terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Informação demais também emburrece

As redes sociais criam em nós uma frenética estimulação constante dos sentidos, a quantidade de informações as quais somos expostos é gigantesca e a maior parte das pessoas não entende as dores de cabeça ou o permanente estado de confusão mental que isso gera. Passamos horas e horas rolando o feed do Instagram e do Twitter ou falando sobre qualquer coisa no WhatsApp e isso é demais para qualquer um. 

Isso gera um certo vício porque ficamos com a impressão de que a quantidade de conteúdo vai nos enriquecendo, quando na verdade ele nos torna incapazes de alcançar um conhecimento mais elevado, ainda que seja só um pouco. As pessoas já não conseguem nem ver um filme inteiro sem olhar o celular, mas conseguem passar horas e horas vendo fotos ou vídeos de trinta segundos. Isso porque esse conteúdo é mínimo e de fácil apreensão, mas ao ter contato com algo um pouco mais longo, seja um vídeo de vinte minutos ou mais já começa a desafiar a atenção dessas pessoas. 

Conheço gente que não consegue ouvir uma música normal sem passar logo para a próxima depois do primeiro refrão. Eu juro que não estou exagerando. Ouvir uma música de mais de meia hora como um concerto de Beethoven ou até uma longa ópera de Wagner que dura mais de três horas é simplesmente loucura. E isso segue o fato de que até mesmo as músicas populares já não têm mais de três minutos e algumas vezes eu me peguei ouvindo músicas e pensando se seriam elas apenas uma versão demo de outra completa que seria lançada depois, que nada!

O conteúdo então nem se fala. Sexo e bebida, basicamente. E não é nem que isso por si só seja desprezível. Esses temas já foram usados em grandes obras da literatura universal e da música. Trechos longos dos Carmina Burana que foram musicados por Carl Orff falam exatamente do ambiente de liberdade sexual e dos prazeres do álcool entre todas as classes. 

Primo pro nummata vini ex hac bibunt libertini
Semel bibunt pro captivis, post hec bibunt pro captivis
Quater pro christianis cunctis, quinquies pro fidelibus defunctis
Sexies pro sororibus vanis, septies pro militibus silvanis.

O primeiro (copo) é por aqueles que trazem o vinho que os libertinos bebem
mais um pelos prisioneiros, o terceiro é pelos vivos
o quarto por todos os cristãos , o quinto pelos falecidos
o sexto pelas irmãs vaidosas, o sétimo pelos soldados das guildas.

O problema não é o tema, mas a superficialidade com que ele é tratado. E nem seria também problema se uma ou outra obra se revelasse superficial se outras compensassem isso. Quando Orff fala de sexo ele o faz com cantores de grande técnica e uma orquestração admiravelmente divertida e isso torna o conjunto rico. Quando alguém canta sobre "sentar" ou "quicar" ou quando usa uma das muitas variações de palavras para "bunda" ela o faz com a mesma pobreza rítmica e melódica de todas as outras mil músicas iguais que vieram antes e das próximas mil que virão depois. Tanto que nem os produtores insistem muito, já que a obra nem conta com mais de três minutos porque sabem que ninguém ia aguentar mais do que isso. Seja pelo início e fim apoteóticos do Oh Fortuna, pela doçura da soprano ou pelo coral divertido a cantata Carmina Burana essa é uma obra que vale ser ouvida, ainda que desperte a sensualidade. As músicas que lançam todo dia não, são repetições vazias. A comparação é obviamente injusta mas se faz necessária, uma vez que ambas são chamadas, impropriamente, de "música" e que a cantata seja desprezada por quem escuta funk.

Se a arte nos leva a essa superficialidade não é de estranhar que as conversas das pessoas sejam cheias de banalidades, até mesmo quando se pretendem certa profundidade. Aqui temos então uma distinção. Um primeiro grupo nem sequer se pretende aumentar o nível do que fala e se contenta em comentar fatos banais da vida, em geral da vida sexual, ou do clima como se isso fosse a mais alta metafísica. Outros acham que só vale a pena falar se for sobre algo complexo que exija pelo menos vinte anos de estudos e a leitura de centenas de livros que eles nunca leram. Bom, pelo menos vale a intenção. 

Eu acho que é mais válido não exagerar em coisas supérfluas. Comentei com um amigo outro dia que até quando digo alguma baixaria tem ali um fundo confessional, isto é, o que a gente conversa não é besteira, não é como outras conversas que são fechadas em si mesmas. Uma conversa profunda não significa falar de metafísica e nem de política internacional o tempo todo, tampouco falar do banal por si mesmo apenas como quem não consegue ficar calado.

Isso é uma coisa que as pessoas não entendem, nem mesmo muitos dos conservadores. Os que não sabem o que é vida intelectual acham exagero uma vida de estudo, minha chefe já chegou a brincar que eu leio demais quando, no decorrer de uma semana, eu li todos os artigos que ela levara meses para ler. Os conservadores já se levam a sério demais, Olavo de Carvalho contava que a esses um de seus filhos via e chamava de "adultinho", a pessoa que pra ser levada a sério age com pompa e circunstância. Adotam uma pose de afetação e só conversam do alto de seu universo semântico. 

Por isso ambos me desprezam. Se eu posto uma foto de Bento XVI sou um fanático religioso porque admiro um símbolo do tradicionalismo, um "reformador fracassado" como disse o Leonardo Boff, criatura abjeta incapaz de conceber uma inteligência maior que a dele justamente por não a tê-la. Se eu posto a foto um idol de Kpop de calcinha os conservadores me acham um pervertido vazio. Ninguém enxerga a admiração, porque não sabem o que é isso, seja no nível intelectual ou no nível estético, ainda que mais baixo que seja.

Não são capazes de perceber que, por trás de uma foto, está uma admiração por um dos maiores intelectuais de nosso tempo, por um homem santo que fez da sua vida um testemunho de humildade e que apenas com a força silenciosa do seu exemplo imprimiu no coração da cristandade muito da espiritualidade perdida pela reforma litúrgica. Por outro lado, na sensualidade exagerada há um grito de desespero pela morte da estética que, quando não sacrificada em nome de uma eterna provocação artística fechada em si mesma acaba por ser apenas exaltação da sensualidade também fechada em si mesma. 

Quando vejo um homem bonito eu me encanto com suas formas, mas queria que não só a forma fosse bela mas que o mundo ao redor dela também contivesse mais beleza. É um desejo não apenas pelo objeto ali exposto mas sim pela beleza maior e mais profunda que ele poderia muito bem simbolizar e que, de certo modo, ainda simboliza porque a beleza sendo verdadeira não se separa da verdade, mesmo que ninguém mais consiga perceber a ligação entre elas.  

Quando olhamos os corpos do padrão estético, atualmente em constante crítica mas infelizmente pelos motivos errados, vemos que ainda resta algo que os gregos já percebiam e cultuavam. Mas se o belo corpo grego era sinal de uma beleza maior, esta por sua vez invisível e ideal como ensinou Platão a toda posteridade, o corpo atual se fecha em si mesmo e poucos busca ver nele o que significava há pouco mais de dois mil anos atrás. 

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