sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Quatro condenados


Sísifo, Tântalo e Prometeu conhecem o meu suplício, tão distante e tão próximo, sem nunca findar, um eterno retorno insuperável pois pesam em minhas mãos as correntes celestiais, forjadas pelos deuses para aprisionar seus inimigos. Me encontro então no topo daquela montanha, tendo meu fígado devorado por uma grande animal ao mesmo tempo que constantemente levo uma pedra ao seu topo, onde nunca chego e sem poder me alimentar das ervas do campo e nem das fontes que ali se encontram, sem tampouco poder morrer, sendo que minha condenação é perecer pelos séculos dos séculos, sem patrono a invocar, sem exílio nesse mundo. 

Essa montanha é, ao mesmo tempo, casa e prisão, e dos céus sinto o olhar vigilante daqueles que velam minha dor e que se satisfazem com as minhas lágrimas e com o meu sangue com que alimentam aquela fera alada que me devora a carne apenas para que ela seja refeita de novo e de novo, sem que eu nunca consiga alcançar meu objetivo, pois toda vez que ele se encontra perto de minhas mãos a pedra rola novamente abaixo e as ervas são lançadas para longe, enquanto as fontes se secam apenas para voltar a sorver a torrente quando me afasto, perfumando o ar de seu frescor enquanto meus músculos padecem de tremores e calores pelo esforço contínuo do enésimo suplício. 

E eu só queria que uma vez, que apenas uma vez, eu fosse amado de volta. Eu só queria que ele me amasse como eu o amo. Que ele não fugisse de mim, que ele não fugisse de si mesmo, desesperado de medo de seus sentimentos, e que eu pudesse ser para ele mais do que um contato e alguém de confiança, que eu fosse para ele o que ele é para mim, um porto seguro, um ombro amigo e um colo para deitar. 

Mais uma vez é apenas um sonho, e como seria feliz se não sonhasse com ele ao meu lado daqui alguns anos, se não fantasiasse nas noites lindas de encantos e sorrisos, nos momentos de íntimo contato... E então é aí que eu acordo, tendo meu fígado sendo dilacerado por um animal maldito, e fito as correntes que me aprisionam a esse destino, preso no alto de uma montanha, enquanto ele se afasta cada vez mais num navio que aos poucos desaparece no horizonte... 

Mas parece que é apenas isso, uma prisão num pesadelo. E essa noite será longa, ele já se despediu e a garrafa do vinho barato que tinha aqui já está seca e eu continuo sóbrio e ainda mais consciente da minha solidão. Todas as minhas investidas até hoje foram ignoradas com uma piada. É, eu realmente não sou muito mais do que isso: uma piada.

O outro passou por mim sem me ver ou, se me viu, fingiu não reconhecer, e ainda que reconhecesse, eu sei que em nada mudaria o que sente por mim também: nada. E é aqui nessa montanha que a esperança e os sonhos se transfiguram em açoites. 

Meu professor certa vez disse que o amor verdadeiro sempre é correspondido, já que o amante cobre o amado de todo o bem que seu coração pode conceber. Isso faz com que eu pense que meu amor então não é verdadeiro, visto que não sou correspondido. Ou tanto mais impuro seja meu amor que quer apossar-se do amado ao invés de simplesmente desejar-lhe o bem mais profundo. Minha necessidade de estar então ao lado de quem amo é apenas carência e não amor de verdade. Eu não sei o que é o amor, e talvez por esse crime eu seja condenado.

E quando o sol começar a nascer, eu devo começar a rolar a pedra montanha acima e a sede deve tomar conta da minha garganta, e eu sei que a fonte cristalina vai fugir por entre meus dedos e tudo que eu poderei fazer é olhar e esbravejar aos céus, enquanto vejo a temível água vir cumprir seu papel de me trucidar a carne e levar o meu ser a loucura. 

"Dentro de paul cruzei com Tântalo
sofrente, pois que a água lhe lambia o mento.
Sedento, não tocava nela: toda vez
que o velho se curvava com garganta seca,
a água tragada se ocultava, e, aos pés, o solo
enegrecia, pois um demo a ressecava." (Homero)

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