quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Entendendo o vazio

Fiquei tão feliz ao vê-lo de relance ontem à noite, na janela de sua casa, à esquina de minha rua, e ainda mais feliz quando cheguei cedo a igreja e o vi se paramentando na sacristia. Mas ele nem mesmo me olhou, nem quando foi acender as velas do altar ou quando passou em procissão carregando a cruz de Nosso Senhor. 

Durante a celebração eu pude ver seu sorriso, acho que a primeira vez desde que o conheci, e achei simplesmente lindo. Naquela hora eu também sorri, e claro que fiquei sonhando com o dia em que ele sorrirá assim para mim, mesmo sabendo que isso é bem pouco provável. 

Ontem eu fui ver a queima de fogos num parque aqui perto de casa, à beira mar, e por incrível que pareça minha família toda resolveu ir. Mas lá, vendo todas aquelas pessoas felizes e sorridentes, simplesmente por festejarem, eu não consegui deixar de sentir uma solidão. Estranha, admito, pois estava com a minha família, mas a verdade é que eu queria estar ali ou em outro lugar, mas com uma pessoa especial. E mais uma vez torno ao assunto dessa solidão que me persegue, e eu gostaria de um dia conseguir dar mais profundidade a esse tema, sem permanecer na mesma reclamação sempre. Tantos casais sorridentes, de mãos dadas, felizes pela presença um do outro e muitos com aquela expressão satisfatória de que fariam sexo depois. Também nas redes sociais os casais postando fotos juntos, nas séries os jovens apaixonados dizendo o que sentem uns aos outros e se ligando para sempre. 

Acontece que, por mais que me ocupe, por mais que tenha comigo questão que me são de importância máxima, essa sempre acaba retornando, e eu acabo sempre me sentindo sozinho. Parece-me que como animal social eu sou incapaz de aceitar a minha solidão, parece que há sempre um vazio a ser preenchido, e sempre tenho a impressão de que esse vazio será preenchido por alguém, ainda que saiba que essa é a receita certa para um fracasso porque eu sempre vou entrar num relacionamento com expectativas demais e acabar por sufocar a outra pessoa, como já aconteceu antes. 

Eu realmente queria entender o motivo de ser tão carente, de sentir tanta necessidade assim do outro e, mais especificamente, de entender a razão de gostar apenas de quem nunca vai gostar de mim. Donde vem essa sabotagem? Donde vem essa necessidade tão premente que me faz contorcer e gemer de agonia tal qual réu na cela abandonado? 

É como se minha carne tivesse sido rasgada e implorasse, com cada uma de suas fibras, por ser restaurada e novamente ligada a outrem, e essa ligação se dará apenas no coração de outro. É como se eu fosse, em essência, incompleto e passasse os anos apenas em busca disso. Porque eu admito que até as questões que me são mais caras tomam uma dimensão diminuída em face a esse problema. Ao cair da noite é uma companhia, é num abraço apertado, num sorriso como o do jovem acólito, é nisso que eu penso. 

Me sinto fraco e patético, porque sei que há toda uma energia dispensada nesse objetivo tosco e ainda assim, mesmo sabendo que meu foco deveria ser conseguir chegar a uma vida intelectual eu continuo sendo puxado de novo e de novo para baixo. E isso se manifesta nas noites em que paro a pensar nisso, na masturbação e na pornografia constantes, mesmo sabendo que nada do que eu busco poderei achar num lugar desses, ainda que, se fechar os olhos e pensar em algo, me vem logo a mente aquele sorriso doce, e o desejo de que ele sorrisse daquele jeito pra mim. Como isso não acontece, eu quero me isolar e simplesmente fingir que não existo, me consumindo em auto piedade e ignorando o fato de que estou sozinho até que passe, até a próxima crise. 

Me recordo das palavras de São João da Cruz quando disse que "ferida de amor não se cura, senão com a presença e a figura" e que me vejo então como cervo ferido. Eu sei bem que esse vazio é um vazio do tamanho de Deus e por isso mesmo jamais poderá ser preenchido com outra pessoa, até porque nenhuma dessas pessoas me quer, e isso traz à tona ainda outra verdade inconveniente: a de que todo esse tempo em busquei servir a Deus de modo a preencher esse vazio, o que também não adiantou, o que significa que nem mesmo comecei a encontrá-lo, visto que meu vazio se encontra cada vez maior. 

Mas essa reflexão ainda está muito limitada, dei um salto que não consegui explicar e preciso conseguir me deter um pouco mais nela para conseguir dar uma forma mais ou menos aceitável e, talvez, entender um pouco mais sobre mim, afinal se isso toma tanto de meu tempo e energia eu devo me concentrar em entender esse problema de verdade primeiro. 

Pensando então, durante uma noite silenciosa de domingo sozinho na sacada acompanhado de uma bebida, eu tentei retornar até uma possível razão para esse comportamento. Parti da definição do homem como animal social de Aristóteles, do mito platônico dos homens divididos e condenados a buscar sua outra metade, passei com certa desconfiança pelo Contrato Social, pelo inconsciente de Freud e precisaria me deter com mais tempo a cada uma delas, mas sei que todos esses elementos estão presentes. Também está presente em mim a ausência da presença Divina, o já citado vazio do tamanho de Deus.

Acho, por isso mesmo que, então passando por tudo isso, o fato de que nunca busquei a Deus com a devida sinceridade seja então uma das causas mais profundas desse vazio. É isso que sinto ao ver que minha vida de oração poderia ser melhor, que minha confissão poderia ser melhor e que eu deveria fugir mais as ocasiões de pecado.

Também percebo a necessidade, urgente, de melhorar a forma como me vejo, de não buscar sempre defeitos e mais defeitos. 

Talvez esse seja um bom ponto de partida para uma investigação mais profunda. 

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