

Durante a celebração eu pude ver seu sorriso, acho que a primeira vez desde que o conheci, e achei simplesmente lindo. Naquela hora eu também sorri, e claro que fiquei sonhando com o dia em que ele sorrirá assim para mim, mesmo sabendo que isso é bem pouco provável. 

Ontem eu fui ver a queima de fogos num parque aqui perto de casa, à beira mar, e por incrível que pareça minha família toda resolveu ir. Mas lá, vendo todas aquelas pessoas felizes e sorridentes, simplesmente por festejarem, eu não consegui deixar de sentir uma solidão. Estranha, admito, pois estava com a minha família, mas a verdade é que eu queria estar ali ou em outro lugar, mas com uma pessoa especial. E mais uma vez torno ao assunto dessa solidão que me persegue, e eu gostaria de um dia conseguir dar mais profundidade a esse tema, sem permanecer na mesma reclamação sempre. Tantos casais sorridentes, de mãos dadas, felizes pela presença um do outro e muitos com aquela expressão satisfatória de que fariam sexo depois. Também nas redes sociais os casais postando fotos juntos, nas séries os jovens apaixonados dizendo o que sentem uns aos outros e se ligando para sempre. 

Acontece que, por mais que me ocupe, por mais que tenha comigo questão que me são de importância máxima, essa sempre acaba retornando, e eu acabo sempre me sentindo sozinho. Parece-me que como animal social eu sou incapaz de aceitar a minha solidão, parece que há sempre um vazio a ser preenchido, e sempre tenho a impressão de que esse vazio será preenchido por alguém, ainda que saiba que essa é a receita certa para um fracasso porque eu sempre vou entrar num relacionamento com expectativas demais e acabar por sufocar a outra pessoa, como já aconteceu antes. 

Eu realmente queria entender o motivo de ser tão carente, de sentir tanta necessidade assim do outro e, mais especificamente, de entender a razão de gostar apenas de quem nunca vai gostar de mim. Donde vem essa sabotagem? Donde vem essa necessidade tão premente que me faz contorcer e gemer de agonia tal qual réu na cela abandonado? 

É como se minha carne tivesse sido rasgada e implorasse, com cada uma de suas fibras, por ser restaurada e novamente ligada a outrem, e essa ligação se dará apenas no coração de outro. É como se eu fosse, em essência, incompleto e passasse os anos apenas em busca disso. Porque eu admito que até as questões que me são mais caras tomam uma dimensão diminuída em face a esse problema. Ao cair da noite é uma companhia, é num abraço apertado, num sorriso como o do jovem acólito, é nisso que eu penso. 

Me sinto fraco e patético, porque sei que há toda uma energia dispensada nesse objetivo tosco e ainda assim, mesmo sabendo que meu foco deveria ser conseguir chegar a uma vida intelectual eu continuo sendo puxado de novo e de novo para baixo. E isso se manifesta nas noites em que paro a pensar nisso, na masturbação e na pornografia constantes, mesmo sabendo que nada do que eu busco poderei achar num lugar desses, ainda que, se fechar os olhos e pensar em algo, me vem logo a mente aquele sorriso doce, e o desejo de que ele sorrisse daquele jeito pra mim. Como isso não acontece, eu quero me isolar e simplesmente fingir que não existo, me consumindo em auto piedade e ignorando o fato de que estou sozinho até que passe, até a próxima crise. 

Me recordo das palavras de São João da Cruz quando disse que "ferida de amor não se cura, senão com a presença e a figura" e que me vejo então como cervo ferido. Eu sei bem que esse vazio é um vazio do tamanho de Deus e por isso mesmo jamais poderá ser preenchido com outra pessoa, até porque nenhuma dessas pessoas me quer, e isso traz à tona ainda outra verdade inconveniente: a de que todo esse tempo em busquei servir a Deus de modo a preencher esse vazio, o que também não adiantou, o que significa que nem mesmo comecei a encontrá-lo, visto que meu vazio se encontra cada vez maior. 

Mas essa reflexão ainda está muito limitada, dei um salto que não consegui explicar e preciso conseguir me deter um pouco mais nela para conseguir dar uma forma mais ou menos aceitável e, talvez, entender um pouco mais sobre mim, afinal se isso toma tanto de meu tempo e energia eu devo me concentrar em entender esse problema de verdade primeiro. 

Pensando então, durante uma noite silenciosa de domingo sozinho na sacada acompanhado de uma bebida, eu tentei retornar até uma possível razão para esse comportamento. Parti da definição do homem como animal social de Aristóteles, do mito platônico dos homens divididos e condenados a buscar sua outra metade, passei com certa desconfiança pelo Contrato Social, pelo inconsciente de Freud e precisaria me deter com mais tempo a cada uma delas, mas sei que todos esses elementos estão presentes. Também está presente em mim a ausência da presença Divina, o já citado vazio do tamanho de Deus.

Acho, por isso mesmo que, então passando por tudo isso, o fato de que nunca busquei a Deus com a devida sinceridade seja então uma das causas mais profundas desse vazio. É isso que sinto ao ver que minha vida de oração poderia ser melhor, que minha confissão poderia ser melhor e que eu deveria fugir mais as ocasiões de pecado.

Também percebo a necessidade, urgente, de melhorar a forma como me vejo, de não buscar sempre defeitos e mais defeitos. 

Talvez esse seja um bom ponto de partida para uma investigação mais profunda. 

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Informação demais também emburrece

As redes sociais criam em nós uma frenética estimulação constante dos sentidos, a quantidade de informações as quais somos expostos é gigantesca e a maior parte das pessoas não entende as dores de cabeça ou o permanente estado de confusão mental que isso gera. Passamos horas e horas rolando o feed do Instagram e do Twitter ou falando sobre qualquer coisa no WhatsApp e isso é demais para qualquer um. 

Isso gera um certo vício porque ficamos com a impressão de que a quantidade de conteúdo vai nos enriquecendo, quando na verdade ele nos torna incapazes de alcançar um conhecimento mais elevado, ainda que seja só um pouco. As pessoas já não conseguem nem ver um filme inteiro sem olhar o celular, mas conseguem passar horas e horas vendo fotos ou vídeos de trinta segundos. Isso porque esse conteúdo é mínimo e de fácil apreensão, mas ao ter contato com algo um pouco mais longo, seja um vídeo de vinte minutos ou mais já começa a desafiar a atenção dessas pessoas. 

Conheço gente que não consegue ouvir uma música normal sem passar logo para a próxima depois do primeiro refrão. Eu juro que não estou exagerando. Ouvir uma música de mais de meia hora como um concerto de Beethoven ou até uma longa ópera de Wagner que dura mais de três horas é simplesmente loucura. E isso segue o fato de que até mesmo as músicas populares já não têm mais de três minutos e algumas vezes eu me peguei ouvindo músicas e pensando se seriam elas apenas uma versão demo de outra completa que seria lançada depois, que nada!

O conteúdo então nem se fala. Sexo e bebida, basicamente. E não é nem que isso por si só seja desprezível. Esses temas já foram usados em grandes obras da literatura universal e da música. Trechos longos dos Carmina Burana que foram musicados por Carl Orff falam exatamente do ambiente de liberdade sexual e dos prazeres do álcool entre todas as classes. 

Primo pro nummata vini ex hac bibunt libertini
Semel bibunt pro captivis, post hec bibunt pro captivis
Quater pro christianis cunctis, quinquies pro fidelibus defunctis
Sexies pro sororibus vanis, septies pro militibus silvanis.

O primeiro (copo) é por aqueles que trazem o vinho que os libertinos bebem
mais um pelos prisioneiros, o terceiro é pelos vivos
o quarto por todos os cristãos , o quinto pelos falecidos
o sexto pelas irmãs vaidosas, o sétimo pelos soldados das guildas.

O problema não é o tema, mas a superficialidade com que ele é tratado. E nem seria também problema se uma ou outra obra se revelasse superficial se outras compensassem isso. Quando Orff fala de sexo ele o faz com cantores de grande técnica e uma orquestração admiravelmente divertida e isso torna o conjunto rico. Quando alguém canta sobre "sentar" ou "quicar" ou quando usa uma das muitas variações de palavras para "bunda" ela o faz com a mesma pobreza rítmica e melódica de todas as outras mil músicas iguais que vieram antes e das próximas mil que virão depois. Tanto que nem os produtores insistem muito, já que a obra nem conta com mais de três minutos porque sabem que ninguém ia aguentar mais do que isso. Seja pelo início e fim apoteóticos do Oh Fortuna, pela doçura da soprano ou pelo coral divertido a cantata Carmina Burana essa é uma obra que vale ser ouvida, ainda que desperte a sensualidade. As músicas que lançam todo dia não, são repetições vazias. A comparação é obviamente injusta mas se faz necessária, uma vez que ambas são chamadas, impropriamente, de "música" e que a cantata seja desprezada por quem escuta funk.

Se a arte nos leva a essa superficialidade não é de estranhar que as conversas das pessoas sejam cheias de banalidades, até mesmo quando se pretendem certa profundidade. Aqui temos então uma distinção. Um primeiro grupo nem sequer se pretende aumentar o nível do que fala e se contenta em comentar fatos banais da vida, em geral da vida sexual, ou do clima como se isso fosse a mais alta metafísica. Outros acham que só vale a pena falar se for sobre algo complexo que exija pelo menos vinte anos de estudos e a leitura de centenas de livros que eles nunca leram. Bom, pelo menos vale a intenção. 

Eu acho que é mais válido não exagerar em coisas supérfluas. Comentei com um amigo outro dia que até quando digo alguma baixaria tem ali um fundo confessional, isto é, o que a gente conversa não é besteira, não é como outras conversas que são fechadas em si mesmas. Uma conversa profunda não significa falar de metafísica e nem de política internacional o tempo todo, tampouco falar do banal por si mesmo apenas como quem não consegue ficar calado.

Isso é uma coisa que as pessoas não entendem, nem mesmo muitos dos conservadores. Os que não sabem o que é vida intelectual acham exagero uma vida de estudo, minha chefe já chegou a brincar que eu leio demais quando, no decorrer de uma semana, eu li todos os artigos que ela levara meses para ler. Os conservadores já se levam a sério demais, Olavo de Carvalho contava que a esses um de seus filhos via e chamava de "adultinho", a pessoa que pra ser levada a sério age com pompa e circunstância. Adotam uma pose de afetação e só conversam do alto de seu universo semântico. 

Por isso ambos me desprezam. Se eu posto uma foto de Bento XVI sou um fanático religioso porque admiro um símbolo do tradicionalismo, um "reformador fracassado" como disse o Leonardo Boff, criatura abjeta incapaz de conceber uma inteligência maior que a dele justamente por não a tê-la. Se eu posto a foto um idol de Kpop de calcinha os conservadores me acham um pervertido vazio. Ninguém enxerga a admiração, porque não sabem o que é isso, seja no nível intelectual ou no nível estético, ainda que mais baixo que seja.

Não são capazes de perceber que, por trás de uma foto, está uma admiração por um dos maiores intelectuais de nosso tempo, por um homem santo que fez da sua vida um testemunho de humildade e que apenas com a força silenciosa do seu exemplo imprimiu no coração da cristandade muito da espiritualidade perdida pela reforma litúrgica. Por outro lado, na sensualidade exagerada há um grito de desespero pela morte da estética que, quando não sacrificada em nome de uma eterna provocação artística fechada em si mesma acaba por ser apenas exaltação da sensualidade também fechada em si mesma. 

Quando vejo um homem bonito eu me encanto com suas formas, mas queria que não só a forma fosse bela mas que o mundo ao redor dela também contivesse mais beleza. É um desejo não apenas pelo objeto ali exposto mas sim pela beleza maior e mais profunda que ele poderia muito bem simbolizar e que, de certo modo, ainda simboliza porque a beleza sendo verdadeira não se separa da verdade, mesmo que ninguém mais consiga perceber a ligação entre elas.  

Quando olhamos os corpos do padrão estético, atualmente em constante crítica mas infelizmente pelos motivos errados, vemos que ainda resta algo que os gregos já percebiam e cultuavam. Mas se o belo corpo grego era sinal de uma beleza maior, esta por sua vez invisível e ideal como ensinou Platão a toda posteridade, o corpo atual se fecha em si mesmo e poucos busca ver nele o que significava há pouco mais de dois mil anos atrás. 

domingo, 15 de janeiro de 2023

Confissão

Uma conversa com um amigo que se tornou uma reflexão

O exercício da confissão que é o ponto de partida pra qualquer mudança da nossa vida deve ser constantemente reavaliado e a gente deve sempre buscar mais e mais sinceridade. A confissão sacramental é a sacramentalização de uma confissão mais profunda que temos durante o exame de consciência, e é nesse momento que nos apresentamos diante de Deus que tudo sabe, de modo que a nossa sinceridade é que vai indicar a nossa vontade de mudar. 

É diante d'Ele que nos apresentamos, um observador onisciente, e então expomos toda a nossa fraqueza, ao ver essa sinceridade nós estamos nos abrindo mais a sua ação divina e então entramos nos aposentos mais íntimos do nosso castelo interior, mais próximos e mais configurados a Ele. 

Então como podemos ser mais sinceros com Deus? Sendo ainda mais sinceros com nós mesmos. Por exemplo, ao dizer que você tem notado uma fraqueza maior você tem encoberto essa fraqueza com um véu, com esses termos que amenizam a culpa e a fraqueza, o que significa que mesmo que para Deus você diga mais do que diz para mim, ainda há um impulso de encobrir essa fraqueza, e então Deus não pode agir completamente porque você ainda está está escondendo, você se mostra mas ainda se esconde quando ele se aproxima e então não consegue operar a mudança;

A nossa ação deve ser entregar pra Ele tudo, por mais baixo que seja, e pedir que ele melhore isso em nós. Então essa atitude de ser sincero sem meias palavras, é a ação de uma sinceridade que diz: tu sabes de tudo, mas eu to te mostrando mesmo assim e pedindo sua ajuda.

O ponto em que citei o trecho de Harry Potter é aquela frase, a de que "o medo do nome de uma coisa só aumenta o medo da própria coisa", isso também é uma lição, aceitar essa fraqueza de frente é justamente encarar e lutar e pedindo a ajuda de Deus. Dele não podemos nos esconder porque Ele tudo vê, mas ele não faz violência a nossa liberdade e nos muda sem que estejamos completamente abertos a sua graça.

E então, quando aceitamos isso nós agimos como aquela pecadora que se abaixou para lavar os pés de Jesus com o melhor perfume e secar com o próprio cabelo, nós derramamos o que somos aos pés dele e pedimos que ele nos purifique, que nos transforme e configure a Ele.

E é nesse espírito de confissão que eu penso nessa resolução: a de que eu tenho me afastado cada vez mais de Deus e concentrado as minhas energias na minha própria solidão. Quantas vezes me vejo pensando apenas no outro, na companhia que desejo, no amor que gostaria de receber, na atenção que gostaria de ter?

Isso é uma forma clara de dizer que o importante para mim não é a visão que Deus tem de mim mas, antes disso, a visão que os outros têm de mim. Essa posição vai completamente contra as palavras de Santa Terezinha que, eu desejava, fossem para mim palavras de ordem: 

"Que eu nunca procure e nunca encontre senão a Ti. Que as criaturas não sejam nada para mim e que eu nada seja para elas.  Mas que Tu, Jesus, sejas tudo... tudo! Que as coisas da Terra jamais consigam perturbar minh'alma e que ninguém perturbe minha paz"

E então vejo, diante dessa pequena gigante, que eu estou muito distante disso. E também agora, há apenas alguns dias do falecimento do Santo Padre o Papa Bento XVI, que também não se importou com o que diziam os homens e teve a coragem de fazer o que era certo e melhor para a Santa Igreja. Ambos esses santos tinham em mente uma realidade muito maior: suas ações não estavam medidas de acordo com a vida dos homens, mas eram feitas em face da eternidade, onde tudo adquire um novo senso de proporcionalidade. 

De que me serviriam milhares de curtidas e seguidores? Apenas a impressão de um vazio sendo preenchido quando o vazio continuaria aqui, apenas estaria me distraindo dele. A necessidade premente de postar fotos, de chocar com posts inesperados, tudo isso grita como eu vivo de compaixão e que tento conseguir isso com a minha postura online, me expondo de forma gratuita e desnecessária e tendo o efeito contrário ao que eu esperava: as pessoas não se interessam mais por mim, antes disso, se afastam cada vez mais por ver nessa minha atitude o grande vazio em que se encontra a minha alma. 

Também tenho me entregado aos prazeres baixos e efêmeros da masturbação. O que poderia haver de mais patético que isso? A carência que se demonstra em momentos de desespero hormonal e que, durando alguns minutos miseráveis, retorna o mais absoluto silêncio e solidão. A pornografia se tornou uma companhia escatológica todas as noites. Em momentos assim eu sou apenas um animal vazio seguindo seus apetites sexuais, como um cão no cio. Também aqui vejo a excessiva valorização da presença humana. 

Olhar para esse meu lado me dá um pouco mais de noção da imensa grandeza de Deus e da minha pequenez, e tanto mais reconheço que preciso Dele para me fazer melhor, porque eu mesmo não sou nada.

- Mas como eu posso saber que estou sendo sincero? 

Pode parecer que isso aumentaria o escrúpulo mas o que pode resolver isso é justamente um exame de consciência cada vez mais aprofundado, e como isso é difícil de fazer da pra usar algumas medidas externas. Por exemplo, quando você fala comigo amenizando o que quer dizer você o faz sabendo que eu vou entender, mas o fato de falar assim mostra uma tendência a esconder a falha, e se você faz isso diante de um homem que você conhece bem as falhas e os pecados, como não deve fazer diante de Deus que é perfeito?

Por isso existe a Igreja, é a convivência na comunidade cristã que vai te ensinando isso aos poucos. Como eu estou fazendo agora. Até aquele seu conhecido de moral relaxada pode ensinar algo nesse sentido, por exemplo, se você perguntar a ele sobre uma situação moral ele vai te responder então você jé sabe que o certo é o completo oposto. Esse contato com o outro, suas falhas e seus méritos, vai nos ajudando nisso.

Ao ver uma pessoa arrogante, ao invés de pensar "nossa como eu sou humilde" pense "nossa e se em algum momento eu fui ainda pior?" ou algo mais próximo da nossa realidade, ao ver uma pessoa se entregando ao pecado, ao invés de pensar "ainda bem que eu não faço isso" pensar "nossa, que bom que Deus me livrou desse pecado, porque eu sozinho teria caído ainda pior do que ele."

E também é importante não diminuir ou esconder o que você sente, já notou que eu sempre comento com você tipo "hoje eu tê com o tesão de uma prostituta barata?" ou "hoje eu queria dar pro exercito de Israel", eu não digo isso apenas pra chocar, mas é uma confissão, eu na verdade tô dizendo "olha o tamanho da minha baixeza, olha o quanto eu queria me entregar ao pecado" e eu poderia esconder isso e dizer "estou passando por tentações ultimamente" e eu saberia que você iria entender, mas não estaria sendo sincero. Ser sincero com você que é visível me ajuda a ser sincero com Deus que eu não posso ver.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Poder e Dor

Como não me senti satisfeito com o resultado da resenha resolvi retomar um tema de Weak Hero Class 1 que me marcou profundamente e que por isso merece uma atenção especial e uma análise um pouco mais meticulosa, dentro dos limites da minha expressão. 

O personagem Oh Beom Seok (interpretado pelo fofo Hong Kyung) é o grande ponto de virada da temporada. Ele é apresentado como um jovem que precisou mudar de escola no meio do período, tímido e assustado por conta de experiências que são mostradas ao longo da série. Logo de cara ele é abordado por um valentão que já o intimida e o faz prejudicar o outro protagonista durante uma prova, gerando o ponto de ignição pra trama. 

Seu contato com Yeon Shi Eu (Park Ji Hoon) e com Ahn Soo Ho (Choi Hyun Wook) é tenso. Por um lado o primeiro sabe que ele foi manipulado e acaba dando uma surra só nos outros rapazes, mas ele ainda fica assustado por se ver tão impotente nessa situação. Quanto a Soo Ho ele o procura quando descobre que Shi Eu vai ser atacado por um grupo grande demais para se defender sozinho, ele vence a timidez e convence o outro a ajudar. Daí em diante eles passam a andar juntos, numa amizade interessante entre três rapazes excluídos mas muito diferentes. E é claro que uma coisa fica evidente: os outros dois podem muito bem se defender sozinhos e ele não, ele pode facilmente voltar a ser alvo se não fosse pela companhia dos outros dois. 

Quando ele é obrigado a confrontar o passado doloroso da outra escola ao reencontrar os antigos agressores e também sem saber lidar com os sentimentos que têm por Soo Ho e nem com a adição de uma garota que passa a andar com eles depois da primeira metade da obra ele começa a perder então o frágil controle da situação. Ele percebe a fragilidade da sua condição e se sente inseguro quanto ao que ele significa para os outros dois amigos. Esse medo crescente se soma as constantes violências que ele sofre em casa de seu pai adotivo, que só o adotou para posar como pai de uma família perfeita na sua carreira política, o que é muito prezado na política coreana onde todos devem ser uma nova mulher de César.

Essa insegurança o faz desejar mais poder para se defender. Shi Eu pode não ser forte fisicamente mas é inteligente o bastante para conseguir lutar, enquanto Soo Ho é uma máquina de lutar. Ele não é forte e nem inteligente para se defender sozinho. E é quando, chateado pela intervenção da garota na amizade deles, ele acaba se juntando justamente ao primeiro grupo de valentões que mexeram com ele na nova escola e descobre a influência de um novo poder: o dinheiro.

Esse é um princípio importante em ciência política que muitas vezes não é levado em conta: as diversas formas de poder. No português temos a facilidade de poder ser verbo e substantivo, o que nos deixa a definição de que poder é poder fazer alguma coisa. Beom Seok não tinha poder físico como seus amigos, e não podia se defender sozinho e muito menos se vingar sozinho, mas ele tinha dinheiro e, ao comprar os novos amigos com roupas e bebidas ele conseguiu se tornar parte de um grupo maior e que também tinha poder físico para protegê-lo.

Assim ele pôde experimentar uma sensação nova: a de ter o controle da situação pela primeira vez e assim dar vazão a toda a angústia que ele vinha aguentando todo esse tempo. Talvez aqui sirva a máxima de que o sonho do oprimido é ser opressor, embora eu não goste de máximas assim acho que foi, em parte, a mensagem passada. 

Depois de se vingar dos antigos agressores ele volta seu interesse para Soo Ho, ainda ferido pelos sentimentos confusos em relação ao amigo e da relação dele com a garota ele se torna ainda mais violento e inconsequente, ao passo que mergulha ainda mais numa melancólica e apática existência que tem como único foco conseguir retomar a atenção do outro, ainda que pela dor, que é a única linguagem que ele conheceu. 

E então se desenrola o grande arco da queda, onde ele recorre ao artifício baixo de contratar um profissional para machucar o antigo amigo num plano ousado que, ao cabo, terminou numa tragédia que o fez cair em si do peso de seus atos movidos pela vontade de poder e de vingança. Ele percebeu que desceu ainda mais e já não tinha nem sequer um motivo para existir. Ao fim da série ele só consegue perguntar como está o amigo e nada mais diz e nem importa, se entregando para ser machucado por Shi Eu, que não consegue por ainda vê-lo como um amigo mesmo tendo violentamente acabado com todos os envolvidos, numa cena tocante e brutal. Ao fim ele vai embora chorando, numa cena que mostra como ele se quebrou nessa história e como sua personalidade se perdeu depois de tanta dor e de ter se tornado aquilo que um dia tanto o machucou e que, ainda assim, só encontrou mais dor e o desespero de quase ter matado uma pessoa valiosa para ele. 

Uma imagem que me vem a mente é a do mito de Ícaro que, ao voar perto demais do sol, acaba caindo e morrendo. Assim como no mito Beom Seok se corrompeu pela sensação de poder e superioridade, o sol seria ser reconhecido por Soo Ho pro sua força, o problema é que ele era reconhecido pelo amigo, só não se deu conta disso, e como o amigo aparentemente preferiu outra pessoa, passando os braços ao redor dela como fazia com ele, ele tentou outra forma de provar essa força e assim acabou caindo e se machucando ainda mais. 

Achei uma abordagem psicologicamente brutal, e as expressões do personagens foram mudando tanto ao longo da temporada que eu terminei absorto no olhar dolorido dele. Aliás os olhares dos três protagonistas são um grande destaque na obra. Soo Ho é leve e descontraído, e embora tenha que trabalhar muito pra se manter ele está sempre de bom humor, gostando de beber e comer o tempo todo, quando não está dormindo. Shi Eu é apático e tem os olhos frios e vazios o tempo todo, e ao longo da série vemos eles se iluminando com a convivência dos amigos e especialmente da proximidade de Soo Ho e, depois, se enche de tristeza ao ver a dor pela qual eles estão passando, mas ainda é uma vitória porque olhos doloridos não são mais olhos vazios. E por fim Beom Seok que começa assustado e depois se torna completamente alucinado e cego de vingança, depois de passar por um breve período de tranquilidade onde também se iluminou. Por fim é ele que termina com os olhos vazios e num silêncio melancólico, completamente destruído. 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

A Personalidade Burocrática

Basta olhar ao redor para as pessoas que vão e voltam do trabalho todos os dias e nas fotos que elas postam na internet para perceber que as suas vidas se dividem em duas metades conflitantes e inconciliáveis entre si, muito embora sua existência seja totalmente baseada nessa conciliação. Acontece o seguinte: a pessoa média acorda cedo, coloca o uniforme e pega o ônibus até chegar ao trabalho onde, pelas próximas sete ou oito horas, vai cuidar de documentos, vender produtos, emitir documentos e ser parte integrante de uma imensa burocracia estatal, seja por meio de impostos, por prestação de serviços ou toda sorte de trabalhos executados. Depois disso ela sai dali e, da noite de sexta até o domingo ela usa toda sua energia para recuperar-se do seu cansaço, beber cerveja e sair com os amigos. Até aí nada parece errado, no entanto, ao olhar mais de perto há um problema profundo que vem destruindo a personalidade de nossa gente. 

Durante boa parte da Idade Média, e também antes disso no mundo grego do Helenismo, a educação significava uma formação integral do ser humano. Formava-se o homem para a vida de virtude que, por consequência mas sem ser o centro de sua ação, formava profissionais capazes. Era então o homem de virtude que tornava-se o bom político, o bom empreiteiro, o bom filósofo. Isso foi muito bem descrito no livro de Stephen Jaeger, A Inveja dos Anjos, que assim a define: 

Antes do surgimento das universidades, a máxima das escolas catedrais do século XI era formar os alunos nas “letras e costumes”, ou seja, aperfeiçoar neles não só o conhecimento teórico, mas sobretudo a postura, os modos e a eloquência. Muitos foram os jovens que ingressaram nessas escolas para de lá ressurgirem como grandes bispos, conselheiros reais, santos e beatos. Com frequência referiam-se a esses centros de ensino como “uma segunda Atenas”, “uma segunda Roma”; os mestres eram chamados de “nosso Platão”, “nosso Sócrates”, “um segundo Cícero”. Seu princípio fundamental era que a verdade se expressa na personalidade humana, em sua conduta, em seu porte, e sua pedagogia se baseava na irradiação, a partir da presença física do mestre, de uma virtude transformadora. Tão maravilhosa é essa força que os próprios anjos poderiam invejar dos homens esse magnífico dom.

Um pouco mais tarde, quando as universidade, a começar dos estatutos da Universidade de Paris, passaram a criar planos de carreira para os intelectuais o objetivo da formação se deslocou da integralidade da vida para a formação profissional de algum modo. O objetivo era agora formar um bom advogado, um bom teólogo e não mais um bom homem que era também teólogo ou advogado. 

Os anos se passaram e nem mais se busca a formação de um bom profissional, apenas que ela consiga desempenhar com o mínimo de eficiência tal ou qual profissão sem nenhum conhecimento mais profundo daquilo e muito menos sem nenhuma preocupação com a virtude desse homem. Não é preciso prestar muita atenção que isso é uma forma muito diminuída de existência. E se você não consegue perceber isso como algo óbvio é porque já se perverteu a ponto de acreditar nesse sistema. 

Por isso hoje observamos as pessoas que só existem realmente após o expediente, é ali que seus valores são demonstrados, ou a ausência deles, e que ele assume ter sentimentos, sonhos, enfim, toda sorte de experiências humanas. Durante todo o tempo ele vive uma existência diminuída, oficial, burocrática, que se resume a assinaturas e carimbos. Isso é obviamente um modo de vida psicótico, a vida real das pessoas só começa após bater o ponto. A vida de virtude é coisa que se encontra apenas em livros que ninguém lê e em altares que ninguém mais rodeia. 

O homem se tornou uma versão muito diminuída de si mesmo, dividido demais para ser uma unidade, e o progresso da tecnologia e a exatidão dos processos burocráticos e científicos da a ideia de que o homem evoluiu, quando evidentemente tem existido muito aquém do que poderia ser. A formação é apenas profissional, no sentido mais baixo desse termo, e homens de verdade são raros e, quando existem, tachados de loucos por não compactuarem com a loucura da normalidade burocrática que diz que um pedaço de papel dizendo que você existe é mais importante do que a sua própria presença, como o falecido Matias Pascal de Pirandello. 

Muitas vezes vejo como isso afeta a mim mesmo. Nesses dias de férias de verão eu tenho deixado a barba crescer e não tenho feito depilação e nem a sobrancelha, tudo isso com a desculpa de que, quando voltar ao trabalho terei de obrigatoriamente fazer isso e, como dá trabalho, eu prefiro deixar as coisas como estão. É um exemplo claro disso: posso sair e ir a missa assim mas para o trabalho, para a vida oficial, eu devo me preparar previamente, quando a ação deveria ser absolutamente em contrário, eu deveria reservar o meu cuidado sempre, independentemente da vida real ou oficial, porque em verdade essa divisão não existe, é tudo a vida real. Por isso quando eu estudo, eu não estou me refugiando num plano intelectual e depois fecho o livro e vou atender, não, mas o que eu aprendi ali serve pra usar no meu atendimento, serve pra forma como vou me comportar no ônibus ao voltar pra casa, serve ao sair para beber e serve para pensar antes de dormir.

As pessoas prostituem a sua consciência pela aceitação pelo meio, os absurdos vistos ao seu redor não ecoam em seus valores, apenas passam a corrompem cada vez mais, enquanto essa divisão quebra a personalidade e reduz os homens a máquinas de trabalho, que não pensam, não se revoltam e apenas vivem em busca de dinheiro para dar continuidade a uma vida em busca de mais dinheiro, nunca encontrando um término desse ciclo infernal.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Resenha - Remember Me

Contém SPOILERS!

Com a proposta de apelar para a nostalgia e contar uma bela história percorrendo várias fases da vida de seus personagens Remember Me chegou como um ponto fora da curva dos lançamentos atuais, mostrando um grupo de amigos que cresce junto e assim vai partilhando as dificuldades bem como as alegrias, desde as brincadeiras de criança aos problemas da vida adulto, passando, é claro, pelo conturbado período de descobertas da juventude.

O nosso grupinho é formado por Gun, Em , Name, Nan e Champ. Os cinco se conhecem desde pequenos e percorrem uma longa jornada de amadurecimento, depois se juntando a eles também Golf que estudava na escola vizinha e vai pra mesma faculdade deles em Bangkok.

Gun e Golf (First Chalongrat e Ja Pachara, de Don't Say No) começaram a trocar cartas na infância, numa atividade das suas escolas e se tornaram grandes amigos, o que depois acaba evoluindo para uma paixão mas, por conta da insegurança de Gun sobre sua aparência e sobre os sentimentos do outro eles nunca se conheceram pessoalmente, ou melhor, nunca chegaram a se falar, mesmo Gun sabendo quem é Golf e se tornando parceiro de trabalho na faculdade. 

Name e Em (Title Teshin e Man Supakrit, de The Yearbook) protagonizam a história com o maior impacto afetivo. Name sofreu um trauma na infância e por isso desenvolveu uma mudez seletiva. Por conta disso ele passou a sofrer bullying na escola e, por isso, sua mãe o levou para uma cidade do interior, onde ele conhece Em que, sem fazer perguntas sobre os motivos do garoto não falar, simplesmente o leva para conhecer os outros, que o acolhem. 

Nan (Mean Phiravich, de Love By Chance 2 - A Chance To Love) é o mais velho do grupo e o primeiro a ir para a faculdade, tendo que aprender a superar a fase da pura diversão e paqueras e focar na vida séria quando conhece uma veterana que, apesar de despertar seus sentimentos, não acha que o garoto é capaz de levá-la a sério. 

Champ (o fofíssimo Title Tanatorn) é um jovem muito apegado a sua família, especialmente ao seu avô, e ele faz de tudo para dar a ele orgulho, tendo então que aprender a lidar com as frustrações da vida jovem e adulta e, principalmente, a superar o luto e as expectativas que criamos por causa de quem amamos. 

A série mescla essas histórias que se passam em vários anos, mostrando vários lados do amadurecimento dos meninos. Com uma pegada realmente nostálgica e cativante ela usa de vários elementos para mostrar, por exemplo, como a tecnologia foi transformando a forma como as pessoas se comunicam e o impacto disso nos seus relacionamentos. Gun e Golf começam a conversar por cartas, mais tarde passam a trocar emails, depois vão conversar no MSN, trocam mensagens no Blackberry e, por fim, chegam ao LINE (aplicativo de mensagens parecido com nosso WhatsApp) e nisso não é apenas a tecnologia que muda mas os sentimentos deles que, com o passar dos anos, vão se tornando mais fortes a medida que eles se aproximam. 

A história de Name é realmente emocionante. O garoto com muitos traumas não consegue falar, com poucas exceções ao falar brevemente com Em e, finalmente, após uma experiência catártica em que ele precisou falar numa situação extrema. Vemos então o tempo em o personagem sofreu com a mudez e a depressão, sem conseguir sair de casa e se sentindo longe até dos amigos que foram estudar na capital. Impossível não se emocionar com seu arco, e ver como se deu também um afastamento e reaproximação de Em e como isso impactou na vida dos dois. 

Com essa aura de nostalgia, no entanto, a série peca por não dar tanta profundidade assim aos seus personagens, deixando muita coisa por conta da sensibilidade do espectador. Gun e Golf começam a namorar num episódio e dois episódios depois, num salto temporal, já estão com o relacionamento em crise, mas não foi possível ter tempo de sentir esse impacto, deixando tanto o problema quanto a resolução sem o impacto necessários. Apenas Name realmente consegue cativar porque sua história teve todos seus elementos bem explorados, sendo realmente emocionante e, embora Champ também consiga emocionar é mais pela atuação do Title do que pelo problema em si. 

A série acerta muito no tom e na importância dos outros personagens na vida dos protagonistas. Nós vemos o peso da família tanto ao dar apoio quanto também em ser fonte de ansiedade e insegurança pros meninos, ao mesmo tempo que crescem e aprendem com eles. Infelizmente acho que a amizade dos meninos também deixou um pouco a desejar, já que eles parecem enfrentar os problemas sozinhos e só se encontrarem em momentos sem muita importância, o que não deixa de ser um retrato fiel da realidade, afinal ninguém mantém as amizades da infância com a mesma presença a vida toda. 

Com uma trilha sonora cativante, uma fotografia simples e perucas horríveis (afinal quem não teve um cabelo estranho na juventude?) a série mostra um grande recorte da vida, indo da infância até o amadurecimento e mostrando as diversas fases do crescimento e os diferentes motivos que nos levam a ver a vida com mais pé no chão. 

Nota: 08/10

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Quatro condenados


Sísifo, Tântalo e Prometeu conhecem o meu suplício, tão distante e tão próximo, sem nunca findar, um eterno retorno insuperável pois pesam em minhas mãos as correntes celestiais, forjadas pelos deuses para aprisionar seus inimigos. Me encontro então no topo daquela montanha, tendo meu fígado devorado por uma grande animal ao mesmo tempo que constantemente levo uma pedra ao seu topo, onde nunca chego e sem poder me alimentar das ervas do campo e nem das fontes que ali se encontram, sem tampouco poder morrer, sendo que minha condenação é perecer pelos séculos dos séculos, sem patrono a invocar, sem exílio nesse mundo. 

Essa montanha é, ao mesmo tempo, casa e prisão, e dos céus sinto o olhar vigilante daqueles que velam minha dor e que se satisfazem com as minhas lágrimas e com o meu sangue com que alimentam aquela fera alada que me devora a carne apenas para que ela seja refeita de novo e de novo, sem que eu nunca consiga alcançar meu objetivo, pois toda vez que ele se encontra perto de minhas mãos a pedra rola novamente abaixo e as ervas são lançadas para longe, enquanto as fontes se secam apenas para voltar a sorver a torrente quando me afasto, perfumando o ar de seu frescor enquanto meus músculos padecem de tremores e calores pelo esforço contínuo do enésimo suplício. 

E eu só queria que uma vez, que apenas uma vez, eu fosse amado de volta. Eu só queria que ele me amasse como eu o amo. Que ele não fugisse de mim, que ele não fugisse de si mesmo, desesperado de medo de seus sentimentos, e que eu pudesse ser para ele mais do que um contato e alguém de confiança, que eu fosse para ele o que ele é para mim, um porto seguro, um ombro amigo e um colo para deitar. 

Mais uma vez é apenas um sonho, e como seria feliz se não sonhasse com ele ao meu lado daqui alguns anos, se não fantasiasse nas noites lindas de encantos e sorrisos, nos momentos de íntimo contato... E então é aí que eu acordo, tendo meu fígado sendo dilacerado por um animal maldito, e fito as correntes que me aprisionam a esse destino, preso no alto de uma montanha, enquanto ele se afasta cada vez mais num navio que aos poucos desaparece no horizonte... 

Mas parece que é apenas isso, uma prisão num pesadelo. E essa noite será longa, ele já se despediu e a garrafa do vinho barato que tinha aqui já está seca e eu continuo sóbrio e ainda mais consciente da minha solidão. Todas as minhas investidas até hoje foram ignoradas com uma piada. É, eu realmente não sou muito mais do que isso: uma piada.

O outro passou por mim sem me ver ou, se me viu, fingiu não reconhecer, e ainda que reconhecesse, eu sei que em nada mudaria o que sente por mim também: nada. E é aqui nessa montanha que a esperança e os sonhos se transfiguram em açoites. 

Meu professor certa vez disse que o amor verdadeiro sempre é correspondido, já que o amante cobre o amado de todo o bem que seu coração pode conceber. Isso faz com que eu pense que meu amor então não é verdadeiro, visto que não sou correspondido. Ou tanto mais impuro seja meu amor que quer apossar-se do amado ao invés de simplesmente desejar-lhe o bem mais profundo. Minha necessidade de estar então ao lado de quem amo é apenas carência e não amor de verdade. Eu não sei o que é o amor, e talvez por esse crime eu seja condenado.

E quando o sol começar a nascer, eu devo começar a rolar a pedra montanha acima e a sede deve tomar conta da minha garganta, e eu sei que a fonte cristalina vai fugir por entre meus dedos e tudo que eu poderei fazer é olhar e esbravejar aos céus, enquanto vejo a temível água vir cumprir seu papel de me trucidar a carne e levar o meu ser a loucura. 

"Dentro de paul cruzei com Tântalo
sofrente, pois que a água lhe lambia o mento.
Sedento, não tocava nela: toda vez
que o velho se curvava com garganta seca,
a água tragada se ocultava, e, aos pés, o solo
enegrecia, pois um demo a ressecava." (Homero)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Resenha - Weak Hero Class 1

Contém Spoilers!

A Coréia já vem ensaiando um dorama BL há algum tempo, e esse foi o motivo que me levou a ver essa série, os spoilers sobre a amizade dos personagens principais que se parecia muito com o desenvolvimento de alguns BLs, mas o que eu encontrei, além dessa clara temática, foi uma abordagem impressionante sobre dois temas: os impactos da violência e o poder, e como essas duas coisas se mesclam mudando as pessoas afetadas por elas. 

A história começa com Yeon Shi Eu (Park Ji Hoon, ex-membro do Wanna One), um premiado aluno de uma grande escola de Seul que, embora seja fraco fisicamente, consegue lutar contra seus agressores usando o conhecimento. Ele é apático e de poucas palavras, só reagindo em situações extremas. Também somos apresentados a Ahn Soo Ho (Choi Hyun Wook, de Racket Boys) que é um ex-atleta e que agora trabalha em vários empregos de meio período e que consegue lutar incrivelmente bem mas que está sempre dormindo e não procura confusão. 

Depois de uma violenta provocação dos valentões da escola, bem no estilo coreano mesmo, Shi Eu reage de forma ainda mais violenta e acaba sendo alvo de retaliação, onde acaba se aproximando de Soo Ho e de Oh Beom Seok (Hong Kyung), um jovem franzino que acabou de se mudar para a escola deles e acaba sendo usado pelos valentões mas tenta se redimir. 

E então esse é o mote inicial: a violência, que já é uma velha conhecida das salas de aula coreanas, e a pressão pela perfeição dos alunos criam uma tensão permanente que não raramente acaba em tragédia. A violência acaba gerando mais e mais violência e aqueles que não têm força para reagir acabam se sujeitando aqueles que têm. Shi Eu tinha tudo para ser sempre provocado, por ser calado e não conseguir nem correr direito na educação física, mas quando conseguem fazer diminuir a sua nota ele reage e mostra que não deveriam mexer com eles, a menos que tivessem ajuda de alguém ainda mais forte, e aí se inicia um ciclo de ódio. 

Na metade temporada há um giro da temática e começamos a ver os impactos dessa falta de poder e dos constantes abusos na vida de uma pessoa. E então Beom Seok, que até então nunca conseguiu reagir a violência que sofreu, em casa e na escola, se vê confuso em relação aos seus sentimentos por Soo Ho e passa a querer mais poder, descobrindo que, quando não possui o poder físico imediato, pode-se usar do poder do dinheiro, e é desse modo que ele, embora ainda fraco, consegue vingança daqueles que o perseguiam e coloca um alvo no antigo amigo.

A forma como a violência pode quebrar a personalidade de uma pessoa é mostrada de uma forma brutal. Os três protagonistas são jovens e bonitos, mas dois deles tem essa aparência apática. Beom Seok é profundamente depressivo e passa a ter um projeto de vingança como hiperfoco. Ele é filho adotivo de um importante político que o adotou justamente para compor uma aparência familiar perfeita mas é extremamente violento com o garoto que então se junta a amigos que se aproximam dele por causa de seu dinheiro. Ele chega ao ponto da completa falta de qualquer outra perspectiva a não ser sua vingança, ao passo que Shi Eu e Soo Ho fortalecem o laço entre eles (e não tem cristão que me convença que isso não foi um desenvolvimento romântico) e passam a cuidar um do outro sempre mais, também chegando a extremos do desespero ao ver a destruição que a violência pode causar e tendo de recorrer a ela mais uma vez mostrando como esse ciclo é difícil de escapar. 

Com ótimas cenas de ação e uma fotografia bela, e até visceral, como uma boa produção coreana, essa série envolve e a gente quer devorar todos os episódios de uma vez, e acabamos nos prendendo aos personagens e sofrendo com eles a experiência do desespero da descida ao inferno e das consequência devastadoras do desejo de poder pela violência. 

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Anjos, homens e feras

Eles aparecem como príncipes, ou anjos encarnados, sempre com a pele clara, o cabelo em formato perfeito, lábios vermelhos ou rosados desenhados e um olhar que flutua entre a nobreza, a tranquilidade e a sensualidade. Não são homens, tenho certeza que não são, são imagens acima de toda possibilidade humana a minha disposição e, no entanto, eles andam por aí, sendo admirados por milhares, dentre os quais me conto e dentre os quais jamais no igualaremos a eles. 

E o mais que faço não vale nada! Não importa o quanto me barbeie aqueles malditos pelos continuam a crescer e endurecer a minha cerviz, me dando uma aparência brutal que não corresponde a nada da personalidade. Meu corpo disforme não fica bem nas fotos, há sempre dobras de gordura demais e nem as tatuagens conseguem ser um artifício estético satisfatório. Não importa quantos cremes, séruns ou camadas de maquiagem eu use, o resultado é sempre muito aquém daquele que nem sequer pode-se dizer que se trata da mesma coisa. Não somos da mesma espécie, são eles anjos que andam entre nós homens para nos inspirar ou nos causar pânico pela nossa pequenez e miserável aparência. Onde é que há homens de verdade nessa terra? Porque eu me olho no espelho e não vejo outra coisa senão uma fera. 

O que eu vou vestir na reunião de família hoje a noite? Não quero pensar nisso, e sei que vou apenas por obrigação, nenhum ânimo e nenhuma força pra conseguir sair da cama, então vou de qualquer jeito. Não quero beber, não quero ouvir música, não quero um abraço e nem nada do tipo, eu só quero ficar aqui que passe, esse torpor, essa... eu nem sei como descrever. Minha pele tá oleosa e minha barba e couro cabelo sofrem com um problema de fungos que me faz descamar, eu devia então cortar tentar melhorar essa aparência, mas simplesmente não consigo. Se abateu sobre mim uma pesada mão, e me derrubou, me derrotou. 

Ainda vou ter de ouvir as piadas bobas e comentários limitados. Queria ir a missa, uma missa digna de preferência, e então voltar para casa e dormir, apenas isso. Não quero sorrir, não quero conversar, não quero nada disso. Quero apenas a escuridão do meu quarto e, se possível, um silêncio até o próximo amanhecer. 

X

Você é tudo, seu sorriso doce e tímido, brilhante, sua pele maravilhosa, o seu cheiro de perfume da sessão masculina com nome idiota do supermercado, seu abraço apertado, as suas lágrimas aquele dia em que nos despedimos, o cheiro do seu pescoço quando te beijei pela última vez, a sua bunda maravilhosa que eu queria apertar um dia. Eu sorrio abertamente quando penso em você sabia? 

Algo entre os três amores dos gregos, Ágape, Phylia e Eros. O primeiro é o que se entrega, se doa e deseja apenas a felicidade do ser amado, nas palavras de Santo Tomás "amar é o desejo de eternidade da pessoa amada", e eu sinto isso quando penso em você. Penso em você se santificando no casamento, se tornando grande pai, preocupado com seus filhos e sua piedosa esposa, formando uma base sólida para o crescimento de todos. 

Phylia é aquele carinho profundo por entre pessoas de afinidade semelhante, é essa afeição que nasce da convivência e que gera um companheirismo que se apoia e se ajuda a crescer mutuamente. É belo por mostra a dimensão comunitária do homem que, sozinho, nada pode fazer. É phylia que ensina que precisamos do carinho entre uns e outros para continuar seguindo em frente.

E, por fim, Eros, um dos primeiros a surgir do caos, a personificação da atração. Governante dos sentidos e dos desejos, ou a ele é devotada máxima piedade ou dele fogem os puritanos com medo de darem vazão aos seus desejos de união profunda. 

Meu amor por você compreende todas essas realidades, de modos em que ora se mesclam e se distinguem claramente. Desejo a sua felicidade pura e simples, ao lado da mulher de sua escolha, ao mesmo tempo em que sinto que poderia satisfazer esse seu desejo se me desse uma chance. Meu carinho espero que possa continuar ajudando você a seguir em frente e, então o ponto problemático, o fato de que em meio a tudo isso ainda há um certo desejo erótico quando penso em você e sim, eu queria me aproximar mais e mais do seu corpo, ouvir seu coração e sua respiração arfada, sentir você dentro de mim como um só. 

Quando mais vou trabalhando melhor essa tensão mais percebo que não ela não passa de um grande devaneio. Eu sou um bom amigo e amigo próximo, mas nunca me permitirá ser o que eu quero ser pra você, alguém que faria de tudo para te ver feliz, mesmo que seja me afastar para que você encontre sua alma gêmea, enquanto eu, que poderia te fazer feliz também, só observo a distância, como Tântalo em seu enésimo suplício, assunto sobre o qual me aprofundarei em oportunidade futura.